SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29Processos de ensino e aprendizagem na perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais: um estudo na licenciatura em QuímicaAs múltiplas ações dos animais e as possibilidades de abordagem interdisciplinar no Ensino de Biologia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub 16-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/1516-731320230034 

Artigo Original

Estados da Arte: aparando arestas na compreensão dessa modalidade de pesquisa

State-of-the-art: refining our understanding of this research modality

Paulo Marcelo Marini Teixeira1 
http://orcid.org/0000-0001-9359-7763

1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Departamento de Ciências Biológicas, Campus de Jequié, BA, Brasil


Resumo

Este trabalho é um ensaio teórico versando sobre a natureza das pesquisas denominadas de Estado da Arte, descrevendo suas principais características e diferenças em relação às revisões bibliográficas. Defende que não há argumentos plausíveis para a diferenciação entre Estados da Arte e Estados do Conhecimento, pois que, o escopo dos Estados da Arte é definido em função de sua preocupação com a análise da produção acadêmica e científica em determinado campo ou área de conhecimento. Por fim, explicita alguns procedimentos básicos envolvidos nessa modalidade de investigação e sublinha a importância dos Estados da Arte como estudos que situam as tendências e características das pesquisas produzidas em uma área.

Palavras-chave Pesquisa científica; Metodologia da pesquisa; Estado da arte; Sistematização do conhecimento

Abstract

This text is a theoretical essay on the nature of the research modality called State-of-the-Art, describing its main characteristics and differences in relation to bibliographical reviews. It argues that there are no plausible arguments for the differentiation between State-of-the-Art and State-of-Knowledge, since the scope of State-of-the-Art is defined as studies dedicated to the analysis of academic and scientific production in a field or area of knowledge. Finally, it explains some basic procedures involved in this type of investigation, and we point out the importance of State-of-the-Art as studies that situate the trends and characteristics of the research produced in a given area.

Keywords Scientific research; Research methods; State-of-the-art; Systematization of knowledge

Introdução

Estamos envolvidos com as pesquisas dentro da modalidade dos Estados da Arte (EA) desde 2004, quando ingressamos na Faculdade de Educação da Unicamp para realizar o curso de doutoramento. Acabamos defendendo um trabalho de tese que tomava como mote a seguinte indagação: o que sabemos sobre a produção acadêmica dedicada ao Ensino de Biologia no Brasil? (TEIXEIRA, 2008). Daquele momento para cá, muitos anos se passaram, de tal sorte que continuamos a trabalhar com os EA dentro do referido recorte investigativo, publicando, consequentemente, diversos trabalhos oriundos de investigações processadas nos últimos anos (TEIXEIRA, 2021, 2022; TEIXEIRA; MEGID NETO, 2006, 2011, 2012, 2017).

Ocorre que, ao longo desses anos, durante as aulas, orientações, apresentações de trabalhos em eventos, palestras e em outras situações diversas, as pessoas frequentemente nos procuram para dirimir dúvidas em relação a caracterização dos referidos estudos. De fato, ao acompanharmos a literatura, o termo parece carregado de polissemias e ambiguidades. A respeito disso, Salem (2012, p. 32, grifo nosso) assinalou que expressões como “[...] estado do conhecimento, estado da questão, revisão crítica, revisão bibliográfica, revisão de literatura, revisão teórica, sínteses [integrativas], balanços [críticos], entre outras, são utilizadas indiscriminadamente para nomear ou descrever pesquisas” do Estado da Arte. Não é difícil imaginar porque isso acontece, dada a diversidade de caminhos, objetos e metodologias que caracterizam os estudos dedicados ao mapeamento e descrição de tendências das pesquisas em diferentes áreas. Neste sentido, listamos a seguir algumas perguntas que já nos foram propostas: EA pertencem aos chamados estudos de revisão bibliográfica? As revisões de literatura são uma espécie de Estado da Arte? EA e Estado do Conhecimento: como distingui-los? Sobre que tipo de objeto de pesquisa incidem esses estudos? Qual é a base de dados indicada para a realização de estudos do tipo EA? Estados da Arte constituem uma linha ou programa de pesquisa?

O objetivo deste ensaio é apresentar como sistematizamos nossas ideias em relação aos chamados Estados da Arte, num enfoque apoiado em nossas experiências pessoais com as pesquisas nessa área e na análise crítica de parte da literatura que já se debruçou sobre esse assunto. O artigo está dividido em seções, nas quais, inicialmente situamos os EA no contexto mais amplo das pesquisas educacionais, para em seguida, distinguirmos essa modalidade de pesquisa em relação a outras possibilidades de estudos e práticas de levantamento bibliográfico; e, finalmente, desenvolvermos uma caracterização conceitual e metodológica para os chamados Estado da Arte. Com essa abordagem, esperamos dirimir parte das dúvidas mencionadas e estabelecer compreensão mais adequada sobre o assunto, subsidiando pesquisadores desejosos em trabalhar dentro dessa modalidade.

Diferentes modalidades de trabalho acadêmico: situando os Estados da Arte no rol das possibilidades de pesquisa

Num trabalho contido dentro da série Estados do Conhecimento, com diversos volumes publicados sob os auspícios do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Soares e Maciel (2000) lançaram relatório contendo os resultados de um levantamento sobre a produção acadêmica, representada por dissertações e teses (DT), apresentando três décadas de estudos sobre o tema alfabetização, considerando cursos de pós-graduação dentro das áreas de Educação, Psicologia, Letras e Distúrbios da Comunicação.

Um dos aspectos explicitados neste interessante trabalho é a categorização das referidas dissertações e teses segundo os tipos de estudos escolhidos pelos autores para o desenvolvimento de cada trabalho. Com isso, as autoras apresentaram uma síntese das modalidades identificadas conforme podemos observar no esquema que segue.

Tipologia de trabalhos acadêmicos conforme Soares e Maciel (2000)

  • Ensaios

  • Relatos de Experiência

  • Pesquisas

  • Pesquisa Histórica

    • Pesquisa Descritivo-Explicativa

    • Survey

      • - Estudo de Caso

      • - Estudo Comparativo

      • - Análise de Documentos

      • - Estudo Longitudinal

      • - Estudo Transversal

    • Pesquisa Experimental

    • Mais de uma Pesquisa

Por algum tempo utilizamos essa tipologia como forma de classificar as DT estudadas, em relação à produção acadêmica referente ao Ensino de Biologia no país. Uma alternativa para classificar as modalidades de pesquisa foi também formulada por Pedro Demo (DEMO, 2013). O referido autor, para fins de sistematização, distingue quatro tipos de pesquisa: (i) Pesquisa Teórica; (ii) Pesquisa Metodológica; (iii) Pesquisa Empírica, e; (iv) Pesquisa Prática. Mas, com os subsídios encontrados em autores centrados na área de metodologia de pesquisa localizados na literatura (CHIZZOTTI, 2006; CRESWELL, 2014; GHEDIN; FRANCO; 2008; WELLER; PFAFF, 2011), desenvolvemos uma tipologia própria que, embora inspirada inicialmente na proposta de Soares e Maciel (2000), acabou incorporando novos elementos, de modo a ganhar a expressão apresentada na seguinte estrutura.

Tipologia para gênero de trabalhos acadêmicos encontrados em dissertações e teses

  • Ensaios e Estudos Teóricos

  • Relatos de Experiência

  • Pesquisas

    • Pesquisas Descritivo-Explicativas (PDE)

      • - Surveys

      • - Estudos de Caso

      • - Estudos Etnográficos

      • - Estudos Baseados em Observação Participante

      • - Estudos Baseados em Análises de Conteúdo

      • - Pesquisas Históricas

      • - Pesquisas ancoradas em abordagens fenomenológicas

      • - Pesquisas Bibliográficas

        • Pesquisas de Revisão Bibliográfica

        • Estados da Arte

        • Estudos Bibliométricos (Cienciometria)

      • - Pesquisas Documentais

      • - Estudos autobiográficos, biográficos e pesquisas narrativas

    • Pesquisas de Natureza Interventiva (PNI)

      • - Pesquisa-Ação

      • - Pesquisas de Aplicação

      • - Pesquisas Experimentais

      • - Pesquisas sobre a Própria Prática

      • - Pesquisas e Desenvolvimento (Design Research)

    • Mais de uma Pesquisa (combinações entre PDE e PNI)

Como se nota na estrutura do esquema, os Estados da Arte fazem parte do grupo das chamadas pesquisas bibliográficas, onde encontramos também as Pesquisas de Revisão Bibliográfica ou Revisões Sistemáticas de Literatura, e os Estudos Bibliométricos ligados à cienciometria. Segundo Pádua (2004, p. 55) a natureza das pesquisas bibliográficas envolve investigações fundamentadas “[...] nos conhecimentos de biblioteconomia, documentação e bibliografia”. Elas também estão relacionadas com a identificação das contribuições científicas sobre um tema específico junto à literatura disponível. Portanto, se assentam sobre a bibliografia pertinente a uma determinada área e/ou temática, envolvendo processos de identificação, caracterização e análise comparativa dos resultados de pesquisas já existentes (MALHEIROS, 2011).

Severino (2007) assinala que a pesquisa bibliográfica requer a utilização de:

[...] registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utilizam-se dados de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir de contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos (SEVERINO, 2007, p. 122).

A característica essencial dessas práticas de pesquisa está centrada no fato de que o campo a partir do qual é desenvolvida a produção de dados é constituído pela própria bibliografia existente sobre o tema ou objeto que se pretende investigar (TOZONI-REIS, 2009).

Assim, consideramos inequívoca a filiação dos Estados da Arte aos estudos de caráter bibliográfico, conforme apontam também diversos autores (FERREIRA, 2001; MEGID NETO; CARVALHO, 2018; VALDÉS PUENTES; FERNÁNDEZ AQUINO; FAQUIM, 2005; SOARES, 1989), já que a fonte de dados para os trabalhos dentro dessa modalidade envolve justamente materiais bibliográficos, sobretudo dissertações, teses, livros e artigos publicados em periódicos.

Demarcada a filiação dos EA em relação às pesquisas de natureza bibliográfica, na sequência, partiremos para estabelecer distinção entre as revisões de literatura/revisões bibliográficas e os estudos de Estado da Arte.

Estados da Arte, Revisões de literatura e Revisões sistemáticas de literatura

Em nossas andanças trabalhando com EA uma coisa ficou clara gradativamente ao longo do tempo: essa modalidade de pesquisa não se confunde com as revisões exploratórias de bibliografia e/ou revisões de literatura, geralmente encontradas em introduções, capítulos isolados ou mesmo em certas seções que fazem parte dos textos de dissertações, teses, artigos entre outros trabalhos acadêmicos e científicos.

Evidentemente, revisões bibliográficas e de literatura exercem papel fundamental na prática da pesquisa, sobretudo no sentido de situar o trabalho que o pesquisador deseja desenvolver em relação à produção já existente na área, iluminando “[...] o caminho a ser trilhado [...] desde a definição do problema até a interpretação dos resultados” (ALVES, 1992, p. 54). Neste contexto, essas revisões não têm a pretensão de se constituírem como estudos específicos sobre as tendências das pesquisas em determinado campo, estando subordinadas ao objeto de pesquisa definido inicialmente por cada pesquisador. Com efeito, são seções de conteúdo exploratório que ajudam os pesquisadores a contextualizar seus objetos de estudo dentro da discussão já existente sobre o tema, sobretudo a produção mais recente, combinada com alguns estudos clássicos e/ou mais respeitados dentro de cada temática (MALHEIROS, 2011). Quando os estudos de revisão focalizam a produção mais recente é comum chamá-los de Estados da Arte, dado que alguns autores consideram que as revisões são efetuadas com o propósito de verificar o estágio teórico em que um determinado assunto se encontra na atualidade. A nosso ver, essa é uma posição equivocada, em função do caráter exploratório, parcial e subordinado das revisões em relação ao tema principal de cada trabalho.

Para outros autores, as revisões de literatura constituem pré-requisito para o desenvolvimento de toda e qualquer investigação, dado que proporcionam aos pesquisadores familiaridade em relação a seus temas e problemas de investigação (ALVES, 1992; LIMA; MIOTO, 2007; MICHEL, 2009). Neste sentido, é preciso frisar que é a familiaridade com a literatura dentro da temática de interesse “[...] que torna o pesquisador capaz de problematizar um tema, indicando a contribuição que seu estudo pretende trazer à expansão desse conhecimento, quer procurando esclarecer questões controvertidas ou inconsistências, quer preenchendo lacunas.” (ALVES, 1992, p. 55). Ademais, tal familiaridade permite que os pesquisadores selecionem adequadamente os trabalhos empregados para efeito de comparação, na discussão dos resultados por eles obtidos (ALVES, 1992). Porém, como assinala Demo (2013, p. 149), elas exercem papel crucial no sentido de “[...] não deixarmos de fora referências consideradas indispensáveis”, pois incidir nesse erro revelaria “[...] ignorância ou despreparo no assunto.”. Tomando tais cuidados, as revisões iluminam aspectos-chave na construção do objeto de pesquisa, ajudam a definir problemas e objetivos e auxiliam a composição do próprio referencial teórico (marco teórico conceitual) adotado para dar suporte ao trabalho de pesquisa.

Já no caso dos EA estaríamos falando de uma modalidade de pesquisa com escopo próprio e bem-definido que, como veremos de forma mais aprofundada na sequência do texto, compõem a integralidade da pesquisa desenvolvida pelo pesquisador, conforme o objeto de seu interesse. Nos Estados da Arte:

[...] toda a sua estrutura metodológica envolve uma revisão bibliográfica, mas vai além, seja do ponto de vista da exaustividade do levantamento, seja do ponto do aprofundamento da análise, chegando mesmo a realizar uma avaliação do campo temático selecionado (MEGID NETO; CARVALHO, 2018, p. 167).

Em relação às Pesquisas de Revisão Bibliográfica (PRB), denominadas comumente de Revisões Sistemáticas de Literatura, temos também planos de investigação que não se limitam a simples revisões de literatura, mas não é “[...] raro que a pesquisa bibliográfica apareça caracterizada como revisão de literatura ou revisão bibliográfica” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 38), situação que consideramos como um grave equívoco.

Analogamente, elas se debruçam sobre fontes bibliográficas, mas, neste caso, o que define a investigação realizada é o recorte do tema utilizado para selecionar os trabalhos a serem escrutinados durante a investigação. Geralmente, tais recortes são mais limitados podendo incidir sobre temáticas, teorias, conceitos; ou sobre determinados autores que escrevem sobre o mesmo assunto de interesse do pesquisador, como é o caso de temáticas ligadas à alfabetização, avaliação da aprendizagem, tendências pedagógicas, relação professor - aluno etc. Estudos de revisão também podem tomar como objeto a produção de pesquisa num programa de pós-graduação, numa determinada linha de pesquisa, num evento ou mesmo em recortes temáticos mais específicos que justifiquem um estudo mais pormenorizado.

Marconi e Lakatos (2008, p. 57) consideram que as PRB não constituem “[...] mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propiciam o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”. Metodologicamente, elas implicam a realização de “[...] um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 38). Para uma abordagem mais aprofundada a respeito das Pesquisas de Revisão Bibliográfica, sugerimos aos leitores conferirem os trabalhos de Lima e Mioto (2007), Marconi e Lakatos (2008), Tozoni-Reis (2009), e Malheiros (2011).

De qualquer forma, em nossa avaliação, elas se diferenciam dos EA justamente por concentrarem esforços no levantamento e análise de material bibliográfico limitado a um recorte temático específico, enquanto os EA tendem a fazer análises mais amplas e diversificadas, focalizando especialmente a produção acadêmica e científica dentro de um campo de conhecimento. Detalharemos elementos explicativos sobre os Estados da Arte na próxima seção deste ensaio.

Nossa concepção sobre os Estados da Arte

Parte dos problemas mencionados em relação aos Estado da Arte acontece porque, frequentemente, falta preocupação, por parte dos pesquisadores, em explicitar o significado de conceitos utilizados em suas investigações, incluindo aqueles mais diretamente associados à dimensão metodológica da pesquisa desenvolvida. Nos parece que essa é uma fragilidade que precisa ser objeto de atenção se desejamos caminhar para a construção de um campo de pesquisa sólido e coerente com suas próprias ideias, conceitos e teorias. Como bem lembra Demo (2013, p. 19), um dos problemas frequentes “[...] nas teses [e em outras formas de expressão dos trabalhos acadêmicos e científicos] é a utilização de termos não definidos, mudá-los no decorrer do texto ou combinar asserções contraditórias”. Salem (2012) mostrou que, em parte dos trabalhos que se autodenominam como Estados da Arte, essa expressão é empregada como se fosse livre de ambiguidades ou como se os leitores, previamente, tivessem uma noção comum e universal sobre o referido conceito, como se “[...] dizer que se está a realizar um estado da arte sobre dado tema, já [dissesse] tudo” (SALEM, 2012, p. 32, grifo nosso). Raramente se procura instituir uma concepção de estado da arte, no sentido de diferenciá-los de outras modalidades investigativas. Daí a confusão instaurada no seio da comunidade de pesquisa, inclusive no contexto de nossa área, relativa à Educação em Ciências.

Acompanhando outros autores (HADDAD, 2002; LUNA, 1997; MEGID NETO, 1999; SALEM, 2012; SOARES, 1989; SPINK, 1996), procuramos dissolver parte desses problemas, caracterizando a especificidade dos Estados da Arte considerando o objeto investigado, qual seja, os estudos desenvolvidos em um campo ou área de conhecimento dentro de um determinado recorte temporal. Nesta perspectiva, eles são trabalhos dedicados a identificar, mapear, descrever e analisar - sobre múltiplas dimensões e aspectos, conforme o interesse da investigação -, o conjunto das pesquisas desenvolvidas em determinada área de conhecimento. Portanto, são estudos dedicados a investigar a dinâmica evolutiva das pesquisas dentro de uma área, em uma determinada região (país, continente etc.), conforme o recorte temporal definido para o levantamento dos trabalhos pertencentes ao escopo de interesse.

Obviamente, tal caracterização pressupõe a conceituação do que para nós significaria a ideia de área/ campo de pesquisa. Pois bem, um primeiro aspecto a evidenciar é que, muitas vezes, essa ideia é também tomada de forma elástica e, por vezes, irrefletida, sem referências a fundamentação teórica que sustentaria este conceito. Em nosso caso, utilizamos os termos ‘área/ campo de conhecimento/ pesquisa’ de forma próxima ao sentido empregado pelo sociólogo Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2004). O autor define campo como um “[...] universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas” (BOURDIEU, 2004, p. 20).

Complementarmente, quando pensamos em área de pesquisa, propomos três pilares sustentadores para as atividades dos agentes nela vinculados: (i) Base Institucional e Social: constituída pelas pessoas (agentes, recursos humanos), envolvidas na comunidade de pesquisa (professores, pesquisadores, orientadores, estudantes etc.), vinculadas as suas respectivas instituições, grupos de pesquisa e associações; (ii) Base Comunicacional e de Circulação do Conhecimento Produzido: envolve os eventos, atividades diversas e publicações que divulgam e discutem os trabalhos desenvolvidos e as pesquisas, ideias, teorias e demais contribuições geradas pelas investigações da área ao longo do tempo; (iii) Base Teórica, Metodológica e Epistemológica: trata-se dos consensos mínimos estabelecidos pelos pesquisadores da área no sentido de caracterizar, orientar a produção de conhecimentos e avaliar a qualidade da pesquisa desenvolvida dentro da área.

Com efeito, tomando a Educação em Ciências1 como campo de produção de conhecimentos, ou como uma área de pesquisa, defendemos que as três condições supracitadas estão satisfeitas, mesmo que circunstancialmente possamos discutir coletivamente determinados problemas ou aspectos que envolvam cada um dos três pilares. Na esteira desses argumentos, Keith S. Taber caracterizou a Educação em Ciências no mundo como uma:

[...] área científica ou acadêmica [...] de atividade com um nível de organização e coerência suficiente para ter se tornado amplamente reconhecida como uma entidade. Portanto, o campo da Educação em Ciências é uma construção social - existe na medida em que um número suficiente de pessoas consideradas autorizadas sobre tais assuntos (que é em si uma questão de acordo social) considerem que existe (TABER, 2017, p. 9, tradução nossa, grifo nosso).

Para a autora, dentro da referida área existem inclusive subáreas como a pesquisa em Ensino de Física, Ensino de Biologia e Ensino de Química.

Em termos mundiais, as evidências de que o referido campo está instaurado e em franca atividade, já tinham sido assinaladas anteriormente por Fensham (2004), quando o autor considerou, por exemplo, os seguintes indicadores: a existência de associações nacionais e internacionais; as pessoas podem se formar nessa área - incluindo cursos de pós-graduação baseados em ensino e pesquisa; existem cargos específicos (professor-pesquisador, por exemplo), nos departamentos e centros universitários vinculados à EC; existem associações de investigação nacionais2 e regionais, especificamente preocupadas com a pesquisa na área; significativo número de periódicos de pesquisa; as principais editoras produzem séries de livros sobre EC; existem conferências regionais, nacionais e internacionais regulares; e ‘manuais’ estabelecidos como obras-chave de referência no campo (TABER, 2017).

Por fim, cabe salientar que, ao considerarmos a realidade brasileira, não há dúvida que estamos acompanhando o movimento da área pelo mundo, já que temos pesquisadores, educadores, programas específicos de pós-graduação, grupos de pesquisa, associações, periódicos, eventos e demais requisitos que configuram um campo (DELIZOICOV, 2004; FERES, 2014; FERES; NARDI, 2014; FRANCO; SZTAJN, 1998; MEGID NETO, 2014; NARDI, 2007; SCHNETZLER, 2002).

Assim, nossa referência para pensar o escopo de atuação dos estudos dentro da modalidade Estados da Arte está justamente centrada no referido campo e em suas respectivas subáreas, bastante desenvolvidas aqui no país. Dentro dessa perspectiva, entendemos que uma conceituação básica para esses estudos foi formulada por Sérgio Haddad (HADDAD, 2002). Ele definiu tais estudos da seguinte forma:

Os [...] estado da arte permitem, num recorte definido, sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os principais resultados das investigações, identificar temáticas e abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos a pesquisas futuras (HADDAD, 2002, p. 9, grifo nosso).

A expressão Estado da Arte, por vezes, é tomada como o mais alto estágio de desenvolvimento de algo, ou como alguma coisa inovadora e avançada. Por exemplo, o EA de uma tecnologia significaria, dentro deste contexto, “[...] a situação mais avançada e inovadora daquela tecnologia” (MEGID NETO; CARVALHO, 2018).

O termo aparece nos Estados Unidos em fins do século XIX, com o emprego da denominação Status of the Art, passando já no século XX à denominação State of the Art, com sentido associado ao “[...] estadio actual del desarollo de un tópico (asunto, materia, temática) prático o tecnológico.” (VALDÉS PUENTES; FERNÁNDEZ AQUINO; FAQUIM, 2005, p. 222). Segundo Spink (1996, p. 166), “[...] trata-se, ao que tudo indica, de um neologismo anglo-saxônico, encontrado no Collins Concise Dictionary de 1989, mas não no Oxford English Dicionary de 1978”. Na língua portuguesa, não apareceu na primeira edição do Dicionário Aurélio, publicada em 1975, mas acabou explicitada no verbete estado da questão, na quinta edição do Caldas Aulete, datada de 1986, “[...] com a sutil diferença de ter aí o sentido de exposição de tudo que diz respeito a uma questão” (SPINK, 1996, p. 167). Porém, é importante assinalar que, no campo acadêmico, a referida expressão passou paulatinamente a ser utilizada e sendo consagrada para designar mais precisamente as pesquisas que examinam a produção científica em determinada área de conhecimento.

Esta modalidade de estudos, segundo Valdés Puentes, Fernández Aquino e Faquim (2005), chegou à América Latina por volta do final dos anos 1970, ou mesmo no começo dos anos 1980. No Brasil, temos a realização de Estados da Arte, dentro desta configuração, desde a segunda metade da década de 1970, mas, tais estudos ganham expressão nas décadas de 1980 e 1990, em movimento relacionado com os processos de expansão da pós-graduação brasileira (MEGID NETO; CARVALHO, 2018).

O que justificaria a realização das práticas de pesquisa associadas aos Estados da Arte? A nosso ver, a ideia por trás desses estudos é sua posição no sentido de oferecer subsídios à comunidade de pesquisa de um determinado campo, para que os pesquisadores tenham em mãos informações, dados, análises e sínteses integrativas em relação a diversas variáveis envolvendo a produção acadêmica e científica ao longo do processo de desenvolvimento do campo.

Diante do desenvolvimento histórico e mesmo da expansão da produção de trabalhos ao longo do tempo, sem a realização dessas sínteses, a tendência é que se desenvolva um movimento dispersivo, na qual fica difícil compreender avanços, retrocessos, tendências, lacunas e tantas outras características associadas à produção de pesquisas. Afinal, o escasso conhecimento dos pesquisadores e grupos de pesquisa sobre as tendências reinantes em suas respectivas áreas, torna o processo de produção de conhecimento isolado, fragmentado e desconectado das discussões mais relevantes, o que tende a pulverizar a escolha de temas de investigação; limitar as contribuições dos estudos realizados; e, dificultar a criação de tradições de pesquisa que ajudem no processo de consolidação da área, como um campo consistente e teórico-metodologicamente amadurecido.

Como foi dito, as dimensões de análise examinadas nos Estados da Arte podem oferecer dados úteis para a compreensão de diversos aspectos inerentes ao campo, incluindo reflexões sobre a base institucional e social sustentadora da área; sobre as estratégias comunicacionais e de circulação de conhecimentos produzidos e, por fim, em relação às tendências temáticas, teóricas, metodológicas e epistemológicas caracterizadoras das pesquisas dentro do campo. Assim, entendemos que a realização periódica dos EA é imprescindível e têm a vantagem de oferecer as bases para processos de descrição, mapeamento, acompanhamento e avaliação da trajetória de desenvolvimento e de consolidação da área. Sem isso, voamos no escuro e é grande a chance de perdermos o rumo ao longo do caminho.

Além de seu papel orientador sobre a área, dependendo de suas características e finalidades, os estudos de Estado da Arte podem também dar encaminhamento posterior para a realização das investigações definidas como metapesquisas. A esse respeito, Sánchez Gamboa (2007) caracterizou as chamadas pesquisas das pesquisas como uma categoria investigativa, cuja finalidade é classificar uma série de estudos que desenvolvem reflexões sobre a prática da pesquisa, examinando, por exemplo, dimensões teóricas, metodológicas, ontológicas, gnosiológicas e epistemológicas caracterizadoras dos estudos desenvolvidos em um determinado campo.

Voltando aos EA, referem-se a trabalhos de sistematização de dados, buscando compreensão sobre o conjunto de estudos produzidos e, muitas vezes, criando as condições para o desenvolvimento de uma avaliação crítica do desenvolvimento do campo de conhecimento no decurso do tempo (RINK; MEGID NETO, 2009). Outra derivação dos EA está na construção de catálogos, handbooks e bancos de dados que fornecem insumos úteis à comunidade de pesquisa, no sentido de criar “[...] condições para que um número maior de pesquisadores interessados em temas afins estabeleça o primeiro contato e recupere um determinado trabalho, possibilitando a circulação e o intercâmbio entre a produção concluída” (FERREIRA, 2001, p. 58), e aquela ainda em desenvolvimento.

Com tudo isso, a existência de “[...] trabalhos com essa preocupação, por si só, é a expressão da importância atribuída por diversos pesquisadores à necessidade da construção de uma perspectiva mais abrangente sobre o campo.” (SALEM, 2012, p. 29).

Os Estados da Arte podem ter natureza descritiva, compreensiva (ou interpretativa) e avaliativa. Metodologicamente, podem ser caracterizados como estudos mistos, exigindo o tratamento dos dados obtidos tanto por meio de abordagens quantitativas, quanto qualitativas (CRESWELL, 2014).

Uma dúvida inerente aos Estados da Arte (EA) refere-se a sua relação como o termo Estado de Conhecimento (EC). Neste caso, não encontramos consenso na literatura sobre a existência efetiva de diferenças entre essas modalidades. Mas, há autores defensores de uma posição que distingue os EA dos EC.

De nossa parte discordamos radicalmente dessas posições, por exemplo, como aquelas sustentadas por Romanovsky e Ens (2006) e depois corroboradas por Araújo, Ferst e Vilela (2021). Esses autores optam pela diferenciação dos referidos termos em função do gênero de trabalho ou mesmo do veículo em que ocorreu sua divulgação, reservando a expressão Estado da Arte somente para levantamentos que tomam toda a área de conhecimento e os diferentes gêneros de textos por ela produzidos como dissertações, teses, artigos em periódicos científicos, trabalhos em eventos etc. Nas ocasiões em que o estudo de levantamento focaliza apenas um desses gêneros textuais, por exemplo, incidindo sobre teses e dissertações, os referidos autores utilizam a expressão Estado do Conhecimento.

O problema envolvido no estabelecimento dessa separação entre EA e EC é seu caráter arbitrário, dado que não há apresentação de justificativa formulada para tal diferenciação. De acréscimo, se levarmos essa posição adiante, caberia perguntar, considerando a magnitude da produção anual de trabalhos em diferentes áreas, como dar conta de examinar em profundidade teses, dissertações, livros, capítulos de livros, artigos em periódicos etc. dentro de um determinado recorte de tempo, digamos, 10, 20, 30 anos, para a realização dos estados da arte na acepção concebida pelos referidos autores. Será um trabalho factível? A nosso ver, a resposta é flagrantemente negativa e inviabilizaria por completo a realização desse tipo de estudos.

Com efeito, acompanhamos a posição de autores que não estabelecem distinção entre tais termos (MEGID NETO; CARVALHO, 2018; VALDÉS PUENTES; FERNÁNDEZ AQUINO; FAQUIM, 2005). Portanto, tomamos a expressão Estado da Arte como análoga a Estado do Conhecimento, mesmo porque, investigadores que preferem utilizar termos como Estado do Conhecimento ou mesmo Estado da Questão em substituição a Estado da Arte, não o fazem em função de diferenças que potencialmente envolvam essas modalidades, mas apenas porque expressões como Estado do Conhecimento ou Estado da Questão parecem se articular mais adequadamente com as línguas faladas no contexto da América Latina (VALDÉS PUENTES; FERNÁNDEZ AQUINO; FAQUIM, 2005).

Quanto ao design metodológico empregado pelos investigadores que se desafiam a desenvolver Estados da Arte, podemos listar rapidamente um conjunto de etapas a cumprir. Naturalmente, a lista não é exaustiva, de modo a ser sempre possível a proposição de adaptações conforme as singularidades de cada projeto: (i) definir o escopo da produção examinada, isto é, a área ou subárea que será foco do levantamento; (ii) delimitar as fontes utilizadas como base de dados para a realização do estudo (dissertações, teses, artigos, livros etc.); (iii) estabelecer o recorte temporal focalizado para a investigação; (iv) estabelecer o enfoque metodológico e as técnicas de análise empregadas para tratar os dados obtidos; (v) definir os descritores e categorias de análise utilizadas. Neste caso, cabe assinalar que descritores são termos empregados para indicar aspectos que serão alvo de atenção para a descrição e classificação do grupo de estudos selecionados (dissertações, teses, artigos etc.) para a pesquisa, apoiando a análise de suas características e tendências (FRACALANZA, 1992); (vi) buscar os trabalhos de interesse nas bases de dados disponíveis; (vii) classificar os trabalhos obtidos conforme os descritores estabelecidos; (viii) análise do conteúdo dos trabalhos e organização dos principais dados obtidos (fichas de análise, planilhas, tabelas e gráficos); (ix) análise qualitativa em relação a aspectos e categorias de interesse para a investigação; (x) produção de sínteses, resultados parciais e conclusões que ajudem a caracterizar a produção investigada. Para mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos envolvidos nos trabalhos do tipo EA, sugerimos a leitura de Teixeira (2008), Salem (2012) e Megid Neto e Carvalho (2018).

Em nossas experiências investigativas, tomamos a opção de restringir a base de dados para a realização de Estados da Arte à análise de dissertações e teses (DT). Nossa posição é justificada com apoio em argumentos como aqueles propostos por Salem (2012, p. 22), ao assinalar que as DT “[...] refletem mais diretamente a produção propriamente acadêmica”, pois são textos derivados de estudos vinculados aos programas de pós-graduação, considerados, sem dúvida, como os principais espaços de formação de pesquisadores ingressantes na área. Basta lembrar que no campo educacional, inclusive na área de Educação em Ciências, a parte mais expressiva de toda a pesquisa é desenvolvida na pós-graduação e pelos sujeitos formados nesses espaços acadêmicos (MACEDO; SOUSA, 2010). Ademais, as DT, como fonte bibliográfica, são textos mais apropriados para a análise desenvolvida no âmbito das pesquisas caracterizadas como EA, já que são documentos primários, portadores de relatórios completos e mais aprofundados dos estudos desenvolvidos pelos pesquisadores em formação e seus orientadores, os quais, via de regra, são publicados posteriormente de maneira sucinta no formato de artigos encontrados em periódicos, livros e capítulos de livros e textos apresentados em eventos (MEGID NETO; CARVALHO, 2018; SALEM, 2012; TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017).

Pensando especificamente nos EA desenvolvidos com base na análise de dissertações e teses, gostaríamos de propor duas observações. A primeira é relacionada aos processos de coleta de dados. Indicamos que, dada a magnitude da produção anual de trabalhos, é preciso triangular o processo de busca, consultando bancos de dados como o do Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), mas também é necessário visitar os sítios na internet dos programas de pós-graduação, seus repositórios e bibliotecas institucionais. Somente isso, garante que parte significativa da produção investigada, considerando o recorte temporal definido pelo pesquisador, possa ser identificada e capturada para análise posterior. A segunda observação é que não recomendamos que Estados da Arte sejam produzidos apenas com base na análise de resumos. Evidentemente, eles são úteis como fonte para as primeiras informações de cada trabalho examinado. Entretanto, boa parte dos resumos carece de informações consideradas básicas sobre a pesquisa realizada, como, por exemplo, informações sobre a definição do problema, referenciais teóricos e metodologia (MEGID NETO; CARVALHO, 2018). Outra parte sequer traz uma boa síntese da análise e dos resultados obtidos na investigação. A propósito, quando buscamos as bases de dados para identificar DT, geralmente, as primeiras informações encontradas dizem respeito à dados bibliográficos (autor, instituição e programa de pós-graduação, ano de titulação etc.) e os resumos. São informações proveitosas para uma análise exploratória inicial da produção sob foco de nosso interesse, mas não são, de forma alguma, suficientes quando desejamos analisar tendências temáticas, teóricas e metodológicas. Para isso, alguma estratégia analítica para examinar os trabalhos na sua integralidade é algo fundamental.

Considerações finais

Uma das nossas hipóteses para explicar as confusões e interpretações distorcidas envolvidas nos Estados da Arte é que não está claro para as pessoas a noção de campo ou área de pesquisa. Analogamente, não temos diferenciado suficientemente as práticas de pesquisa que desenvolvem balanços descritivos e críticos sobre um determinado campo (ou subcampo) daquelas investigações que pretendem construir levantamentos e análises parciais sobre determinados temas e temáticas de pesquisa, típicas dos estudos de revisão bibliográfica e que, portanto, não necessariamente envolvem o escrutínio da produção referente à área de pesquisa.

Autores que adotam uma noção muito elástica e não fundamentada de campo ou área de pesquisa acabam utilizando a expressão EA para caracterizar estudos que investigam a produção num determinado recorte temático, num determinado programa de pós-graduação e mesmo numa determinada linha ou programa de pesquisa.

Em síntese, a nosso ver, EA intencionam examinar e sistematizar dados a respeito da produção acadêmica/científica em determinada área de investigação. Pesquisas nessa modalidade podem ser designadas tanto como Estado da Arte como Estado do Conhecimento, compondo linha de pesquisa adotada por pesquisadores individuais ou associados em grupos de pesquisa que assumam sistematicamente a realização desses estudos, abastecendo periodicamente a área com as sínteses produzidas. Por isso, concordamos com Alves (1992) ao assinalar que EA devem ser elaborados preferencialmente por especialistas e grupos de pesquisa que aliem profundo conhecimento da área e capacidade de sistematização de dados.

Com os argumentos aqui explicitados, esperamos que parte das dúvidas da comunidade de pesquisadores em relação aos estudos dentro da modalidade Estado da Arte sejam clarificadas, ao mesmo tempo em que desejamos exaltar o papel desses estudos como fonte de informações e reflexões sobre a própria área. Eles oferecem subsídios para que, à luz dos referenciais teóricos e do confronto dos dados obtidos com o conhecimento acumulado por outros estudos que versam sobre o desenvolvimento investigativo em determinado campo, possamos aprofundar as descrições e análises em busca de uma compreensão mais acurada da produção, iluminando nossa trajetória, avaliando nossos rumos e traçando novas perspectivas para o desenvolvimento da área enquanto campo de conhecimentos e práticas.

1No contexto Ibero-Americano, por vezes falamos em Didática das Ciências, enquanto no mundo anglo-saxão ganhou relevo a expressão Science Education. No Brasil, a denominação mais empregada atualmente para o referido campo de conhecimento é Educação em Ciências. A mais representativa associação de pesquisadores no Brasil, a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), utiliza essa denominação. Tradicionalmente também é muito utilizada a denominação Ensino de Ciências.

2Casos de associações criadas no Brasil, a exemplo da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBENBIO), e a Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ).

Agradecimentos

O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de auxílio pesquisa por meio do Edital Universal 01/2016, processo 408773/2016-2.

Referências

ALVES, A. J. A “revisão da bibliografia” em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 81, p. 53-60, 1992. Disponível em: . Acesso em: https://tinyurl.com/yckap6pw. 28 jun. 2023. [ Links ]

ARAÚJO, C. S. O.; FERST, E. M.; VILELA, M. V. F. Diferença entre estado da arte e estado do conhecimento. In: MAGALHÃES JÚNIOR, C. A. O.; BATISTA, M. C. Metodologia da pesquisa em educação e ensino de ciências. Maringá: Massoni, 2021. p. 71-85. [ Links ]

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004. [ Links ]

CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes, 2006. [ Links ]

CRESWELL, J. W. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Porto Alegre: Penso, 2014. [ Links ]

DELIZOICOV, D. Pesquisa em ensino de ciências como ciências humanas aplicadas. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 21, n. 2, p. 145-175, 2004. [ Links ]

DEMO, P. Metodologia da investigação em educação. Curitiba: Intersaberes, 2013. [ Links ]

FENSHAN, P. J. Defining an identity: the evolution of science education as a field of research. Dordrecht: Kluwer, 2004. [ Links ]

FERES, G. G. A constituição e institucionalização de uma ciência sob a ótica da teoria de Bourdieu: uma contribuição para a área de educação em ciências no Brasil. In: NARDI, R.; GONÇALVES, T. V. O. (org.). A pós-graduação em ensino de ciências e matemática no Brasil: memórias, programas e consolidação da pesquisa na área. São Paulo: ELF, 2014. p. 140-204. [ Links ]

FERES, G. G.; NARDI, R. A pós-graduação em ensino de ciências no Brasil: contribuição teórico-analítica sobre o panorama histórico e o perfil dos cursos. In: NARDI, R.; GONÇALVES, T. V. O. (org.). A pós-graduação em ensino de ciências e matemática no Brasil: memórias, programas e consolidação da pesquisa na área. São Paulo: ELF, 2014. p. 205-265. [ Links ]

FERREIRA, N. S. A. F. A pesquisa sobre leitura no Brasil: 1980-1995. Campinas: Komedi: Arte Escrita, 2001. [ Links ]

FRACALANZA, H. O que sabemos sobre os livros didáticos para o ensino de ciências no Brasil. 1992. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992. [ Links ]

FRANCO, C.; SZTAJAN, P. Educação em ciências e matemática: identidade e implicações para políticas de formação continuada de professores. In: ENCONTRO DE PESQUISA DE ENSINO DE FÍSICA, 6., 1998, Florianópolis. Atas [...]. Florianópolis: SBF, 1998. [ Links ]

GHEDIN, E.; FRANCO, M. A. S. Questões de método na construção da pesquisa em educação. São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

HADDAD, S. (coord.). Educação de jovens e adultos no Brasil (1986-1998). Brasília, DF: Inep, 2002. [ Links ]

LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálises, Florianópolis, v. 10, p. 37-45, 2007. [ Links ]

LUNA, S. V. O planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: Educ, 1997. [ Links ]

MACEDO, E.; SOUSA, C. P. A pesquisa em educação no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 15, n. 43, p. 166-176, 2010. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-24782010000100012. [ Links ]

MALHEIROS, B. T. M. Metodologia da pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2011. [ Links ]

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008. [ Links ]

MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental. 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. [ Links ]

MEGID NETO, J. Origens e desenvolvimento do campo de pesquisa em educação em ciências no Brasil. In: NARDI, R.; GONÇALVES, T. V. O. (org.). A pós-graduação em ensino de ciências e matemática no Brasil: memórias, programas e consolidação da pesquisa na área. São Paulo: ELF, 2014. p. 98-139. [ Links ]

MEGID NETO, J.; CARVALHO, M. Pesquisas de estado da arte: fundamentos, características e percursos metodológicos. In: ESCHENHAGEN, M. L.; VÉLEZ-CUARTAS, G.; MALDONADO, C.; GUERRERO PINO, G. (org.). Construcción de problemas de investigación: diálogos entre el interior y el exterior. Medellin: Universidad de Antioquia, 2018. p. 97-113. Doi: https://doi.org/kmcn. [ Links ]

MICHEL, M. H. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2009. [ Links ]

NARDI, R. A área de ensino de ciências no Brasil: fatores que determinaram sua constituição e suas características segundo pesquisadores brasileiros. In: NARDI, R. (org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 357-412. [ Links ]

PÁDUA, E. M. M. Metodologia de pesquisa: abordagem teórico-prática. Campinas: Papirus, 2004. [ Links ]

RINK, J.; MEGID NETO, J. M. Tendências dos artigos apresentados nos encontros de pesquisa em educação ambiental. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 25, n. 3, p. 235-263, 2009. Doi: https://doi.org/10.1590/S0102-46982009000300012. [ Links ]

ROMANOVSKI, J. P.; ENS, R. T. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006. [ Links ]

SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. [ Links ]

SÁNCHES-GAMBOA, S. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007. [ Links ]

SCHNETZLER, R. A pesquisa em ensino de química no Brasil: conquistas e perspectivas. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 25, sup. 1, p. 14-24, 2002. [ Links ]

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007 [ Links ]

SOARES, M. B. Alfabetização no Brasil: o estado do conhecimento. Brasília, DF: INEP: REDUC, 1989. [ Links ]

SOARES, M. B.; MACIEL, F. P. Alfabetização no Brasil: o estado do conhecimento. Brasília, DF: Inep, 2000. [ Links ]

SPINK, M. J. P. Representações sociais: questionando o estado da arte. Psicologia & Sociedade, Brasil, v. 8, n. 2, p. 166-186, 1996. [ Links ]

TABER, K. S. Science education as a field of scholarship. In: TABER; K. S.; AKPAN, B. (ed.). Science education: an international course companion. Rotterdam: Sense Publishers, 2017. p. 3-19. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M. Pesquisa em ensino de biologia no Brasil (1972-2004): um estudo baseado em dissertações e teses. 2008. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M. Produção acadêmica em ensino de biologia: análise sobre dissertações e teses e derivações reflexivas para a área de educação em ciências. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 26, e260097, p. 1-25, 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-24782021260097. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M. Tendências da produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil: um panorama fundamentado na análise de dissertações e teses. Revista de Ensino de Biologia da SBEnBio, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 970-990, 2022. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. O estado da arte da pesquisa em ensino de biologia no Brasil: um panorama baseado na análise de dissertações e teses. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 11, n. 2, p. 273-297, 2012. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. Investigando a pesquisa educacional: um estudo enfocando dissertações e teses sobre o ensino de biologia no Brasil. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 261-282, 2006. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. Pós-graduação e pesquisa em ensino de biologia no Brasil: um estudo baseado em dissertações e teses. Ciência & Educação, Bauru, v. 17, n. 3, p. 559-578, 2011. Doi: https://doi.org/10.1590/S1516-73132011000300004. [ Links ]

TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil: 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549, 2017. [ Links ]

TOZONI-REIS, M. F. C. Metodologia da pesquisa. Curitiba: IESDE Brasil, 2009. [ Links ]

VALDÉS PUENTES, R.; FERNÁNDEZ AQUINO, O.; FAQUIM, J. P. S. Las investigaciones sobre formación de profesores en América Latina: un análisis de los estudios del estado del arte (1985-2003). Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 9, n. 3, p. 221-230, 2005. Disponível em: https://tinyurl.com/mus6f2pz. Acesso em: 28 jun. 2023. [ Links ]

WELLER, W.; PFAFF, N. Metodologias de pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 2011. [ Links ]

Recebido: 09 de Novembro de 2022; Aceito: 10 de Abril de 2023

Autor correspondente: pmarcelo@uesb.edu.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.