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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 08-Mar-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945189793 

Artigos

Concepções sobre os fatores, funções e problemas da aprendizagem do desenho artístico em estudantes universitários1

Conceptions of factors, functions, and problems of learning artistic drawing in university students4

Luiz Gustavo Freire2  2 
http://orcid.org/0000-0001-5898-0003

António Manuel Duarte3 
http://orcid.org/0000-0002-9497-7204

2- Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal;

2Centro Universitário dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes, PE, Brasil. Contato: gstv.psi@gmail.com

3- Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Contato: amduarte@psicologia.ulisboa.pt


Resumo

Este artigo expõe parte dos resultados de uma investigação que teve como objetivo explorar as concepções de aprendizagem do desenho artístico de estudantes universitários brasileiros, à luz da perspectiva fenomenográfica. Entre outras dimensões, um grupo de dezesseis estudantes de uma disciplina livre de desenho, dos cursos de Matemática, Ciências biológicas e Letras, foi entrevistado com base num guia de entrevista semiestruturada acerca das suas concepções sobre os fatores, as funções e os problemas da aprendizagem do desenho artístico. As respostas às entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo temática, que implicou três fases: segmentação das respostas em unidades a categorizar, desenvolvimento e aplicação de um sistema de categorias de análise e exploração das categorias encontradas. Os resultados evidenciam uma ampla diferenciação de representações quanto aos fatores (isto é, a aprendizagem do desenho é influenciada por fatores afetivos, cognitivos, experienciais, problemáticos, pessoais indiferenciados e contextuais), às funções (isto é, a aprendizagem do desenho tem a função de desenvolvimento artístico, profissionalizante, afetiva, cognitiva e interpessoal), e aos problemas (isto é, a aprendizagem do desenho é afetada por problemas estruturais, de experiência, afetivos, cognitivos, interpessoais e contextuais). Essas representações são aqui interpretadas e apresentadas como utilizáveis para a compreensão e a melhoria do sucesso e da qualidade da aprendizagem na área do desenho artístico.

Palavras-Chave: Aprendizagem; Avaliação; Concepções; Desenho artístico; Fenomenografia

Abstract

This article presents part of the results of an investigation intended to explore Brazilian university students’ conceptions of learning artistic drawing, within the framework of phenomenography. Amongst other dimensions, a group of 16 students of Mathematics, Biological sciences and Humanities from a free course on drawing were questioned on the basis of a semi-structured interview about their conceptions of factors, functions, and problems of learning artistic drawing. The answers to the interviews were submitted to a thematic content analysis, which involved three phases: segmentation of responses into units to be categorized, development and application of a system of categories of analysis, and exploration of the categories found. The results show a wide differentiation of representations regarding factors of learning drawing (affective, cognitive, experiential, problematic, undifferentiated personal and contextual), its functions (artistic development, professionalization, affective, cognitive and interpersonal) and its problems (structural, experiential, affective, cognitive, interpersonal, and contextual). These representations are interpreted and presented in this paper as useful tools to understand and improve successful and quality learning in the field of artistic drawing.

Key words: Learning; Evaluation; Conceptions; Artistic drawing; Phenomenography

Introdução

Segundo a fenomenografia, a concepção de aprendizagem constitui o significado que o sujeito atribui ao fenômeno da aprendizagem num momento particular, por meio do enfoque seletivo em algum ou alguns dos seus múltiplos aspectos (MARTON; BOOTH, 1997).

As concepções dos estudantes sobre a aprendizagem se relacionam com características pessoais (i.e., cognitivas, afetivas e interpessoais) e aspectos ambientais (i.e., objetivos, conteúdos, métodos, materiais e recursos educacionais) condicionando os processos de aprendizagem e os resultados acadêmicos (ASIKAINEN, 2014; LEUNG; WONG; WONG, 2013; HERNÁNDEZ-PINA et al., 2010; MARTON; SÄLJÖ, 1976; ROSÁRIO et al., 2013; LARA et al., 2011; STEIN; SHEPHARD; HARRIS, 2011; YANG; TSAI, 2010). Elas estão associadas à forma como os estudantes abordam a aprendizagem, ou seja, sua motivação para aprender e sua estratégia de aprendizagem (ASIKAINEN, 2014; CHENG; TSAI, 2012; VALADAS; GONÇALVES; FAÍSCA, 2011; YANG; TSAI, 2010), de modo que seu mapeamento e promoção constituem um importante elemento para a compreensão e melhoria do sucesso e da qualidade da aprendizagem (BIGGS, 2006; MARTON, 1988; SÄLJÖ, 1979).

A fenomenografia tem estudado as concepções de aprendizagem centrando-se, sobretudo, nas dimensões referencial (noção do que é a aprendizagem), processual (noção de como se aprende) e contextual (noção de onde se aprende) (MARTON; DALL’ALBA; BEATY, 1993). Considerando estas, tem-se constatado a existência de duas formas básicas de se conceber a aprendizagem: concepção quantitativa, que vê a aprendizagem como aquisição mecânica de conhecimentos, e concepção qualitativa, que vê a aprendizagem como compreensão do conhecimento (ASIKAINEN, 2014; BIGGS, 2006; KHAN, 2014; LARA et al., 2011; MARTON; BOOTH, 1997; MARTON; DALL’ALBA; BEATY, 1993; MARTON; SÄLJÖ, 1976; MOORE, 1993; YANG; TSAI, 2010). Embora a concepção quantitativa possa constituir uma representação adequada da aprendizagem de conteúdos simples ou da aquisição de competências básicas, ela parece deficitária para representar a aprendizagem de conteúdos de nível superior. Assim, considera-se que a concepção qualitativa engloba a quantitativa, admitindo-se a existência de uma hierarquia entre elas (CLIFF, 1998; MARTON; BOOTH, 1997).

Essas concepções básicas obedecem a uma diferenciação que levou à construção de taxonomias que organizam as diversas representações que os indivíduos têm da aprendizagem. Esses sistemas apresentam uma estrutura hierárquica, porque descrevem um contínuo em direção à compreensão, como processo mais avançado de aprendizagem (ASIKAINEN, 2014; ARROZ; FIGUEIREDO; SOUSA, 2009; LAMON et al., 1993; LONKA; LINDBLOM-YLÄNNE, 1996; MARTIN; RAMSDEN, 1987; NORTON; CROWLEY, 1995; PRAMLING, 1986; ROSÁRIO et al., 2013; SÄLJÖ, 1979; STEKETEE, 1997; ZUBER-SKERRITT, 1992). O sistema mais importante é o de Marton, Dall’alba e Beaty (1993), que apresenta as seguintes categorias: aumento de conhecimento, memorização e reprodução de informação, aplicação de conhecimentos, compreensão de conteúdos, reinterpretação de conhecimentos existentes e mudança pessoal.

Estudos mais recentes (FREIRE; DUARTE, 2016; REBELO; DUARTE, 2012; RENDEIRO; DUARTE, 2007) têm dedicado atenção a outras dimensões das concepções de aprendizagem. Numa investigação com estudantes de psicologia, Freire e Duarte (2016) identificaram a atribuição à aprendizagem de funções interpessoais e intrapessoais (adaptativas, cognitivas, motivacionais), assim como de fatores ambientais (físicos, materiais, sociais, acadêmicos) e pessoais (cognitivos, afetivos, interpessoais, comportamentais e biológicos). Rendeiro e Duarte (2007) constataram que estudantes do ensino secundário podem conceber a aprendizagem para a avaliação como dependente quer de fatores pessoais (cognitivos, afetivos, orgânicos, interpessoais), quer de fatores ambientais (contexto de ensino e de avaliação), quer da sorte. Rebelo e Duarte (2012), por sua vez, constataram que estudantes do ensino superior podem atribuir uma diversidade de funções à aprendizagem com o computador, tais como, adquirir informação, diversificar o modo de aprender, facilitar a aprendizagem por meio da comunicação, construir e transferir conhecimento, facilitar ou desenvolver competências cognitivas de aprendizagem e de produção do discurso, automatizar a aprendizagem ou fortalecer a autonomia e motivar para a aprendizagem.

Paralelamente apareceram estudos dedicados às concepções de aprendizagem em áreas disciplinares específicas, como ciências (ANTONIADOU; SKOUMIOS, 2013), do Marketing (LIN; NIU, 2011), matemática (CHIU, 2012), e dança (BASTO; 2013).

Num estudo com crianças de 4 a 6 anos de idade, que teve o objetivo de explorar as concepções de aprendizagem do desenho, de acordo com o enfoque das teorias implícitas, Scheuer e colaboradores (2011) detectaram a existência de duas concepções da aprendizagem do desenho: teoria direta (duas versões) e teoria interpretativa. A teoria direta focalizada nos resultados cumulativos da aprendizagem, expressada por estudantes de 4 anos de idade, caracteriza-se por uma concepção de aprendizagem do desenho enquanto ampliação de resultados gráficos. Trata-se de uma concepção cumulativa e dicotômica que não integra matizes epistêmicas e toma os produtos da aprendizagem como realizações desconexas e somativas (saber realizar mais desenhos), derivadas de atividades básicas e manifestas (desenhar e copiar modelos).

A segunda versão da teoria direta – teoria direta da agência do entorno – apresentada por estudantes dos três grupos de idade, toma igualmente a aprendizagem do desenho como uma acumulação somativa, mas articula condições e resultados da aprendizagem de acordo com uma lógica linear. Ou seja, se as condições se cumprem, a aprendizagem produz-se inevitavelmente, ao passo que se a aprendizagem for constatada terá sido porque as condições foram cumpridas. Os fatores de aprendizagem (condições) são o crescimento e a saúde do aprendente, a motivação para aprender e um ambiente que ofereça ensino e modelos de produtos e de procedimentos de desenho, ou seja, a conjugação das atividades básicas (desenhar e copiar) com o cumprimento das condições necessárias à sua execução seria suficiente para assegurar os resultados da aprendizagem. Aprender a desenhar é adquirir os modos utilizados pelas pessoas mais experientes nessa área, as quais estruturam uma relação assimétrica de ensino, guiando a atividade de quem aprende.

Em oposição, a teoria interpretativa, expressada por crianças de 5 e 6 anos de idade, articula os três componentes da aprendizagem de acordo com um foco nas representações e processos mentais de quem aprende. O aprendente se constitui como agente do processo de aprendizagem, não apenas pelo exercício da sua atividade observável (desenhar, ver e copiar modelos), como também ao gerar e ativar suas representações internas (registrar, recordar, antecipar, compreender) e ao exercer a autorregulação sobre as condições e o curso da sua ação (planejar metas, ajustar-se à sua execução, avaliar os próprios resultados e utilizar deliberadamente instrumentos de apoio, como réguas ou modelos). A aprendizagem faz avançar o modo de desenhar, assim como gera novas representações mentais. Ou seja, os resultados da aprendizagem do desenho são tidos como mudanças qualitativas em produtos gráficos já conhecidos.

Scheuer e colaboradores (2011) constataram que as concepções de aprendizagem do desenho evoluem da teoria direta à teoria interpretativa em função da capacidade reflexiva. Ora, as concepções encontradas nesse estudo podem ser consideradas similares às da fenomenografia para a aprendizagem em geral. A teoria direta parece-nos equivalente à concepção quantitativa (aumento de conhecimento) e a teoria interpretativa à concepção qualitativa (compreensão).

Embora a investigação fenomenográfica esteja desenvolvida, são escassas as investigações sobre concepção de aprendizagem considerando outras dimensões para além da referencial, processual e contextual. É igualmente escasso o estudo da concepção de aprendizagem das artes, em especial da concepção de aprendizagem do desenho artístico.

No sentido de contribuir para o preenchimento dessas lacunas, realizamos um estudo que explorou as concepções de estudantes universitários brasileiros sobre a natureza, o processo, o contexto, os fatores, as funções e os problemas da aprendizagem do desenho artístico. Por razões de limite de espaço, este artigo apresenta e discute os resultados relativos às três últimas dimensões.

Método

Participaram no estudo dezesseis estudantes de uma universidade brasileira, que cursavam uma disciplina optativa livre de desenho artístico, sendo nove (56.2%) do sexo masculino e sete (43.7%) do sexo feminino, com uma idades entre 18 e 28 anos (média de 22 anos). Três (18.7%) eram de um curso de Matemática, onze (68.7%) de Ciências biológicas e dois (12.5%) de Letras. A amostragem foi por conveniência, segundo a disponibilidade dos estudantes que cursavam a disciplina, selecionados considerando que sua experiência de aprendizagem do desenho lhes permitia uma maior articulação das suas concepções sobre esse tipo de aprendizagem. O critério de determinação da dimensão da amostra foi o da saturação das categorias detectadas pela análise de conteúdo temática realizada às respostas à entrevista, que serviu como procedimento de recolha dos dados (DAUSTER, 1999).

A disciplina possibilita a aprendizagem dos elementos básicos necessários ao desenvolvimento do desenho de criação, incentivando a aplicação sintética de forma, volume, proporção, cor e equilíbrio numa composição, e habilitando a captar mentalmente uma imagem e transpô-la para uma superfície. Para tanto, o docente oferece exercícios de transposição da imagem para o papel e técnicas de desenho. Entre os conteúdos figuram: o corpo do desenhador (a função da respiração e do olho, a memória corporal, o equilíbrio corporal/gráfico e os membros), o desenho como manifestação criativa (geometrização, sombra, perspectiva, sentimento, deformações dos objetos no desenho e criatividade) e técnicas de desenho.

Previamente à recolha de dados, solicitamos a autorização das autoridades da universidade e dos estudantes da disciplina, que foram informados da confidencialidade das respostas.

A recolha dos dados foi efetuada por entrevista semiestruturada realizada individualmente, previamente testada com um estudante e com o docente da disciplina. O guia da entrevista contemplou questões orientadas para as seguintes dimensões da concepção de aprendizagem do desenho artístico: referencial (Na tua opinião, o que é aprender desenho artístico?); processual (No teu entendimento, como se aprende desenho artístico?); contextual (Na tua apreciação, aonde se aprende desenho artístico?); fatorial (No teu entendimento, quais são os fatores que influenciam a aprendizagem do desenho artístico?); funcional (Na tua opinião, para que se aprende desenho artístico?); e problemas (No teu entendimento, quais são os problemas que afetam a aprendizagem do desenho artístico?). Previu-se ainda que, em acréscimo às questões pré-estabelecidas, fossem articuladas outras, improvisadas no momento de aplicação do questionário, tendo em conta o diálogo com os participantes e os objetivos da avaliação para cada dimensão que consta do guia.

As entrevistas foram realizadas em privado, no ambiente da universidade, tendo sido gravadas em áudio para que pudessem ser transcritas e analisadas. Os dados recolhidos foram submetidos a uma análise de conteúdo temática que implicou três fases: segmentação das respostas em unidades a categorizar, desenvolvimento e aplicação de um sistema de categorias de análise, e exploração das categorias encontradas.

A primeira fase consistiu na segmentação dedutiva dos discursos (respostas) em unidades a categorizar. Essa segmentação foi efetuada tendo em conta o contexto global das respostas, pois a desconsideração deste poderia favorecer a perda de sentido. Como preconiza a fenomenografia, todo conteúdo que remetia ao modo particular de cada estudante empreender a aprendizagem foi excluído. O critério de segmentação em unidades a categorizar foi o de segmentação por unidades temáticas (FLORES, 1994). As respostas foram segmentadas considerando as dimensões das concepções de aprendizagem – ou seja, sempre que uma ideia se referia ao tema de uma das dimensões era considerado como uma unidade de análise (a categorizar). Desse modo, a segmentação foi dedutiva, visto que se partiu de dimensões consideradas pela teoria e patentes no guia. A segmentação foi efetuada independentemente por dois analistas – o primeiro autor do estudo e uma psicóloga educacional, previamente treinada no procedimento de segmentação. Posteriormente, os analistas compararam as segmentações efetuadas, com o objetivo de identificar e resolver, por discussão, possíveis discordâncias.

A segunda fase da análise dos dados consistiu na construção e aplicação de um sistema de categorias de análise, para categorização das unidades anteriormente segmentadas. O sistema de categorização foi desenvolvido, como preconiza a fenomenografia, de acordo com uma abordagem indutiva (MILES; HUBERMAN, 1994), ou seja, as categorias emergiam na medida em que iam sendo detectadas, sem a utilização de classes de análise pré-existentes. A prática da categorização começou com a codificação das unidades previamente segmentadas de aproximadamente 20% das entrevistas. Esse trabalho foi desenvolvido de forma independente pelos dois juízes (após a introdução do procedimento de categorização ao segundo) e teve como resultado a construção de uma primeira grelha de análise, alterada após a revisão de um especialista em fenomenografia (o segundo autor deste estudo) quanto à sua lógica interna. A grelha resultante foi então utilizada de forma independente pelos dois juízes, para categorização das unidades das demais entrevistas, ou seja, em aproximadamente 80% delas. Durante essa fase, a análise passou a valer-se da primeira versão da grelha, mas esteve aberta ao aparecimento de novas categorias. Esse processo resultou na construção de uma segunda grelha, alterada após revisão da sua lógica interna, pelo segundo autor. Finalmente, a segunda grelha de análise (que coincide com o sistema de categorias apresentado na seção dos resultados) foi utilizada independentemente pelos dois juízes, para nova categorização das unidades da totalidade das entrevistas. As categorias foram organizadas em metacategorias, categorias e subcategorias, de acordo com a natureza hierárquica das concepções de aprendizagem encontradas. A avaliação da confiança do sistema de categorização foi efetuada pela comparação interjuízes, calculada com base no procedimento proposto por Bakeman e Gottman (1986) 5. O acordo foi de 98,5% para a dimensão fatorial e de 100% paras as dimensões funcional e problemas. De forma a ficar com um registo das concepções de aprendizagem correspondentes a cada participante, os desacordos entre juízes foram resolvidos por consenso através de discussão. Mais tarde, foi também calculado o acordo intrajuiz (96.6%), sendo que o primeiro juiz realizou uma nova categorização de 12.5% dos segmentos das respostas.

A terceira fase da análise consistiu no exame da representatividade das categorias na amostra de participantes, por meio de cálculo da frequência relativa em que cada uma delas emerge. Para tal, a presença de cada categoria foi contada como uma incidência, independentemente do número de vezes em que estivesse presente no discurso de cada participante.

Resultados

Dimensão fatorial (concepção dos fatores da aprendizagem do desenho artístico)

Identificamos seis representações básicas designadas de fatores: afetivos; cognitivos; experienciais; problemáticos; pessoais indiferenciados; e contextuais. Essas noções e suas variantes são apresentadas a seguir e ilustradas com excertos de respostas exemplificativas (entre aspas).

Os fatores afetivos (apresentados por 93.7% dos participantes), se expressaram em cinco variantes. A primeira, designada de interesse (43.7%), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo interesse pessoal. Essa concepção apresenta duas subvariantes: (a) interesse intrínseco (em 56.2% dos participantes; e.g., “primeiro [...] tem que estar com vontade”); e (b) interesse extrínseco (em 31.2% dos participantes; e.g., “a universidade, se [a disciplina] for obrigatória [...] quando tem alguma obrigação [...] dever que você tem que cumprir”). A segunda, denominada esforço (em 43.7% dos participantes), assume que a aprendizagem é influenciada pelo esforço ou energia investida nela (e.g., “esforço [...] você quer ensinar a sua mão a desenhar, você [...] se esforça até pegar o jeito”). A terceira, intitulada persistência (em 31.2% dos participantes), admite que a aprendizagem é influenciada pela perseverança/sustentação nela investida (e.g., “não desistir, né? [...] tentar conseguir”). A quarta, autoeficácia (em 6.2% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada pela avaliação pessoal da capacidade de desenhar (e.g., “Ah! Eu não sei desenhar – o bloqueio interno que a gente tem [...] vai estar interferindo na aprendizagem”). A quinta, designada de emoções (em 37.5% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo estado emocional no momento da aprendizagem (e.g., “depende do seu estado de espírito [...] se você está feliz [...] aflito [...] triste”).

Os fatores cognitivos (apresentados por 50% dos participantes) se expressaram em duas variantes. A primeira, denominada atenção (em 43.7% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho é influenciada pela capacidade de se concentrar na tarefa (e.g., “para aprender desenho tem que ter muita [...] atenção”). A segunda, nomeada percepção (em 25% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada pela capacidade de percepcionar a informação visual (e.g., “o fator [...] fundamental é você ver [...] a visão [...] você aprimorar a sua visão [...] percepção”).

Os fatores experienciais (apresentados por 18.7% dos participantes) também se expressaram em duas variantes. A primeira, designada de prática (em 6.2% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho é influenciada pela prática ou pelo treino no desenho (e.g., “a prática mesmo, o treino”). A segunda, designada experiência (também em 6.2% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho é influenciada pela experiência anterior nesse domínio (e.g., “se eu aprendi a desenhar flores, animais [...] vai ser um pouco mais complicado [...] fazer um desenho técnico[...] industrial”).

Os fatores problemáticos (apresentados por 6.2% dos participantes) reconhecem que a aprendizagem do desenho é influenciada pela presença/ausência de adversidades (e.g., “se já tiver algum problema [...] estiver normal, não tiver nenhum problema pessoal”).

Os fatores pessoais indiferenciados (apresentados por 43.7% dos participantes) se expressaram em duas variantes. A primeira, nomeada aptidão (em 43.7% dos entrevistados), admite que a aprendizagem do desenho é influenciada por uma suposta aptidão para o desenho (e.g., “a aptidão, a vocação para o desenho”). A segunda, denominada personalidade (em 6.2% dos entrevistados), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada características da personalidade (e.g., “detalhismo [...] saber [...] detalhar as coisas [...] é interessante”).

Os fatores contextuais (apresentados por 75% dos participantes) se expressaram em cinco variantes. A primeira, designada ambiente físico (em 25% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo contexto físico onde ela se realiza (e.g., “num lugar [...] depende [...] do ambiente”). A segunda, nomeada materiais (em 18.7% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho é influenciada pelos materiais utilizados no desenho (e.g., “os materiais que se usa [...] o tipo do lápis”). A terceira, denominada ambiente social (em 12.5% dos participantes) defende que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo meio sociocultural (e.g., “o meio [...] vai influenciar [...] o ambiente [...] onde eu vivo”). A quarta, intitulada ensino (em 18.7% dos participantes), admite que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo ensino (e.g., “a forma como o professor vai ensinar”). A quinta, definida conteúdo (também em 18.7% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho é influenciada pelo conteúdo ou objeto dessa mesma aprendizagem (e.g., “complexidade do desenho [...] interfere”).

Na Tabela 1 é possível consultar um resumo das metacategorias, categorias e subcategorias descritivas das concepções de aprendizagem do desenho na dimensão fatorial, assim como sua representatividade (na amostra de casos).

Tabela 1 – Dimensão fatorial (concepção dos fatores da aprendizagem desenho artístico) 

Metacategoria % Categoria % Subcategoria %
Fatores afetivos 93.7 Interesse 43.7 a) Intrínseco 56.2
b) Extrínseco 31.2
Esforço 43.7 - -
Persistência 31.2 - -
Autoeficácia 6.2 - -
Emoções 37.5 - -
Fatores cognitivos 50 Atenção 43.7 - -
Percepção 25 - -
Fatores experienciais 18.7 Prática 6.2 - -
Experiência 6.2 - -
Fatores problemáticos 6.2 Problemas indiferenciados 6.2 - -
Fatores pessoais indiferenciados 43.7 Aptidão 43.7 - -
Personalidade 6.2 - -
Fatores contextuais 75 Ambiente físico 25 - -
Materiais 18.7 - -
Ambiente social 12.5 - -
Ensino 18.7 - -
Conteúdo 18.7 - -

Fonte: dados da pesquisa.

Dimensão funcional (concepção das funções da aprendizagem do desenho artístico)

Identificamos cinco representações básicas designadas de função: de desenvolvimento artístico; profissionalizante; afetiva; cognitiva; e interpessoal.

A função de desenvolvimento artístico (apresentada por 56.2% dos participantes) se expressou em cinco variantes. A primeira, designada aptidão (em 6.2% dos participantes), reconhece que aprender a desenhar proporciona o desenvolvimento de aptidões ou habilidades artísticas (e.g., “desenvolver uma habilidade artística [...] ser possuidor de uma técnica”. A segunda, nomeada representação (em 31.2% dos participantes), assume que aprender a desenhar proporciona o desenvolvimento da competência de representar algo graficamente (e.g., “representar [...] uma planta [...] um inseto, um animal [...] coisas”). A terceira, denominada decoração (em 6.2% dos participantes), defende que aprender a desenhar proporciona o desenvolvimento da competência para decorar o espaço (e.g., “para enfeitar o quarto”). A quarta, intitulada motivação (em 25% dos participantes), admite que aprender a desenhar proporciona motivação para aprender sobre arte (e.g., “estudar outras coisas da arte”). A quinta, definida como formação (em 12.5% dos participantes), reconhece que aprender a desenhar proporciona formação pessoal (e.g., “educa [...] é uma boa [...] formação”).

A função profissionalizante (apresentada por 62.5% dos participantes) se expressou em duas variantes. A primeira, designada comércio (em 31.2% dos participantes), reconhece que aprender a desenhar proporciona a comercialização dos produtos da atividade desenho (e.g., “interesses econômicos [...] comercializar ou coisas do tipo”). A segunda, nomeada profissão (em 43.7% dos participantes), assume que aprender a desenhar proporciona o exercício profissional da atividade do desenho (e.g., “por uma aplicação na profissão [...] o desenho é fundamental dentro da biologia [...] observar um organismo [...] e representar no papel [...] é melhor do que a fotografia”).

A função afetiva (apresentada por 37.5% dos participantes) se expressou em três variantes. A primeira, denominada diversão (em 18.7% dos participantes), defende que aprender a desenhar proporciona diversão (e.g “para [...] distrair [...] uma coisa de diversão, de hobby”). A segunda, intitulada equilíbrio (em 12.5% dos participantes), admite que aprender a desenhar proporciona estabilidade emocional (e.g., “traz muitos benefícios [...] relaxa [...] você pode ser uma pessoa [...] mais calma [...] tranquila”). A terceira, definida terapia (em 6.2% dos participantes), reconhece que aprender a desenhar tem uma função terapêutica (e.g., “terapêutica [...] o desenho pode ter essa função”).

A função cognitiva (apresentada por 43.7% dos participantes) se expressou em seis variantes. A primeira, determinada concentração (em 6.2% dos participantes), assume que aprender a desenhar proporciona um desenvolvimento da atenção concentrada (e.g “a gente se concentra [...] você para de pensar em outras coisas”). A segunda, constituída percepção (em 31.2% dos participantes), defende que aprender a desenhar proporciona um desenvolvimento da percepção visual (e.g., “você [...] se torna [...] uma pessoa mais [...] observadora [...] traz como [...] beneficio [...] você ser mais minucioso [...] nas formas, na percepção”). A terceira, nomeada memória (em 12.5% dos participantes), admite que aprender a desenhar proporciona um desenvolvimento da memória visual (e.g., “por uma questão de associação, de memória [...] eu nunca saberia o que é uma árvore se não me mostrassem o desenho de uma árvore”). A quarta, denominada compreensão (em 12.5% dos participantes), reconhece que aprender a desenhar proporciona um desenvolvimento do entendimento (e.g., “entender mais [...] em biologia a gente trabalha com plantas [...] desenhando as partes de uma planta [...] entende muito mais do que se só falar as partes”). A quinta, intitulada juízo (em 6.2% dos participantes), assume que aprender a desenhar proporciona o desenvolvimento do pensamento crítico (e.g., “para criticar [...] falar bem”. A sexta, definida autorregulação (também em 6.2% dos participantes), defende que aprender a desenhar proporciona uma autorregulação do processamento cognitivo visual (e.g “chega [...] a educar os nossos sentidos [...] você ter um maior controle dos seus sentidos”.

A função interpessoal (apresentada por 43.7% dos participantes) se expressou em três variantes. A primeira, designada expressão (em 31.2% dos participantes), admite que aprender a desenhar proporciona a expressividade pessoal (e.g., “para [...] expressar o que você está sentindo”). A segunda, comunicação (em 18.7% dos participantes), reconhece que se aprende desenho para veicular informação (e.g., “passar [...] informação”). A terceira, sedução (em 6.2% dos participantes), assume que aprender a desenhar permite cativar outras pessoas (e.g., “quando você sabe desenhar [...] acaba cativando certas pessoas”).

Na Tabela 2 é possível consultar um resumo das metacategorias, categorias e subcategorias descritivas das concepções de aprendizagem do desenho na dimensão funcional, assim como sua representatividade (na amostra de casos).

Tabela 2 – Dimensão funcional (concepção das funções da aprendizagem do desenho artístico) 

Metacategoria % Categoria %
Função de desenvolvimento artístico 56.2 Aptidão 6.2
Representação 31.2
Decoração 6.2
Motivação 25
Formação 12.5
Função profissionalizante 62.5 Comércio 31.2
Profissão 43.7
Função afetiva 37.5 Diversão 18.7
Equilíbrio 12.5
Terapia 6.2
Função cognitiva 43.7 Concentração 6.2
Percepção 31.2
Memória 12.5
Compreensão 12.5
Juízo 6.2
Autorregulação 6.2
Função interpessoal 43.7 Expressão 31.2
Comunicação 18.7
Sedução 6.2

Fonte: dados da pesquisa.

Dimensão problemas (concepção dos problemas da aprendizagem do desenho artístico)

Identificamos seis representações básicas de problemas: estruturais; de experiência; afetivos; cognitivos; interpessoais; e contextuais.

Os problemas estruturais (apresentados por 37.5% dos participantes) se expressaram em quatro variantes. A primeira, designada deficiência (em 6.2% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por uma deficiência física (e.g., “deficiência física pode ser uma barreira”). A segunda, nomeada coordenação motora (também em 6.2% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por dificuldades motoras de coordenação (e.g., “é necessário [...] ter [...] coordenação motora [...] problema fisiológico, fazer um detalhe [...] dá um ‘borrãozinho’ porque [a mão] treme”). A terceira, denominada capacidade (em 12.5% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por falta de habilidade para realizar a tarefa (e.g., “falta de habilidade [...] tentar representar algo e não conseguir ser fiel, não saber [...] como”). A quarta, intitulada distúrbios (também em 12.5% dos participantes), admite que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por dificuldades de aprendizagem do desenho (e.g., “dificuldade de aprender[...] técnicas”).

Os problemas de experiência – subdesenvolvimento (apresentados por 18.7 dos participantes) reconhecem que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por um subdesenvolvimento anterior de habilidades artísticas (e.g., “desde a infância [...] não ter [...] prática [...] no desenho”).

Os problemas afetivos (apresentados por 62.5% dos participantes) se expressaram em cinco variantes. A primeira, designada autoeficácia (em 25% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por crenças negativas acerca das capacidades pessoais para aprender desenho (e.g., “barreiras que a pessoa coloca em si mesma de dizer ou [...] pensar que não sabe desenhar”). A segunda, nomeada, interesse (em 12.5% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por um reduzido interesse para aprender desenho ou na atividade de desenho (e.g., “não querer [...] aprender o desenho”). A terceira, denominada persistência (em 25% dos participantes), admite que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por uma reduzida perseverança na (sustentação da) aprendizagem do desenho (e.g., “falta de paciência é um problema para [...] aprender [...] para se dedicar”). A quarta, intitulada valorização (em 18.7% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por uma reduzida atribuição de valor à atividade do desenho (e.g., “não dá tanta ênfase ao desenho [...] enxergar o desenho, não somente como algo prazeroso [...] atribuir menos importância [...] desenho as vezes não é visto como prioridade”). A quinta, definida como emoções (em 12.5% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada pela presença de emoções negativas durante a aprendizagem do desenho (e.g., “quando você está estressado desenhar é (...) complicado”).

Os problemas cognitivos (apresentados por 25% dos participantes), se expressaram em três variantes. A primeira, designada atenção (em 12.5% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por dificuldades de concentração (e.g., “falta de [...] concentração”). A segunda, designada percepção (também em 12.5% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por dificuldade de descriminação perceptiva visual (e.g., “dificuldade de perceber [...] contornos [...] nuances do que vai ser desenhado”. A terceira, denominada compreensão (em 6.2% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por dificuldade de entendimento visual (e.g., “dificuldade de perceber [...] [o] que vai ser desenhado [...] compreender aquilo”).

Os problemas interpessoais (apresentados por 6.2% dos participantes) se expressaram em duas variantes. A primeira, intitulada amigos (em 6.2% dos participantes), admite que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por adversidades no relacionamento com os amigos (e.g., “pode ser prejudicado por aspectos [...] como [...] a sua relação com amigos”). A segunda, designada família (também em 6.2% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por atribulações no relacionamento com os familiares (e.g., “pode ser prejudicado por aspectos [...] como a sua relação [...] com familiares”).

Os problemas contextuais (apresentados por 43.7% dos participantes) se expressaram em seis variantes. A primeira designada oportunidades (em 6.2% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por falta de oportunidades (e.g., “não é só acesso ao papel [...] lápis, é mais [...] às possibilidades que você pode ter”). A segunda, designada família (também 6.2% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada pela ausência de orientação familiar para esse tipo de aprendizagem (e.g., “você [...] não teve uma família estruturada que te conduzisse [...] à aprendizagem do desenho”). A terceira, nomeada materiais (em 18.7% dos participantes), defende que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada pela inexistência de materiais necessários a essa aprendizagem (e.g., “falta de [...] recursos materiais [...] lápis [...] papel”). A quarta, denominada finanças (em 6.2% dos participantes), admite que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por falta de financiamento suficiente (e.g., “uma pessoa que nasce sem [...] condição, financeiramente falando”). A quinta, intitulada ambiente (em 12.5% dos participantes), reconhece que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada por um ambiente físico inapropriado para o desenho (e.g., “o ambiente [...] lugar escuro [...] fechado [...] que não te deixa à vontade, confortável [...] prejudica”). A sexta, definida como tempo (em 18.7% dos participantes), assume que a aprendizagem do desenho pode ser prejudicada pela ausência de disponibilidade de tempo para o desenho (e.g., “falta de [...] tempo”).

Na Tabela 3 é possível consultar um resumo das metacategorias, categorias e subcategorias descritivas das concepções de aprendizagem do desenho na dimensão fatorial, assim como da sua representatividade (na amostra de casos).

Tabela 3 – Dimensão problemas (concepção dos problemas da aprendizagem do desenho artístico) 

Metacategoria % Categoria %
Problemas estruturais 37.5 Deficiência 6.2
Coordenação motora 6.2
Capacidade 12.5
Distúrbios 12.5
Problemas de experiência 18.7 Subdesenvolvimento 18.7
Problemas afetivos 62.5 Autoeficácia 25
Interesse 12.5
Persistência 25
Valorização 18.7
Emoções 12.5
Problemas cognitivos 25 Atenção 12.5
Percepção 12.5
Compreensão 6.2
Problemas interpessoais 6.2 Amigos 6.2
Família 6.2
Problemas contextuais 43.7 Oportunidades 6.2
Família 6.2
Materiais 18.7
Finanças 6.2
Ambiente 12.5
Tempo 18.7

Fonte: dados da pesquisa.

Discussão

Dimensão fatorial da concepção de aprendizagem do desenho

A categoria fatores afetivos (apresentada por 93.7% dos participantes) é similar à concepção fatores pessoais – afetivos da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016), e pode explicar-se pela provável importância do interesse, do esforço, da persistência, da autoeficácia e das emoções na aprendizagem do desenho.

A categoria fatores cognitivos (em 50%) é similar à concepção fatores pessoais – cognitivos da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016), e pode explicar-se pela provável dependência da aprendizagem do desenho aos processos cognitivos da atenção e da percepção, necessários a uma atividade que envolve observação intensa e focalizada.

A categoria fatores experienciais (em 18.7%) não parece encontrar correspondência na literatura sobre a concepção de aprendizagem em geral, e pode explicar-se pela provável importância da prática e da experiência prévia com o desenho na sua correspondente aprendizagem.

A categoria fatores problemáticos – problemas indiferenciados (em 6.2%) não parece encontrar correspondência na literatura sobre a concepção de aprendizagem em geral, e pode explicar-se pela probabilidade de a aprendizagem do desenho, como a de qualquer outra aprendizagem, se confrontar com a presença de obstáculos ou adversidades.

A concepção fatores pessoais indiferenciados (em 43.7%) não parece encontrar correspondência na literatura sobre a concepção de aprendizagem em geral, e pode explicar-se por uma possível interiorização da crença popular de que o desenvolvimento do desenho depende tanto da aptidão pessoal para desenhar como da personalidade.

A concepção fatores contextuais (em 75%) é similar à concepção fatores ambientais – físicos, materiais, sociais e acadêmicos da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016), e pode explicar-se pela provável influência de estímulos externos ou do ambiente na aprendizagem do desenho, nomeadamente o ambiente físico e social, os materiais, os conteúdos da aprendizagem e o próprio ensino do desenho.

Dimensão funcional da concepção de aprendizagem do desenho

A concepção sobre o desenvolvimento artístico (em 56.2%) não parece encontrar correspondência na literatura sobre a concepção de aprendizagem em geral, e pode explicar-se pelo impacto esperável daquela aprendizagem no desenvolvimento pessoal quanto à criação e apreciação da arte.

A concepção sobre a função profissionalizante (em 62.5%) é similar à interpessoal – motivacional – profissionalizar-se da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016)-, e pode explicar-se pelo fato de a aprendizagem do desenho poder constituir uma componente da formação transferível para o contexto profissional.

A concepção sobre a função afetiva (em 37.5%) não parece encontrar correspondência na literatura sobre a concepção de aprendizagem em geral, e pode explicar-se pelo possível aspecto lúdico e terapêutico da aprendizagem do desenho.

A concepção sobre a função cognitiva (em 43.7%) é similar à concepção interpessoal - cognitiva da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016), e pode explicar-se pelo provável impacto da aprendizagem do desenho na atenção, percepção, compreensão, interpretação e autorregulação do processamento sensorial.

Finalmente, a concepção sobre a função interpessoal (em 43.7%) é similar à concepção interpessoal da aprendizagem em geral (FREIRE; DUARTE, 2016), e pode explicar-se pelo fato de a aprendizagem do desenho envolver o domínio de um meio de manifestação ou expressão estética, ou seja, uma linguagem com valor comunicacional.

Dimensão Problemas da Concepção de Aprendizagem do Desenho

Para a dimensão problemas da concepção de aprendizagem do desenho não encontramos correspondências na literatura fenomenográfica.

A concepção sobre problemas estruturais (em 37.5%) pode explicar-se tanto pela importância que os problemas sensório-motores têm para a aprendizagem do desenho, como pela interiorização da crença de que alguns problemas de aprendizagem do desenho poderão resultar de déficits da aptidão para desenhar. A concepção problemas de experiência (em 18.7%) pode explicar-se pela importância que a prática anterior do desenho pode ter nesse processo de aprendizagem.

A concepção sobre problemas afetivos (em 62.5%) pode explicar-se pela importância que os processos motivacionais têm na aprendizagem do desenho. Muito provavelmente, problemas de motivação podem comprometer essa aprendizagem.

A concepção sobre problemas cognitivos (em 2.5%) pode explicar-se pela importância que os processos cognitivos têm na aprendizagem do desenho. Com efeito, problemas relacionados à atenção, percepção e compreensão visual podem, de alguma forma, condicionar esse tipo de aprendizagem.

A concepção sobre problemas interpessoais (em 6.2%) pode explicar-se pela possível influência negativa que problemas de relacionamento interpessoal podem ter na aprendizagem do desenho.

Finalmente, a concepção sobre problemas contextuais (em 43.7%) pode explicar-se pela importância que estímulos externos, físicos e sociais têm para a aprendizagem do desenho. Com efeito, aspectos contextuais desfavoráveis poderão provavelmente condicionar este e qualquer tipo de aprendizagem.

Conclusão

Relativamente às limitações do estudo, encontramos a dificuldade apresentada pelos entrevistados de responderem às questões da entrevista. Possivelmente, isto deveu-se ao fato de eles, até aquele momento, não terem refletido sistematicamente acerca da aprendizagem do desenho. Por outro lado, a reduzida dimensão da amostra não permite generalizar os resultados encontrados para a população (o que aliás, não era pretensão deste estudo qualitativo e exploratório), não obstante há a possibilidade de os generalizar para a teoria.

Tendo sido identificada alguma dificuldade de reflexão por parte dos entrevistados sobre o fenômeno da aprendizagem do desenho, parece importante levá-los a exercitarem a capacidade de refletir sobre tal processo, de modo a tomarem consciência das suas concepções acerca daquela aprendizagem. Essa conscientização poderá constituir um aspecto fundamental da eventual modificação (aprimoramento) daquelas concepções. Nesse sentido, a taxonomia das concepções de aprendizagem do desenho que resulta deste estudo pode ajudar estudantes, professores e técnicos na avaliação da e intervenção sobre as mesmas. As categorias detectadas podem ser utilizadas para desenvolver instrumentos de avaliação das concepções da aprendizagem do desenho (guias, questionários) ou recursos que permitam uma intervenção sobre elas (listas de verificação, planos de intervenção).

Como linhas de investigação futuras, sugerimos pesquisas que procurem testar uma possível progressão das concepções de aprendizagem do desenho (e de outras atividades artísticas) em função da progressão acadêmica, assim como investigar como elas se relacionam com outras variáveis (gênero, estatuto socioeconômico, abordagem à aprendizagem do desenho, epistemologia pessoal em relação ao conhecimento envolvido no desenho ou a concepção de aprendizagem de desenho dos professores). Seria interessante, ainda, testar o efeito de intervenções que tivessem como objetivo ajudar os estudantes a tomarem consciência das suas concepções de aprendizagem do desenho e eventualmente as modificarem. Finalmente, são necessários estudos para avaliar, por meio de questionários, as concepções de aprendizagem do desenho, de modo que os resultados possam ser generalizados para a população e não só para a teoria.

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5- PA = (Na/(Na + Nd))100, em que PA = percentagem de acordo; Na = frequência de acordo e Nd = frequência dos desacordos.

1 - Investigação desenvolvida no âmbito de um doutorado financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), através da Bolsa SFRH/BD/62430/2009.

4 - Research developed on doctoral level, funded by the Foundation for Science and Technology (FCT) through the scholarship SFRH/BD/62430/2009.

Recebido: 04 de Janeiro de 2018; Aceito: 03 de Abril de 2018

Luiz Gustavo Freire é doutorando em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e professor do Centro Universitário dos Guararapes (UniFG).

António Manuel Duarte é professor auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.

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