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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 06-Mayo-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945190003 

Artigos

O curso de pedagogia e a universitarização do magistério no Brasil: das disputas pela formação docente à sua desprofissionalização *

Flavia Medeiros Sarti1 
http://orcid.org/0000-0003-2926-5873

1 - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Rio Claro , SP ; Brasil . Contato: flavia.sarti@unesp.br.


Resumo

Este artigo focaliza o processo brasileiro de elevação ao nível superior da formação dos professores que atuam nos anos iniciais da educação básica, problematizando sua qualificação como um caso clássico de universitarização, e propondo uma maneira de o caracterizar que, considera-se, seja mais precisa e prolífica para o debate sobre as relações entre a formação e a profissionalização desses professores. Fundamentando-se em revisão de literatura, explora a dimensão cultural e as lutas simbólicas mobilizadas em tal processo, de modo a caracterizá-lo como um caso sui generis de universitarização, levado a efeito em grande parte por instituições não universitárias e implementado por meio de um movimento atípico de transferência institucional – para o curso de pedagogia –, que não considerou as estruturas formativas pré-existentes e não as absorveu, como ocorre mais comumente nos processos de universitarização. Conclui que essa universitarização foi marcada por processos de autonomização e de desprofissionalização da formação docente, sobretudo devido ao apagamento sociocultural imposto ao magistério. Contrariando as expectativas que a legitimaram no campo educacional, essa universitarização realizada por transferência institucional mostra-se incompatível com os propósitos de profissionalização do magistério, o qual prevê, entre outros fatores, o aumento do controle que os professores exercem sobre os processos concernentes ao trabalho que realizam, entre os quais se encontra a tarefa de formar as próximas gerações docentes.

Palavras-Chave: Universitarização; Profissionalização docente; Campo da formação docente; Cultura do magistério

Abstract

This article focuses on the Brazilian process of raising the formation of teachers working at the first years of basic education to the level of higher education, problematizing their qualification as a classic case of universitarization and proposing a way of characterizing it that we deem to be more precise and proficuous for the debate about the relations between the formation and professionalisation of those teachers. Based on literature review, it explores the cultural dimension and the symbolic struggles mobilized in that process, so as to characterize it as a sui generis case of universitarization, largely conducted by non-university institutions, and implemented through an atypical movement of institutional transfer – to the Pedagogy course –, which did not take into account the pre-existing formative structures and did not absorb them, as is more commonly the case in processes of universitarization. The article concludes that such universitarization was marked by processes of autonomization and of deprofessionalisation of teachers’ education, particularly due to the sociocultural effacement imposed to the teaching profession. Contrary to the expectations that legitimized it in the educational field, such universitarization conducted through institutional transfer is shown to be incompatible with the objectives of professionalisation of the teaching profession, which prescribe, among other factors, the increase of the control exerted by teachers over the processes concerning their work, among which is included the task of educating the future generations of teachers.

Key words: Universitarization; Teacher professionalisation; Field of teacher education; Culture of the teaching profession

Preconizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), a elevação da formação docente ao nível superior no país tem sido discutida na literatura educacional brasileira como um processo de universitarização ( MAUÉS, 2003 ; SARTI, 2005 ; BELLO, 2008 ; entre outros). Este artigo, fundamentado em revisão de literatura, retoma o caso da formação dos professores que atuam nos anos iniciais da educação básica, de modo a evidenciar certas especificidades presentes em sua passagem ao nível superior. Considerando-o em sua dimensão cultural ( CERTEAU, 1994 ) e no tocante às lutas simbólicas que mobiliza ( BOURDIEU, 2005 ) pretende, de um lado, problematizar sua qualificação como um processo clássico de universitarização – que prevê transformações por meio de absorção ou de expansão institucional ( BOURDONCLE, 2007 ) 2 – e, de outro, propor um modo de o caracterizar que seja mais preciso e, espera-se, mais prolífico para o debate sobre as relações entre a formação e a profissionalização desses professores.

Cumpre destacar, inicialmente, que a formação docente tem sido elevada ao nível superior no Brasil por meio de processos distintos, no que se refere aos diferentes segmentos da educação básica. Para os professores que atuam nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio (antes reunidos sob a denominação ensino secundário) nenhuma formação profissional era exigida até 1931, quando, em função da Reforma Francisco Campos, a legislação passou a requerer complementação pedagógica para o exercício do magistério. Essa formação foi inicialmente oferecida pelos Institutos de Educação criados no Distrito Federal e em São Paulo sob o ideário escolanovista que, após pouco tempo de existência, foram elevados ao nível superior e incorporados às universidades que haviam sido recém-criadas (Universidade de São Paulo, em 1934, e Universidade do Distrito Federal, em 1935). Por meio desse processo de absorção dos Institutos de Educação pelas universidades, a formação dos professores secundários foi precocemente universitarizada no país. O modelo formativo que assim se estabeleceu foi aquele do homem cultivado ( BOURDONCLE, 1990 ), fortemente marcado por uma perspectiva acadêmica, que implica na centralidade dos “conteúdos culturais-cognitivos, relegando o aspecto pedagógico-didático a um apêndice de menor importância” ( SAVIANI, 2009 , p. 147).

Por outro lado, em que pesem os propósitos dos reformadores daquele período de universitarizar a formação dos professores de todos os níveis de ensino (como atesta o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932), os professores que atuam nos anos iniciais do segmento que hoje denominamos como educação básica continuaram a ser formados no nível secundário (atual nível médio) até a década de 1990. Somente com a já referida LDB, promulgada em 1996, a legislação passou a prever formação superior também para esses professores. E, em acordo à lei, os últimos vinte anos foram de fato marcados por um movimento de elevação da formação de professores ao nível superior, o que inclusive estimulou fortemente a expansão do sistema de ensino superior no país (especialmente no que concerne às instituições privadas, universitárias ou não) e a emergência de um mercado formativo bastante rentável ( SOUZA; SARTI, 2014 ). A partir dos dados divulgados pelo Censo Escolar de 2016, produzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas (Inep), podemos afirmar que, nas últimas décadas, o Brasil avançou significativamente na direção de elevar o nível de diplomação de seus professores. Os dados revelam que a porcentagem de professores brasileiros com formação superior passou de 48,6% em 1997 para 77,5% em 2016. Mas entre os 22,5% professores ainda não diplomados no nível superior, a maioria atua na educação infantil e/ou nos anos iniciais do ensino fundamental.

A passagem da formação desses professores ao nível superior vem ocorrendo por meio de processos marcados por imprecisões importantes, entre as quais a permanência do nível médio como formação mínima exigida. Imprecisões recaem, também, sobre o lócus da formação a ser oferecida. A redação original do artigo 62 da LDB, que trata da formação de todos os professores da educação básica, indicava que a formação superior docente deveria ser oferecida como graduação plena, curso de licenciatura, em universidades ou institutos superiores de educação 3 . A lei não especificava a formação a ser oferecida pelas universidades aos professores dos anos iniciais e da educação infantil, mas indicava no artigo 63 que, nos Institutos Superiores de Educação, a mesma seria realizada no âmbito do Curso Normal Superior.

A imprecisão legal criava, assim, uma duplicidade na formação superior desses professores. Embora a lei indicasse a criação de um novo espaço formativo, o Curso Normal Superior, abria possibilidades para que os mesmos continuassem a ser formados em cursos de pedagogia que, desde a década de 1980, vinham se adequando para assumir essa formação, na esteira de um forte clamor pela elevação da formação de todos os professores no país ao nível superior ( SCHEIBE; AGUIAR, 1999 ). Mesmo apontando, no artigo 64, as atribuições formativas relativas a esse curso (formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica), a lei não excluía suas possibilidades de continuar formando professores para os anos iniciais. Por outro lado, de acordo com Scheibe e Aguiar (1999 , p. 230), a duplicidade criada pela legislação apontava para um “esvaziamento do curso de Pedagogia”, com a perda de seu estatuto exclusivo de licenciatura (conquistado em 1969), o enfraquecimento do propósito de considerar a docência como base da identidade do pedagogo e o retorno a sua missão inicial de formar bacharéis, especialistas em educação. Esse cenário delineado para o curso de pedagogia e para a formação dos professores dos anos iniciais se chocava frontalmente com movimentos que vinham se afirmando no campo educacional à época, em busca de uma visão mais orgânica da formação docente ( SCHEIBE; AGUIAR, 1999 ), que ultrapassasse as dicotomias historicamente presentes na formação dos professores dos diferentes níveis de ensino por meio da organização em torno de uma base comum nacional, voltada para a formação do educador e ancorada na docência.

Tal conjuntura fazia emergir importantes disputas de natureza simbólica no interior do campo educacional. Para certos grupos, a valorização dos profissionais da educação, prevista no artigo 206 da Constituição Federal de 1988 e reafirmada nos artigos três e 67 da LDB de 1996, requeria, no que se refere à formação, sua completa universitarização. A defesa do curso de pedagogia como o responsável pela formação dos professores dos anos iniciais significava, naquele momento, para alguns, a possibilidade de a vincular ao ensino universitário, mais valorizado socialmente ( BRZEZINSKI, 1996 ; SCHEIBE; AGUIAR, 1999 ; FREITAS, 1999 ). Para tais grupos, seria a universidade, por meio do curso de pedagogia, a instância que possibilitaria aos professores dos anos iniciais uma formação comprometida com aspirações mais elevadas – do ponto de vista teórico, ético e estético – e, portanto, compatíveis com o papel social de elevada envergadura política que então lhes era atribuído: o de educadores ( SANTOS, 1991 ). Para outros grupos, no entanto, a formação de professores requeria criar um (novo) espaço específico voltado “para a profissionalidade docente e para a construção da identidade do professor” ( LIBÂNEO; PIMENTA, 1999 , p. 265), seja no interior da universidade ou em outros espaços da educação superior.

O lócus da formação desses professores passava, assim, a ser objeto de acirradas disputas no interior do campo educacional, protagonizadas por grupos ligados ao ensino superior. De um lado, estavam os defensores da criação dos Cursos Normais Superiores (ou outros espaços formativos congêneres), vistos como caminho mais interessante profissionalmente para elevar a formação docente ao nível superior. A criação desses novos cursos poderia provocar um processo de expansão institucional, no caso de os Institutos Superiores de Educação, previstos pela LDB, estabelecerem vínculos universitários. E, de outro lado, estavam os grupos que apoiavam a transferência da formação dos professores dos anos iniciais para o curso de pedagogia, de tradição universitária e, portanto, sob esse ponto de vista – apostavam eles – capaz de agregar maior valor a essa formação.

Nos anos que se sucederam à promulgação da LDB, o caminho da criação de novos cursos voltados para a formação inicial desses professores não se afirmou simbolicamente no campo, representando para alguns grupos uma opção pouco legítima, que ofereceria uma formação aligeirada, de baixo custo, por meio de cursos de curta duração ( SAVIANI, 2009 ) e que, tal como prevista na legislação, separava a formação profissional da formação universitária ( KISHIMOTO, 1999 ). Dessa disputa, resultou a preponderância do curso de pedagogia na formação dos professores para a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, tal como revela o mais recente Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2017). Em 2006, foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de pedagogia, instituindo-o como uma licenciatura voltada à

[...] formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. ( BRASIL, 2006 , Art. 2º, p. 1).

No entanto, diferentemente do esperado, esse caminho assumido não resultou em uma efetiva universitarização da formação desses professores, posto que uma parcela significativa dos cursos de pedagogia vem sendo oferecida por instituições não universitárias. Segundo dados apresentados pelo Inep (2017), 48% dos 1.548 cursos presenciais de pedagogia em funcionamento no país são oferecidos por faculdades isoladas (enquanto 41,9% são oferecidos por universidades e 8,6% por centros universitários). Nesse sentido, os esforços para elevar o nível de diplomação desses professores não produziram uma universitarização stricto sensu ( BOURDONCLE, 2007 , p. 138). Trata-se, outrossim, de um processo bastante incompleto do ponto de vista estrutural. Mas, em que pese essa presença meramente parcial da universidade na formação produzida, observa-se intensa atuação de seus agentes na elaboração e circulação de saberes acadêmico-educacionais que abastecem o mercado formativo organizado em torno dos professores ( SOUZA; SARTI, 2014 ; VILARONGA; SARTI, 2012 ). Parece possível afirmar, assim, que estamos diante de uma universitarização, a um só tempo, incompleta e indireta. Em muitos casos, paradoxalmente, essa situação insólita vem gerando uma secundarização da formação ( SARTI; BUENO, 2007 ) devido à presença de práticas formativas típicas da educação secundária, bem como do baixo valor simbólico que tal formação alcança na hierarquia social.

De todo modo, para a discussão aqui proposta, interessa destacar que nenhum dos dois caminhos vislumbrados para elevar o nível de formação dos professores dos anos iniciais – pedagogia ou normal superior e congêneres – previa absorver a formação que lhes era até aquele momento dirigida, em nível médio, e que seguia existindo paralelamente em acordo com o artigo 62 da LDB 4 . Alguma dúvida sobre a permanência daquela formação era originada pelo artigo 87 da referida lei que, como disposição transitória, acenava para um caminho de completa elevação da formação docente ao nível superior em um prazo de dez anos, o que implicaria, presumia-se, extinguir completamente a formação anterior (fato que efetivamente não ocorreu até o momento).

Assim, o projeto de elevar ao nível superior a formação dos professores dos anos iniciais se efetivou à margem das instituições que se ocupavam tradicionalmente dessa formação: as Habilitações Específicas para o Magistério (HEM), desprestigiadas socialmente ( TANURI, 2000 , p. 82) por trazerem consigo a marca histórica de ser um curso técnico dirigido às classes sociais menos favorecidas ( CAVALCANTE, 1994 ), compondo um cenário de “descaracterização do modelo normal de formação” ( SAVIANI, 2005 , p. 18); e os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam), um projeto de revitalização da Escola Normal que teve alcance bastante restrito e desigual nos diferentes estados devido à falta de recursos financeiros ( CAVALCANTE, 1994 ), mesmo diante do reconhecimento da boa qualidade de seus resultados ( SAVIANI, 2009 , p. 147).

Para além das diferenças reconhecidas entre essas duas instituições, ambas representavam, mesmo que sob ângulos diversos, o modelo formativo tradicionalmente presente na formação dos professores dos anos iniciais ( BUENO, 1996 ; ROLIM, 1999 ; SARTI, 2000 ). Uma formação caracterizada pela ênfase nos aspectos pedagógico-didáticos ( SAVIANI, 2009 ), bem como pelo antigo modelo artesanal ( LANG,1996 ) e carismático ( BOURDONCLE,1990 ) – baseado nas relações pessoais e que enfatiza a experiência direta dos sujeitos em detrimento da reflexão conceitual.

Aquele modelo formativo tradicional perdia relevância diante das demandas para a formação do educador, que apontavam para saberes relativos a uma “visão política, globalizante, das relações entre educação e sociedade” ( LIBÂNEO; PIMENTA, 1999 , p. 251), em acordo com certas representações sociais sobre o magistério que, como dito, passavam a destacar sua dimensão política ( SANTOS, 1991 ). Para tanto, segundo Marafelli, Rodrigues e Brandão (2017, p. 987), reavivou-se o “mito da superioridade da educação” produzido nas décadas de 1950 e 1960 e sua retórica em torno do magistério como uma ocupação superior, maior e separada das demais profissões o que, para as mesmas pesquisadoras, teria contribuído significativamente para sua descaracterização profissional e para a ambiguidade da formação oferecida aos professores dos anos iniciais (já marcada por premissas relativas à “vocação” feminina), desviando a atenção sobre seu caráter profissional. De acordo com Libâneo e Pimenta (1999 , p. 251), “essa tendência resultou, em vários lugares, na negação explícita do campo próprio de estudos da pedagogia (e por decorrência, da didática)” e, portanto, do modelo pedagógico-didático de formação ( SAVIANI, 2009 ) característico da modalidade normal.

Por outro lado, uma vertente discursiva bastante distinta legitimava-se à época no espaço concorrencial da formação de professores, afirmando a importância da inteligência profissional para o exercício da docência e do ensino prático-reflexivo ( SCHÖN, 1997 ) para a formação docente, como meio de preparar melhor os professores para o trabalho na escola. De acordo com essa perspectiva, caberia à formação de professores proporcionar aproximações mais reflexivas e críticas com a prática pedagógica, de modo a favorecer o desenvolvimento de competências específicas (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991). Tratava-se de uma formação pautada na importância do practicum ( ZEICHNER, 1993 ; GARRIDO; CARVALHO, 1999 ) e que instituiria “a prática como elemento integrante de todo o percurso de formação, constituindo um princípio epistemológico da formação” ( LIBÂNEO; PIMENTA, 1999 , p. 266). Uma tal perspectiva, diferente daquela primeira antes mencionada colocava em relevo os aspectos pedagógicos-didáticos da formação – também presentes no trabalho formativo desenvolvido pela HEM e pelo Cefam – reconhecendo-os como saberes que integram um campo de conhecimentos específicos que constitui a docência e que se articulam a conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade ( LIBÂNEO; PIMENTA, 1999 ). Ao mesmo tempo, no entanto, considerava ultrapassada a concepção de formação relacionada à modalidade normal ( LIBÂNEO; PIMENTA, 1999 ), ancorada no modelo carismático ( BOURDONCLE, 1990 ) e sua ênfase nos exemplos de atuação e na experiência de tipo artesanal ( LANG, 1996 ) e não reflexiva com a prática.

O cenário que, desse modo, se delineava em torno da formação de professores caracterizava-se pela coexistência de duas tendências concorrentes que, no entanto, convergiam em, pelo menos, dois aspectos: na afirmação de questões de ordem epistemológicas para a formação docente e ao negarem, sob ângulos diversos, o modelo formativo vigente na formação dos professores dos anos iniciais. Nessa direção, para nenhuma das duas tendências parecia vantajoso (no que se refere ao valor de uso e simbólico) absorver a estrutura formativa existente ligada ao modelo normal.

O processo brasileiro de elevação da formação dos professores ao nível superior distanciava-se, assim, do modelo mais convencional de universitarização que, segundo Bourdoncle (2007 , 2009 ), prevê que a universidade absorva os saberes de um setor profissional, bem como o espaço de transmissão desses saberes e os formadores que os transmitem. Em um tal processo, explica Bourdoncle (2009) , as instituições de formação originais tendem a ser profundamente transformadas pelas estruturas universitárias. Os saberes profissionais em questão passam a ser produzidos, acumulados e transmitidos segundo as regras específicas da universidade, conferindo um espaço significativo para as atividades de pesquisa. E os formadores se veem, assim, confrontados com um novo estatuto dominante, o de pesquisadores acadêmicos, para o qual se exige doutoramento. Da parte da universidade, a empreitada de absorver a formação pré-existente – com sua cultura, agentes e demandas – tende a resultar em tensões e mudanças significativas. No caso brasileiro, entretanto, a formação existente não seria absorvida, não sofreria e tampouco imporia transformações, dado que seria substituída por uma outra estrutura formativa (universitária ou não, pré-existente ou a ser criada). Trata-se, portanto, de um processo que apresenta peculiaridades importantes no que se refere ao movimento institucional envolvido e que trouxe alterações consideráveis, do ponto de vista econômico ( BOURDIEU, 2005 ), para as disputas em torno da formação de professores no país.

Variações cambiais e novas configurações para o espaço concorrencial da formação docente no Brasil

O modelo formativo vinculado à modalidade normal, que se desvalorizava no campo educacional brasileiro naquele momento, configurava-se historicamente por meio de relações privilegiadas estabelecidas entre o Poder Público e o magistério ( SARTI, 2012 ). Em sua origem, tal modelo foi marcado por um “conservantismo social” ( LANG, 1996 , p. 9) posto que os professores atuavam em nome do Estado para difundirem, juntamente com os conhecimentos escolares, qualidades morais relacionadas a certos modos de agir, de pensar e de sentir ( TANURI, 2000 ). Com a afirmação daquele modelo, a presença de professores primários entre os formadores das Escolas Normais passou a ser cada vez mais comum. Eles assumiram crescente protagonismo no estabelecimento das boas práticas pedagógicas, que deveriam ser aprendidas pelos futuros professores para serem então realizadas (e, portanto, perenizadas) em suas futuras atuações docentes. Tal modelo formativo artesanal ( LANG, 1996 ) teve papel importante na demarcação do magistério como um ofício específico, que ultrapassasse sua tradição vocacional e que angariasse para os professores a confiança, o reconhecimento e a delegação de autoridade por parte do Estado ( TARDIF, 2013 ).

Naquele modelo ancorado na prática e na imitação, a pedagogia era “entendida como ‘arte de ensinar’ e o método não era dissociável da prática, das artes do fazer ” ( CARVALHO, 2000 , p. 113, grifos da autora), sendo a expertise no ensino encarnada por professores reconhecidos como exemplares. A aprendizagem docente realizava-se, assim, pela observação, pelo estabelecimento de relações intergeracionais e tinha lugar na Escola Modelo, anexa à Escola Normal. Marta Carvalho (2000) explica que tal modelo de formação se estruturou sob o primado da visibilidade, que requeria a compreensão das práticas exemplares, com a apreensão dos princípios que as regiam para poder aplicá-las inventivamente. Um tempo em que o ensino era percebido como arte prática, na expressão de Israel Scheffler (1974) , e a formação assumia um caráter intrarreferente ( BOURDONCLE, 2000 ), dizendo respeito a uma ocupação que se realizava in loco e pelos próprios agentes da formação.

Respaldando-se naquele modelo formativo, o magistério e sua cultura assumiam um lugar próprio na formação de professores. Segundo a perspectiva proposta por Michel de Certeau (1994) , é a partir de um lugar circunscrito como um próprio que o sujeito – de querer e poder – realiza a gestão (estratégica, portanto) de suas relações com uma exterioridade distinta para, então, capitalizar proventos, preparar expansões e assegurar uma independência diante das circunstâncias.

No entanto, na passagem do século XIX para o século XX, o modelo artesanal de formação de professores primários sofreu um primeiro abalo com a emergência da pedagogia científica, segundo a qual saberes autorizados cientificamente passaram a figurar como fundamentos para a prática docente, ao mesmo tempo que ocorreram processos de autonomização dos métodos de ensino ( CARVALHO, 2000 ). Sob a nova perspectiva emergente, aprender a ensinar deixava de corresponder à aprendizagem de modelos docentes e passava a se vincular à aprendizagem de conhecimentos a serem aplicados na situação de ensino. Essa nova pedagogia, não mais entendida como arte, mas como ciência aplicada, deixava de ser assunto dos próprios professores primários já que os saberes mais legítimos relativos à docência passaram a ser produzidos exteriormente ao magistério. A Escola Modelo transformou-se em Escola de Aplicação; e o professor, antes prático da arte de ensinar, vivenciaria gradativamente uma prevalência da dimensão técnica de seu trabalho, reduzido, então, a um nível instrumental.

Em acordo com a Lei Orgânica do Ensino Normal ( BRASIL, 1946 ), aos professores da Escola Normal seria exigida formação superior. A formação dos professores primários passava, assim, ao encargo dos pedagogos (especialistas da educação) e dos professores do ensino secundário. Os próprios professores primários, formados pela Escola Normal, não seriam mais os formadores das novas gerações que lhes sucederiam no magistério. Eles perdiam assim o lugar próprio ( CERTEAU, 1994 ) anteriormente conquistado nessa formação e figurariam como referenciais passivos para a atuação de outros agentes que, naquele momento, dispunham de capitais que se valorizavam no campo, sob a égide da pedagogia científica. Enfrentavam, desse modo, uma situação de enfraquecimento simbólico de seus saberes e práticas.

No entanto, mesmo naquele contexto de emergência da pedagogia científica, o jogo da formação de professores continuava a ser disputados por agentes ligados à educação escolar. Agentes que, munidos de capitais angariados graças a suas incursões no ensino superior, fortaleciam-se – como especialistas – para assumir um lugar próprio naquele jogo. Ainda que especialistas, formados sob o modelo do homem cultivado ( BOURDONCLE, 1990 ), os pedagogos (muitos deles, antigos professores primários) e os professores do ensino secundário estavam, do ponto de vista ocupacional, ligados ao espaço e à cultura escolar, bem como ao magistério e ao trabalho docente. Ao longo da segunda metade do século XX, aqueles agentes tiveram lugar na formação dos professores primários, assegurando-lhe um caráter intrarreferente ( BOURDONCLE, 2007 ).

No entanto, a posição desses professores no campo se tornou cada vez mais vulnerável, com a “descaracterização do modelo da escola normal” ( SAVIANI, 2005 ) levada a efeito pelas políticas implementadas durante o regime militar, que culminaram com a criação da Habilitação Específica para o Magistério (HEM), em 1971. Os professores que atuavam na formação dos professores primários enfrentaram, então, uma fragilização gradativa e bastante significativa de seu lugar no campo, com a desvalorização de seu espaço de atuação – reduzido a uma “habilitação dispersa em meio a tantas outras” ( SAVIANI, 2005 , p. 5) – e a precarização de suas condições materiais de trabalho e de formação ( CENAFOR, 1986 ).

Tal conjuntura, marcada pela descaracterização do modelo formativo normal e pela perda de valor dos capitais assumidos pelos agentes mais tradicionais no campo, favoreceria a emergência, no final da década de 1980, de novas configurações para as disputas relativas à formação dos professores brasileiros que atuam nos anos iniciais. Foi então que, como antes mencionado, novos agentes – ligados ao ensino superior e à comunidade acadêmico-científica – passaram a se envolver mais ativamente em tais disputas e a empregar seus capitais para conquistarem posições mais centrais no jogo. E os discursos que se legitimavam à época, embora concorrentes em vários aspectos, coincidiam em pelo menos um ponto: na deslegitimação do modelo formativo em vigor.

O jogo brasileiro da formação dos professores primários assumiria, então, novas configurações. De um lugar próprio do magistério, passaria a lugar do outro ( CERTEAU, 1994 , p. 46). O outro, no caso, era a comunidade científico-educacional que, segundo Nóvoa (1999) , conheceu naquele período um forte desenvolvimento internacional de seu espaço de atuação.

O debate que circunscrevia a formação desses professores no Brasil como um próprio para a comunidade científico-educacional era, como antes mencionado, vigoroso. Para certos grupos, a universidade deveria ser o lócus da formação docente propriamente dita, que, assim, poderia ser alçada ao modelo do homem cultivado ( BOURDONCLE, 1990 ), marcado por uma perspectiva acadêmica, que implicaria em uma centralidade dos conteúdos culturais-cognitivos em detrimento dos aspectos pedagógico-didáticos priorizados no modelo anterior. Para outros grupos, ligados à mesma comunidade, a formação docente não precisaria necessariamente ocorrer no interior da universidade, conquanto estivesse amparada por saberes de ordem acadêmico-científica sobre o ensino, a aprendizagem e outros aspectos que pudessem alçar a aproximação com a prática e o cotidiano docente a níveis mais sofisticados do ponto de vista epistemológico.

Emergia, assim, uma nova configuração no espaço brasileiro da formação de professores, na qual as universidades, institutos de pesquisa e outros agentes ligados ao espaço acadêmico e do ensino superior passavam a assumir relações mais estreitas com o Poder Público no tocante à formação dos professores para os anos iniciais 5 . Diante da negação do modelo de formação docente anterior, no qual o magistério ocupava um lugar próprio, os especialistas da educação passavam a assumir “o monopólio da autoridade ( BOURDIEU, 2003 ) e a competência para estabelecer o que os professores devem saber, como devem agir profissionalmente, onde, como e por quem devem ser formados” ( SARTI, 2012 , p. 332).

Desse modo, assumindo um caráter extero-referente – versando sobre uma ocupação que se realiza e se governa no exterior do espaço formativo ( BOURDONCLE, 2007 ) –, mas não dispondo de um lugar próprio para os professores da educação básica, a formação dos professores para os anos iniciais parece ter conhecido sua autonomização 6 afastando-se da cultura do magistério e do trabalho docente. Do ponto de vista institucional, o magistério básico passou a ocupar posições marginais a esse processo, como referencial passivo para os demais agentes concorrentes. Sua existência seguia justificando as disputas em questão ( SARTI, 2012 ), sem que contasse com capitais simbólicos (na forma de um corpus sistematizado de saberes ligados ao ensino e à formação docente) que possibilitassem a emergência, a partir de seu interior, de um grupo capaz de circunscrever para si um lugar naquela nova configuração do espaço concorrencial em torno da formação de professores. Pressupõe-se que, a partir daquele momento, os professores brasileiros que atuam nos anos iniciais deixaram de assumir um lugar próprio na formação das novas gerações docentes e passaram a um não lugar ( CERTEAU, 1994 , p. 100), esvaziado de poder, de onde só podem “jogar com o terreno que lhe[s] é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha”. Restou-lhes o lugar do morto ( NÓVOA, 1999 ), de onde passaram a atuar como meros consumidores de uma formação produzida no exterior de seu grupo ocupacional ( SARTI, 2012 ). Sem um lugar próprio nessa formação, os professores experimentam o apagamento do magistério e de sua cultura nesse jogo. Seus capitais simbólicos, conquistados em disputas anteriores, nas quais assumiam lugar, então se desvanecem, perdem valor, tornam-se insignificâncias. Esse apagamento sociocultural sofrido pelo magistério trouxe impactos importantes para a estrutura formativa a ser desenvolvida para os professores que atuam nos anos iniciais da educação básica. É o que se discute a seguir.

Universitarização por transferência institucional, autonomização e desprofissionalização da formação docente

Tendo em vista o acima exposto, podemos considerar que o movimento brasileiro de elevação ao nível superior da formação dos professores primários e da educação infantil resultou em uma universitarização sui generis , realizada em grande parte por instituições não universitárias e implementada por meio de um processo atípico, de transferência institucional ( déplacement , segundo BUTLEN, 2016 ), que não considerou as estruturas formativas pré-existentes e não as absorveu, como ocorre mais comumente nos processos de universitarização, orientando-se inclusive para um apagamento da presença do magistério e de sua cultura nesse espaço. Esse processo de apagamento sociocultural tem sido observado, por exemplo, nos currículos de grande parte dos cursos de pedagogia, que apontam para uma “formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar” ( GATTI; NUNES, 2009 , p. 55), com a “ausência de relações com os conhecimentos advindos do mundo do trabalho docente e da educação básica” ( GATTI, 2012 , p. 158).

Entretanto, tal processo se choca frontalmente com os objetivos de profissionalização que vêm orientando discursos e textos legais relativos à formação de professores e que se tornaram mais enfáticos entre nós nos últimos anos (CNE/CP 2/2015). O choque ocorre porque a elevação de uma ocupação ao nível de profissão pressupõe, entre outros fatores, a profissionalização de seus processos formativos, que devem, então,

[...] se orientar mais fortemente em direção à atividade profissional, no que se refere a seus programas (que passam a ser redigidos em termos de competências), sua pedagogia (estágios, alternância), seus métodos específicos (métodos de casos, simulações, análise de prática, solução de problemas) e suas ligações mais fortes com o espaço profissional (de onde virão boa parte de seus formadores ). ( BOURDONCLE, 2000 , p. 118, traduzido do original, grifos meus).

Assim, entre outros aspectos, profissionalizar uma ocupação requer atribuir aos praticantes papel ativo na formação das novas gerações profissionais, de modo a possibilitar aos estudantes a construção de uma identidade ligada à profissão para a qual estão sendo formados. Trata-se, assim, de uma formação que requer o emprego de dispositivos que possibilitem a aproximação do estudante universitário com o trabalho, seus agentes e a cultura profissional de referência. A formação profissional define-se, nesses termos, como um processo de socialização ( SOREL, 2005 ).

No entanto, contrariando essa perspectiva, a universitarização da formação dos professores brasileiros para atuarem nos anos iniciais foi marcada por processos de autonomização, com perdas significativas no que se refere ao seu potencial socializador, produzindo – como parece ser possível inferir – sua desprofissionalização. Essa universitarização não se fez alinhada, como costuma ser pressuposto ( BOURDONCLE, 2000 , 2007 ), ao movimento de profissionalização do magistério, entendido como processo que envolve, entre outros fatores, aumento do controle que os membros da ocupação em questão exercem sobre os processos concernentes ao trabalho que realizam (FREIDSON, 1998), entre os quais se encontra a formação das gerações vindouras. Em um modelo típico ideal, os profissionais

[...] com total capacidade de controlar o seu próprio trabalho, estão organizados em associações, independentes tanto do Estado quanto do capital, e organizam e administram a prática de um corpo de conhecimento e competência ou jurisdição demarcados inequivocamente e monopolizados por seus membros. Essas associações determinam as qualificações e o número daqueles que devem ser treinados para a prática, a substância desse treinamento, os requisitos para a conclusão satisfatória do treinamento e a admissão na prática e os termos, as condições e as metas da própria prática. ( FREIDSON, 1998 , p. 68, grifos meus).

Os membros de uma ocupação reconhecida em seu estatuto profissional assumem, sob essa perspectiva, um lugar próprio, que lhes permite o controle estratégico de seu trabalho e das representações sociais ligadas ao seu grupo.

Importante esclarecer, no entanto, que esse modelo ideal de profissionalismo, marcado por um monopólio da autoridade ( BOURDIEU, 2003 ), vem sendo abalado por uma crise que afeta o prestígio das profissões, então questionadas no que se refere ao valor de seus saberes, formação, ética e grau de confiabilidade ( TARDIF, 2006 ). Desse modo, parece razoável considerar que a busca por uma profissionalização do magistério não passe pela conquista de um tal monopólio por parte dos professores, o que possivelmente não contribuiria para a superação da perspectiva instrumental que há tempos vem caracterizando o debate sobre a escola e seus desafios.

Não se pretende, portanto, assumir como desígnio o mito estadunidense de profissionalização docente ( TARDIF, 2013 ), segundo o qual os problemas educacionais poderiam ser resolvidos por meio da fabricação do professor profissional ( POPKEWITZ; NÓVOA, 2001 ). Trata-se, outrossim, de buscar sentidos alternativos para o processo de profissionalização do magistério, mais afinados com a dimensão ética e política da docência e que favoreçam de fato um resgate social da profissão docente ( NÓVOA, 1999 , p. 17-8), permitindo aos professores conquistarem posições mais centrais no campo educacional, a partir das quais possam assumir maior controle de seu trabalho e formação. Um movimento que lhes permita “erguer seu profissionalismo contra as forças da reestruturação” ( GOODSON; HARGREAVES, 2008 , p. 210), reapropriando-se dos “projetos de profissionalização ao nível das práticas profissionais” ( GOODSON; HARGREAVES, 2008 , p. 213).

Entende-se que essa redemarcação da prática docente como o próprio dos professores se insira em um movimento mais amplo de fortalecimento dos professores no campo educacional – envolvendo dimensões sociais, políticas e epistemológicas – que lhes permitiria assumir um lugar estratégico, de querer e poder no espaço concorrencial da educação, de onde poderiam “capitalizar vantagens conquistadas, preparar expansões futuras e obter assim para si uma independência em relação à variabilidade das circunstâncias” ( CERTEAU, 1994 , p. 99).

Diferente do que ocorreu no caso aqui explorado, referente à formação dos professores que atuam nos anos iniciais, esse fortalecimento do magistério no campo educacional e da formação pode ser compatível com um projeto de universitarização, desde que o mesmo seja capaz de fazer frente ao desafio de “construir uma verdadeira formação profissional” docente ( PERRENOUD, 1993 , p. 73, traduzido do original). Entretanto, em que pese a ansiedade que temos nutrido nos últimos trinta anos, neste país, em torno da formação de professores como panaceia contra nossas graves dificuldades relativas à educação escolar, a produção de uma verdadeira formação profissional docente terá de aguardar o resultado – mesmo que parcial, como usualmente ocorre nos campos sociais – de disputas que lhe são anteriores e que se referem à demarcação do que entendemos por formação profissional e por docência.

A busca pelo consenso, no sentido de Bourdieu (2003) , em torno de tais definições estava em jogo no caso aqui explorado – da universitarização da formação dos professores brasileiros que atuam nos anos iniciais da educação básica – e continua ainda em voga no espaço concorrencial gerado em torno da formação de professores. O resultado daquela disputa empreendida em anos anteriores produziu uma universitarização que, diferentemente do esperado, não rendeu aos professores a valorização anunciada pela legislação. Ao contrário, como que por um efeito perverso ( BOUDON, 1977 ), a universitarização da formação de nossos professores primários produziu uma formação desvalorizada socialmente ( NOGUEIRA; PEREIRA, 2010 ) e, como discutido aqui, desprofissionalizada e de baixo potencial socializador, sobretudo em função do apagamento sociocultural imposto ao magistério.

No tocante à universidade, o ensejo de oferecer àqueles professores formação por meio do curso de pedagogia poupou-lhe do desafio de absorver a estrutura formativa pré-existente para, assim, sob as condições materiais dadas, transformá-la de modo a (quiçá) produzir novas possibilidades de formação. Tal como se buscou demonstrar aqui, em um contexto marcado por considerável fragilidade simbólica dos professores dos anos iniciais, o caminho para elevar o nível de sua formação profissional foi legitimado no âmbito de disputas que lhes foram em grande parte alheias, estabelecidas entre os outros, mais especificamente por agentes ligados à comunidade acadêmico-científica e ao ensino superior que, àquele momento já detinham capitais específicos para assumirem a formação dos professores da educação básica como um próprio. Esse processo, marcado por sérias imprecisões, resultou em uma universitarização incomum, tímida e, é forçoso reconhecer, que vem se mostrando incapaz de impactar mais significativamente o trabalho formativo desenvolvido na universidade.

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2- No primeiro caso, Bourdoncle inclui Quebec onde, em 1965, as escolas normais foram absorvidas pelas universidades, transformando-se em departamentos ou faculdades de educação. Já no segundo caso, inclui os Estados Unidos, cujas escolas normais (que em muitos estados eram as únicas instituições de ensino superior à época) foram, a partir do século XIX, transformadas em colleges e, mais adiante, em universidades.

3- O texto legal foi alterado por meio da Lei 13.415 (de 16/02/17) e o artigo 62 deixou de mencionar qualquer lócus de formação (universidades ou institutos superiores de educação), indicando somente que a formação de professores no nível superior deverá ser realizada em curso de licenciatura plena. A formação mínima no nível médio foi mantida, assim como o artigo 63, que especifica a formação a ser oferecida pelos Institutos Superiores de Educação.

4- Para a qual, inclusive, foram instituídas Diretrizes Curriculares específicas em 1999 (Parecer CEB 01/99).

5- Tais relações parecem claras, por exemplo, no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2009), que prevê ações conjuntas entre Ministério da Educação – por meio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – de instituições de educação superior e de secretarias de educação dos estados e municípios para o oferecimento de formação superior para os professores.

6- A noção de autonomização é aqui empregada no sentido que lhe atribui Carvalho (2000) ao discutir os impactos da emergência da pedagogia científica para os processos de constituição dos métodos pedagógicos.

*Este artigo resulta de atividades de pesquisa relacionadas ao projeto “Formadores de professores presenciais e a distância: entre processos de profissionalização e desprofissionalização” CNPq (Processo 407983/2016).

Recebido: 10 de Janeiro de 2018; Revisado: 24 de Abril de 2018; Aceito: 15 de Maio de 2018

Flavia Medeiros Sarti é doutora em educação pela Universidade de São Paulo (2005) e realizou o pós-doutoramento na Universidade de Cergy-Pontoise (França, 2011). Desde 2006 é docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Rio Claro.

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