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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 31-Oct-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945002003 

SEÇÃO: ENTREVISTAS

Profissionalismo docente e estratégias para o seu fortalecimento: entrevista com Lee Shulman

Professionalism of teachers and strategies for strengthening it: interview with Lee Shulman

Bárbara Barbosa Born1 
http://orcid.org/0000-0002-3440-8069

Ana Pires do Prado2 
http://orcid.org/0000-0002-5897-6503

Janaína Mourão Freire Gori Felippe3 
http://orcid.org/0000-0002-0112-8546

1 - Stanford Graduate School of Education , Stanford , EUA . Contato: bborn@stanford.edu.

2 - Universidade Federal do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro , RJ , Brasil . Contato: anapprado@yahoo.com.

3 - Universidade de Brasília . Brasilia , DF , Brasil . Contato: janainamourao@gmail.com.


Resumo

A entrevista com Lee Shulman, professor emérito da Faculdade de Educação de Stanford, aborda as ideais centrais da carreira desse pesquisador no campo da formação docente. Diante da necessidade de repensar os processos formativos de futuros professores, a entrevista oferece um mergulho nas pesquisas realizadas por Shulman que investigam a necessária centralidade da escola e da prática durante a formação, a relação entre universidade, políticas públicas e a docência, além do profissionalismo docente. O ponto inicial da conversa é definição que o autor faz de docência e os desafios do profissionalismo docente. Outra ideia central explorada é a categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo, conceito cunhado pelo autor, em 1984, para definir os saberes específicos da docência, que a diferenciam das outras carreiras, e que até hoje influenciam as pesquisas no campo. Shulman enfatiza em diversos momentos da entrevista que para ensinar é necessário saber mais do que o conteúdo. O professor precisa compreender as diferentes maneiras de representar o conteúdo, as formas pelas quais alunos com diferentes repertórios podem interpretá-lo, bem como as diversas estratégias de ensino que podem ser utilizadas nos vários contextos. Discutem-se, ainda, a responsabilidade da universidade na preparação profissional docente, bem como fundamentos e estratégias para assegurar que essa formação esteja centrada na prática, focada na preparação para o ensino para a equidade e tenha qualidade elevada. Por fim, Shulman apresenta seus conselhos a três grupos de atores: pesquisadores e formadores de professores nas universidades, formuladores de políticas públicas e professores.

Palavras-Chave: Formação de professores; Conhecimento pedagógico do conteúdo; Profissionalismo docente

Abstract

The interview with Lee Shulman, professor emeritus at the Stanford Graduate School of Education, addresses the fundamental ideals of his career in the field of teacher education. Considering the need to rethink how pre-service teacher education is organized, this interview offers a deep immersion into Shulman’s scholarship, particularly those pieces that tackle the centrality of schools and practice during pre-service training, the relationship between universities, public policies, and teaching, and also the professionalism involved in teaching. The starting point of this conversation is how this author defines teaching and which are the challenges of professionalism in this trade. Another core idea explored in the interview is the category of pedagogical content knowledge, a concept developed by Shulman in 1984 to define the knowledge grounds of teaching and how they make this profession different from other careers. Such a concept was profoundly influential in the field of teacher education. Throughout the conversation, Professor Shulman emphasizes that teaching requires more than only mastering the contents. A teacher needs to understand different ways of representing the content, a plethora of different interpretations that students can have of such content, as well as discrete teaching strategies that fit a variety of contexts. Besides, Shulman talks about the responsibilities of the universities in preparing professional teachers, as well as the foundations and strategies to make sure that teachers’ learning experience is grounded in practice, focused on developing the novices to teach for equity, ensuring high-quality education. Finally, Shulman provides advices to three groups of core actors in this context: researchers and university-based teacher educators, policymakers, and teachers.

Key words: Teacher education; Pedagogical content knowledge; Teaching professionalism

Apresentação

Fonte: arquivo das entrevistadoras. 

Lee Shulman, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade de Stanford, é um dos mais importantes intelectuais e pesquisadores da educação e tem influenciado a reflexão e a concepção contemporânea a respeito da profissão docente. O olhar interdisciplinar a respeito de diferentes profissões o levou a uma abordagem original e transformadora acerca da profissão docente e o professor.

Cursou filosofia e psicologia e fez pós-graduação em educação, ocasião em que foi aluno de Benjamin Bloom e Joseph Schwab. Ao ingressar como docente na Faculdade de Educação da Universidade de Michigan, Shulman desenvolveu uma investigação acerca do processo de tomada de decisão entre médicos especialistas. Essa pesquisa, realizada em colaboração com Arthur Elstein na faculdade de medicina, propiciou o desenvolvimento de dois temas que se transformaram em seu foco investigativo: “1) a cognição na prática profissional, especialmente sob condições de incertezas, e 2) a expertise específica dos diferentes domínios” 4 . Na mesma universidade, foi um dos cofundadores do Instituto de Pesquisa em Ensino, onde iniciou uma pesquisa pioneira analisando os processos de pensamento, tomada de decisão e as condições de aprendizagem dos professores.

No começo dos anos 1980, já como professor da Universidade de Stanford, aprofundou sua pesquisa a respeito da profissão docente utilizando como referência os estudos comparativos das profissões feitos na década anterior. Por meio de uma investigação extensa e cuidadosa da prática docente, considerando a sala de aula como espaço privilegiado para compreender os traços distintivos da profissão, e coletando informações de uma amostra de professores em variados pontos da carreira, Shulman iniciou o processo de identificação daquilo que denominou a base de conhecimento da docência.

O produto dessa pesquisa foi crucial para transformar todo o campo de formação de professores nos Estados Unidos - e em outros países - na medida em que se propunha pensar a formação profissional docente por um novo viés. A visão corrente na formação de professores era a de que bastava o conhecimento do conteúdo (algo que qualquer um poderia obter) e a apreensão de técnicas reproduzíveis para manejar a sala de aula. A pesquisa de Shulman e de sua equipe evidenciou a existência de uma rede complexa de saberes e habilidades que eram únicos do ato de ensinar. Em outras palavras, os estudos identificaram a existência de uma base de conhecimento para o ensino que não depende apenas do domínio do conteúdo, do estilo pessoal ou da boa comunicação docente.

A base de conhecimento da docência, tal qual proposta pelo autor, envolve uma série de conhecimentos: o conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico do conteúdo, o conhecimento dos alunos e de suas características, o conhecimento dos contextos educacionais e o conhecimento dos fins, propósitos e valores da educação bem como sua base histórica e filosófica ( SHULMAN, 1986 , 2015a ).

A despeito da importância central de todas as categorias de conhecimento propostas pelo autor (e do fato de que a eficácia do ensino reside justamente na inter-relação produtiva entre todas elas), foi a categoria de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC) 5 que certamente mais influenciou o campo educacional. O CPC é:

[...] a combinação de conteúdo e pedagogia no entendimento de como tópicos específicos, problemas ou questões são organizados, representados e adaptados para os diversos interesses e aptidões dos alunos, e apresentados no processo educacional em sala de aula. (SHULMAN, 2015a, p. 207).

Nessa definição, Shulman chama atenção para um aspecto muito próprio da profissão docente, que é aquilo que vai além do simples acúmulo de saberes sobre uma determinada área. Por exemplo, ele enfatiza que não é a mesma coisa compreender o que é gravidade dentro da física e ensinar o que é gravidade. Para ensinar é preciso refletir sobre múltiplas formas pelas quais esse conceito pode ser representado e aprendido, bem como quais são as estratégias de ensino e experiências de aprendizagem mais produtivas para que todos os alunos desenvolvam uma compreensão sobre o conteúdo. Além disso, cabe ao professor identificar quais são as incompreensões recorrentes dos alunos, sabendo como lidar com elas. Por fim, o docente precisa saber como articular as diversas identidades dos estudantes e seus conhecimentos prévios com o objeto do conhecimento em si.

Entre outros aspectos, a identificação desse corpo de saberes próprios da docência é emblemática, porque assume a defesa do status elevado e único da profissão docente. Shulman apresentou pela primeira vez esse conceito no artigo que escreveu por ocasião de sua presidência da American Educational Research Association (AERA), em 1986. Ele desenvolveu todo seu argumento em oposição a uma célebre e extensamente repetida frase de Bernard Shaw que dizia que “Quem sabe faz. Quem não sabe, ensina”. Esse aforismo continha a ideia de que professores são aqueles que se dedicaram ao conhecimento de um determinado campo (Física, Matemática, História etc.) mas que, ao não conseguirem atuar no mesmo, se dedicam ao uso menor desses saberes para ensinar crianças e adolescentes. Contrariando esse senso comum em torno da profissão docente, Shulman rebateu Shaw afirmando que “Aqueles que sabem, fazem. Aqueles que compreendem, ensinam” (SHULMAN, 1986, p. 14). Portanto, para ensinar, é preciso uma compreensão mais profunda e elaborada do conteúdo, o que coloca o professor em outro patamar de conhecimento.

A pesquisa de Shulman, particularmente a identificação da base de conhecimento da docência, tem implicações diretas para a formação de professores. De acordo com o autor, é necessário que os docentes tenham uma formação acadêmica na área de ensino para compreenderem as estruturas da disciplina, seus conceitos e princípios, assim como para entenderem as ideias e habilidades importantes do campo. Tal conhecimento é crucial, pois com uma visão ampla e profunda da área, o professor é capaz de identificar as diferentes formas de acessar o conhecimento - fator fundamental para construção da aprendizagem.

Essa formação específica no conteúdo, todavia, deve estar articulada de maneira sistemática com o ensino, o que requer que futuros professores tenham, em sua formação acadêmica, experiências ligadas ao processo de escolarização, ensino e aprendizagem. A formação e o conhecimento sobre as estruturas e os materiais educacionais são essenciais para o docente ter familiaridade com o território do ensino, como as instituições, as organizações, os contextos e os currículos.

A integração de todos esses aspectos da formação docente só ocorre, por conseguinte, com a permanente inserção da prática durante a formação dos professores. A capacidade de articular os saberes teóricos com os elementos da prática ocorre quando os professores refletem sobre o exercício docente na sala de aula. Isso significa que, durante a formação na universidade, os futuros professores devem estar inseridos nas escolas por meio de estágios supervisionados e cercados de artefatos da prática, como estudos de caso e atividades de alunos.

Desta forma, a aprendizagem profissional de docentes contempla ciclos de atividades que envolvem compreensão, transformação, instrução, avaliação e reflexão. Isto é, por meio de um olhar sobre a prática específica desse profissional - integrando os saberes do conteúdo (objeto do conhecimento) e o fazer específico (prática de ensino) - o professor aprofunda o entendimento de como aquele conhecimento específico do campo se transforma dentro da sala de aula. Além disso, seleciona materiais específicos e estratégias de ensino adequadas para que todos os alunos possam alcançar os objetivos esperados. O docente também é capaz de adotar estratégias para assegurar um bom funcionamento do espaço da sala de aula, avaliar o trabalho dos estudantes e refletir tanto acerca do processo de aprendizagem quanto sobre as práticas. Por fim, é capaz revisar seus procedimentos e repensar os próximos passos da instrução.

As ideias de Shulman propõem reflexões aos cursos e à pesquisa em formação de professores. Em primeiro lugar, propõe uma formação integrando conteúdo disciplinar e ensino que requer articulação interdepartamental nas universidades. Em segundo lugar, indica que os cursos de formação de professores também são espaços de construção do conhecimento da prática, tal qual ocorre com a formação de médicos, que durante toda a graduação vivenciam experiências nos hospitais. Shulman sugere que a escola seja o espaço privilegiado da formação docente. Em terceiro lugar, seu trabalho abre um novo caminho para as pesquisas sobre a formação de professores, direcionando o olhar do pesquisador para os conhecimentos e as ações necessárias para ser um professor. Também se ampliaram os estudos empíricos e os usos de casos, vídeos e atividades dos futuros professores como artefatos importantes para a formação de professores.

Nesta entrevista, conversamos com o professor Shulman acerca de seu trabalho, destacando os elementos centrais sobre a profissionalização docente e como as universidades, os formuladores de políticas públicas e os professores podem agir no sentido de valorizar a profissão e torná-la mais centrada na prática.

Entrevista

Nós gostaríamos de começar a entrevista com uma definição fundamental: o que é um professor?

Um professor é alguém que usa o conhecimento, a experiência, a formação e a bagagem cultural que ele ou ela tem para mexer com os corações e mentes de pessoas jovens pelas quais é responsável. Ele o faz – e isso é o mais importante de tudo – ouvindo esses estudantes cuidadosamente, falando com eles conforme a necessidade e sempre que for preciso, e criando experiências que eles não teriam de outra forma se aquele professor com sua formação específica e seu comprometimento e dedicação não estivessem presentes na instituição que foi criada especificamente para isso - embora essa relação nem sempre seja institucionalizada. Uma vez que o professor começa a mexer com os corações e mentes dos estudantes, ele deve reconhecer que se tornou responsável pela bagunça que está fazendo.

Eu pensei nessa definição há cerca de 15 anos, quando eu estava ajudando alguns colegas no estudo a respeito da educação em diferentes profissões. Quando eu fui presidente da Carnegie Foundation, nós passamos mais de 10 anos estudando como as pessoas são educadas para as diferentes profissões. A docência é uma profissão muito relevante, mas não podemos entender o ensino sem o contexto de preparação para uma ampla variedade de profissões.

As profissões proporcionam papéis sociais que são diferentes uns dos outros, o que é fundamental, porque quando as pessoas se tornam membros de uma profissão elas aprendem as coisas de maneira profunda com o intuito de servirem uns aos outros. Quando estávamos investigando o ensino das diferentes profissões, eu me lembro de estar sentado com um grupo de jovens estudantes de engenharia do quarto ano de graduação, prestes a se formar. Eu havia assistido a uma aula sobre planejamento, porque o planejamento é o coração da engenharia e aquilo foi fascinante. No início da aula – que tinha mais de 100 estudantes, os alunos chegaram e viram em frente da sala de aula dois objetos que o professor disse serem obsoletos (uma cafeteira que tinha uns 15 anos e um telefone celular que devia ter um ano de uso). O professor pediu que eles se juntassem em pequenos grupos de resolução de problemas (com os quais os alunos trabalhavam desde o começo do curso) e propôs o seguinte desafio: como vocês planejariam esses mesmos dois produtos? Que mudanças vocês fariam se fossem os responsáveis por planejarem a construção desses produtos hoje? Eram questões maravilhosas e os estudantes ficaram realmente engajados.

Depois de mais ou menos duas horas de trabalho, eu sentei junto a um dos grupos para conversar com eles e fiz com eles o mesmo que vocês fizeram comigo agora. Eu disse: “Imaginem que vocês pegaram o ônibus com a mãe de alguém que não teve a oportunidade de ter uma educação tão sofisticada quanto a que vocês receberam e essa mãe pergunta a vocês: ‘E então, o que você faz?’. Você responde: ‘Eu sou uma engenheira’ – eu acredito que vocês diriam isso. Só que a mãe diz: ‘Nossa, que interessante! Eu sempre me perguntei: o que é um engenheiro?’”. Nesse momento, os estudantes congelaram. Eu disse que eles podiam falar entre si primeiro e trabalhar a ideia antes de me responderem. Eles conversaram por algum tempo e então chegaram a um consenso: “um engenheiro é alguém que usa a matemática e as ciências para mexer com o mundo ao planejarem e construírem coisas que as pessoas vão comprar e utilizar”. Não nos esqueçamos de que eles precisam sobreviver, é um contexto econômico. Então eles pararam, sorriram uns para os outros e então uma das jovens mulheres do grupo, que claramente foi designada a falar, disse: “e uma vez que você mexe com o mundo, você é responsável pela bagunça que você fez”. Eu fiquei ali sentado, atordoado, excitado, estimulado, pois foi algo muito profundo.

Esse quadro teórico que eu fui mapeando a respeito do conhecimento das profissões de fato se aplica para o conhecimento sobre qualquer tipo de ensino. Trata-se do fato de que para preparar qualquer indivíduo para desempenhar sua profissão com inteligência, com habilidade, é necessário desenvolver hábitos. Para mim, existem três tipos de hábitos, começando pelos hábitos da mente. Primeiro, você precisa pensar como um membro daquele corpo profissional, não apenas de um ponto de vista neurológico, mas em um sentido mais amplo. Em segundo lugar, você precisa desenvolver os hábitos da prática, ou hábitos das mãos, e não se trata apenas de trabalho manual, mas de técnica. Nesse sentido, ser um profissional implica deter conhecimentos específicos e uma forma de pensar, bem como deter habilidades técnicas que também são muito específicas daquela profissão. Tanto um tapeceiro quanto um cirurgião precisam saber como costurar, mas trata-se de um tipo diferente de costura – e eu suspeito que a tapeçaria seja muito mais difícil – e ambos são importantes, mas cada um precisa de habilidades técnicas diferentes. Por fim, além dessas características, um profissional precisa desenvolver os hábitos do coração. Em outras palavras, um profissional que tenha formas brilhantes de pensar e altos níveis de habilidade técnica, mas que não tenha hábitos do coração – isto é, integridade, valores morais, um senso de responsabilidade, uma missão, um compromisso – pode ser uma pessoa muito perigosa. Uma pessoa com os valores, a integridade, mas sem conhecimento e habilidade também é perigosa.

Vocês já traduziram o artigo que eu escrevi com a Judith ( SHULMAN; SHULMAN, 2016 ), no qual vocês podem ver parte desse modelo ao olhar para o que chamamos de compreensões e visões. Os incentivos, as motivações e a visão são todos parte dos hábitos do coração, mas eles interpenetram-se, porque você acaba desenvolvendo alguns hábitos do coração por meio do conhecimento, ao ler o que outras pessoas na sua profissão escreveram, ao ler romances, assistir a peças de teatro e então você diz: “Eu nunca imaginei que isso fosse algo que eu deveria fazer!” E aquilo se torna parte do seu senso de responsabilidade, de seus propósitos, de sua missão.

De todo modo, essa é a história sobre como eu desenvolvi, pela primeira vez, essa noção sobre profissão: eu aprendi com um grupo de engenheiros. A próxima visita desse tipo que eu fiz foi a uma escola de enfermagem e eu estava acompanhado de outros pesquisadores 6 . Eu perguntei a um grupo de estudantes a mesma indagação feita aos engenheiros, “como eles definiriam a profissão...”. E a resposta foi: “como enfermeiros, nós somos a última linha de defesa dos pacientes”. Fascinante! E eu disse: “defesa contra quem? Doenças ou outra coisa?” Todas as enfermeiras olharam para a única médica na sala (risos). Quando eu assisti à primeira aula do curso de enfermagem, na primeira semana de aula, a docente lhes disse: “vocês aprenderão uma quantidade impressionante de coisas ao longo dos próximos quatro anos e vocês vão sentir como se estivessem bebendo água de um hidrante, mas se tem uma coisa que vocês nunca podem esquecer é que vocês devem sempre advogar em prol dos pacientes. Outras pessoas no sistema de saúde irão advogar pelos rins do paciente ou pelo seu pâncreas, pelo coração ou pelo joelho esquerdo. Mas vocês devem ser o adulto no quarto que sempre perguntará ‘como o paciente está se sentindo, do que ele tem medo, onde está sua família?’”. Existe uma unidade ali, existe um contexto. Enfim... essas duas experiências ajudaram-me a refletir a respeito da profissão docente e pensar nela nos termos que apresentei. Mas essa pergunta que vocês fizeram não foi nada fácil.

Nós gostaríamos de explorar uma ideia que emergiu em sua resposta à pergunta anterior e que é uma constante em sua produção: o profissionalismo docente. Em uma entrevista concedida alguns anos atrás, o senhor falou que ensinar é uma tarefa complexa, que vai muito além de cuidar de crianças 7 . Todavia, ainda hoje vemos pessoas reproduzindo duas mentalidades: de um lado, aqueles que acham que basta saber de conteúdo para ensinar e, de outro, os que acham que basta gostar de crianças para ser um bom professor. Um exemplo disso é o Teach for America, um programa que recruta pessoas sem formação específica em ensino e, após oferecer um parco treinamento de cinco semanas, acredita que os professores podem assumir salas de aula. Nossa pergunta é: por que o senhor acha que essa visão, tão distante da ideia de profissionalismo, ainda persiste?

Eu acho que essa ideia persiste, em parte, porque ensinar é uma das tarefas mais naturais dos seres humanos. Em conversas que eu tive com alguns antropólogos, eu perguntei a eles quais eram as primeiras brincadeiras de faz-de-conta que crianças pequenas, entre três e cinco anos, brincam quando estão juntas. Um dos primeiros jogos que eles jogam é “Eu vou ser a professora e vocês serão os estudantes, vocês vão sentar aqui e vou lhes ensinar o que eu sei”. Se a criança mais velha entre elas acabou de entrar na pré-escola, no primeiro final de semana após o início das aulas, eles vão imediatamente brincar de pré-escola com as demais crianças. E mesmo na ausência de escolarização formal, existe em nossa espécie, Homo sapiens , um instinto embutido para ensinar. Uma coisa que sabemos acerca da nossa espécie é que leva muito tempo para sermos autônomos, porque não nascemos com muita aprendizagem embutida. O que está embutido em todo ser humano é a capacidade de aprender. Essa capacidade de aprender a linguagem, os números, as abstrações são, até onde eu sei, capacidades que nenhuma outra espécie tem. Assim, de fato, nossa espécie foi planejada para aprender, o que significa que ela foi planejada para ser ensinada, de onde decorre que ela também foi planejada para ensinar.

Nesse sentido, trata-se de algo tão natural que não deveríamos nos surpreender se as pessoas ao redor do mundo pensam que qualquer um pode ensinar, porque qualquer um pode ensinar – de fato, todos podem – e isso é algo que devemos apreciar. Nós deveríamos amar o fato de que o que estamos fazendo enquanto profissão é aquilo que todo ser humano faz instintivamente. Entretanto, não deveríamos nos surpreender que, ao passo que aquilo que precisa ser ensinado se torna mais complicado, mais crítico e mais importante para a sobrevivência e desabrochar da vida, a habilidade de ensinar torna-se igualmente mais complicada e isso não é algo que se aprende na noite para o dia. Assim, não acho que estamos diante de uma contradição. É claro que qualquer pessoa pode ensinar. Se alguém diz: “ensinar não é algo que todo mundo pode fazer?” Minha resposta é: “claro que sim!” Mas ao mesmo tempo, há certos tipos de ensino que quase ninguém pode fazer. São aqueles que requerem enorme conhecimento tanto do conteúdo a ser ensinado quanto sobre uma variedade de formas pelas quais outras pessoas podem aprendê-lo, bem como antecipações de problemas que podem acontecer ao entrar em contato com esse conteúdo, além dos efeitos das variações culturais que podem transformar um conteúdo aparentemente simples em algo complexo. Portanto, eu acredito que ambas ideias sejam verdadeiras. Qualquer pessoa pode ensinar, mas para alguns tipos de tópicos ou problemas ou combinações daquilo que precisa ser ensinado, com as pessoas que serão ensinadas, quase ninguém pode fazê-lo.

Então isso diferenciaria um professor profissional das pessoas comuns?

Eu entendo que um professor profissional pode ensinar mais coisas – em múltiplas condições e para grupos muito diferentes de estudantes – do que alguém que não é um profissional do ensino. Mas uma das coisas mais importantes que um professor profissional sabe é que existem áreas que ele não pode ensinar. Eu, por exemplo, não poderia ensinar Geografia. Eu imagino que o ambiente submarino, a topografia, os grupos vivos e os movimentos da terra abaixo dos oceanos devem ser uma das fascinantes e importantes áreas da Geografia. Eu sei isso e também sei que não posso ensinar esse conteúdo, porque não sei o suficiente sobre ele e não o compreendo bem. Eu adoraria aprendê-lo. E eu imagino que ensinar esse assunto deva ser muito diferente se estou atuando em um contexto no qual as crianças desde a tenra infância estiveram nadando e mergulhando perto de corais e recifes, por exemplo, no Havaí ou na Austrália, ou se estou ensinando para crianças do interior ou do centro de um país as quais talvez nunca tenham nadado em uma piscina.

Para dar um outro exemplo, algum tempo atrás eu estive em uma apresentação no CSET 8 , na qual Magdalena Gross 9 falava acerca dos desafios de ensinar temas difíceis em História. Ela falava a respeito do ensino da história do Shoah , o Holocausto, na Polônia. Quanto mais aprendemos a respeito do Holocausto, mais descobrimos que muitos poloneses foram ativos em sua execução e não apenas vítimas. Veja, ensinar acerca desse capítulo da história nesse contexto é muito diferente se comparado a ensiná-lo no Brasil ou nos Estados Unidos ou mesmo em Israel.

Outra contribuição para essa discussão vem da pesquisa de uma de minhas alunas, a professora Pam Grossman 10 cuja tese de doutorado chama-se The making of a teacher (A construção do professor, em tradução livre, publicada em 1990). O achado mais importante de sua pesquisa é que pessoas que foram preparadas para serem professores sempre começam seus planos de aula respondendo à pergunta: “o que os estudantes já sabem?” Eles pensam em seus alunos. Ela estava observando o ensino de Shakespeare, mais especificamente de Hamlet. Os especialistas em literatura, com um mestrado em literatura, conhecem Hamlet lindamente, mas começam seus planejamentos analisando a obra literária. Quase nunca eles prestam atenção a “o que preciso saber sobre os estudantes para compreender como ajudá-los a entenderem Hamlet”. Pois bem, o que você analisaria dos estudantes se você tivesse de ensinar a geografia dos oceanos e soubesse que seus alunos nunca foram à praia? O que você gostaria de saber sobre o que eles sabem que talvez não tenha nada a ver com oceanos, mas que possa servir de um ponto de entrada? Quais são os programas de tevê a que eles assistem, por exemplo? Esses são os pontos de partida de educadores profissionais. O que está acontecendo nos corações e mentes dos estudantes? Isso é muito diferente do professor não-profissional, que talvez seja profundamente educado, mas não tenha os hábitos da mente que caracterizam um professor profissional. Eles não têm as habilidades para exercer esse tipo de análise ou a profunda integridade e motivação de um professor profissional.

Essa sua explicação nos conduz ao conhecimento necessário para ser um professor. Um dos principais conceitos desenvolvidos pelo senhor – e que até hoje tem imensa repercussão no campo de formação de professores – é a ideia de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC). O senhor poderia explicar-nos o significado desse conceito e contar como ele evoluiu desde que foi desenvolvido?

A resposta mais honesta que posso lhes dar é: não posso! Bom, falo isso no sentido de que posso lhes contar a história que agora parece mais confortável, conforme olho para trás e compreendo o que se passou. Acredito que a primeira vez que escrevi o conceito Conhecimento Pedagógico do Conteúdo foi há 35 anos, em 1984, e desde então essa ideia passou por diferentes estágios. E se você realmente quiser compreender de onde essa ideia surgiu, precisa me perguntar “o que estava acontecendo no mundo na época em que essa ideia floresceu”, porque nada simplesmente floresce do nada.

Quando comecei a realizar esse trabalho, por volta dos anos 1970, estava muito clara a existência de dois corpos teóricos. Um era o trabalho em conhecimento do conteúdo e esse era visto como o pré-requisito para tornar-se um professor. E havia também a discussão acerca de metodologias 11 , as quais eram indiferenciadas. Tínhamos aulas em metodologias, por exemplo, como ensinar, como fazer a gestão de sala de aula, como escrever um plano de aula, como planejar atividades. Eu vinha de um período de quase dez anos de pesquisa em resolução de problemas médicos, quando nós criamos uma escola de medicina na Michigan State University, e estava muito claro que esses dois aspectos (conteúdo e metodologia) não existiam separadamente. Para nós, a separação parecia insana: como você poderia aprender a conduzir um exame médico, fazer as perguntas adequadas, apertar as partes corretas do corpo, solicitar os exames apropriados, sem ter um conhecimento profundo a respeito desses conteúdos?

Havia, contudo, o fato de que raramente as pessoas em educação falavam acerca de conteúdo. Foi o que eu denominei paradigma perdido . Aprender a ensinar era aprender uma técnica, um método: como dar uma explicação, como gerir uma sala de aula, como elaborar uma prova. O que eu queria era compreender como as pessoas deveriam aprender a matemática e o que precisavam compreender para ensiná-la. Seria esse conhecimento o mesmo que alguém precisa para se tornar um matemático? Ou um meteorologista? Ou seria o mesmo conhecimento matemático necessário a um engenheiro?

A partir desses questionamentos nós começamos nossa pesquisa. Durante alguns anos, nós estudamos a interação entre conteúdo e metodologia. Fui progressivamente reconhecendo que eles precisam ser pensados de forma contextualizada, sempre conectados um ao outro. Ou seja, o mesmo conteúdo torna-se diferente, de um ponto de vista cognitivo, a partir do momento em que ele é pensado como algo a ser ensinado. Por exemplo, quando eu estou assistindo a uma peça de Shakespeare, eu o faço para me entreter. Mas seu eu tivesse de ensinar Shakespeare, desde a primeira cena eu estaria me perguntando: “como eu ensinaria isso para outra pessoa? O que existe aqui que precisa ser aprendido? O que é difícil de entender nesse contexto?”. Eu estaria analisando a peça de uma maneira completamente diferente.

Com relação ao conceito de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo , o mais difícil foi reconhecer que eu precisava cunhar esse termo desajeitado. Vamos ser honestos: é um termo complexo mesmo em sua língua original (em inglês, Pedagogical Content Knowledge - PCK). Mas a questão é: era importante ter um termo que forçasse os estudantes a dizer as coisas juntas, o que aumenta a probabilidade de que, ao dizer essas palavras conjuntamente, eles pensem nelas de maneira integrada. Enfim, é nesse contexto que a ideia surgiu. Mas como eu expliquei no artigo sobre a gênesis e o êxodo do CPC (SHULMAN, 2015b), eu parei de trabalhar nesse conceito cinco anos após ele ter sido criado.

Por volta de 1986, eu comecei a focar no desenvolvimento da avaliação de professores do National Board 12 , cujo formato reflete a ideia de CPC. No conselho, existem cerca de 30 grupos avaliativos diferentes, porque entendemos que o processo de identificação do que é um professor proficiente em Matemática é muito diferente daquele necessário para identificar um professor proficiente em História, Geografia e assim por diante. Assim, nós acabamos focando-nos em um trabalho que era menos sobre o CPC – que de alguma forma era o conceito fundamental, quase um pressuposto axiomático – e nos detivemos mais no planejamento de novas formas de testar e avaliar os professores, particularmente na noção de avaliação baseada em portfólio 13 que faria justiça à interação entre conteúdo, metodologias e contextos.

A beleza de um portfólio, assim como a beleza de um caso, é que uma vez que você começa a acrescentar coisas nesse documento, é como misturar farinha e açúcar em uma receita: eles começam a se misturar e você não consegue mais separá-los. Pois bem, a metodologia e o conteúdo e claro, a cultura, a comunidade e o contexto começam a se misturar nos casos e nos portfólios, ganhando assim um sentido diferenciado.

Felizmente, as pessoas dizem para mim: “você parou de escrever sobre CPC muito antes que esse conceito fosse completamente compreendido”. Minha resposta sempre foi: “isso foi de propósito! Porque, antes de qualquer coisa, se eu apenas tivesse escrito a respeito quando tivesse compreendido completamente, eu nunca teria escrito uma linha. E segundo, se você quer que uma ideia floresça, sempre a torne pública e a dissemine antes que você a compreenda completamente, porque isso dá ao mundo muito trabalho a ser feito!”. E eu tenho que dizer: essa ideia tem sido muito bem-sucedida desde a década de 1990. Dezenas de milhares de pessoas já escreveram a respeito dela e eu acho que é devido ao fato de eu nunca a ter compreendido totalmente. Eu precisava de outras pessoas refletindo a respeito dessa ideia e percebendo que “há muito para fazermos, porque o Shulman não deu conta de fazer tudo”. E eu não acho que isso seja uma falha. Acho que é esse o formato no qual uma ideia deve ser desenvolvida, para que compense o tempo e a energia das outras pessoas.

Excelente. Muito obrigada! E o senhor já respondeu parcialmente nossa próxima pergunta.

Qual seria a próxima pergunta?

A respeito de como a academia incorporou esse estudo, como, por exemplo, o trabalho de Deborah Ball, que criou toda uma linha de pesquisa sobre o CPC na área de matemática.

Sim, Deborah Ball; Heather Hill – que foi orientanda da Deborah Ball; Pam Grossman; Sam Wineburg e todos os alunos deles. Na Austrália, tem o John Loughran e há ainda outras pesquisas que eu nem mesmo conheço. Eu não costumo tirar fotos de família (risos), mas eu sei a influência de dois artigos em particular: Those who understand e Knowledge and Teaching (2015). Those who understand (1986) foi o discurso presidencial da AERA ( American Educational Research Association - Associação Americana de Pesquisa em Educação) e é interessante em muitos sentidos, porque é um artigo fácil de se ler, visto que foi apresentado como um discurso. Esse é um artigo no qual eu enfatizo particularmente o conhecimento dos estudos de caso e no qual discuto a ideia de testes para professores. De fato, cada um desses artigos tem cerca de vinte mil citações (ou mais), o que é uma loucura. A parte excitante para mim é que normalmente um artigo vai progressivamente deixando de ser citado com o tempo e com esses dois aconteceu exatamente o contrário: eles foram sendo cada vez mais citados ao longo dos anos, o que eu acredito que seja um bom sinal, um indicativo de que as pessoas ainda estão se debatendo com aquelas ideias. Também é evidência de que eu não resolvi todos os problemas.

Isso é verdade. Queríamos explorar o artigo Those who understand, um texto estruturante, em muitos sentidos, no campo de formação de professores. Nesse discurso presidencial, você argumentou que a política pública e as universidades desempenham papéis interconectados na definição do profissionalismo docente. Você poderia nos explicar o papel de cada um desses atores?

Bom… o papel das universidades em alguma medida é mais fácil de descrever, embora não seja fácil de ser alcançado. Judith Shulman e eu estivemos em diversos países durante períodos nos quais eles estavam fazendo a transição da formação de professores de escolas normais para o ensino superior. Ademais, mesmo quando se tornaram parte das universidades, as faculdades de educação apenas recebiam a responsabilidade pela educação de professores da escola primária, obrigando professores do ensino secundário a terem diplomas universitários em outros departamentos. Um dos lugares onde vi isso acontecer mais claramente foi na Noruega. Lá, o governo criou uma legislação para transformar as faculdades de educação em instituições acadêmicas com poder de conferir títulos de bacharel que fossem reconhecidos pelas universidades como pré-requisito para o ingresso em programas de mestrado. Isso também implicou que os docentes das faculdades de educação deveriam fazer pesquisa e publicar artigos, o que até então não era uma expectativa existente. Nós também vimos uma situação similar em Israel, onde trabalhamos com certa regularidade.

Isso também é verdadeiro para outras profissões, tal como enfermagem, que originalmente era ensinada dentro dos hospitais por meio de aprendizagem in loco , sem nenhum crédito acadêmico. Depois, estou referindo-me ao contexto dos Estados Unidos, a formação passou a ser compartilhada entre hospitais e faculdades comunitárias ( community college ), sendo o título obtido após dois anos de estudos. E então a aprendizagem in loco quase desapareceu por completo: primeiro com a faculdade comunitária tornando-se o portal para a profissão e depois com a universidade sendo responsável por fornecer a formação. E agora, se pegarmos o estudo que publicamos há alguns anos 14 , veremos que a recomendação é a de que a enfermagem seja uma profissão reconhecida apenas por meio da obtenção de um diploma de bacharelado, com quatro anos de educação. A enfermagem está ficando tão complexa que talvez enfermeiros precisem obter um diploma de mestrado profissional, mais parecido com o direito ou negócios, no caso estadunidense.

Esse processo de incorporação da formação pela academia, essa transição, tem um lado positivo e um lado negativo. O lado positivo é a melhor aprendizagem do conteúdo, mais anos de educação, maior prestígio para a ocupação, o que a torna mais atrativa para indivíduos mais capazes, além do fato de que dentro da universidade pessoas de diferentes disciplinas podem contribuir para a formação. Então, qual poderia ser a desvantagem? Quando você é um órfão que é adotado pela universidade, você com frequência é a atividade menos importante, que recebe menor atenção, menos recursos e menos respeito. E, em alguns casos – porque a ênfase na formação universitária é tão forte nos hábitos da mente – você gasta menos tempo com a formação em sala de aula, engajando-se na prática, porque isso parece não-acadêmico .

É por isso que aqui em Stanford, no programa de formação de professores (STEP 15 ), os estudantes, depois que obtiveram um bacharelado em alguma disciplina, passam metade do tempo deles em atividades práticas e a outra metade trabalhando na obtenção do mestrado em educação. E meu sentimento é que, se houvesse uma coisa que eu pudesse mudar, seria oferecer aos estudantes mais experiência prática enquanto eles estão aprendendo a disciplina no bacharelado. Isso seria importante para que, mesmo quando eles ainda estivessem aprendendo o conteúdo, eles pudessem desenvolver os hábitos da mente a respeito do que os alunos já sabem e como poderiam organizar esse conteúdo para finalidades de ensino.

A política pública é muito importante, e eu farei apenas uma exceção à essa afirmação. Em quase todas as sociedades que eu conheço, seja na sua sociedade, seja na minha, uma vez que o professor fecha a porta, ele tem um notável grau de autonomia. Por conta disso – e porque temos de reconhecer essa autonomia – eu não acho que a resposta seja mais regulação e responsabilização ( accountability ), o que eu chamei de “controle remoto do professor” ( SHULMAN, 1983 ) em um artigo. Não… o que temos de fazer é preparar os professores com um profundo respeito. Se vocês fossem professoras que eu estivesse formando, eu lhes diria: “Quando vocês fecham a porta da sala de aula, com aquelas crianças, você é quase como um pai ou uma mãe, ou seja, você pode fazer quase tudo o que quiser com elas contanto que você não cometa nenhum abuso. No entanto, ao contrário de um pai ou uma mãe, no final do ano você vai entregar essas crianças para outros professores que terão autonomia similar, e claro que eles serão testados e tudo o mais, mas o que acontece na sua sala de aula é sua responsabilidade. Eu faria o possível para vocês reconhecerem essa responsabilidade, a respeitarem, a apreciarem, e até mesmo desfrutá-la”. Isso porque, se não é divertido, não vale a pena ser feito. Assim, porque existe uma porta que será fechada, nós temos a responsabilidade de profissionalizar os professores.

Eu vou dar um exemplo a respeito das implicações do profissionalismo e da responsabilidade. Vocês devem recordar-se do atirador que entrou em uma sinagoga e assassinou onze pessoas em Pittsburgh 16 . O atirador ficou ferido e foi levado a um hospital. A primeira enfermeira e o primeiro médico que o atenderam eram judeus. Eles sabiam o que ele havia feito e, ainda assim, cuidaram dele. Uma pessoa lhes perguntou como eles conseguiram fazer isso. Eles disseram: “eu sou um médico; eu sou uma enfermeira”. Eu digo: não é porque a porta estava fechada, mas porque sou quem eu sou. Se eu estivesse na Sinagoga e tivesse uma arma, eu talvez tivesse atirado nele. Mas tão logo ele deu entrada no hospital, ele tornou-se um paciente e eu tenho responsabilidades. Isso é profissionalismo e isso significa ter um senso de que “uma pessoa como eu pensa de determinadas formas, tem determinadas habilidades técnicas e certas responsabilidades”.

A política pública não pode obrigar esse tipo de conduta, mas uma formação profissional pode promovê-la. Também tem a forma como você organiza as escolas, a forma como os professores interagem entre si. Eles escutam uns aos outros? Eles dão conselhos de maneira respeitosa? Existem oportunidades para que os professores possam falar das coisas que estão fazendo e explorar como poderiam fazê-las melhor? Como poderiam lidar com alguns problemas recorrentes que enfrentam com as crianças? Essas são áreas nas quais a política pública poderia atuar de maneira mais precisa.

Muito obrigada. Isso nos leva para nossa próxima pergunta, que diz respeito à preparação dos professores. Como preparamos profissionais de modo que, quando chegar o momento da porta ser fechada, eles possam agir da maneira adequada e assumam as responsabilidades que lhes cabem? Na sua opinião, qual deveria ser o papel da universidade para melhorar a qualidade do ensino, na medida em que elas são responsáveis pela preparação profissional docente?

Vamos tornar esse quadro mais abrangente. Vamos reconhecer que a educação de professores em uma grande universidade, digamos assim, deva ser pensada em paralelo à educação de advogados, enfermeiros, médicos, engenheiros, terapeutas e assistentes sociais. Parte da responsabilidade da universidade é preparar seres humanos para que eles possam utilizar seus conhecimentos e habilidades para transformar o mundo com responsabilidade e para se sentirem completamente responsáveis pela transformação que eles fizeram.

Se a universidade realmente compreender isso, então, antes de mais nada, ela irá assegurar a oferta de oportunidades suficientes para os estudantes lidarem com problemas da prática e não apenas com as partes mais acadêmicas. Ela irá reconhecer que muito do que contribui para a internalização bem-sucedida de papéis e responsabilidades está relacionada com a interação com profissionais exemplares. Veja, vamos ser realistas: nem todas as pessoas são modelos ou exemplares de ensino, e ainda assim elas podem ter algo importante para contribuir para a preparação do futuro membro da profissão. Mas eu certamente iria – e eu faço isso com professores, mas faria também com médicos e outros profissionais – eu certamente iria ter isso como um objetivo explícito do meu programa e como um critério com o qual eu avaliaria a qualidade dos programas. Como as pessoas desenvolvem essas coisas?

É importante assegurar que elas tenham acesso a modelos profissionais. Como nem todos os professores da universidade necessariamente serão esses modelos, podemos trazer pessoas de fora para conversar com os estudantes. Por exemplo, alguns dos profissionais com os quais falamos disseram: “Eu me recordo quanto eu estava no meu terceiro ano, e um visitante veio, que já era um advogado, e estava dedicando o seu tempo para trabalhar em uma região extremamente pobre e difícil, provendo assistência legal para pessoas carentes. Ele nos contou algumas histórias a respeito, e eu fiquei tão tocado que comecei a chorar, e então eu pensei: ‘que incrível que eu possa ser capaz de fazer o mesmo tipo de trabalho, talvez eu não faça com dedicação exclusiva, talvez eu possa dedicar um dia da semana para fazer isso, ainda que eu esteja trabalhando com outras coisas’”. Então, você traz pessoas e oferece aos estudantes oportunidades para lerem romances, assistirem a peças de teatro ou apenas falar a respeito, oferece oportunidades para lerem casos e discutirem sobre eles. Nós temos de incorporar essa prática na vida das universidades. E isso requer líderes universitários que sejam visionários, não especialistas de conteúdo fechados no seu campo. Isso tem de ser parte de um programa de liderança responsável.

Nós gostaríamos de expandir a questão do papel da universidade. No Brasil, a legislação educacional passou a exigir, nos anos 1990, que todos os professores tivessem um diploma no nível superior. Atualmente, cerca de 95% dos docentes possuem graduação, mas ainda existe a percepção de que estejam despreparados para enfrentar os desafios da sala de aula. Baseando-se nas suas experiências no contexto estadunidense e em outros países, quais são as ações essenciais que podem ajudar as universidades a melhorarem a qualidade da formação que elas oferecem aos professores?

Bom, permita-me começar com uma confissão: A confissão é que eu nunca, na minha vida, comecei a dar um curso no qual, no primeiro dia de aula, quando eu entrei na sala de aula, eu me senti completamente preparado. Eu entrava na sala e pensava: “Quem é que eu penso que sou para ensinar um curso como esse? Tem tantas coisas que eu não compreendo!” A ideia de que o membro de qualquer profissão, seja ela a docência, a advocacia, a enfermagem, estará preparado para mergulhar na prática no dia seguinte à sua formatura é uma fantasia. É uma fantasia! Então, eu não usaria isso como critério. O critério – e isso tem a ver com a política pública – seria estabelecer um sistema no qual nós compreendêssemos completamente que, quando formamos alguém, nossa responsabilidade não é entregar para o mundo um profissional totalmente formado, mas um principiante bem iniciado, preparado para o começo. Até onde compreendemos, nós temos sim de construir a partir dos fundamentos, mas nós também entendemos que é apenas pelo exercício de lidar com os problemas e desafios, experimentar sucessos e frustrações, que um profissional cresce. E esse crescimento nunca acaba. O dia que ele acaba é o dia que antecede o momento no qual você está pronto para se aposentar (risos).

O que isso significa? Quando você está formando alguém que é conscientemente incompleto, então você cria políticas públicas para, em reconhecimento dessa incompletude, oferecer oportunidades para um crescimento protegido e um apoio a esse profissional. Alguns exemplos onde podemos observar essa ideia presente e ausente: na medicina, ela está presente, pois quando eles pegam seus diplomas, têm de fazer residência, depois fazer estágios em outras culturas. E então se seguem outros cinco ou seis anos até que, finalmente, sejam reconhecidos como prontos. No direito, eles são jogados de uma vez no mercado, imediatamente, e a maioria são péssimos advogados quando se formaram e alguns permanecem assim. Alguns têm a boa sorte de conseguir posições no governo onde recebem algum tipo de mentoria. Outros conseguem posições em grandes firmas de advocacia onde começam em um nível bem baixo e lentamente têm a chance de crescer. Na formação de professores, na maioria das vezes, é igual ao direito: você é jogado do penhasco e tem os tubarões te esperando. Os tubarões são os alunos ou os outros professores (risos).

Nos Estados Unidos, criamos o National Board para lidar com essa situação. Ele não é uma licenciatura, mas é o conceito mais potente a respeito de proficiência docente que eu já vi. E eu me sinto tão orgulhoso disso! E agora, sob a liderança de alguns dos meus colegas mais jovens, como a Linda Darling-Hammond e outros, foram criadas formas para que esses padrões e tipo de avaliação centrada no portfólio sejam utilizados nas universidades para a preparação de professores. O que temos é um contínuo entre a formação inicial dos professores e o seu amadurecimento. Ainda não temos uma grande oferta de preparação para a certificação do conselho, mas esse é o tipo de coisa que deve ser buscada pelos formuladores de políticas públicas. Nos Estados Unidos, isso ocorre apenas no nível distrital e apenas em alguns locais ocorre no nível estadual. Mas eu gostaria de ver esse tipo de certificação como um objetivo. E acho bastante injusto esperar que os professores fabriquem esses padrões por si mesmos, isoladamente. Esse é o aprendizado para a política pública.

E veja, nós temos pelo menos 50 anos de experiência e mesmo sabendo que essa é a melhor maneira de fazer, ainda assim não a fazemos. Muitas pessoas dizem “por que você não desiste dessa fantasia?”. 50 anos atrás, quando eu já estava trabalhando no campo e sabíamos a importância do estágio, nós criamos um programa de estágio em Michigan. Nós desenvolvemos parcerias com os distritos escolares e dizíamos: “Estamos preparando professores de primeira classe nessa universidade”, e não queríamos deixar esses professores trabalhar nesses distritos sem um programa de mentoria e indução. Nós tentamos. Por alguma razão, isso permaneceu na medicina, um pouco na enfermagem, mas quase nada na formação de professores. Eu adoraria compreender o motivo, mas eu não compreendo. Todavia, como tantas outras coisas, cabe aos mais jovens tentarem descobrir o porquê e quem sabe criar modelos com os quais possamos aprender.

Eu sei que no Brasil vocês têm passado por alguns desafios políticos atualmente e vocês não estão sozinhos. Calhou de eu ser cidadão de um país que está passando por um momento bastante turbulento, com alguns desafios políticos vergonhosos e assustadores. Mas tem algo de fascinante e interessante nesse contexto, de muitas formas. Eu vi isso em Israel, onde há todo tipo de conflito acontecendo, pedras sendo arremessadas pela Faixa de Gaza… O Oriente Médio não é uma vizinhança tranquila, acreditem. Faz a América Latina parecer um oceano tranquilo. Mas veja, mesmo nessa parte insana do mundo, quando um professor e suas crianças estão trabalhando juntos em uma sala de aula para fazer escolas melhores, e nós tentamos descobrir melhores formas de formar professores, nós podemos obter sucesso. Há coisas que podemos fazer mesmo quando circundados por líderes insanos, sejam eles líderes religiosos ou políticos. Os professores podem fechar suas portas, vocês sabem, até um certo ponto nós podemos fechar nossas portas. Então, vamos apreciar o nosso isolamento algumas vezes e explorá-lo, tirar vantagem dele. Até mesmo ministros da educação, nós nos encontramos com algumas pessoas bastante comprometidas, que estão dedicando as suas vidas para fazer das escolas lugares melhores para os jovens e estão orgulhosos disso.

Excelente. Para finalizar a entrevista, nós gostaríamos que você utilizasse seu conhecimento acadêmico e sua experiência para dar conselhos – além do que você já disse anteriormente – para três grupos de atores: pesquisadores e formadores de professores nas universidades, formuladores de políticas públicas, e mais importante, para professores.

Vocês mencionaram três grupos e meu primeiro conselho seria: qualquer que seja o grupo com o qual você se identifique, torne um hábito convidar os membros do outro grupo para um jantar, um bom coquetel brasileiro. Alguns dos problemas que nós temos ocorrem, porque nós não temos situações informais nas quais professores, formadores de professores baseados nas universidades e formuladores de políticas públicas se encontram para conversar. Eles precisam casar-se entre si, ser vizinhos, jogar cartas juntos, ir ao boliche, o que quer que seja. Ir ao jogo de futebol juntos. Eles precisam aprender a confiar uns nos outros e precisam aprender que têm mais em comum do que imaginam e que podem aprender uns com os outros. E esse é um princípio muito importante.

Agora vamos para os conselhos específicos para cada um dos grupos. Para os pesquisadores nas universidades: eu sei que isso varia de contexto para contexto, mas podemos dizer que, de um modo geral, esperamos que as pessoas pesquisem em suas áreas disciplinares. Assim, alguém formado em geografia irá pesquisar sobre a geografia, por exemplo. Um psicólogo irá pesquisar sobre Piaget. E o meu conselho – e isso é algo muito difícil contra o qual temos lutado em vários países com os quais eu trabalho – é que devemos valorizar, honrar, apoiar e recompensar a pesquisa centrada na prática, que atualmente é vista como uma pesquisa menos prestigiosa. Ela deve ser a pesquisa de maior prestígio. Eu encorajaria fortemente a pesquisa centrada na prática.

Nós falamos no começo desta entrevista sobre o trabalho que eu desenvolvi com o CPC. Essa era uma pesquisa acerca da prática, de como as pessoas aprendiam a ensinar. Meus alunos e eu estávamos imersos na prática de ensinar e aprender. E sabe o que aconteceu? Nós fomos indicados para ocupar cátedras e posições de docência em universidades prestigiosas e conseguimos diversos financiamentos para nossas pesquisas. Não é suicídio se engajar na pesquisa sobre a prática e esse é o tipo de trabalho que faz uma diferença profunda no campo da educação. Então, meu primeiro conselho para os pesquisadores e professores universitários: não evitem a prática, mergulhem nela.

No último semestre antes de eu deixar Stanford para me tornar presidente da Carnegie Foundation , eu estava lecionando um curso no programa de doutorado junto com outro colega também aposentado, o professor Larry Cuban. Esse curso tratava da natureza do ensino: não como ensinar, mas como compreender o fenômeno do ensino de um ponto de vista histórico, psicológico e prático. Sabe como nós dois começávamos os nossos dias? Todos os dias às oito da manhã nós estávamos em uma escola local dando aula de História dos Estados Unidos para o 2° ano do Ensino Médio. O ponto aqui é o seguinte: quebre essas barreiras e demonstre o devido respeito pela prática. Se os professores de medicina mais experientes são respeitados por dedicarem tempo e energia trabalhando com pacientes, por que os professores da educação estão isentos dessas expectativas?

Vamos falar agora aos professores. Eu recomendaria fortemente aos professores que fizessem duas coisas: primeira, nunca parem de educar a si próprios de maneira ampla. Saiam para assistir a boas peças de teatro, leiam bons livros, visitem museus, especialmente aquilo que está fora do seu campo de atuação. Porque uma coisa que nós aprendemos com a pesquisa sobre o CPC é que, muito frequentemente, a melhor maneira de ajudar os alunos a aprenderem uma ideia em sua área é conectá-la com coisas que estão acontecendo fora do seu campo de atuação e isso inclui eventos esportivos inclusive, uma vez que eles geram interesse nas crianças.

Uma vez eu dei um curso a respeito de liderança na escola de negócios – não me pergunte o porquê eu fiz isso (risos). Eu pedi que os alunos escrevessem uma autobiografia para mim, em duas páginas, antes de começarmos as aulas. Eu disse: “incluam todas as coisas que vocês fazem para se divertir”. Eu tinha 25 alunos na turma e sete deles gostavam de jogar voleibol. Eu também escrevi algo sobre os meus interesses, para ser recíproco, e muitos deles não compreenderam. Eu expliquei que muito da liderança é pedagogia. Liderança é sobre ensinar. Um bom líder é alguém que ensina, porque um bom líder é alguém que quer que as pessoas se comportem de determinadas formas, mesmo quando o líder não está presente pedindo que eles os sigam. Você quer que as pessoas internalizem coisas importantes, é sobre isso que se trata o ensino. Bem… uma das ideias centrais da liderança institucional é como fazer com que as pessoas cooperem umas com as outras, e cooperação é um conceito muito abstrato. Na aula em que discutimos isso, eu parti do exemplo do voleibol, pedi para alguns alunos que haviam escrito em suas redações que gostavam do esporte para me ajudar a exemplificar. Isso ajudou-os a falar a respeito de assumir posições e papéis, acerca da generosidade nas organizações e outros alunos começaram a trazer outros exemplos.

Então, professores, em segundo lugar: nunca se esqueçam do quão inteligentes vocês são e quão vasto é o mundo. E não existe nada que você aprenda que, em algum ponto no futuro, não possa ser importante para ajudá-lo a explicar alguma coisa para alguém, ou que o ajude a compreender o quanto uma criança é inteligente quando ela fala sobre o mundo além da sala de aula. E essa é uma das principais responsabilidades dos professores: nunca esquecer que as crianças que eles estão ensinando são superinteligentes, de modo que basta que silenciemos tempo suficiente para ouvir o que elas têm a dizer.

Para quem lida com política pública, vou dar o mesmo conselho que recebi quando fui presidente da fundação. Um amigo meu havia sido presidente de uma fundação diferente e eu lhe perguntei: “que conselho você tem para me dar sobre ser presidente de uma fundação?”, e ele disse: “Eu tenho dois conselhos. Um, nunca se esqueça que esse não é seu dinheiro. Nós recebemos quantias enormes de dinheiro, mas ele não é nosso”. Eu disse: “Oh, claro. E qual seria o segundo conselho?”. E o segundo era: “ainda mais importante: não é apenas porque você tem poder que significa que você seja mais inteligente do que todas as outras pessoas”. Ele também me disse que um dos grandes privilégios de ter poder é utilizá-lo para dar oportunidades para pessoas que são realmente inteligentes em suas áreas fazerem o seu melhor. Não fazer tudo por si mesmo ou dizer para essas pessoas o que fazer, porque esse não é o ponto. Então esse seria o meu conselho para os formuladores de políticas públicas: a) políticas geralmente são realizadas pela alocação de recursos – eis uma coisa na qual os economistas têm razão. Então não se esqueçam de que o dinheiro não é de vocês. Vocês foram designados por um sistema democrático – ou até mesmo não democrático – para alocar esses recursos, mas eles não lhes pertencem; e b) lembrem-se de que ter o poder não é o mesmo que ter inteligência. Esses são os meus conselhos.

Muito obrigada, professor.

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4- Informações obtidas na biografia do autor em seu site oficial. Disponível em: < http://www.leeshulman.net/biography/> . Acesso em 19 fev. 2019.

5- Em inglês a categoria é pedagogical content knowledge e sua sigla – PCK – é utilizada em vários países, mesmo aqueles que não são de língua inglesa.

6- A pesquisa sobre as profissões gerou cinco publicações: SHEPPARD, Sheri et al. Educating engineers: designing for the future of the field. San Francisco: Jossey-Bass; Stanford: The Carnegie Foundation for Advancement of Teaching, 2009. COOKE, Molly; IRBY, David; O’BRIEN, Bridged. Educating physicians: a call for reform of Medical School and Residency. San Francisco: Jossey-Bass; Stanford: The Carnegie Foundation for Advancement of Teaching, 2010. SULLIVAN, William et al. Educating lawyers: preparation for the profession of law. San Francisco: Jossey-Bass; Stanford: The Carnegie Foundation for Advancement of Teaching, 2007. FOSTER, Charles et al. Educating clergy: teaching practices and pastoral imagination. San Francisco: Jossey-Bass; Stanford: The Carnegie Foundation for Advancement of Teaching, 2006. BENNER, Patricia et al. Educating nurses: a call for radical transformation. San Francisco: Jossey-Bass; Stanford: the Carnegie Foundation for Advancement of Teaching, 2010.

7- Entrevista realizada em 2011 por Audrey Amrein-Beardsley. Disponível em: < https://education.asu.edu/inside-the-academy-of-education/honorees/lee-shulman > Acesso em: 01 ago. 2019.

8- Center to Support Excellence in Teaching. Esse é um dos centros da escola de educação de Stanford que atua em parceria com distritos escolares dos Estados Unidos e de outros países na formação continuada de professores.

9- Magdalena H. Gross é pesquisadora sênior associada ao CSET. Sua área de pesquisa envolve as relações entre conhecimento escolar e cultural e episódios históricos difíceis.

10- Pam Grossman é diretora da Faculdade de Educação da Universidade da Pensilvânia e docente na mesma instituição. É um dos nomes mais importantes do campo de formação de professores nos Estados Unidos com o foco na preparação do profissional docente, particularmente de Linguagens.

11- No original, pedagogy. Em inglês, o termo pedagogy refere-se às estratégias pedagógicas e métodos de ensino.

12- O National Board for Professional Teaching Standards (NBPTS) é uma organização não-governamental e sem fins lucrativos que certifica a proficiência dos professores com base em padrões estabelecidos por membros da profissão. Para mais informações, ver < https://www.nbpts.org/> .

13- A certificação dos professores pelo Conselho se dá pela avaliação de um portfólio que contém, entre outras coisas, o planejamento de uma sequência didática, evidências da sua implementação (gravação em vídeo), exemplos de trabalhos realizados pelos alunos ao longo dessa sequência didática, com as respectivas devolutivas do professor e uma série de reflexões escritas realizadas pelo docente pleiteante à certificação.

14- Refere-se aqui ao estudo, anteriormente mencionado, a respeito das diferentes profissões.

15- O STEP é um programa de mestrado de um ano, organizado de tal forma que desde o primeiro trimestre seus estudantes estejam em contato com a docência. No período da manhã, os futuros professores são alocados em uma escola parceira, inicialmente observando a prática do professor-cooperativo e progressivamente assumindo tarefas de docência. No período da tarde, os alunos frequentam as aulas do programa, que consistem em uma intensa carga focada no desenvolvimento do CPC e em inúmeras disciplinas focadas no desenvolvimento de conhecimentos pedagógicos. O currículo completo do programa e outras informações acerca do mesmo podem ser encontrados em: < https://ed.stanford.edu/step> .

16- O tiroteio ao qual o autor se refere ocorreu em 27 de outubro de 2018, em uma Sinagoga na cidade de Pittsburgh. Esse ataque foi descrito como um dos mais violentos contra a comunidade judaica nos Estados Unidos.

Bárbara Barbosa Born é doutoranda em Educação nos programas Curriculum and Teacher Education e International and Comparative Education na Stanford Graduate School of Education. É mestre em International and Comparative Education pela Stanford Graduate School of Education e mestre em Educação pelo programa Estado, Sociedade e Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Ana Pires do Prado é doutora em Antropologia Social e Sultural pela Universidade Autônoma de Barcelona (2006), onde também obteve o mestrado (2003). Desde 2011, é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Janaína Mourão Freire Gori Felippe é doutora em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Foi professora substituta da Universidade Federal de Goiás - Campus Jataí. É coordenadora pedagógica da Maple Bear BH e fundadora da EducaEthos.

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