Introdução
Na contemporaneidade, temos percebido uma efervescência de discussões acerca da sexualidade. São diferentes instituições sociais e campos de saber que têm buscado explicar e debater a sexualidade. “Parece existir entre todos/as uma vontade de saber sobre os corpos, os prazeres, as sensações [...]” (RIBEIRO, 2006, p. 109).
Embora sobre a sexualidade a hipótese da repressão apresente-se historicamente mais evidente, o que houve não foi um silêncio, “em torno e a propósito do sexo há uma verdadeira explosão discursiva” (FOUCAULT, 2007, p. 23). Talvez o vocabulário, com a interdição de algumas palavras, quando, quem e onde poderia se falar, foram aspectos que ganharam atenção, mas “o que está realmente em jogo é muito mais a sua colocação em discurso, isto é, a emergência de mecanismos através dos quais se procurou crescentemente incitar ao sexo [...]” (GADELHA, 2009, p. 65).
No que tange à educação, foco sobre o qual recai este estudo, desde o século XVIII é possível perceber a produção de uma teia discursiva acerca da sexualidade; a instituição pedagógica, por sua vez, “concentrou as formas do discurso neste tema; estabeleceu pontos de implantação diferentes; codificou os conteúdos e qualificou os locutores” (FOUCAULT, 2007, p. 36). Sendo assim, nessa produção discursiva acerca da sexualidade, a escola emerge então como “uma das instituições nas quais se instalam mecanismos do dispositivo da sexualidade; através de tecnologias do sexo, os corpos dos estudantes podem ser controlados, administrados” (ALTMANN, 2001, p. 578), por meio de estratégias de poder e de saber3.
Com o objetivo de “proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo cada vez mais global” (FOUCAULT, 2007, p. 118) é que esse dispositivo da sexualidade passa a atuar, por volta do século XVII. Ao invés de ser reprimido, o que houve então foi uma multiplicação das formas de intervir na vida dos sujeitos no que concerne à sua sexualidade; sendo assim, esse dispositivo da sexualidade intensifica a valorização do corpo enquanto objeto de saber engendrado a relações de poder, produzindo, assim, formas de controle e de governo.
Por esse viés, a sexualidade não pode ser entendida como uma essência, um dado da natureza, ou seja, que diz respeito às questões relacionadas à materialidade biológica dos sujeitos ou ainda algo que precisa ser descoberto, desvelado. Segundo Foucault, a sexualidade é um dispositivo histórico, no qual:
[...] à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder. (FOUCAULT, 2007, p. 116-117).
A sexualidade entendida enquanto um dispositivo, assim como o proposto por Foucault, está sempre inscrita em um jogo de poder, que produz saberes que, por sua vez, instituem outras relações de poder. O dispositivo forma-se, então, a partir de “estratégias de relações de força, sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles” (FOUCAULT, 2007a, p. 246). Sendo assim, ele forma-se em um determinado momento histórico e tem como propósito atender a uma urgência, “corrigindo e intervindo na produção de sujeitos, bem como no seu controle” (BARROS, 2014, p. 28).
Além disso, o dispositivo é constituído por uma rede que se estabelece entre alguns elementos, são eles:
[...] discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. (FOUCAULT, 2007a, p. 244).
Por meio desses mecanismos, que se instauram a partir do dispositivo da sexualidade, é que a educação tem produzido e exercido uma pedagogia do gênero e da sexualidade, ou seja, estabelecendo modos de viver a sexualidade e colocando assim em atuação tecnologias de governo. A partir dos elementos do dispositivo e da rede produzida em meio ao dito e ao não dito acerca da sexualidade, estabelecem-se maneiras dos sujeitos viverem a sua sexualidade.
Ao produzir algumas interlocuções com esse conceito foucaultiano, nossa proposta é pensar o quanto esse dispositivo da sexualidade presente na escola parece a cada dia se tornar mais visível e enunciável. São políticas educacionais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ou, mais recentemente, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, os programas governamentais de incentivo à formação continuada de docentes para a problematização da sexualidade com crianças e adolescentes, como o curso gênero e diversidade na escola, a intensa produção de materiais utilizados como subsídios para os/as professores/as nessas discussões, como, por exemplo, os vídeos e cartilhas4 produzidos no âmbito do projeto escola sem homofobia, entre outros movimentos que podem ser apontados como elementos que têm possibilitado a visibilidade e a enunciação desse dispositivo.
Outro elemento que tem nos chamado a atenção para essa potência que o dispositivo da sexualidade parece adquirir na atualidade é o movimento de discussão no âmbito do ensino superior. Estamos referindo-nos à emergência de disciplinas que têm problematizado a sexualidade nas universidades federais brasileiras. Elas são oferecidas para diferentes cursos de graduação e abordam as questões de gênero, saúde, cuidados com o corpo e a diversidade em diferentes focos – de sexo, de raça, de etnia, de gênero – aspectos sociais, políticos, econômicos, históricos e culturais.
Na pesquisa que temos realizado, foi possível perceber que essas disciplinas são ofertadas tanto para cursos de bacharelados quanto para licenciaturas. No entanto, os cursos que objetivam a formação de professores/as apresentaram um número significativo de ofertas de disciplinas que discutem a sexualidade, totalizando 27 cursos de licenciatura.
A partir desse número expressivo de disciplinas nas licenciaturas, nosso objetivo é investigar algumas políticas de formação de professores/as, a fim de pensar os efeitos de verdade que essas políticas têm produzido. Além disso, a partir de algumas interlocuções com o dito e o não dito, ou seja, com os elementos do dispositivo da sexualidade proposto por Foucault, vamos analisar os campos de saber nos quais a oferta de disciplinas aparece em relação à escola. Então, buscamos “olhar o material empírico, como dispositivos de produção de verdade5, pois os mesmos têm como objetivo determinar e regular os modos de vivenciar e experimentar a sexualidade” (BARROS, 2014, p. 33).
Produzindo os dados da pesquisa
A sexualidade vem, ao longo dos tempos, tornando-se um forte tema de problematizações em universidades federais brasileiras. Esse fato está imbricado às demandas sociais que visam à promoção da cidadania, dos direitos humanos e da minimização da violência e discriminação aos grupos sociais minoritários – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), mulheres, negros/as, índios/as, entre outros segmentos sociais – e a políticas de formação de professores/as, as quais têm priorizado a construção de uma agenda educacional em que esses temas sejam pauta de debate.
No âmbito do ensino superior, essas discussões têm emergido por meio de disciplinas, obrigatórias e/ou optativas, presentes nos currículos de diferentes cursos de graduação6 de universidades federais.
A partir desse fato do presente é que buscamos produzir um diagnóstico dessa atual situação, ou seja, da emergência de disciplinas que discutem a sexualidade em universidades federais no Brasil. Denominamos esse movimento de mapeamento, já que fizemos um levantamento em todas as cinco regiões brasileiras – Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul – das universidades federais credenciadas no site do Ministério da Educação.
No link IES (Instituições de Ensino Superior) no Portal do Ministério da Educação encontramos o espaço e-mec, no qual é possível ter acesso a todas as universidades federais devidamente credenciadas no MEC e aos cursos oferecidos em cada uma delas. Após listadas, as instituições e os cursos de graduação que as mesmas ofertam, fomos até os sites das universidades para então investigar as disciplinas que cada um dos cursos de graduação estava oferecendo. Para buscar pelas disciplinas, estabelecemos algumas palavras-chave, são elas: gênero, diversidade, sexualidade, educação sexual e orientação sexual, que, quando encontradas na nomenclatura da disciplina, já eram selecionadas para a pesquisa como contendo discussões de sexualidade.
Além de realizar esse mapeamento, também analisamos alguns documentos, são eles: as Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura e de graduação plena, as Diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos e o Plano Nacional de Educação (PNE), lei 13.005 de 5 de junho de 2014, a fim de pensar o quanto essas políticas educacionais têm impulsionado esse debate, produzindo assim alguns efeitos de verdade.
A partir desses dados produzidos, não temos como pretensão problematizar esses discursos acerca da sexualidade presentes nas disciplinas a fim de perceber se apresentam ideologias ou constituem uma moral sexual. Ao contrário, nosso objetivo é pensar acerca:
[...] de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de poder e saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que conjuntura e que correlação de forças torna necessária sua utilização em tal ou qual episódio dos diversos confrontos produzidos). (FOUCAULT, 2007, p. 113).
Políticas públicas potencializam o dispositivo da sexualidade nos cursos de formação de professores/as
Ao olharmos para a história, é possível perceber na contemporaneidade, a partir de alguns elementos, dentre eles as políticas públicas, programas e ações governamentais em diferentes esferas – federais, estaduais e municipais, entre outros, a emergência de um cenário de discussões acerca da sexualidade em instituições educacionais. Esse atravessamento entre a sexualidade e o campo educacional, embora possa parecer recente para alguns/algumas, já foi apontando nos estudos de Michel Foucault, ao problematizar a vontade de saber acerca da sexualidade.
Nas escolas do século XVIII, bastava “atentar para os dispositivos arquitetônicos, para os regulamentos de disciplina e para toda a organização interior: lá se trata continuamente do sexo” (FOUCAULT, 2007, p. 34). A partir de distintos dispositivos e estratégias é que o discurso sobre a sexualidade foi sendo produzido no âmbito educacional.
Nos últimos tempos, essas discussões têm se apresentado de forma mais acentuada devido a alguns movimentos governamentais, os quais têm visado ao investimento, por exemplo, por meio de cursos de formação continuada ofertado para professores/as da educação básica da rede pública e outros profissionais da educação, como o gênero e diversidade na escola. Além disso, o debate de questões que envolvem a diversidade, os direitos humanos, a violência e a discriminação aos grupos sociais minoritários tem sido pensados em algumas políticas públicas.
Dentre esses movimentos que destacamos brevemente, há, no que concerne a essas discussões, um rastro significativo na história, o qual sempre é pinçado e (re)apresentado em estudos que buscam debater questões que envolvem a sexualidade e a escola. Estamos referindo-nos à última década do século XX, em que a discussão da sexualidade passou a ser instituída através de uma política pública educacional normatizada no Parâmetro Curricular Nacional (PCN), no eixo transversal Orientação Sexual (1997).
Essa política pública foi produzida e implementada para pensar diretrizes para a educação básica, mais especificamente, o ensino fundamental, no entanto, essa fronteira parece estar sendo borrada e/ou extrapolada, fazendo com que as discussões acerca da transversalidade de determinados temas cheguem a outras modalidades de ensino.
Sandra Unbehaum (2014) investe nessa discussão na sua tese de doutorado, ao buscar compreender, com líderes e colíderes de grupos de pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa da Plataforma Lattes, no site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os aspectos envolvidos na inserção das questões de gênero, como temas do currículo nos cursos de pedagogia oferecidos por universidades públicas brasileiras.
Segundo ela, a partir dos depoimentos dos participantes da pesquisa, “a transversalização das questões de gênero surge como uma estratégia de ação empreendida por um docente-pesquisador no tema” (UNBEHAUM, 2014, p. 105), ou seja, a abordagem transversal da temática orientação sexual, proposta pelo PCN, está relacionada à presença, no curso de graduação, de um/a docente que pesquisa e/ou problematiza as questões de gênero ou ainda do tipo de disciplina que é lecionada. Esse estudo expressa um avanço das discussões, neste caso relacionado ao gênero, de modo que as políticas educacionais que vêm discutindo/apresentando questões acerca do gênero estão produzindo efeitos para além da educação básica.
Além disso, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI)7 pode ser apontada como um elemento importante para pensarmos algumas dessas condições que vêm possibilitando o forte debate dessas temáticas na formação de professores/as. É por meio da atuação dessa secretaria, debatendo alguns temas, dentre eles a sexualidade, que esse assunto adquire uma significativa visibilidade e passa a ser um tema de debate no âmbito do Ensino Superior, e, com isso, “canalizaram-se para a agenda governamental do MEC temas e sujeitos que dela estavam excluídos. [...] assistimos à conversão de antigas denúncias em propostas de políticas públicas federais” (VIANNA, 2012, p. 134).
Dentre as políticas públicas que emergiram na contemporaneidade e que entrelaçaram as proposições advindas com as discussões propostas pela SECADI, gostaríamos de dar destaque a três delas que vêm trazendo proposições para o Ensino Superior, mais especificamente, para os cursos de licenciatura, foco deste investimento de estudo que está centrado em olhar para os movimentos que vêm ocorrendo no âmbito das universidades federais com a expressiva oferta de disciplinas que discutem a sexualidade em cursos de formação de professores/as.
A primeira política educacional são as Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, em curso de licenciatura e de graduação plena, que apresenta alguns princípios e fundamentos que deverão ser observados e seguidos na organização estrutural e curricular das instituições educacionais.
Essas diretrizes, assim como outras políticas educacionais, estão alicerçadas nas proposições acerca da formação de professores/as presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. A partir então das disposições presentes na LDB, essas diretrizes propõem, no Art. 2º, que no que tange à organização curricular, as instituições de ensino deverão estar atentas às orientações para formação da prática pedagógica docente, dentre elas, o que está disposto no inciso II: “o acolhimento e o trato da diversidade” (BRASIL, 2002).
A palavra diversidade, e algumas vezes também a diferença, termos que se aproximam, mas não são sinônimos, têm estado presentes de forma recorrente em algumas políticas educacionais, como, por exemplo, nesse inciso II das Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores/as.
Segundo Junqueira (2014), diversidade parece ter se tornado uma palavra de ordem, ainda mais após ganhar a arena política, mas é importante que possamos refletir acerca de alguns aspectos, são eles: “De que e de quem estamos falando? Quem ficou de fora? Alguém ficou mais ao centro ou mais à margem? De que modo são representadas diferentes categorias sociais nos discursos acerca da diversidade?” (JUNQUEIRA, 2014, p. 4).
Os/as gestores/as públicos/as ao proporem essas políticas educacionais, muitas vezes preocupam-se apenas com índices, aumento do número de concluintes do Ensino Fundamental e Médio, e, para tanto, acreditam que para garantir a permanência na escola são necessárias ações, segundo eles/as, que visem à diversidade de sujeitos que temos hoje nas escolas (JUNQUEIRA, 2014). É esse o discurso que temos encontrado em algumas diretrizes, como, por exemplo, no Plano Nacional de Educação, lei 13.005 de 25 de junho de 2014, no qual também encontramos a discussão acerca da importância de construirmos uma prática pedagógica pautada em uma educação para a diversidade. Para que a meta 13 do PNE, que objetiva melhorar a qualidade do Ensino Superior e ampliar o número de mestres e doutores/as efetivos nessa modalidade de ensino seja atingida, são propostas algumas estratégias, dentre elas, gostaríamos de destacar a seguinte:
13.4) promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas, por meio da aplicação de instrumento próprio de avaliação aprovado pela Comissão Nacional de avaliação da Educação Superior – CONAES, integrando-os às demandas e necessidades das redes de educação básica, de modo a permitir aos graduandos a aquisição das qualificações necessárias a conduzir o processo pedagógico de seus futuros alunos (as), combinando formação geral e específica com a prática didática, além da educação para as relações étnico-raciais, a diversidade e as necessidades das pessoas com deficiência. (BRASIL, 2014).
Assim, é importante destacar que pensar uma educação para as relações étnico-raciais, para a diversidade e para as necessidades das pessoas com deficiência, ou seja, produzir uma política educacional inclusiva, é preciso um “investimento permanente em favor da subversão dos valores hegemônicos e das relações de poder que nortearam a estruturação dessa escola” (JUNQUEIRA, 2014, p. 6). Não basta apenas pensar na promoção e respeito para com a diversidade e a diferença, se os/as professores/as não estiverem dispostos/as “a romper os seus compromissos com uma educação normalizadora, (re)produtora e reiteradora dos ditames do classismo, da branquitude, da heteronormatividade, da corponormatividade etc.” (JUNQUEIRA, 2014, p. 7).
Essa discussão da produção de um currículo que reconheça as novas demandas sociais que chegam às escolas tem se tornado um discurso em forte ascensão, tanto que esse tema adquire destaque em uma política educacional voltada exclusivamente para esse enfoque. Estamos referindo-nos à Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012 que estabelece as Diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos.
No Art. 3º, são estabelecidos os princípios sobre os quais a educação em direitos humanos deverá estar pautada, dentre eles destacamos o inciso III, “reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades” (BRASIL, 2012). Além desse inciso, esse documento, de maneira geral, propõe a discussão dos direitos humanos na educação, em diferentes modalidades de ensino – da educação básica ao ensino superior – objetivando que tenhamos a garantia de nossos direitos sem distinção de sexo, raça, etnia, nacionalidade, classe social, condição de saúde, religião, entre outras identidades as quais nos constituem.
Estamos vivendo um momento que tem priorizado:
[...] um processo escolar em que todos os níveis (inclusive nos cursos de formação de educadoras/es) esteja minimamente articulado com políticas públicas que possam combater e minimizar as injustiças e as desigualdades sociais. (FURLANI, 2009, p. 298).
Além disso, surge a necessidade de se pensar políticas públicas que promovam ações afirmativas para os grupos minoritários historicamente. Assim, promover a educação em direitos humanos, como a proposta advinda com essas diretrizes, possibilita a promoção de uma cultura de respeito para com o/a outro/a, garantindo assim uma vivência humana digna. Através do entrelaçamento entre a educação e os direitos humanos, a intenção é que as instituições de ensino possam mobilizar ações a fim de minimizar os preconceitos e as discriminações enraizadas na nossa sociedade, desestabilizando assim o não reconhecimento da diferença.
A proposta é que esse debate possa estar presente nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) e nos regimentos das escolas, nos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); nos Programas Pedagógicos dos cursos de graduação e de maneira geral nas instituições de ensino superior, tanto em ações no ensino e na pesquisa quanto na extensão. Para tanto, no Art. 7º são apresentadas algumas possibilidades de como a educação em direitos humanos poderá estar articulada aos currículos da educação básica e do ensino superior, são elas: de forma transversal com interrelação entre os temas debatidos nas salas de aula e os direitos humanos; como conteúdo de uma disciplina já presente no currículo ou ainda com a articulação entre a transversalidade e a disciplinaridade.
Nos cursos de formação inicial e continuada de professores/as, a educação em direitos humanos deverá ser obrigatória, assim como o disposto no Art. 8º:
A Educação em Direitos Humanos deverá orientar a formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais da educação, sendo componente curricular obrigatório nos cursos destinados a esses profissionais. (BRASIL, 2012).
Já para os demais campos de conhecimento, essa discussão também deverá ser promovida, mas a obrigatoriedade não é ressaltada, como é possível perceber no Art. 9º: “A Educação em Direitos Humanos deverá estar presente na formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas do conhecimento” (BRASIL, 2012).
Essas políticas educacionais propõem o debate em instituições pedagógicas de questões acerca da diversidade e da diferença; sendo assim, é importante destacar que a palavra diversidade vem sendo acionada em um número expressivo de políticas públicas educacionais, ainda mais, como já mencionamos, desde a criação da SECADI, que tem como um de seus objetivos a “valorização das diferenças e da diversidade” (BRASIL, 2016). Essa discussão caracteriza-se enquanto um campo de tensão, já que algumas políticas e/ou ações afirmativas, ao priorizarem a diversidade como estratégia de inclusão e pertencimento dos indivíduos marcados socialmente como diferentes, acaba por promover o inverso, a exclusão.
Sabe-se que em uma sociedade como a nossa, constituída pelas diferenças sejam elas de gênero, etnia, geracionais, sexuais, sociais, raciais, entre outras, “a promoção da cultura do reconhecimento da diversidade pode representar mais do que um irrenunciável compromisso de ordem ética” (JUNQUEIRA, 2007, p. 59). No entanto, o que existem são inúmeras divergências, pois promover uma pedagogia da inclusão, pensada em níveis gerais, não há problemas. A problemática instala-se “quando se trata de discutir o que deve ser feito, como deve ser feito, quando deve ser feito, quem está habilitado a fazer” (SEFFNER, 2009, p. 127).
É nesse momento que a escola pública emerge como uma instância social potente para a promoção da diversidade. É através dela que ações governamentais têm buscado pautar ações de promoção e reconhecimento na/para/pela a diversidade. Uma educação alicerçada sobre esse viés possibilita a construção de uma escola democrática, inclusiva e pautada na cidadania, rompendo assim com a “sina de ser um local de exclusão” (SEFFNER, 2009, p. 129).
No entanto, é preciso ter cuidado para não cairmos nas armadilhas das políticas públicas que propõem a diversidade como um de seus princípios/diretrizes, foco de ação, enfim, como pano de fundo sobre o qual a educação deve estar alicerçada. Muito de nossa formação, e também vivências enquanto docentes, parece produzir um saber pedagógico que nos leva à produção de olhares que visam à homogeneização, tudo que é igual permanece e o que é diferente, atrapalha, ou seja, deve ser excluído. “Historicamente, a escola foi marcada por princípios de homogeneidade, e muitos acreditam que só se pode ensinar de modo produtivo em classes homogêneas” (SEFFNER, 2013, p. 148).
Por esse viés, é importante que se faça um investimento significativo na implementação e fortalecimento dessas políticas educacionais que visam ao debate da educação em direitos humanos no âmbito dos cursos de licenciatura, para que assim os/as futuros/as professores/as sintam-se engajados/as na construção de uma educação de reconhecimento da diferença e da diversidade. Caso contrário, se “os temas da diferença estiverem ausentes da formação inicial e continuada de profissionais da educação e não comparecerem de maneira nítida e bem articulada nas diretrizes para os sistemas de ensino” (JUNQUEIRA, 2014a, p. 7), essa busca pelo enfrentamento de preconceitos e discriminações não irão produzir efeitos expressivos.
Além disso, é preciso incluir no debate sobre os direitos humanos na formação inicial elementos pontuais, como, por exemplo, os direitos sexuais e as discussões sobre as questões de gênero, para que não se fique restrito a problematizações generalistas e sem precisão. Dessa forma, estaremos possibilitando que se fale da sexualidade nos cursos de licenciatura, para além da prevenção, dos comportamentos sexuais de risco ou ainda a partir de uma moral sexual. Então, mais do que:
[...] respeito e vago pluralismo, vale discutir e abalar códigos dominantes de significação, desestabilizar relações de poder, fender processos de hierarquização, perturbar classificações e questionar a produção de identidades reificadas e diferenças desigualadoras. (JUNQUEIRA, 2014a, p. 5).
Quais licenciaturas? Que discussões são promovidas na sua interface com a escola?
Para compreender a formação do dispositivo da sexualidade, Foucault destaca que, ao contrário da hipótese repressiva produzida acerca do sexo, o que houve, a partir do final do século XVII, foi a construção de uma rede de discursos acerca desse tema. Essa rede que se estabelece entre os discursos, as instituições, as leis, os enunciados científicos, as questões morais, filosóficas, entre outros elementos, ditos e não ditos, que compõem o dispositivo tem possibilitado “uma intensificação do corpo, à sua valorização como objeto de saber e como elemento nas relações de poder” (FOUCAULT, 2007, p. 118).
Essa “incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais” (FOUCAULT, 2007, p. 24), embora possa parecer contemporânea, devido à efervescência de discussões que se tem notícia hoje, como foi possível perceber ao analisarmos algumas políticas educacionais, já estavam presentes em outros momentos na história. No século XVIII, por exemplo, a forma como as escolas estavam organizadas, “os regulamentos elaborados para a vigilância do recolhimento e do sono, tudo fala da maneira mais prolixa da sexualidade das crianças” (FOUCAULT, 2007, p. 34).
Em torno da sexualidade e a educação o que houve não foi um silêncio, o que se produziu acerca da sexualidade foi uma teia de discursos sobre esse tema, instituindo saberes, locutores e interlocutores autorizados a falar. Uma incitação ao discurso que fez com que a sexualidade de crianças e adolescentes passasse “a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram inúmeros dispositivos institucionais e estratégias discursivas” (FOUCAULT, 2007, p. 36).
A escola, então, ao longo dos tempos, tem se constituído enquanto uma instituição potente para a proliferação e controle desses discursos acerca da sexualidade e, na contemporaneidade, é possível perceber outros movimentos, os quais têm possibilitado uma repetição e uma atualização do dispositivo da sexualidade. Esse dispositivo é produzido por uma rede de discursos que se relacionam a questões de saber sobre a sexualidade, a relações de poder e a processos de subjetivação dos sujeitos, produzindo assim modos de viver a sexualidade. Nesse sentido, o dispositivo aciona diferentes estratégias, produzidas a partir dessa teia de discursos, objetivando controlar, gerenciar, conduzir e governar as condutas dos indivíduos acerca da sua sexualidade.
Assim, a repetição no dispositivo da sexualidade se dá no sentido de que continuamos a qualificar os/as locutores/as e interlocutores/as, como professores/as, psicólogos/as, médicos/as, entre outros/as e algumas instituições, dentre elas a escola, que continua a ser um espaço privilegiado para falar de sexualidade, possibilitando assim que os corpos dos sujeitos possam ser vigiados, controlados e normalizados.
A atualização do dispositivo, por sua vez, ocorre devido à significativa visibilidade que a sexualidade tem adquirido nas mídias, televisiva e também impressa, as paradas LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais –, as políticas educacionais discutidas anteriormente, as disciplinas presentes no ensino superior para cursos de formação de professores/as, objeto deste estudo e que vêm propondo um debate pautado na promoção da diversidade e da diferença, entre outros aspectos que podem ser apontados como condições de emergência que possibilitaram essa atualização do dispositivo da sexualidade.
A partir dessa atualização do dispositivo da sexualidade, que ocorre devido aos diferentes elementos que o constituem e que sofrem modificações, devido a aspectos de ordem social, cultural, histórica e econômica, é que vamos sendo capturados/as nas tramas desse dispositivo que vem produzindo a forma como devemos viver a nossa sexualidade.
No que concerne ao campo educacional, estamos vivendo um momento histórico, no qual a promoção e o reconhecimento da diversidade e da diferença têm entrado na ordem do discurso. Os discursos intensificaram-se e diversificaram-se, outros campos de saber foram convocados a falar sobre a sexualidade e as “‘verdades’ produzidas por esses vários campos são disputadas em muitas instâncias, o que nos leva a construir, hoje, um olhar mais complexo sobre a sexualidade e sobre os gêneros” (LOURO, 2009, p. 15).
Do mapeamento, totalizaram 60 instituições, sendo que desse número conseguimos ter acesso a somente 44 disciplinas ofertadas em cada semestre; dessas, 38 universidades oferecem disciplinas, o que corresponde a 86% e somente 6 não oferecem, o equivalente a 14%.
Do total de cursos de graduação pesquisados nessas universidades, em 82 deles encontramos disciplinas de sexualidade sendo ofertadas, sendo 27 deles de licenciatura e 55 de bacharelado. Além disso, desse total de cursos de graduação, 39 deles oferecem mais de uma disciplina e os 43 cursos restantes oferecem apenas uma disciplina de sexualidade.
Foram 137 disciplinas ofertadas nos cursos de licenciatura, sendo que dessas foram suprimidas as que são ofertadas para mais de um curso de graduação na mesma instituição. Contudo, é importante ressaltar que o curso de graduação foi contabilizado no total de cursos em que há ofertas de disciplinas de sexualidade. Distribuídas nas universidades brasileiras presentes nas cinco regiões do país, temos o seguinte panorama: na região Norte, apenas 1 disciplina; na região Nordeste, 36 disciplinas; na região Centro-Oeste, 31 disciplinas; na região Sudeste, 30 disciplinas e na região Sul, 39 disciplinas.
Outro dado relevante: do total de 137 disciplinas ofertadas, 117 são optativas e somente 20 são obrigatórias. As discussões acerca da sexualidade presentes de forma expressiva em disciplinas optativas mobilizam-nos a pensar alguns tensionamentos entre o currículo e as pedagogias da sexualidade. “Pode o sexo ser educado e pode a educação ser sexuada?” (BRITZMAN, 2007, p. 93).
O currículo não é apenas o lugar em que os conhecimentos são corporificados, por meio de uma intensa lista de conteúdos que deverão ser abordados a partir de aspectos meramente cognitivos. Ao invés de apenas transmitir conhecimentos, esse artefato cultural produz e determina o que é conhecimento e o que não é conhecimento:
[...] quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são. (SILVA, 2008, p. 195).
Mesmo que presente de forma expressiva nos cursos de licenciatura, seria a sexualidade considerada um tema pertinente para o debate nos cursos de formação de professores/as? Lançamos esse questionamento por entendermos que os conhecimentos considerados legítimos/importantes de serem abordados em cursos de formação de professores/as são ofertados de forma obrigatória, enquanto que aqueles que complementam a formação aparecem por meio de disciplinas optativas. Então, embora esteja visível na atualidade o movimento de criação de uma agenda para o debate da sexualidade não somente nas universidades federais brasileiras, mas em outras modalidades de ensino, é importante que possamos pensar acerca dessas relações, “no sentido foucaultiano de que o currículo, como corporificação de saber, está estreitamente vinculado ao poder” (SILVA, 2008, p. 197).
Com relação às palavras-chave adotadas na pesquisa, das 137 disciplinas, 82 falam em gênero, 34 em sexualidade, 26 em diversidade, 8 em educação sexual e somente 2 em orientação sexual. Desse aspecto é relevante ressaltar que algumas disciplinas têm em sua nomenclatura mais de uma palavra-chave.
Essas disciplinas são ofertadas em diferentes cursos de licenciatura, sendo que em alguns deles há oferta de um número maior de disciplinas. Os cursos e o respectivo número de disciplinas ofertadas são: Pedagogia (58)8; Ciências Sociais (41); História (20); Ciências Biológicas (9); Psicologia (6); Educação Física (5); Física (4); Matemática (4); Geografia (3); Ciências da Religião (2); Dança (2); Educação Musical (2); Letras Língua Estrangeira Inglês e Espanhol (2); Letras Língua Estrangeira Moderna ou Clássica (2); Letras Vernáculos Língua Estrangeira Moderna (2); Química (2); Artes Cênicas (1); Artes Cênicas com Habilitação em Teatro (1); Ciências Agrárias (1); Ciências da Computação (1); Educação do Campo (1); Educação do Campo com Habilitação em Linguagens (1); Intercultural Indígena (1); Interdisciplinar em Ciências Humanas (1); Interdisciplinar em Educação no Campo (1); Letras Vernáculos (1) e Teatro (1). É importante destacar que nessa contagem as disciplinas ofertadas para mais de um curso de graduação foram mantidas para que assim conseguíssemos produzir o número total de cursos de licenciatura em que encontramos a oferta de disciplinas que discutem a sexualidade.
A partir desses dados produzidos, não temos como pretensão problematizar esses discursos acerca da sexualidade presentes nas disciplinas a fim de perceber se apresentam ideologias ou constituem uma moral sexual. Ao contrário, nosso objetivo é pensar acerca:
[...] de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de poder e saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que conjuntura e que correlação de forças torna necessária sua utilização em tal ou qual episódio dos diversos confrontos produzidos). (FOUCAULT, 2007, p. 113).
A partir da análise das disciplinas que apresentam relação com o espaço escolar, foi possível perceber o quanto as políticas educacionais para a formação de professores/as, também analisadas neste estudo, têm operado e produzido efeitos nas grades curriculares dos cursos de licenciatura. Algumas dessas políticas têm emergido ressaltando a importância do debate e da inclusão nas escolas de temas como gênero e a promoção da diversidade e da diferença e os reflexos dessas proposições podem ser percebidos nas ementas, quando esses temas também têm adquirido centralidade.
Essa centralidade/visibilidade que a sexualidade foi adquirindo ao longo dos tempos tem uma história. Sendo assim, ela vem sofrendo modificações, as quais podem ser percebidas também através das ementas, por exemplo, com as temáticas que passam a ser temas de debate com relação à sexualidade. Por volta da década de 80, quando a sexualidade passou a ser discutida em várias instâncias sociais, dentre elas a escola, foi com a preocupação em combater as doenças, dentre elas a Aids e as demais Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). O foco estava, portanto, sobre a materialidade biológica e o risco a doenças.
Emergiu então, um forte investimento por parte de ações governamentais objetivando estimular projetos com esse foco sobre a saúde, cuidados com o corpo e a prevenção. Sendo assim, as discussões iniciais sobre a sexualidade no âmbito educacional, “tiveram o efeito de aproximá-la das ideias de risco e de ameaça, colocando em segundo plano sua associação ao prazer e à vida” (LOURO, 2009, p. 34), ou seja, foi sobre uma abordagem preventiva das práticas sexuais que o debate da sexualidade na escola passou a ser promovido. Foi por meio de dispositivos disciplinares sobre os corpos das crianças e dos/as adolescentes que as instituições escolares passaram a exercer uma pedagogia do gênero e da sexualidade (LOURO, 2007).
Na contemporaneidade, com a inserção de outros temas, o dispositivo da sexualidade sofreu alguns deslocamentos, que, por sua vez, possibilitaram uma atualização desse dispositivo; ou seja, essa ciência da sexualidade, que produziu através de relações de poder/saber uma teia de controle e observações sobre o sexo dos sujeitos, sofreu alguns deslocamentos, na medida em que não existe mais uma preocupação tão intensa com a saúde do corpo. Outros elementos ingressaram nessa teia discursiva sobre a sexualidade, como o gênero, a diversidade, a diferença, tabus, crenças, interrelações com as questões de raça, etnia, geração, entre outros que estão presentes nas ementas das disciplinas.
Então, ao analisarmos o dispositivo da sexualidade “a partir de técnicas de poder que lhe são contemporâneas” (FOUCAULT, 2007, p. 164), buscamos pensar acerca do regime de poder/saber/prazer que tem produzido o discurso da sexualidade e sua interface com o espaço escolar, problematizando que a presença de disciplinas no âmbito do Ensino Superior e também as políticas educacionais são alguns dos elementos, entre tantos outros que podem ser apontados, os quais têm possibilitado a atualização e também a repetição desse dispositivo, que está cada vez mais visível e enunciável na atualidade.
Enfim...
A partir das análises e discussões produzidas, nossa proposta foi investigar os efeitos de verdade que vêm sendo produzidos por algumas políticas educacionais e analisar algumas ementas das disciplinas que vêm sendo ofertadas de forma expressiva em cursos de licenciatura em universidades federais brasileiras e que se propõe a debater a sexualidade. Centramos nossos olhares para as disciplinas a fim de problematizar sua relação com o espaço da escola, já que buscamos investigar os cursos de formação de professores/as.
Dentre as condições que possibilitaram a emergência dessa abordagem da sexualidade a partir de disciplinas, as diretrizes presentes nas políticas educacionais analisadas podem ser apontadas como uma dessas condições, ou seja, a partir da análise dos documentos empreendida neste estudo, foi possível perceber que elas têm impulsionado o debate acerca da diversidade e da diferença, capturando de alguma forma os sujeitos para a construção e promoção de uma escola mais plural.
Sendo assim, essas políticas de educação, “vêm enfatizando o currículo, e indicam atualmente a construção de uma agenda de políticas voltadas para a diversidade sexual, com a criação de muitos projetos e programas” (VIANNA, 2012, p. 127).
Essa relação entre o gênero e a educação adquire maior visibilidade por volta da década de 90 devido aos “avanços na sistematização de reivindicações que visam à superação, no âmbito do Estado e das políticas públicas, de uma série de medidas contra a discriminação da mulher” (VIANNA; UNBEHAUM, 2004, p. 2). Mesmo com todos movimentos de consolidação do gênero enquanto uma política pública de educação, avançamos apenas no sentido de discussões pontuais acerca dessas questões e não como um tema integrante dos currículos e dos cursos de formação de professores/as. Então:
[...] é preciso incluir o gênero, e todas as dimensões responsáveis pela construção das desigualdades, como elementos centrais de um projeto de superação de desigualdades sociais, como objetos fundamentais de mudanças estruturais e sociais.” (VIANNA; UNBEHAUM, 2006, p. 245).
Com relação às disciplinas, embora elas sejam ofertadas de forma mais significativa para os cursos de formação de professores/as, a partir dos dados produzidos, foi possível perceber que somente em algumas o foco de discussão recai sobre a escola. A partir dessa interface com o espaço escolar, essas disciplinas se propõem a pensar a inclusão de uma perspectiva de gênero e sexualidade nas escolas, com a produção de materiais e organização de espaços para o debate e questionamento sobre essas questões.
Dentre os cursos de graduação em licenciatura, a Pedagogia emergiu como o campo de saber privilegiado para as discussões da sexualidade, já que encontramos um número significativo de disciplinas sendo ofertadas. Nesse sentido, o dispositivo da sexualidade parece se repetir, objetivando o controle e através de mecanismos de gestão, “engendra, em troca, uma extensão permanente dos domínios e das formas de controle” (FOUCAULT, 2007, p. 117) que atuam sobre os corpos infantis.
Ao analisarmos as disciplinas, foi possível perceber os efeitos de algumas políticas educacionais, ou seja, as questões acerca do gênero e da promoção, reconhecimento e respeito à diversidade e da diferença, temas abordados pelas políticas públicas, também têm se apresentado como pauta de debate das disciplinas. Com a inclusão desses temas nos currículos dos cursos de formação de professores/as, buscamos problematizar os deslocamentos que o dispositivo da sexualidade vem sofrendo. Além de estar mais visível e enunciável, a sexualidade já não é mais abordada apenas sobre o viés da materialidade biológica e a preocupação com as doenças, ou seja, por meio do exercício do poder tem se produzido um campo de saber sobre a sexualidade no qual alguns ditos entram na ordem do discurso, possibilitando, assim, uma atualização do dispositivo da sexualidade.
Enfim, entendendo a escola como um espaço sexualizado e generificado e que vem constituindo, por meio do dispositivo da sexualidade, modos de agir e viver na sociedade, repensar essa pedagogia da sexualidade que vem sendo produzida nos cursos de licenciatura em interface com o espaço escolar pode possibilitar, talvez, que “nos tornemos mais capazes de desarranjá-la, reinventá-la e torná-la plural (LOURO, 2007, p. 33).