SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44Inicios de las Boys Town en España: la Ciudad de los Muchachos de Vallecas (Madrid)Isaias Alves e as aproximações entre a psicologia educacional e a educação matemática índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.44  São Paulo  2018  Epub 31-Ene-2018

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201711164384 

Artigos

A matemática no periódico pedagógico Unsere Schule

Mathematics in the pedagogical journal Unsere Schule

Malcus Cassiano Kuhn1 

Malcus Cassiano Kuhn é doutor em ensino de ciências e matemática pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), de Canoas/RS. É professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSul), Campus Lajeado/RS e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Matemática e Interculturalidade (GEPHEMI).

Arno Bayer2 

Arno Bayer é doutor em ciências da educação pela Universidade Pontifícia de Salamanca, Espanha. É professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECIM) da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), de Canoas/RS e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação Matemática e Interculturalidade (GEPHEMI).

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSul), Lajeado, RS, Brasil. Contato: malcuskuhn@ifsul.edu.br

2Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, RS, Brasil. Contato: bayer@ulbra.br


Resumo

O artigo analisa as edições do periódico pedagógico Unsere Schule, com ênfase no discurso matemático veiculado por meio dos textos, imagens e enunciados, suas intencionalidades e abordagens. Como o tema se insere na história da educação matemática no Rio Grande do Sul, este estudo qualitativo e documental se ampara na história cultural para análise das onze edições do periódico Unsere Schule, editado pela Igreja Luterana, em alemão, para suas escolas paroquiais, no período de agosto de 1933 a outubro de 1935. Em 1900, o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri, hoje Igreja Evangélica Luterana do Brasil, iniciou missão nas colônias alemãs gaúchas, fundando congregações religiosas e escolas paroquiais. Tais escolas integravam um projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, a matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos. Em sua totalidade de 164 páginas, o periódico Unsere Schule traz contribuições para as escolas paroquiais luteranas gaúchas por meio de textos bíblicos, informações e artigos pedagógicos em diferentes áreas do conhecimento. O periódico Unsere Schule apresenta orientações didáticas para o ensino da matemática com emprego do método intuitivo, faz divulgação de livros de aritmética e publica artigos pedagógicos para o ensino prático da geometria e de unidades de medida.

Palavras-chave História da educação; Matemática; Periódico pedagógico; Escolas paroquiais luteranas gaúchas

Abstract

The article analyzes the editions of Unsere Schule, a pedagogical journal, with emphasis on the mathematical discourse through texts, images and statements, their intentions and approaches. As the theme is part of the history of mathematical education in Rio Grande do Sul, this qualitative and documentary study draws on cultural history for the analysis of the eleven editions of the Unsere Schule, edited by the Lutheran Church in German, for its parochial schools, from August 1933 to October 1935. In 1900, the German Evangelical Lutheran Synod of Missouri, today the Evangelical Lutheran Church of Brazil, began mission in the German colonies in the state, founding religious congregations and parochial schools. These schools were part of a missionary and community project that sought to teach the mother tongue, mathematics, as well as cultural, social and mainly religious values. In its whole of 164 pages, journal Unsere Schule brings contributions to the Lutheran parochial schools in Rio Grande do Sul, through biblical texts, information and pedagogical articles in different areas of knowledge. Journal Unsere Schule presents didactic orientations for the teaching of mathematics using the intuitive method, gives publicity to arithmetic books and publishes pedagogical articles for the practical teaching of geometry and units of measure.

Keywords History of Education; Mathematics; Pedagogical Periodical; Gaucho Lutheran Parochial Schools

Introdução

Este artigo tem por objetivo analisar as edições do periódico pedagógico Unsere Schule (Nossa Escola), com ênfase no discurso matemático veiculado por meio de textos, imagens e enunciados, suas intencionalidades e abordagens. Trata-se de um estudo iniciado durante a elaboração da tese O ensino da Matemática nas Escolas Evangélicas Luteranas do Rio Grande do Sul durante a primeira metade do século XX, e aprofundado em estágio pós-doutoral.

O movimento migratório no Rio Grande do Sul (RS) tem sido objeto de muitas investigações. No âmbito da história da educação no estado gaúcho, os trabalhos de Kreutz (1991 , 1994 ), Rambo (1994 , 1996 ), Lemke (2001) e Weiduschadt (2007 , 2012 ) são destaques. Já na história da educação matemática no RS, destacam-se as pesquisas de Mauro (2005) , Wanderer (2007) , Silva (2015) e Kuhn (2015) .

O periódico Unsere Schule, editado em alemão pelo Departamento de Ensino do Distrito Brasileiro do Sínodo de Missouri, Ohio e outros Estados, na década de 1930, em Porto Alegre/RS, teve suas contribuições em diferentes áreas do conhecimento, inclusive em matemática. Redigido por professores de escolas paroquiais luteranas gaúchas e do Seminário Concórdia 3 de Porto Alegre, o periódico foi dirigido às escolas paroquiais da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), com onze edições, totalizando 164 páginas.

Como o tema desta investigação se insere na história da educação matemática no RS, o aporte metodológico está fundamentado na história cultural, a partir da perspectiva de Chartier (1990) . Para investigar o periódico Unsere Schule foram realizadas visitas ao Instituto Histórico da IELB, localizado em Porto Alegre, onde se encontram todas as edições do mesmo. Ao pesquisar cada edição, compilaram-se os excertos relacionados à matemática para posterior análise, sendo necessária a tradução dos fragmentos, todos redigidos em alemão.

No estudo da matemática no periódico Unsere Schule, além do referencial metodológico, apresentam-se características do periódico e uma análise das orientações didáticas e dos conhecimentos matemáticos presentes no mesmo.

A história cultural como aporte metodológico

A história cultural ( Kulturgeschichte ) se ocupa da pesquisa e representação de determinada cultura em dado período e lugar, como: relações familiares, língua, tradições, religião, arte e algumas ciências. Segundo Chartier (1990) , uma questão desafiadora para a história cultural é o uso que as pessoas fazem dos objetos que lhes são distribuídos ou modelos que lhes são impostos, uma vez que há sempre uma prática diferenciada na apropriação dos objetos colocados em circulação. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a imprensa pedagógica, aqui representada pelo periódico Unsere Schule, foi um veículo para circulação de ideias que traduziam valores e comportamentos que se desejava ensinar - a prática religiosa luterana, sendo postas em convergência com outras estratégias políticas e culturais no RS.

Conforme Chartier (1990) , as noções complementares de práticas e representações são úteis para examinar os objetos culturais produzidos, os sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produção e a difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos e as normas a que se conformam as sociedades através da consolidação de seus costumes. Para a produção de um periódico, como o Unsere Schule , foram movimentadas determinadas práticas culturais e também representações, sem contar que o próprio periódico, depois de produzido, difundia novas representações e contribuía para a produção de novas práticas.

Para Chartier (1990) , as práticas culturais que aparecem na construção de um periódico são tanto de ordem autoral (modos de escrever, pensar ou expor o que será escrito), como editorial (reunir o que foi escrito para constituí-lo em periódico), ou ainda artesanal (a construção do periódico na sua materialidade). Da mesma forma, quando um redator se põe a escrever um periódico, ele se conforma a determinadas representações do que deve ser um periódico, a certas representações concernentes aos temas por ele desenvolvidos. Este redator também poderá se tornar criador de novas representações, que encontrarão, no devido tempo, uma ressonância maior ou menor no circuito leitor ou na sociedade mais ampla. A leitura de um periódico também gera práticas criadoras, podendo produzir concomitantemente práticas sociais. Essa leitura poderá ser individual ou coletiva, e o seu conteúdo poderá ser imposto ou rediscutido. A partir da leitura e difusão do periódico, poderão ser geradas inúmeras representações novas sobre os temas que o atravessam, que em alguns casos poderão passar a fazer parte das representações coletivas. De acordo com Chartier (1990 , p. 17), a história cultural tem por principal objeto identificar o modo como “em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é construída, pensada, dada a ler, por diferentes grupos sociais”, o que está fortemente relacionado à noção de representação.

Serra (2010) complementa que o trabalho com periódicos educacionais, na perspectiva da história cultural:

Possibilita a reconstrução histórica das práticas específicas desenvolvidas pelos autores, como também permite redesenhar os leitores visados por tais práticas, portanto a importância do estudo dos periódicos na sua materialidade. A partir do próprio impresso é possível recompor os projetos específicos como estratégias que visam a públicos leitores característicos ( SERRA, 2010 , p. 25).

Segundo Valente (2007) , pensar os saberes escolares como elementos da cultura escolar, realizar o estudo histórico da matemática escolar, exige que se considerem os produtos dessa cultura no ensino de matemática, que deixaram traços que permitem o seu estudo, como o periódico Unsere Schule, principal fonte documental desta investigação.

O periódico pedagógico Unsere Schule

No Brasil, os princípios cristãos de Lutero se fizeram presentes a partir de 1824, com a chegada dos primeiros imigrantes alemães. Lutero traçou princípios gerais sobre a educação fundamentados na Bíblia. Em 1900, o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri 4 , atualmente IELB, iniciou missão nas colônias alemãs do RS, fundando congregações religiosas e escolas paroquiais. Os egressos dessas escolas tinham maior conhecimento da Bíblia e uma formação consistente de crenças e valores cristãos tradicionais que enfatizavam a importância do relacionamento com Deus e as outras pessoas.

Conforme Kuhn (2015) , as escolas paroquiais luteranas estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos. Se a escola formasse o ser humano com postura ética e moral exemplar, este poderia promover transformações sólidas em seu contexto social e seria um verdadeiro colaborador na seara de Deus e para o governo do mundo.

O Sínodo de Missouri tinha uma preocupação acentuada em relação aos recursos didáticos usados nas escolas paroquiais, pois o material era escasso, além da dificuldade de manter um ensino planificado e organizado. De acordo com Weiduschadt (2007 , p. 41), “os livros usados nas escolas paroquiais e utilizados pelos alunos foram produzidos pelas instituições religiosas com objetivo de formar e moldar as condutas e as práticas ao fazer a escolarização das comunidades”. Assim, por meio de livros didáticos e periódicos, como o Unsere Schule, as escolas paroquiais luteranas procuravam desenvolver uma educação integral cristã em todas as disciplinas.

O periódico pedagógico Unsere Schule, editado em alemão pelo Departamento de Ensino do Distrito Brasileiro do Sínodo de Missouri, no período de agosto de 1933 a outubro de 1935, em Porto Alegre, era redigido, principalmente, por Frederico Strelow 5 e Albert Bruckmann 6 , professores de escolas paroquiais luteranas gaúchas, e por Paul William Schelp 7 , professor do Seminário Concórdia. Dirigido aos professores das escolas paroquiais da IELB, o periódico teve onze edições, apresentando textos bíblicos, informações e artigos pedagógicos em diferentes áreas do conhecimento. A edição do periódico aconteceu com base em princípios morais e educacionais idealizados pela Igreja Luterana. A Figura 1 traz um recorte da primeira página da primeira edição do periódico, mostrando informações de identificação.

Fonte: Unsere Schule , agosto de 1933, p. 1.

Figura 1 Fragmento com identificação da primeira edição do periódico Unsere Schule. 

Além do título do periódico, Unsere Schule, logo abaixo aparece escrito: Schulblatt herausgegeben von der Schulbehörde des Brasilianischen Distrists der Synode von Missouri, Ohio u. a. St.8 , ano 1, agosto de 1933, número 1. Ressalta-se que o periódico não possuía capa, apenas a estrutura de identificação apresentada na Figura 1 , mantida em todas as edições, seguida, sempre, de um texto religioso, o que traduz a intencionalidade autoral e editorial para a prática religiosa luterana. O Quadro 1 reúne informações gerais sobre as edições do periódico Unsere Schule.

Quadro 1 As edições do periódico Unsere Schule. 

Ano Número Período N° de pág. Temáticas mais recorrentes
1 1 ago. 1933 8 Religião, ensino da matemática, administração das escolas paroquiais, notícias sobre escolas paroquiais * .
1 2 dez. 1933 12 Religião, plano de estudos, aulas de leitura e escrita, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.
2 1-2 mar./abr. 1934 16 Religião, leitura e escrita/ortografia, publicações de livros para as escolas, notícias sobre as escolas.
2 3-4 maio/jun. 1934 16 Religião, a Bíblia na escola, como formular perguntas aos alunos, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.
2 5-6 jul./ago. 1934 16 Religião, como formular perguntas aos alunos, ensino da matemática, o exercício físico na escola, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.
2 7-8 set./out. 1934 16 Religião, o exercício físico nas escolas, histórias bíblicas e natalinas, notícias sobre as escolas.
2 9-10 nov./dez. 1934 16 Religião, rotina das aulas, ensino da matemática, leitura e ortografia, notícias sobre as escolas.
3 1-2 mar./abr. 1935 16 Religião, como conduzir as crianças na primeira semana de aula, escrita em alemão e português (ortografia), o exercício físico na escola, notícias sobre as escolas.
3 3-4 maio/jun. 1935 16 Religião, falar em alemão e português nas aulas, ortografia, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.
3 5-6 jul./ago. 1935 16 Religião, falar em alemão e português nas aulas; pontuação, o exercício físico na escola, o trabalho de professor, aulas de religião nas escolas do Estado, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.
3 7-8 set./out. 1935 16 Religião, orientações didáticas gerais, os professores paroquiais, histórias bíblicas, notícias sobre as escolas.

Fonte: Unsere Schule, 1933-1935.

*As últimas páginas de cada periódico trazem informações sobre e para as escolas paroquiais luteranas.

Observa-se que o periódico Unsere Schule foi editado duas vezes em 1933, sendo a primeira no mês de agosto e a segunda no mês de dezembro, com oito e doze páginas respectivamente. No segundo ano, o periódico teve cinco edições bimestrais, de março a dezembro de 1934, com dezesseis páginas em cada edição. No terceiro e último ano foram quatro edições bimestrais de março a outubro de 1935, também com dezesseis páginas em cada publicação. As onze edições do periódico totalizaram 164 páginas, com predomínio da escrita em alemão, pouco em português, apesar do processo de nacionalização do ensino em curso.

As temáticas mais recorrentes nas edições do periódico Unsere Schule foram textos religiosos (geralmente histórias bíblicas), orientações didáticas gerais e específicas para o ensino de religião, português, alemão, matemática e educação física, publicações de livros para as escolas, além de informações sobre e para as escolas paroquiais luteranas (número de alunos, professores, eventos realizados, orientações administrativas). Essas abordagens evidenciam a existência de um projeto missionário e comunitário, conduzido pela IELB junto às escolas paroquiais.

A Convenção Distrital da Igreja Luterana de 1936 mudou o formato do periódico pedagógico Unsere Schule, que se tornou um periódico teológico e pedagógico, denominado Wacht und Weide in Kirche und Schule9 .

A matemática no periódico Unsere Schule

Nos primeiros períodos de colonização, foram usados livros trazidos da Alemanha ou recebidos como doações no ensino da matemática. Os livros que passaram a ser produzidos no sul do Brasil, no final do século XIX, seguiram as tendências da metodologia alemã para o ensino da matemática, porém, adaptada à realidade dos colonos no Brasil. Conforme Kreutz (1994) , a prioridade eram as operações básicas que pudessem ser feitas mentalmente, nas circunstâncias concretas da vida agrária, seja na forma ou no conteúdo. Por isso, dava-se ênfase aos Kopfrechnungen10 , já que na vida agrícola a pessoa com frequência teria que calcular sem ter papel e lápis à mão. O próprio título de um dos manuais usados nessa disciplina, o Praktische Rechenschule11 , de Otto Büchler, reflete esse entendimento.

No Quadro 2 , é apresentada uma propaganda, veiculada pelo Unsere Schule, de livros comercializados pela Casa Publicadora Concórdia 12 para as aulas de matemática:

Quadro 2 Propaganda de livros de cálculo. 

Für unsere Schulen Tradução: Para nossas escolas
Füher die Casa Publicadora Concórdia auf Lager: (…) Estão na Casa Publicadora Concordia em estoque: (…)
Fur den Rechenunterricht: Para as aulas de cálculo:
Büchler, in vier Heften………….je 1$700 Büchler, em quatro cadernos cada…… 1$700
Buechler, 4 cadernos, preço de cada 1$700 Buechler, 4 cadernos, preço de cada 1$700
Kleikamp, 1. Heft…….. 2$800 Kleikamp, 1° caderno…….. 2$800
Kleikamp, 2. Heft…….. 2$800 Kleikamp, 2° caderno…….. 2$800

Fonte: Unsere Schule, março / abril de 1934, p. 9.

A partir da propaganda, observa-se que, na década de 1930, eram vendidos os quatro manuais de Büchler, tanto em alemão quanto em português, e dois livros de Kleikamp para as escolas paroquiais. Em artigo do periódico Unsere Schule (agosto de 1933, p. 6, tradução nossa), afirma-se que “os livros de aritmética de Büchler (editora Rotermund) 13 , provavelmente são usados na maioria das nossas escolas e que a mesma editora lançou recentemente um novo manual: meu livro de contas, por W. Nast e L. Tochtrop”. Esse manual é criticamente analisado na primeira edição do periódico, apontando-se a necessidade de uma edição moral e educacionalmente correta, com uso de princípios pedagógicos modernos e adaptada às condições nacionais, conforme segue:

Vamos nos referir às figuras da capa do 1° e 2° livros. A representação pode ser confundida com figuras malignas e assustar as crianças. Mas há coisas piores: a história dos 10 pequenos negrinhos (no 1° livro) pode parecer inofensiva, mas, fazendo-se uma inspeção mais cautelosa, você verá algo que não é apropriado para nossos filhos. Observa-se que um negrinho se enforca, outro se deixa atacar por uma bruxa, um terceiro e um quarto se perderam na bebida. Também rejeitamos as tarefas de cálculo para os alunos com resultados da loteria (veja o 2° livro). Temo avaliar o que as imagens da cartilha de cálculo estão causando aos alunos. Uma editora deve ser colocada nas mãos de alguém que entenda de arte para construir as imagens. Por exemplo, a imagem da p. 1: A menina no primeiro plano com as condições do corpo completamente erradas. Um sol preto, impossível. Onde crescem palmeiras assim? O segundo requisito é cumprido completamente neste trabalho. Mesmo os cálculos sendo básicos, são suficientes. Metodologicamente pode ser considerado um bom livro. Quanto à terceira exigência, que um livro de cálculo deve estar adaptado às condições nacionais, somos da opinião de que a instrução matemática deve ser na língua nacional, pois os alunos vão ter livros de aritmética em português. Embora, as crianças da colônia não compreendam nada de português, em tais casos, o professor pode interferir com a instrução e explicação no idioma alemão. Se dermos, para nossas crianças de origem alemã, aulas de língua alemã, ensinarmos assuntos religiosos na língua materna e canções alemãs, ensinar matemática e outras disciplinas na língua nacional, estaremos preservando o germanismo e nenhum dano será causado, pois estaremos fazendo nossa obrigação de construir um Estado melhor. (UNSERE SCHULE, agosto de 1933, p. 6, tradução nossa).

Ao criticarem as obras de Nast e Tochtrop, a intencionalidade dos redatores do periódico era de que os professores paroquiais adotassem os livros de aritmética produzidos pela IELB, posteriormente, para uniformizar o currículo de matemática nas escolas paroquiais e se adaptar ao processo de nacionalização do ensino. A Figura 2 ilustra a história dos 10 negrinhos 14 , criticada pelo periódico Unsere Schule no excerto acima apresentado.

Fonte: NAST; TOCHTROP, 1933 , p. 20-21 (tradução nossa).

Figura 2 A história dos 10 negrinhos. 

A primeira edição do periódico também faz referência aos livros de aritmética das escolas paroquiais luteranas, apontando que alguns defendem a retirada dos livros de aritmética das escolas, pois o professor paroquial se baseia demais nos mesmos e não considera o contexto dos alunos que ensina: “O livro de aritmética traz alívio para professores e ocupa os alunos durante as aulas. Muitas vezes, em nossas escolas, o livro de aritmética também é empregado para se obter silêncio na sala” (UNSERE SCHULE, agosto de 1933, p. 6, tradução nossa). Ressalta-se que nesse período, a maioria das escolas paroquiais eram multisseriadas, com um único professor para atender quatro ou cinco séries ao mesmo tempo, sendo as atividades do livro didático utilizadas para ocupar os alunos e propiciar um ambiente mais silencioso, enquanto o professor atendia os alunos de outra série na mesma sala.

O Sínodo de Missouri (IELB) começou a produzir seus próprios livros de aritmética na década de 1930. No periódico Unsere Schule, edição de março / abril de 1934, faz-se referência aos novos livros: “o Sínodo decidiu que será editado neste ano um trabalho completo de aritmética. Os professores Frederico Strelow, Albert Brückmann e Max Ohlwein 15 foram contratados para realizar o trabalho” (UNSERE SCHULE, março/abril de 1934, p. 14, tradução nossa). Esse trabalho se refere à série Ordem e Progresso, pois em edições posteriores, o mesmo periódico faz divulgação da primeira e segunda aritmética desta série. A Casa Publicadora Concórdia editou e publicou duas séries de livros de aritmética: Ordem e Progresso, lançada na década de 1930, segundo divulgação feita no periódico Unsere Schule , e Concórdia, lançada na década de 1940, conforme os exemplares encontrados no Instituto Histórico da IELB em Porto Alegre.

O autor da Primeira aritmética da série Ordem e Progresso é o professor Frederico Strelow. Acredita-se que o volume seja da década de 1930, pois a série Ordem e Progresso foi lançada em 1922 e, na edição de novembro / dezembro de 1934 do periódico Unsere Schule, é feita uma propaganda do livro, com preço de comercialização e descrição da obra:

Isso é o que eu chamo de um belo livro sobre aritmética. Cada página será um prazer para criança. O livro de aritmética apresenta os números para as crianças por meio de imagens. A Primeira aritmética traz os conceitos numéricos de 1 a 10 por meio de uma série de imagens similares. A primeira imagem mostra uma carroça puxada por um cavalo. Na mesma página, a criança encontra ainda um menino com uma bola e um cão, uma menina com uma boneca e um gatinho. A criança também pode observar um círculo, uma roda e o desenho de um gato e de um boneco. Independente da apresentação artística das imagens, a ideia é compreender o conceito de unidade. Associado ao 2 aparece a carroça com dois cavalos. Também o gatinho ao lado de duas pequenas imagens, associadas ao número 2. A ilustração com cavalos segue na apresentação dos demais conceitos numéricos. Junto ao número 5, aparecem as primeiras tarefas de cálculos simples para a criança fazer. Em seguida, seis cavalos, sete cavalos, oito cavalos, nove cavalos, dez cavalos e assim por diante. E zero? Isto é nenhum cavalo. A Primeira Aritmética é realmente destinada para iniciantes e que ainda não sabem ler. Portanto, a resolução de problemas está totalmente ausente. As instruções são curtas, o que é característico de professores homens. Traz ainda contas orais para serem feitas em cada dia da semana e com a ajuda de um auxiliar que seja um aluno adiantado. Através desses exercícios, os alunos vão fixar os cálculos. A multiplicação e a divisão começam a ser estudadas com os números até 20. Primeiro a criança deve dominar a adição e a subtração, para depois compreender as demais operações (UNSERE SCHULE, novembro/dezembro de 1934, p. 78-79, tradução nossa).

De fato, na Primeira aritmética da série Ordem e Progresso, observa-se que o estudo da numeração até 10 é feito por uma sistematização que associa a quantidade de animais ou de objetos à representação simbólica do número, seguida de cálculos que envolvem as operações de adição ou subtração. A Figura 3 ilustra a proposta de estudo para o número 1.

Fonte: STRELOW, [193-], p. 1.

Figura 3 0 número 1. 

Verifica-se que a Primeira aritmética introduz o estudo do número 1 de acordo com a descrição feita na edição de setembro / outubro de 1934 do periódico Unsere Schule. É uma proposta que desenvolve a construção do conceito de número de forma intuitiva, associando o número 1 com a representação de um animal ou um objeto, pertencentes ao contexto social dos alunos das escolas paroquiais luteranas gaúchas. Observa-se o emprego do método intuitivo na perspectiva de Pestalozzi, ou seja, a proposta de ensino do conceito de número partia de uma percepção sensível do aluno, com objetos, animais, pessoas ou suas figuras.

Para o estudo dos números até 10, o autor do livro relaciona de forma padronizada a ideia do número com a quantidade de cavalos puxando uma carroça, conforme se observa na Figura 3 , acima, e na Figura 4 , a seguir.

Fonte: STRELOW, [193-], p. 2.

Figura 4 O número 2. 

O fragmento apresentado na Figura 4 mostra como o livro articula a linguagem simbólica e os desenhos, possibilitando ao aluno associar a quantidade de dois animais ou dois objetos ao cardinal 2. Parte desta ilustração está descrita no periódico Unsere Schule, edição de setembro / outubro de 1934. O emprego do método intuitivo para o estudo do número 2 favorece a contextualização e a compreensão do conceito de número.

No periódico Unsere Schule (maio/junho de 1935, p. 31) é feita outra divulgação dos livros comercializados pela Casa Publicadora Concórdia, entre os quais se observam os livros de aritmética da série Ordem e Progresso, editados em português, “Ordem e Progresso: I 2$000; II 2$300”. Além de atuar na divulgação dos livros de aritmética para as escolas paroquiais, o periódico Unsere Schule também apresenta textos pedagógicos para essas escolas. Um artigo sem título, encontrado na primeira edição do periódico, defende que a instrução matemática deve se basear no método intuitivo. Para melhor compreensão do conceito de número, o periódico recomenda “usar elementos concretos e do cotidiano, como cadeiras, mesas, janelas, frutas, grãos de feijão, estudantes e partes do corpo humano; representações gráficas no quadro negro e dispositivos especiais de cálculo, como o ábaco e as calculadoras” (UNSERE SCHULE, agosto de 1933, p. 4, tradução nossa).

O uso do método intuitivo na construção do conceito de número, para posterior estudo das quatro operações e demais conhecimentos matemáticos, é mais reforçado na primeira edição do periódico, ao considerar que as crianças já trazem a experiência de contar até dez ou vinte, embora, normalmente, só tenham aprendido a recitar os nomes dos números em sua ordem natural e os fixado mecanicamente, sem compreendê-los. Para que as crianças escrevam os números corretamente é preciso que tenham compreendido o seu significado. No artigo “Como nós calculamos até 10?”, o periódico traz exemplos que possibilitam a construção de relações entre números:

O professor leva 10 laranjas e indica: Karl tome 1 laranja do cesto e coloque-a sobre a mesa. Fritz, coloque mais 1 junto. Frieda, conte as laranjas em cima da mesa. Erna, coloque mais 1 junto. Quantas laranjas estão sobre a mesa? Pedro responde: 3 laranjas. Então, quanto é 1 laranja e 1 laranja e mais 1 laranja? Então, um pode levar 2 ou 3 laranjas, dependendo do progresso da classe. O professor pode fazer a mesma atividade com outros objetos. Pode-se aproveitar e mostrar que a soma e a subtração são operações inversas. Vamos passar para coisas que estão na mente das crianças: quantos cavalos tem seu pai? Fritz responde: 2 cavalos. Quantos pés tem 1 cavalo? Quantos pés os 2 cavalos têm juntos? O pai comprou 1 par de chinelos para si. Quantos chinelos são? No dia seguinte, ele compra 1 par para você. Quantos chinelos são juntos? (A multiplicação pode ser representada por uma adição de parcelas iguais). A divisão pode ser ilustrada de modo semelhante: 6 dados estão sobre a mesa. Olga e Hedwig, venham para frente. Dividam os 6 dados entre vocês. Todos devem ter a mesma quantidade. O mesmo pode ser feito com 8 dados e deixe 4 crianças resolver a tarefa. Um pai tem 4 filhos e coloca 8 mil-réis sobre a mesa. Quanto cabe para cada filho quando ele dividir as 8 moedas? (Divisão: o oposto da multiplicação). Também é bom envolver as quatro operações com um pouco de história. No galinheiro há 3 ninhos. No primeiro ninho há 3 ovos, noutro, 4 ovos. Quantos ovos estão nos dois ninhos? No outro canto ainda tem um ninho, com apenas 2 ovos. Quantos ovos estão nos três ninhos? Resposta: 9 ovos. Para o jantar, uma mãe cozinha 1 ovo para cada, sabendo que sentarão à mesa: pai, mãe e 4 filhos. Quantas pessoas estarão sentadas à mesa? Quantos ovos a mãe deve cozinhar se todos desejam comer 1 ovo? Então, quantos ovos permanecem dos 9 ovos? Resposta: 3 ovos. No dia seguinte, as galinhas põem 5 ovos. Agora, quantos ovos tem a mãe, quando estes 5 ovos e os 3 ovos que sobraram ontem forem colocados juntos? Resposta: 8 ovos. Agora vêm os 4 filhos e eles devem repartir os 8 ovos. Quantos recebe cada criança? (UNSERE SCHULE, agosto de 1933, p. 5, tradução nossa).

Os textos pedagógicos encontrados no periódico Unsere Schule evidenciam a importância da construção de relações numéricas de forma intuitiva, o que está associado às noções complementares de práticas e representações da história cultural ( CHARTIER, 1990 ). Além de orientações didáticas para o ensino da matemática, empregando o método intuitivo, o periódico apresenta artigos relacionados ao ensino prático da geometria e às unidades de medida utilizadas nas regiões coloniais.

A geometria prática e as unidades de medida no periódico Unsere Schule

Na edição de julho/agosto de 1934, encontrou-se um excerto que trata de uma série de artigos denominada Volkstümliches Rechnen in der Kolonieschule16 , a ser publicada pelo Unsere Schule. Todavia, localizaram-se apenas dois artigos, “Praktische geometrie in der kolonieschule” 17 e “Praktischer rechen und raum lehreunterricht in der kolonieschule” 18 , ambos de autoria do professor Max Öhlwein e publicados em julho / agosto de 1934 e novembro/dezembro de 1934, respectivamente. Trata-se de uma proposta pedagógica relacionada com práticas socioculturais de regiões coloniais gaúchas e voltada para escolas da colônia, pois os artigos apresentam medidas de superfícies coloniais e métodos práticos para determinação da área territorial nessas regiões, com relatos práticos de colonos e plantadores de arroz, os quais não foram encontrados em livros de aritmética da época.

No artigo “Praktischer rechen und raum lehreunterricht in der kolonieschule”, por exemplo, encontrou-se um excerto sobre as medidas de superfícies coloniais, conforme mostrado na Figura 5 .

Fonte: Unsere Schule, novembro / dezembro de 1934, p. 75.

Figura 5 Medidas de superfícies coloniais. 

A Figura 5 , apresenta inicialmente a unidade de medida 1 Quader (1 quadra), usada nas plantações de arroz, e depois a unidade de medida 1 Quart (1 quarta), geralmente usada pelos colonos. Conforme a Segunda aritmética da série Concórdia (1948 , p. 95), “1 quadra quadrada tem 60 bra 19 de lado, que é igual a 3600 bra quadradas de área, e 1 quarta de terra de milho tem 50 bra x 25 bra = 1250 bra quadradas de área”. Como 1 hectare (ha) equivale a 10.000 m2 e 1 bra quadrada é igual a 4,84 m2, pode-se converter e admitir que 1 quadra quadrada equivale a 1,7424 ha e 1 quarta de terra de milho equivale a 0,605 ha.

Após a abordagem das medidas de superfícies coloniais, os dois artigos do periódico Unsere Schule apresentam exemplos práticos para determinação da área territorial. Discutem os casos de superfícies com forma quadrangular, triangular, pentagonal e hexagonal. A Figura 6 apresenta um exemplo com superfície quadrangular.

Fonte: Unsere Schule, novembro / dezembro de 1934, p. 75 (tradução nossa).

Figura 6 Determinação de superfícies com forma quadrangular. 

O caso 1, apresentado na Figura 6 , mostra que o colono e seu empregado ao medirem o terreno em forma de um quadrilátero com quatro lados diferentes, aproximam as medidas reais do terreno para um retângulo por meio da média aritmética das medidas dos lados opostos do quadrilátero, tal como no método egípcio de cálculo de área de terras e no processo de cubação da terra empregado em zonas rurais brasileiras e investigado por Knijnik (1996) . Assim, calculada a área do retângulo obtido, em braças quadradas (12144 bra qua), multiplicam-na pelo custo da braça quadrada, ou seja, 60000 ÷ 3600 ≅ 16 rs/bra qua, resultando em 194$300 aproximadamente. Portanto, o método empregado pelo colono aproxima a área de um terreno com forma quadrangular irregular para um retângulo. Embora, o procedimento mencionado seja impreciso de acordo com a matemática acadêmica, o artigo sugere esse método prático para ser ensinado nas escolas da colônia, pois os alunos poderão usá-lo com facilidade e de forma prática em sua vida. Na Figura 7 , apresenta-se o caso de uma superfície com forma triangular.

Fonte: Unsere Schule, julho / agosto de 1934, p. 43-44 (tradução nossa).

Figura 7 Determinação de superfícies com forma triangular. 

Para determinação de superfícies com forma triangular, conforme ilustrado na Figura 7 , aproximam-se as medidas de um terreno de forma triangular qualquer para um triângulo retângulo. Este procedimento é semelhante ao utilizado pelos antigos egípcios na determinação de medidas de superfícies triangulares e descrito em Boyer (1997) .

Os dois casos apresentados nos artigos do periódico Unsere Schule ilustram, de forma contextualizada, o cálculo de áreas de superfícies planas com forma quadrangular e triangular. Esse método prático de realizar cálculos sem o uso de fórmulas refere-se a um método aritmético para determinação da área de uma superfície de forma aproximadamente regular.

O artigo “Praktischer Rechen und Raum lehreunterricht in der Kolonieschule” do periódico Unsere Schule também faz referência a áreas com outras formas geométricas, conforme mostrado na Figura 8:

Fonte: Unsere Schule, novembro / dezembro de 1934, p. 76 (tradução nossa).

Figura 8 Determinação de superfícies com forma pentagonal ou hexagonal. 

O excerto apresentado na Figura 8 faz referência a superfícies de terras com forma pentagonal e hexagonal, cujas ilustrações são apresentadas na Figura 9:

Fonte: dados da pesquisa.

Figura 9 Superfícies com forma pentagonal e hexagonal. 

Na primeira situação, o artigo do periódico sugere decompor o pentágono em um quadrilátero e um triângulo para obter a área da superfície, conforme descrito nas Figuras 6 e 7 , respectivamente. Se a superfície tiver forma hexagonal, deve ser dividida em dois quadriláteros para se obter a área da superfície, conforme descrito na Figura 6 . Cabe salientar que, na prática, a superfície triangular é aproximada para um triângulo retângulo e a superfície quadrangular é aproximada para um retângulo. Dessa forma, o colono trabalha com medidas aproximadas das superfícies de terras. Novamente, observa- se o procedimento de cálculo de áreas semelhante ao método egípcio de cálculo de área de terras e ao processo de cubação da terra usado em zonas rurais brasileiras, investigado por Knijnik (1996) .

Na parte final do artigo “Praktischer Rechen und Raum lehreunterricht in der Kolonieschule”, publicado no periódico Unsere Schule, apresentam-se medidas de sacos, latas, secos e pesos, representações com as quais os alunos da colônia deveriam estar familiarizados, conforme mostrado no Quadro 3 , redigidas em português, provavelmente, devido ao processo de nacionalização do ensino, ocorrido gradativamente na década de 1930.

Quadro 3 Medidas para sacos, latas e pesos. 

Sacos e latas
1 saco vazio pesa ½ quilo ou 500 gramas
1 saco de amendoim 25 quilos
1 saco de arroz em casca 50 quilos
1 saco de arroz sem casca 60 quilos
1 saco de canjica de qualquer cereal 60 quilos
1 saco de cevada 50 quilos
1 saco de farinha de mandioca 50 quilos
1 saco de farinha de qualquer cereal 45 quilos
1 saco de feijão 60 quilos
1 saco de Kartoffeln (batatas inglesas) 50 quilos
1 saco de milho 60 quilos
1 saco de centeio 60 quilos
1 saco de espigas de milho 40 quilos
1 saco de trigo 60 quilos
1 lata vazia de querosene 1 quilo
1 lata de banha 18 quilos sem lata
1 lata de schmier 26 quilos sem lata
1 lata de mel 27 quilos sem lata
1 lata de querosene 16 quilos sem lata
Medidas para secos
1 saco 8 quartas
1 saco 4 latas de querosene
1 saco 2 caixões de querosene
1 quarta ½ lata de querosene
1 quarta 9 litros
1 lata de querosene 2 quartas
1 caixão de querosene ½ saco
1 alqueire ½ saco
1 alqueire 4 quartas
1 alqueire 1 caixão de querosene
Pesos *
1 arroba 15 quilos
1 quilo 1000 gramas
50 gramas na balança grande (decimal) 500 gramas
100 gramas na balança grande (decimal) 1 quilo
½ quilo na balança grande (decimal) 5 quilos
1 quilo na balança grande (decimal) 10 quilos
5 quilos na balança grande (decimal) 50 quilos
10 quilos na balança grande (decimal) 100 quilos
1 caixão de querosene vazio pesa 5 quilos

Fonte: Unsere Schule, novembro / dezembro de 1934, p. 76.

*Para as unidades de medida de massa, usa-se o termo popular peso. Esse erro conceitual de física também foi observado nos livros de aritmética editados pela IELB na década de 1930 e 1940.

As informações apresentadas no Quadro 3 contêm as principais unidades de medidas usadas pelos colonos em seu trabalho diário, especialmente nas transações comerciais realizadas nas colônias alemãs do RS. As medidas de sacos e latas são apresentadas mais no sentido informativo e utilitário, enquanto que nas medidas para secos e pesos se observam também relações entre as unidades de medida, conforme exemplos apresentados no Quadro 4 .

Quadro 4 Relações entre medidas para secos e pesos. 

Relações entre medidas para secos
1 saco = 8 quartas e
1 saco = 4 latas de querosene
1 quarta = ½ lata de querosene
ou 1 quarta = 9 litros
1 saco = 8 quartas e
1 alqueire = ½ saco
1 alqueire = 4 quartas de querosene
Relações entre medidas de pesos
50 gramas na balança grande (decimal) 50 × 10 = 500 gramas
1 quilo na balança grande (decimal) 1 × 10 = 10 quilos

Fonte: dados da pesquisa.

As informações apresentadas no Quadro 4 mostram relações entre medidas para secos e pesos no sentido formativo para os leitores. Partindo de uma solicitação feita na conferência dos professores em Ijuí/RS, na edição de março / abril de 1935 do periódico, apresentam-se três correções de medidas e pesos, conforme Quadro 5 , divulgadas na edição de novembro / dezembro de 1934.

Quadro 5 Correção de medidas e pesos 

  1. Um saco vazio pesa um quilo ou 1000 gramas.

  2. Um saco espigas de milho pesa 85 quilos.

  3. Uma lata vazia de querosene pesa 1350 gramas.

Fonte: Unsere Schule, março / abril de 1935, p. 15.

Comparando-se as informações apresentadas nos Quadros 3 e 5 se observam diferenças significativas, como: um saco vazio pesa um quilo ou mil gramas e não meio quilo ou quinhentos gramas, conforme informação inicial; um saco com espigas de milho pesa 85 quilos ao invés de quarenta; uma lata vazia de querosene pesa 1.350 gramas e não um quilo, de acordo com a informação preliminar. As representações das informações corrigidas sobre medidas e pesos utilizados no dia a dia das colônias mostram que os redatores do periódico estavam preocupados em dar suporte adequado para a prática pedagógica dos professores nas escolas paroquiais luteranas gaúchas do século XX.

Considerações finais

Como as escolas paroquiais luteranas gaúchas estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos, a IELB, por meio da Casa Publicadora Concórdia, publicou livros didáticos e periódicos, como o Unsere Schule, que contribuíram para as escolas paroquiais nas diversas áreas do conhecimento.

A partir do referencial da história cultural, investigou-se o periódico pedagógico Unsere Schule , com ênfase para o discurso matemático veiculado por meio dos textos, imagens e enunciados, suas intencionalidades e abordagens. O periódico teve onze edições, no período de agosto de 1933 a outubro de 1935. Foi editado com base em princípios morais e educacionais idealizados pela Igreja Luterana, trazendo contribuições para as escolas paroquiais luteranas gaúchas através de textos bíblicos, informações e artigos pedagógicos em diferentes áreas do conhecimento. O periódico apresenta orientações didáticas para o ensino da matemática com emprego do método intuitivo, faz divulgação de livros de aritmética para as escolas e publica artigos para o ensino prático da geometria e de unidades de medida.

Nos artigos sobre geometria, verificou-se que os procedimentos práticos utilizados para o cálculo de área de terras pelos colonos e plantadores de arroz assemelham-se ao método egípcio para o mesmo tipo de cálculo e ao processo de cubação da terra usado em zonas rurais brasileiras, evidenciando-se relações entre as práticas socioculturais de regiões coloniais do RS e a educação matemática. Nesses procedimentos, observou-se a utilização de três operações matemáticas básicas: adição, multiplicação e divisão. Os resultados, advindos dos métodos discutidos neste estudo, apresentam mais semelhanças do que diferenças, quando comparados ao resultado escolar, sendo que essas diferenças, em alguns casos, são irrelevantes para os medidores, pois o objetivo era determinar as áreas das superfícies atendendo às necessidades daquele momento.

Nos textos, imagens e enunciados apresentados neste artigo, observou-se que os redatores do periódico Unsere Schule fazem referência a carroças puxadas por cavalos, recolhimento de ovos em galinheiros, frutas, grãos de feijão, medidas de superfícies coloniais, métodos para determinação da área de terras por colonos e plantadores de arroz, além de medidas para sacos, latas e pesos. Essas associações revelam a cultura vivenciada nas comunidades de imigrantes alemães em que as escolas paroquiais luteranas gaúchas estavam inseridas. Também representam as intencionalidades dos autores e editores do periódico, as quais tiveram maior ou menor reflexo, junto aos professores e, consequentemente, nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas paroquiais do século XX.

O estudo histórico sobre a matemática no periódico Unsere Schule permitiu um adentramento na cultura escolar, num lugar e num tempo determinados, contribuindo assim para a história da educação matemática. Aponta-se a possibilidade de pesquisas que explorem as contribuições desse periódico em outras áreas do conhecimento. Esta pesquisa terá sua continuidade com a investigação do periódico Wacht und Weide in Kirche und Schule, o qual substituiu o periódico Unsere Schule a partir de 1936.

3Foi o instituto pedagógico-teológico que atuou na formação de professores paroquiais e pastores para Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

4Em 1847, um grupo de imigrantes luteranos alemães da Saxônia fundou no estado de Missouri (EUA), o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri, Ohio e Outros Estados, atualmente Igreja Luterana - Sínodo de Missouri ( WARTH, 1979 ).

5Frederico Strelow (1888-1946) se formou na primeira turma de professores do Seminário Concórdia de Porto Alegre, em abril de 1912. Foi professor paroquial, redator do periódico Unsere Schule, autor da Primeira Aritmética da série Ordem e Progresso e representante das escolas paroquiais na Secretaria de Estado da Educação.

6Albert Brückmann (1899-1971) nasceu em Gelsenkirchen, Alemanha. Chegou ao Brasil com 27 anos e foi admitido por colóquio - um exame de suficiência para quem já era professor e desejava se filiar à IELB - como professor sinodal, em 1932. Atuou como professor paroquial e após estudar teologia, formou-se pastor em 1944. Foi redator do periódico Unsere Schule, do almanaque Lutherkalender e outros livros.

7O norte-americano Paul William Schelp (1895-1972), formou-se pastor em 1919, vindo ao Brasil para atuar como professor de teologia no Seminário Concórdia, de 1920 a 1969. Ocupou cargos administrativos da IELB, foi redator dos periódicos Kirchenblatt, Unsere Schule, Wacht und Weide in Kirche und Schule e Igreja Luterana, além de autor artigos e livros relacionados à prática religiosa luterana.

8Jornal escolar emitido pelo Departamento de Ensino do Distrito Brasileiro do Sínodo de Missouri, Ohio e outros Estados.

9Guardando e Apascentando na Igreja e na Escola.

10Cálculos feitos mentalmente.

11O ensino prático da matemática.

12A Casa Publicadora Concórdia de Porto Alegre foi fundada em 1923 e funcionava como uma editora de livros relacionados à literatura religiosa luterana (IELB), editando livros, catecismos e material religioso e escolar em geral, direcionado para as congregações e as escolas paroquiais luteranas gaúchas.

13A editora Rotermund, de São Leopoldo/RS, editava e publicava o material didático relacionado ao Sínodo Rio-Grandense (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB).

14Ressalta-se que essa questão apenas está sendo transcrita a partir da época em que integrava um livro de aritmética adotado nas escolas paroquiais.

15Max Öhlwein foi admitido em 1933 como professor sinodal por colóquio, atuando em escolas paroquiais de Porto Alegre, até declinar do magistério e se desligar da IELB (não se tem informações sobre a data).

16Cálculos populares na escola da colônia.

17Geometria prática na escola da colônia.

18Cálculos práticos no ensino da escola da colônia.

191 braça = 10 palmos = 2,2 metros ( CONCÓRDIA, 1948 , p. 94).

Referências

BOYER, Carl Benjamin. História da matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1997. [ Links ]

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. [ Links ]

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990. [ Links ]

CONCÓRDIA. Segunda aritmética. Porto Alegre: Concórdia, 1948. (Concórdia). [ Links ]

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 1, n. 1, p. 9-43, jan./jun. 2001. Tradução de Gizele de Souza. [ Links ]

KNIJNIK, Gelsa. Exclusão e resistência: educação matemática e legitimidade cultural. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. [ Links ]

KREUTZ, Lúcio. Material didático e currículo na escola teuto-brasileira. São Leopoldo: Unisinos, 1994. [ Links ]

KREUTZ, Lúcio. O professor paroquial: magistério e imigração alemã. Porto Alegre: UFRGS; Caxias do Sul: Educs, 1991. [ Links ]

KUHN, Malcus Cassiano. O ensino da matemática nas escolas evangélicas luteranas do Rio Grande do Sul durante a primeira metade do século XX. 2015. 466 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Canoas, 2015. [ Links ]

LEMKE, Marli Dockhorn. Os princípios da educação cristã luterana e a gestão de escolas confessionárias no contexto das ideias pedagógicas no sul do Brasil (1824 – 1997). Canoas: Ulbra, 2001. [ Links ]

MAURO, Suzeli. Uma história da matemática escolar desenvolvida por comunidades de origem alemã no Rio Grande do Sul no final do século XIX e início do século XX. 2005. 257 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Rio Claro, 2005. [ Links ]

NAST, William; TOCHTROP, Leonard. Mein rechenbuch: 1. heft. São Leopoldo: Rotermund, 1933. [ Links ]

RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira católica. São Leopoldo: Unisinos, 1994. [ Links ]

RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira católica: a associação de professores e a escola normal. São Leopoldo: Unisinos, 1996. [ Links ]

SERRA, Áurea Esteves. As associações de alunos das escolas normais do Brasil e de Portugal: apropriação e representação (1906-1927). 2010. 290 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Marília, 2010. [ Links ]

SILVA, Circe Mary Silva. A aritmética de Matthaus Grimm no Boletim Informativo da Associação de Professores Católicos da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. In: SEMINÁRIO TEMÁTICO - SABERES ELEMENTARES MATEMÁTICOS DO ENSINO PRIMÁRIO (1890-1970): O QUE DIZEM AS REVISTAS PEDAGÓGICAS? (1890-1970), 12., Anais do… Curitiba: PUC, 2015. p. 23-38. [ Links ]

STRELOW, Prof. Frederico. Primeira aritmética. Porto Alegre: Concórdia, [193-]. (Ordem e progresso). [ Links ]

UNSERE SCHULE. Porto Alegre: Concórdia, 1933-1935. [ Links ]

VALENTE, Wagner Rodrigues. História da educação matemática: interrogações metodológicas. REVEMAT, Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 28-49, 2007. [ Links ]

WANDERER, Fernanda. Escola e matemática escolar: mecanismos de regulação sobre sujeitos escolares de uma localidade rural de colonização alemã no Rio Grande do Sul. 2007. 228 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, 2007. [ Links ]

WARTH, Carlos Henrique. Crônicas da igreja: fatos históricos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (1900 a 1974). Porto Alegre: Concórdia, 1979. [ Links ]

WEIDUSCHADT, Patrícia. A revista “O Pequeno Luterano” e a formação educativa religiosa luterana no contexto pomerano em Pelotas - RS (1931-1966). 2012. 273 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012. [ Links ]

WEIDUSCHADT, Patrícia. O Sínodo de Missouri e a educação pomerana em Pelotas e São Lourenço do Sul nas primeiras décadas do século XX: identidade e cultura escolar. 2007. 255 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, 2007. [ Links ]

Recebido: 24 de Maio de 2016; Aceito: 22 de Fevereiro de 2017

Creative Commons License This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License, which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.