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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 22-Mayo-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945192837 

Artigos

Aspectos educacionais do karate: discutindo suas representações no cinema1

Rafael Cava Mori2 
http://orcid.org/0000-0001-6301-2795

Gilmar Araújo de Oliveira3 
http://orcid.org/0000-0002-7617-6235

2- Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil. Contato: rafael.mori@ufabc.edu.br.

3- Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. Contato: araujodeoliveiragilmar@gmail.com.


Resumo

O karate é uma luta originária de Okinawa, ilha ao sul do Japão. Historicamente, atravessou três períodos: a partir do século XVII, como bujutsu, técnica clandestina de luta; depois, como budo, quando foi convertido em luta tradicional japonesa, em fins do século XIX, propugnando valores educacionais e identitários; e finalmente, como esporte de luta, quando foi associado a performance motora e competitividade, no século XX. Ao considerar o papel do karate como veiculador de valores de um Japão idealizado – japonesidade –, este trabalho analisa representações cinematográficas dessa luta. A análise focou nos aspectos educativos retratados nos filmes, a série estadunidense The karate kid e o japonês Kuro obi, sendo conduzida conforme três categorias: a relação entre teoria e prática; ruídos e conflitos entre professor e aluno; e formação do aluno como futuro professor. Os resultados revelam que as obras criticam a esportivização do karate, enfatizando a representação de aspectos educacionais associados aos períodos do bujutsu e, principalmente, do budo. Também, colaboram para reafirmar e atualizar a japonesidade, ao tratar os princípios do budo e sua transmissão educacional de forma idealizada, sem aludir a seu caráter moderno. Ainda, os filmes apresentam divergências em relação à proposta contemporânea de uma pedagogia das lutas, fundamentada na ciência da motricidade humana. Por outro lado, as produções cinematográficas contribuem para a área educacional na medida em que possibilitam discussões a respeito dos processos formativos e seus percalços, retratados de forma original, recorrendo aos conceitos de yin/yang relacionados aos princípios zen-budistas do budo.

Palavras-Chave: Karate; Japão; Cinema; Pedagogia das lutas; Zen

Abstract

Karate is a fighting style that originated in Okinawa, an island in the south of Japan. Historically, it spans over three periods: from the seventeenth century, as bujutsu, a clandestine fighting technique; later, as budo, when it was turned into a traditional Japanese combat form in the late nineteenth century, promoting educational and identity values; and finally as a fighting sport, when it was associated with motor performance and competitiveness in the twentieth century. In considering the role of karate as a carrier of values of an idealized Japan – Japaneseness –, the present study analyzes representations of this fighting style in filming. The analysis focused on the educational aspects portrayed in the American film The Karate Kid (and its two sequels) and in the Japanese film Kuro Obi, being conducted according to three categories: the relationship between theory and practice; noises and conflicts between teacher and student; and student training as a future teacher. Results show that these cinematographic works criticize the sportivization of karate while emphasizing the representation of educational aspects associated with the periods of bujutsu and, specially, of budo. They also collaborate to reaffirm and actualize Japaneseness by treating the principles of budo and its educational transmission in an idealized way, without alluding to its modern form. Moreover, the films diverge from the contemporary proposal of a pedagogy of martial arts based on the science of human motricity. On the other hand, these cinematographic productions contribute to the educational area in that they allow discussions about educational processes and their mishaps, which are portrayed in an original way, using the concepts of yin/yang related to the Zen Buddhist principles of budo.

Key words: Karate; Japan; Filming; Pedagogy of martial arts; Zen

Karate: de bujutsu a budo

Na escrita japonesa, a palavra karate comporta dois caracteres (kanji): kara (空), vazio; e te (手), mão(s). Portanto, o karate, mãos vazias, é a prática de se fazer do corpo uma arma.

Há diversas narrativas acerca das origens do karate. Tratar delas implica imergir, imediatamente, no objeto deste texto. Com efeito, o desenvolvimento do karate, ao longo de aproximadamente três séculos, ressignificou o objetivo de “fazer do corpo uma arma”, articulando-o a diferentes (e conflitantes) ideias educacionais e visões de mundo. É nesse sentido que Martins e Kanashiro (2010) alertam para a necessidade de uma leitura contextualizada das histórias a respeito do karate, atentando-se para os nexos entre a situação existencial de seus praticantes e os acontecimentos no plano mais amplo das conjunturas e estruturas socioeconômicas. Nessa perspectiva historiográfica, esses autores evidenciam a demarcação de três períodos do karate, associados aos conceitos bujutsu, budo e esporte de luta.

O período do bujutsu (武術), palavra que pode ser traduzida como “técnica de luta”, é caracterizado pela elaboração de práticas rudimentares de combate, pelos habitantes da ilha de Okinawa, a partir do século XVII. Pouco se sabe sobre esse período e, ainda assim, as informações são desencontradas. Gichin Funakoshi (1868-1957), personagem central do karate, como veremos, relata a escassez de registros acerca de possíveis inventores e origens dessas técnicas de luta:

Sua história inicial pode apenas ser deduzida a partir de lendas antigas que nos foram transmitidas oralmente, e elas, como a maioria das lendas, tendem a ser criações imaginárias e provavelmente incorretas. (FUNAKOSHI, 1994, p. 42).

Mesmo assim, as fontes concordam que a localização de Okinawa, ao sul do Japão e proximamente a rotas para a China e o Sudeste Asiático, favoreceu o contato de seus habitantes com outros povos, de quem teriam aprendido algumas técnicas – principalmente os chineses, com suas formas de kenpo e wu-shu (BARREIRA, 2004; MARTINS; KANASHIRO, 2010; WILLIANS, 1975). Por sua vez, sendo um entreposto comercial, Okinawa sofreu por séculos o jugo de dominadores externos, especialmente os japoneses. Clãs invasores, buscando assegurar seus poderes sobre os habitantes da ilha, proibiram, por mais de uma vez, o porte de armas e essas lutas primitivas. Assim, a historiografia tende a associar tais técnicas – que ficariam conhecidas como bushi no te (武士の手 – “as mãos do guerreiro”) ou simplesmente te – a formas de combate treinadas clandestinamente, como resistência a inimigos dotados de armaduras e espadas, e sem possibilidades de serem transmitidas senão pela oralidade e por meios menos convencionais, como o disfarce na forma de dança folclórica (FUNAKOSHI, 1994). Nesse aspecto genealógico, o karate se assemelha à capoeira, surgida no Brasil quase sincronicamente (MORI; CARMO; GONÇALVES JUNIOR, 2015).4

Se o bujutsu caracteriza-se por saberes motores transmitidos de forma assistemática, com uma finalidade precipuamente combativa, a emergência do período do budo representa uma enorme descontinuidade. Isso relaciona-se aos fatos passados no Japão que, ao final do século XIX, progressivamente desfaz as estruturas feudais do xogunato e se abre ao Ocidente. O ápice desse processo foi o advento da Restauração Meiji, era iniciada em 1868 e propalada como início da modernização japonesa. Seria o ingresso definitivo do Japão no capitalismo, significando também a ocidentalização dos costumes nacionais (SOUSA, 2013). A isso acompanhou-se uma espécie de petrificação das tradições da época dos xoguns, tratadas idilicamente, agora, como patrimônios imateriais5.

No caso das lutas propriamente japonesas, fundamentadas nos princípios éticos e espirituais dos samurais (que constituíam a guarda do xogunato), isso se refletiu na dissolução de suas finalidades belicosas e na promoção de seus valores educacionais, fosse na esfera moralizante, fosse na esfera da ascese e da transcendência. Assim, as artes samurais do kenjutsu e do jujutsu, por exemplo, foram convertidas em meios para a formação do caráter japonês, designadas, doravante, kendo e judo (MARTINS; KANASHIRO, 2010). A substituição do caractere jutsu (術) pelo caractere do (道) demarca não apenas a diferença nominal entre as lutas tradicionais e as modernas – que agora dispõem de códices e sistemas formais de transmissão –, mas tem um significado mais profundo. Do pode ser traduzido como caminho, sendo lido na China Tao, supremo ou absoluto, exprimindo a essência da realidade: o movimento das forças opostas yin/yang que, na verdade, é inexprimível (COOPER, 1985). Portanto, se o bujutsu se refere a práticas de combate, ainda que assentadas em um código de conduta, a noção de budo busca justamente nos princípios espirituais desse código (não apenas as doutrinas chinesas do Tao, mas também suas relações com o budismo indiano e a religião nacional japonesa, o xintoísmo, todas amalgamadas na doutrina zen) a potência para a conversão da técnica em sistema ou doutrina – outras leituras do caractere 道 – para a reafirmação de preceitos tidos como tipicamente japoneses, a serem conservados diante da investida modernizante dos valores ocidentais.

No contexto de Okinawa, anexada ao território japonês em 1879, analisar o caminho do bujutsu ao budo requer um olhar mais aguçado, pela complexidade das relações ali situadas. Se a Restauração Meiji impôs a necessidade de os japoneses se equilibrarem entre conservação e modernização, quanto às relações sociais e de produção, os okinawanos tiveram o desafio adicional de resguardar suas tradições próprias (transmitidas a muito custo – lembremos a clandestinidade do bushi no te) e de se portarem como cidadãos propriamente japoneses, o que nunca haviam sido.

Gichin Funakoshi surge, então, como o agente capaz de organizar o bujutsu de Okinawa para constituí-lo como um budo-nipo-okinawano. Nascido no ano da Restauração Meiji e ciente das oportunidades, inclusive de formação acadêmica, decorrentes do estreitamento das relações entre a ilha e o império, Funakoshi conta em sua autobiografia os bastidores de uma demonstração de karate na capital Tóquio, em 1921 (FUNAKOSHI, 1994).

Seria apenas um de seus esforços para convencer as autoridades imperiais de que aquelas técnicas, com longínquas raízes chinesas, poderiam perfeitamente constituir um do japonês. Além dessa atividade de divulgação, Funakoshi operou dois processos essenciais: selecionou os movimentos a serem preservados, compilando-os em um sistema de progressão inspirado naquele do judo; e atribuiu uma nova designação para a luta, karate-do (空手道). O caractere 空, traduzido como vazio, aproximou o karate das práticas ióguicas e meditativas absorvidas da Índia pelo zen, caracterizando a luta de Okinawa como caminho para a vacuidade, a pacificação do ser e o desapego pelo mundo exterior. Tal leitura esotérica do karate enquanto “Tao das mãos vazias” ou “doutrina que, através das técnicas, conduz ao vazio”, é chancelada pelos próprios escritos de Funakoshi (1973, 1994) – dispondo a luta, finalmente, como produto japonês, ao lado do kendo e do judo (e do iaido, do aikido etc.).

Um produto para exportação da japonesidade

Com o advento do período do karate como budo, a conotação mística que o inseriu junto de demais artes interessadas na iluminação budista (como a caligrafia, o arranjo floral e a cerimônia do chá) alterou a própria natureza de seus ensinamentos. O sensei (professor) estaria para o dojo (local de treinamento) como o mestre zen estaria para o monastério.

O zen expressa uma cosmovisão fundamentalmente taoísta, em que o conhecimento é tomado como verdadeiro se resultante da minimização do pensamento conceitual (COOPER, 1985). Compreende-se, assim, uma característica comum entre mestres zen e instrutores de lutas japonesas modernas: eles pouco falam. Afinal, explicar, conceituar, racionalizar – tudo não passa de especulação banal. O satori (despertar espiritual) apresenta-se igualmente fugidio ao pensamento: “Assim que penso no satori, ele deixa de sê-lo. O satori é uma experiência, não uma idéia. Quem possui a idéia do satori jamais chega a experimentá-lo” (HANDA, 1991, p. 43).

Para Williams (1975), esse desapego à teorização perpassa as artes orientais, sendo representado pelo zanshin, um estado de total consciência que não é atingido intelectualmente, mas é experimentado (BARREIRA; MASSIMI, 2003, 2008; LAGE; GONÇALVES JUNIOR, 2007). O zanshin implica a subtração do pensamento consciente, substituído por reações instintivas e imediatas (BARREIRA; MASSIMI, 2008), que só são possíveis quando o karateka (praticante do karate) imerge em um estado de vacuidade ou de não-mente (mushin) (COOPER, 1985; WILLIAMS, 1975).

Quando em meados do século XX o karate alcança a fase de esporte de luta – seu terceiro período, tendo como um de seus principais agentes Masatoshi Nakayama (1913-1987), discípulo de Funakoshi (BARREIRA, 2004) –, boa parte desses conceitos são preteridos em favor de aspectos biológicos como performance motora, aptidão física e rendimento individual em exames e competições. Se o karate como budo exibia uma ritualística religiosa, veiculando valores xintoístas e confucionistas, como a reverência ao mestre e a cordialidade entre os praticantes, no esporte de luta os rituais são outros. Remetem à aceitação de regras tácitas, arbitrárias, na linha estreita entre o lúdico e o agonismo. Mas, ainda que o paradigma biologizante do karate esportivo queira se impor hegemonicamente, esse movimento não se faz sem resistências – o que ocorre também com outras lutas japonesas em processo de esportivização, como o judo (EBELL, 2008). Em geral, a prática contemporânea do karate, ainda que se fie aos preceitos da competitividade e do individualismo, preserva também aspectos educacionais do budo (MARTINS; KANASHIRO, 2010).

A possibilidade de exportação do karate – antevista por Funakoshi e realizada por discípulos como Nakayama, após a Segunda Guerra Mundial – engajou essa luta em um projeto mais audacioso que a abertura do Japão ao Ocidente: a difusão e atualização da japonesidade.Lourenção (2011, 2016), em estudos antropológicos, identificou que o kendo cumpre essa função de “fabricar japoneses”, isto é, conformar corpos e comportamentos de acordo com tradições remetidas a um Japão idealizado. Os treinamentos dessa esgrima japonesa, no Brasil, seriam capazes de tornar seu praticante um japonês (mesmo que já não o seja fenotipicamente) ao mesmo tempo artificial e legítimo (isto é, dotado de predicados de um japonês nativo), no próprio dojo e na vida particular.

Há indícios de que o karate também opere como dispositivo de fabricação de japoneses (MORI, 2017), o que nos conduz à perspectiva do presente texto. Com efeito, desde as décadas finais do século XX, quando o karate se estabeleceu como a luta japonesa mais difundida pelo mundo, não apenas sua prática se globalizou, mas as próprias criações da indústria cultural (COELHO, 1981) passaram a representá-lo para veicular valores e ideologias – inclusive a identidade nacional japonesa (SOUSA, 2013) ou, o que tomamos como sinônimo, a japonesidade. Dentre esses produtos, as produções cinematográficas, por sua penetração nas diversas classes sociais, constituem um suporte privilegiado. Embora possam apresentar visões distorcidas sobre as lutas, explorando-as como técnicas violentas no gênero ação, partimos da hipótese de que os filmes podem também representar o karate valorizando seus aspectos educativos enquanto bujutsu e budo (BARREIRA; MASSIMI, 2003), retratando a esportivização de forma mais ou menos crítica.

Nesse sentido, podem servir como um material capaz de despertar reflexões a respeito da prática educativa, objetivo principal deste trabalho. Pensamos que tais discussões possam, secundariamente, contribuir para a formulação de uma pedagogia das lutas, de caráter emancipatório, em que práticas como o karate servem não à cultura de demonstração de superioridade, que leva à agressão do outro e a seu silenciamento, mas a novas possibilidades para a expressão e o se-movimentar. Diversos autores vêm defendendo a proposta dessa pedagogia que, fundamentada na ciência da motricidade humana (SÉRGIO, 1991), e considerando as especificidades das lutas desenvolvidas por diversos povos, sirva também como um referencial curricular e metodológico para conteúdos da educação escolar (GONÇALVES JÚNIOR, 2009; LIMA, 2000; LOPES; TAVARES, 2008; RUFINO, 2012).

Caminho para uma pesquisa

Selecionamos duas narrativas cinematográficas (provavelmente, as mais relevantes para a divulgação do karate, em termos de apelo entre o público de praticantes e não praticantes) para analisá-las: a série estadunidense The karate kid (THE KARATE, 1984, 1986, 1989), dirigida por John Avildsen; e o mais recente Kuro obi (KURO, 2007), do japonês Shunichi Nagasaki.

As análises fundamentaram-se em autores da literatura a respeito de pesquisa qualitativa – como Bogdan e Biklen (1994), para quem tais investigações são descritivas e atribuem importância central aos significados. Ainda, foram observadas as orientações de Rose (2000) acerca da análise de imagens em movimento, que destaca aspectos como direção e enquadramento para o processo de significação.

Abaixo, constam breves descrições das duas produções cinematográficas, que foram analisadas também, com outros focos, por outros pesquisadores (HARAMBOURE, 2013; RICHARDSON, 1998; SOUSA, 2013).

The karate kid

The karate kid conta a estória de Daniel LaRusso, após sua mudança para um bairro de Los Angeles, onde vem a se apaixonar pela garota Ali Mills. Isso desperta o ciúme do ex-namorado da jovem, Johnny Lawrence, que passa a perseguir Daniel, subjugando-o com o karate aprendido no dojo Cobra Kai, do inescrupuloso sensei John Kreese.

No entanto, Daniel conhece um idoso imigrante japonês, Sr. Miyagi, a quem pede para ensiná-lo a arte de Okinawa. Miyagi reluta, mas enfim decide treinar Daniel, estabelecendo uma profunda amizade com seu novo pupilo. No desenvolvimento da série, muitos desafios colocarão à prova as habilidades e o caráter de Daniel e de Miyagi, a partir dos quais emergirão ensinamentos e reflexões.

Analisamos o debut da série, de 1984, e suas duas primeiras sequências, desconsiderando uma terceira sequência, de 1994, que preserva apenas Miyagi dentre personagens anteriores.6

Kuro obi

Kuro obi se passa no Japão da década de 1930, com a tomada japonesa da Manchúria, quando o exército imperial passa a dominar territórios irrestritamente.

O filme retrata o conflito entre dois estudantes de karate instruídos pelo sensei Eiken Shibahara, morto logo após a tomada de seu dojo pelo exército. O último desejo de Shibahara é o de que o estudante Choei decida quem herdará seu legado, representado pelo kuro obi (sua faixa preta).

Choei fará a difícil escolha entre o destemido e prepotente Taikan que, seduzido pelas vantagens se aliar ao exército, se engaja na conquista dos dojo da região para o treinamento das tropas; e o pacífico e humilde Giryu, lutador que no lugar de golpes, combate apenas com bloqueios e esquivas, permanecendo alheio às ambições militares.

Resultados e discussões

Desenvolveremos esta seção considerando três categorias: 1) a relação entre teoria e prática; 2) ruídos e conflitos entre professor e aluno; e 3) formação do aluno como futuro professor. Elas foram elaboradas após a apreciação dos filmes, sendo cada qual cotejada com as pesquisas acadêmicas citadas na primeira seção deste texto, mais a obra escrita de Funakoshi (FUNAKOSHI, 1973, 1994; FUNAKOSHI; NAKASONE, 2005).

Rose (2000) defende que o referencial teórico e os objetivos da pesquisa são os critérios que devem orientar a seleção dos materiais audiovisuais e sua transcrição/tradução em texto, no caso de análises como esta. Assim, as categorias emergiram de um olhar sobre cenas envolvendo diálogos entre personagens retratados como professores e alunos (já que estamos interessados em discutir aspectos educacionais), constituindo os episódios que serão nossas unidades de análise.

A relação entre teoria e prática

Como afirmamos, as artes influenciadas pelo zen não alicerçam o processo de ensino e aprendizagem em valores como a lógica e o pensamento analítico, sendo seu sucesso avaliado justamente pela capacidade de anulação desse pensamento. Nesse sentido, a relação entre teoria e prática tende a sobrevalorizar o último desses polos, destacando o papel da experiência particular do aprendiz para a aprendizagem (BARREIRA; MASSIMI, 2003). A respeito desse assunto, Funakoshi (1994, p. 114) afirma:

Muito freqüentemente um homem desprovido daquela qualidade essencial da seriedade absoluta refugiar-se-á na teoria. [...] digamos que alguém esteve praticando um determinado kata7 por alguns meses e então diz com um suspiro de desânimo, “Não importa o quanto treine, não consigo dominar esse kata. Que vou fazer?” Alguns meses! Como poderia dominar um kata em alguns meses?

Nesse depoimento, fica evidente que no karate a experiência deve ser acompanhada de uma atitude paciente e resignada por parte do aluno, importando que ele evolua naturalmente por um processo não diretivo. Potencializando esse contato prático com a arte, o ensino é centrado em rotinas repetitivas, até o ponto em que os movimentos se convertem em reações instintivas, sem mediação do pensamento.

No primeiro The karate kid, Daniel decepciona-se com as lições iniciais de Miyagi. O treinamento consiste em executar tarefas entediantes, mecânicas e que, aparentemente, não estão relacionadas com o karate, tais como: encerar carros, lixar um piso de madeira e pintar uma cerca. Custa ao aprendiz perceber que, assim, o sensei transmitia fundamentos (kihon8) de alguns bloqueios; por exemplo, do movimento circular para aplicar e retirar cera dos carros, Miyagi extraiu um kihon para a defesa nagashi uke. Ao mesmo tempo, Miyagi buscava despertar em Daniel o estado de zanshin para reagir espontaneamente nos combates, nada declarando a respeito de suas intenções e deixando à vontade do aprendiz prosseguir em um treinamento exteriormente ilógico. Mas logo Daniel surpreende a todos (e a si) por se classificar à final de um torneio a que se sentiu obrigado por Kreese e Lawrence a participar. Herrigel (2007), a respeito de seu aprendizado na arte do kyudo (tiro com arco), faz o seguinte comentário sobre essa didática japonesa:

[...] a maneira japonesa de ensinar conduz a um domínio incondicional das formas. Praticar, repetir, repassar o repetido numa linha ascendente, tais são as suas características. Pelo menos quanto às artes tradicionais, essa afirmação é verdadeira. Demonstrar, exemplificar, penetrar o espírito e reproduzi-lo, tais são as etapas tradicionais da didática japonesa [...]. (HERRIGEL, 2007, p. 50).

As cenas iniciais de Kuro obi remetem ao treinamento de Daniel. Na tomada de abertura, Choei, Giryu e Taikan executam o kata Sanchin (“Três batalhas”) durante o dia. Shibahara observa os lutadores realizarem vagarosamente os repetitivos bloqueios e golpes, avançando com passos curtos. Poucas cenas depois, já é noite e os estudantes, encharcados em suor, executam o mesmo kata, que aparecerá mais uma vez, antes da chegada do exército ao dojo. Retrata-se o treinamento como cansativo, repetitivo e desestimulante, embora os aprendizes não demonstrem desapontamento.

Em resumo, quanto à relação entre teoria e prática, os filmes concordam com a literatura sobre o budo e a filosofia de Funakoshi, ressaltando o papel da experiência em detrimento da racionalização. Para ambos os filmes, aprender karate depende do desenvolvimento espontâneo do aprendiz, em acordo com o wu-wei (de que falaremos mais na próxima subseção), conceito taoísta também apropriado pelo zen (COOPER, 1985). As aprendizagens de personagens como Daniel, Giryu e Taikan devem-se a suas experiências particulares, envolvendo a prática disciplinada e, muitas vezes, mecânica e inconsciente.

A análise de Haramboure (2013) criticou esse aspecto de The karate kid, considerando que as pedagogias contemporâneas preconizam a necessidade de o educando conhecer a relevância dos conteúdos em estudo. Para o autor, a cena do treinamento de kihon proposto por Miyagi, embora verossímil historicamente (dadas as evidências de que atividades cotidianas foram aproveitadas no ensino do karate como bujutsu) representa uma incorreção pedagógica.

Assim sendo, a concepção de trabalho educativo, veiculada pelos filmes, pouco se ajusta ao conceito de práxis, unidade teórico-prática. Segundo Vázquez (2011), práxis é toda atividade criadora humana, antecipada idealmente no pensamento antes de assumir forma objetiva. Ela não apenas se diferencia da atividade teórica, já que seu resultado adquire uma substantividade que persiste independentemente do sujeito que a engendrou, mas a pressupõe. Nesse aspecto, os filmes não veiculam valores associados ao caráter emancipador da pedagogia das lutas, que ressaltam justamente o aspecto práxico da educação (GONÇALVES JUNIOR, 2009; RUFINO, 2012; SÉRGIO, 1991), endossando uma pedagogia que pode ser considerada tradicional (LOPES; TAVARES, 2008). Impossível não associar essa concepção pedagógica – que, como vimos, Herrigel (2007) chama de didática japonesa – também com o conceito japonesidade: apresentada nos filmes como a forma correta, milenar e única para a transmissão do budo, reporta-se, em verdade, a uma tradição cristalizada em um imaginário ou mito, não necessariamente atrelando-se a fatos do desenvolvimento histórico das lutas japonesas (SHOJI, 2001).

No entanto, Richardson (1998) discorda dessas análises, detectando o caráter teleológico do ensino em The karate kid. Ao considerar o momento em que Daniel descobre ter aprendido o nagashi uke, o autor afirma:

O conhecimento (ou conteúdo) é adquirido através da experiência física do trabalho, mas a experiência geral, compreendida através de um momento de epifania, é dependente de um conhecimento estrategicamente revelado da intenção orientadora do mestre. (RICHARDSON, 1998, p. 221, tradução nossa, grifos do autor).

Destaca-se, então, a imprescindibilidade do docente e de sua atividade intencionalmente direcionada para um fim, a educação do aprendiz.

Ruídos e conflitos entre professor e aluno

No terceiro The karate kid, Daniel começa a questionar os métodos de Miyagi. Procura o dojo Cobra Kai para ser instruído por Terry Silver, amigo de Kreese e sórdido como ele. Nesses treinamentos, sempre envolvendo o kumite (luta)9 – Miyagi enfatiza o kata –, Silver exige que Daniel aprenda técnicas desleais e ultrapasse seus limites físicos, tendo de golpear materiais duros que, dia após dia, o levam a se ferir (“E sabe o que aprenderá de mim? Dores pelo corpo todo e medo pela mente toda”, diz Silver a Kreese). Funakoshi relata uma rotina parecida, à época do bujutsu, em treinamentos clandestinos nos quintais das casas de seus professores e locais de difícil acesso. Ele não esconde do leitor momentos penosos de seu treinamento e a rigidez dos professores. Porém, seu tom não é queixoso; é resignadamente zen:

Noite após noite, freqüentemente na casa dos Azato, sob a observação do mestre, eu praticava um kata [...] repetidas vezes, semana após semana, às vezes mês após mês, até tê-lo dominado completamente para satisfação do meu professor. Essa repetição constante de um único kata era estafante, muitas vezes exasperante e ocasionalmente humilhante. Mais de uma vez tive de lamber o pó no assoalho do dōjō ou no pátio de Azato. Mas a prática era rígida, e nunca era autorizado a passar a outro kata sem que Azato estivesse convencido de que eu tinha compreendido bem o que estivera exercitando (FUNAKOSHI, 1994, p. 21).

Nos filmes, essa desarmonia entre as ações docentes e discentes é essencial nos arcos dramáticos dos personagens envolvidos na relação pedagógica. Tudo gira em torno das consequências desses conflitos, resolvidos com muito custo, como ferimentos e, à maneira do relato de Funakoshi, humilhações. Por exemplo, Daniel, nos três The karate kid, é desafiado por rivais quando acompanhado de garotas de seu interesse, geralmente apanhando. Em Kuro obi, Giryu é chamado de covarde por três personagens, além de ser espancado por bandidos. Taikan é humilhado frente a seus alunos do exército pelo rival Takaomi Togo. Nem Miyagi escapa: o antagonista Sato, no segundo filme, insulta-o repetidamente diante de Yukie, seu interesse amoroso, e de Daniel.

Os filmes relativizam a gravidade de tais eventos, tomados como normais e mesmo imprescindíveis para o desenvolvimento dos heróis – o que ecoa a filosofia de Funakoshi, para quem “a aprendizagem depende muito mais da experiência, da vivência, do próprio sofrimento” (BARREIRA; MASSIMI, 2003, p. 381). Por sua vez, isso soa inaceitável em uma relação pedagógica pautada pelo diálogo, pelo respeito mútuo e pela liberdade (RUFINO, 2012; SÉRGIO, 1991).

Outro conflito retratado no terceiro The karate kid emerge de uma discussão acerca das competições. Daniel, campeão na edição anterior do torneio, acredita estar em vantagem se o disputar novamente, mas Miyagi o dissuade:

Daniel: Não o entendo. Qual o seu problema quanto a isso?

Miyagi: Daniel-san. Se karate defende a honra, a vida, karate significa algo. Se karate só defende um troféu de plástico ou de metal, karate não significa nada. Entende? (THE KARATE, 1989).

Essa sequência remete ao primeiro filme da série, quando da recusa de Miyagi ao pedido de Daniel para ensiná-lo. Daniel deseja aprender karate para se vingar de Johnny Lawrence, mas Miyagi explica: “o karate somente para defesa”.

Há um conflito idêntico em Kuro obi (2007). Taikan desobedece Shibahara ao convidar os militares para um combate no dojo, posto em disputa. Shibahara adverte: “Taikan! Não existe primeiro golpe no karate. Apenas se desvie dos golpes. Lembre-se: jamais agrida o oponente. Também não o chute. Esses são os meus ensinamentos”. Taikan, entretanto, golpeia e derrota os soldados um a um, até seu mestre pedir para que Giryu o substitua. Inconformado, Taikan apenas lança uma provocação: “Vai seguir os ensinamentos do Sensei? Quando você perder, eu entro”. Taikan, então, observa Giryu derrotar o Capitão Kiichi Tanihara apenas com defesas e esquivas, perplexo, mas sem mudar de atitude; no leito de morte de Shibahara, questiona:

Taikan: Sensei, diga uma coisa: você sempre proibiu as lutas. Não permite golpes nem chutes. Mas para que treinar se não podemos usar nossas habilidades? Por favor, nos explique.

Shibahara: Taikan! Silêncio! Suas habilidades devem ser voltadas apenas para você. Apenas assim poderá experimentar um momento sublime de realização.

Taikan: Não entendo. Temos de lutar para ficar mais fortes.

Shibahara: Onde está o mérito de ser melhor que alguém inferior? [silêncio] Isso com certeza não o tornará mais forte. (KURO OBI, 2007).

Para Funakoshi, o karate ni sente nashi – “não existe primeiro golpe no karate”, frase constante nos filmes10 – é um dos princípios basilares do budo:

No karatê, as mãos e os pés podem ser tão letais quanto a lâmina de uma espada. Assim, o princípio de que “não existe primeiro golpe no karatê” é uma extensão do princípio básico do samurai, segundo o qual deve-se evitar a displicência no uso das armas. Ele salienta a necessidade de paciência e tolerância absolutas [...]. Por outro lado, quando circunstâncias além do controle obrigam um praticante a recorrer à ação, ele deve reagir sem restrições e sem preocupação com a vida ou com um membro, permitindo que sua perícia marcial brilhe no extremo da sua capacidade. (FUNAKOSHI; NAKASONE, 2005, p. 24-25).

Embora Giryu siga à risca as orientações de Shibahara, sua compreensão da essência do karate também é incompleta por jamais “recorrer à ação”, conforme o fragmento acima. Por exemplo, ao encarar os filhos de Tanihara, que querem vingar a derrota do pai, Giryu se deixa ferir gravemente por uma lança, imóvel.

Taikan e Giryu representam os contrários yang e yin. Ambos se afastam de uma posição mais sensata, um por impulsividade, destempero e ambição; outro, por fatalismo, passividade e niilismo. Não agem conforme o wu-wei – “a não reivindicação, algo que se movimenta conforme as correntes da vida e da Natureza, evitando o atrito e permitindo a ascensão dos ritmos naturais da vida, tanto física quanto espiritual” (COOPER, 1985, p. 136) – um por não o aceitar, outro por entendê-lo como não-ação, embora seu significado se aproxime mais de ação não premeditada, espontânea, conforme ao Tao, e não um mero laissez-faire ou espontaneísmo impensado (LIMA, 2000).

Os conceitos de yin/yang também podem ser aplicados à própria dinâmica da formação do karateka retratada nos filmes. Esse processo formativo estrutura-se como um choque entre as concepções e expectativas do estudante, frutos de sua pureza11 e ingenuidade, referindo-se ao que lhe é interno (yin); e o violento irromper de seu estado de ignorância e falta de clareza, através dos ensinamentos externos (yang) do mestre.

Em conclusão, os conflitos entre mestre e discípulo, conforme retratados nos filmes em análise, proporcionam duas discussões quanto a aspectos educacionais. Por um lado, a exibição dessas relações conflituosas, principalmente quando causam aos discípulos humilhações e sofrimentos, são naturalizadas, como se constituíssem ritos de passagem. Dada a inconsciência dos envolvidos na relação pedagógica acerca da necessidade de tais ritos, esses não teriam cabimento na prática de uma pedagogia das lutas com caráter emancipador, pois servem apenas para evidenciar relações negativas de hierarquia e doutrinação (RUFINO, 2012). Por outro lado, os filmes contribuem para um entendimento original da relação entre mestre e aprendiz, mostrando como os conceitos taoístas de yin/yang, atualizados no karate como budo, podem ser empregados produtivamente para a análise do processo formativo, que parte de uma assimetria entre a sabedoria do professor e a aspiração do aluno.

Mas, afinal, o equilíbrio poderá se reestabelecer, possibilitando a transmissão do legado do mestre.

Formação do aluno como futuro professor

A busca de equilíbrio, aliás, é tema de diversas cenas de The karate kid, havendo uma lição literal de Miyagi sobre isso, quando Daniel é obrigado a executar um kihon apoiado em um barco na água. Richardson (1998) comenta esse episódio:

A lição sobre balanço ocorre imediatamente após a epifania do “aplicar cera, tirar cera”, e marca a divisão entre o controle educacional “centrado no professor” e “centrado no aluno”. Depois dessa lição, não há mais indiretas, não há mais ocultação. O balanço dispõe professor e estudante no mesmo nível. O professor ainda sabe mais, mas o estudante agora se agarra a si mesmo, tomando decisões além da simples obediência. O balanço é a lição que conecta o professor ao aluno porque é a lição que nunca termina. É o cair na estrada do discernimento, um dinâmico afogar ou nadar no mergulho ao mundo da vida responsável. (RICHARDSON, 1998, p. 224, tradução nossa).

Em The karate kid, Daniel começa em desvantagem no combate final contra Mike Barnes (outro representante do Cobra Kai), que desfere golpes proibidos, conforme ordenam Terry Silver e John Kreese. Parece não haver esperanças – “Sr. Miyagi, acabou-se! Acabou-se! Esqueça!”, diz ao sensei antes da decisão por morte súbita. Mas Miyagi responde: “Não pode! Tudo bem perder para o adversário, mas não deve perder para o medo! [...] Apenas mantenha o foco! Seu melhor karate está no interior. Agora é hora de extraí-lo”. Então, do incentivo do mestre, Daniel encontra forças para retornar ao combate, não em posição de guarda (kamae), mas executando o kata que aprendera de Miyagi12. Barnes, desorientado e hesitante com essa atitude, arrisca-se e é derrotado. Iniciar o combate com um kata garantiu a vitória, embora Miyagi não tenha ensinado isso. O “momento sublime de realização” (conforme fala Shibahara em Kuro obi) foi a descoberta de Daniel de seu próprio caminho, deixando de emular os passos do mestre. Superou-se a dualidade yin/yang.

Kuro obi retrata jornada semelhante. Taikan, após salvar Giryu de um espancamento, diz: “Aprendi como as coisas realmente são. Giryu, não se pode viver com o coração tão puro. O mundo é feito de coisas boas e ruins. Para ser forte, você precisa absorver as duas”. Taikan fala da necessidade dessa neutralização mas, contrariamente ao que pensa, também não atingiu esse estado. Somente o final do filme sediará essa reflexão, retratando uma shinken shobu (“luta até a morte”). Então a película se faz em branco e preto, ressaltando as dualidades, e Taikan e Giryu se lançam em um combate quase interminável, testemunhado por Choei. Taikan inicia golpeando severamente Giryu e provoca: “Trate de revidar! Acha que pode vencer apenas com técnicas defensivas?” Então, após receber mais dois ataques, Giryu lança seu primeiro soco, para a perplexidade dos espectadores e deleite de Taikan. Seguem-se mais alguns minutos de luta, mostrada sem cortes, até o diálogo final dos dois karatekas, esgotados, quando as cores voltam à tela e Choei reaparece com o Kuro obi:

Taikan: Agora compreendo o significado das palavras do Sensei. O homem que anula o ataque do oponente é o mais forte.

Giryu: Obrigado. Ao ir contra as palavras do Sensei, você me ensinou. Você melhorou suas técnicas de ataque.

Taikan: Por isso, escolhi esse caminho.

Giryu: Taikan...

Taikan: O kuro obi é seu. [últimas palavras de Taikan]

Choei: Taikan...

Giryu: Taikan... Taikan! [Choei entrega o kuro obi a Giryu, que o coloca nas mãos do cadáver de Taikan]. (KURO OBI, 2007).

Mostra-se então Taikan em um dojo, executando o kata Nijushiho (“24 passos”), vestindo o kuro obi. Giryu aparece em seguida, com o kata Seipai (“18”)13. O narrador entrega o futuro dos remanescentes Giryu e Choei: “Para cumprir o desejo de Taikan, Giryu fundou seu próprio dojo, com a ajuda de Choei. Apesar de ser um dojo pequeno, muitos queriam estudar lá”. Dois novos mestres estavam formados.

As conquistas dos personagens de ambos os filmes podem ser sintetizadas nesta consideração de Herrigel (2007, p. 56):

Até onde o discípulo chegará é coisa que não preocupa o mestre. Ele apenas lhe ensina o caminho, deixando-o percorrê-lo por si mesmo, sem a companhia de ninguém. A fim de que o aluno supere a prova da solidão, o mestre se separa dele, exortando-o cordialmente a prosseguir mais longe do que ele e a se “elevar acima dos ombros do mestre”.

Eis aí o processo de formação do professor subsumido aos deveres éticos confucianos ou xintoístas, mais uma vez, atualizando a japonesidade e ativando o papel do karate como fabricador de japoneses. Afinal, enquanto budo, a luta está irreversivelmente comprometida com a noção do karate como própria vida (LAGE; GONÇALVES JUNIOR, 2007), seu sentido devendo ser aplicado a todas as coisas (FUNAKOSHI; NAKASONE, 2005). Nas relações entre budo e japonesidade, o público e o privado (dojo e casa) se (con)fundem (LOURENÇÃO, 2011).

Conclusões

A análise dos filmes possibilitou discutir aspectos educativos do karate, que são objeto de variados estudos (BARREIRA; MASSIMI, 2003, 2008; HARAMBOURE, 2013; LAGE; GONÇALVES JUNIOR, 2007; LOPES; TAVARES, 2008; RUFINO, 2012).

De forma geral, os filmes transmitem uma visão idealizada das interações professor-aluno, corroborando uma imagem igualmente imprecisa do próprio karate. Por exemplo, o segundo The karate kid, quando Daniel e Miyagi viajam a Okinawa, procura situar a luta em um espaço puro, bucólico e resistente à modernidade capitalista, representada pelo personagem Sato, empresário e ex-karateka. O mesmo ocorre em Kuro obi, que trata o exército imperial como um vilão a mutilar as tradições sobreviventes nas aulas de Shibahara – situadas em um local afastado e secreto, fazendo referência aos treinamentos clandestinos de Okinawa. Mas tais elementos, retratados como tradicionais e característicos da japonesidade (obediência a princípios zen, existência de regras do dojo, execução de kata visando ao satori, prática de meditação e outras asceses, didática japonesa etc.) se originaram com a conversão do bujutsu em budo – processo, reiteremos, atribuído a Funakoshi, e que ocorreu durante a Restauração Meiji, já às portas do século XX (MARTINS; KANASHIRO, 2010).

Ainda, pensamos que esses elementos, nos filmes, servem não apenas como recursos dramáticos para a encenação dos arcos dos heróis, mas também como recursos cinematográficos, possibilitando a exploração, por exemplo, dos aspectos estéticos das vestimentas tradicionais (muito presentes de Kuro obi e na segunda parte de The karate kid) e do exotismo cômico de um personagem que é o retrato da japonesidade (Miyagi). Essa possibilidade é acenada por Sousa (2013): produções cinematográficas nipônicas ou estrangeiras, ao tomar as lutas japonesas como tema, costumam dar relevo, por exemplo, à plasticidade de seus movimentos.

Entretanto, para além disso, os filmes proporcionam reflexões a respeito da pedagogia das lutas e (por que não?) sobre a educação de forma mais ampla. Há características das interações professor-aluno bem contempladas nos materiais que analisamos, especialmente os conflitos entre mestre e discípulo e os desafios da formação inicial do futuro professor. O aprendiz é retratado com o dever ético de superar e se diferenciar do mestre, propagando seu legado. Os roteiros propõem várias metáforas para transmitir isso, como na fala de Miyagi na terceira parte de The karate kid: “Só a raiz do [seu] karate vem de mim. Como o bonsai escolhe como crescer, pois a raiz é forte, você escolhe seu modo de lutar karate pela mesma razão”. Kuro obi também ressalta a questão. Ambos os filmes encenam o percurso formativo como a busca do equilíbrio entre o estilo do formador (yang) e a intuição do aprendiz (yin) – uma visão interessante e passível de ser transladada para o exame de outros contextos educativos, que não aqueles relacionados estritamente ao ensino de lutas.

Outras discussões suscitadas pelas películas remetem a críticas acadêmicas ao ensino do karate (LOPES; TAVARES, 2008; RUFINO, 2012): a excessiva hierarquia do dojo, que estabelece uma barreira entre professor e alunos, e entre alunos mais e menos graduados; a atitude conformista dos estudantes, imobilizados em um estágio aquém das posturas críticas e criativas; e a ênfase sobre a execução mecânica e inconsciente de movimentos, e não sobre a práxis do ser que se (re)conhece, se expressa e se-movimenta (SÉRGIO, 1991). Ainda, nos filmes analisados, embora a crítica à esportivização do karate seja onipresente, a abundância de cenas de ação contribui para espetacularizar o kumite. Exibem-se combates climáticos, com cortes acelerados e trilhas sonoras dramáticas: é assim quando Miyagi resgata Daniel de uma surra, no primeiro The karate kid, e na cena em que Taikan salva Giryu, em Kuro obi. Por mais que Daniel aprenda a golpear só após mais da metade do The karate kid original, e que Giryu só o faça em suas cenas finais, personagens como John Kreese, Johnny Lawrence, Terry Silver e Taikan protagonizam momentos de pura exaltação da violência.

Os elementos acima mencionados precisam ser refletidos e questionados. Afinal, a jornada do bujutsu ao esporte de luta, passando pelo budo, representou aquisições para o karate que encerram possibilidades diversas para o movimento humano. Neste texto, buscamos posicionar-nos contrariamente à perspectiva biologizante, centralizadora e dogmática que, especialmente no caso do esporte de luta – e em alguns aspectos do bujutsu e do budo –, se alça a degrau máximo de evolução da arte. Pelo contrário, buscamos encarar o karate como via para a formação humana, passível de ser orientada por uma pedagogia emancipadora, dialógica e fundamentada na motricidade humana. Citando novamente Manuel Sérgio,

A motricidade, ao revelar-nos que o Homem descobre e se descobre no movimento intencional, indica que um conhecimento exaustivo do humano passa pelo Bios, mas querendo atingir o Logos, querendo auscultar o sentido do caminho que se toma. [...] o movimento em direção à liberdade humanizante inicia-se com uma opção que, por ser cultural e política por invocar princípios e valores de justiça, solidariedade e honestidade por pressupor um espírito crítico desperto e vigilante, não é só biologia, porque é via em direção ao Absoluto [Tao?] (SÉRGIO, 1991, p. 92-93, grifo nosso).

Em nosso caminho, quisemos demonstrar a possibilidade de debates e reflexões acerca dos aspectos educacionais das lutas, com possíveis impactos para a própria conceituação dos processos educativos de forma mais ampla.

Outros caminhos, porém, sempre são possíveis.

Referências

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4- Barreira (2004) afirma que tal narrativa é questionada por historiadores do bujutsu; mesmo assim, vamos aproveitar essas possíveis analogias históricas para tratar o karate, neste trabalho, semelhantemente ao que faz Gonçalves Junior (2009) perante a capoeira, isto é, o considerando não como arte marcial (o que remeteria a uma visão de mundo militarizada, com feição greco-romana), mas como luta (entendida como empreendimento coletivo de autoafirmação identitária e resistência à opressão).

5- Segundo Sant’anna (2009, p. 52), “no mundo oriental, os objetos jamais foram vistos como os principais depositários da tradição cultural. A permanência no tempo das expressões materiais dessas tradições não é o aspecto mais importante, e sim o conhecimento necessário para reproduzi-las. Nesses países, em suma, mais relevante do que conservar um objeto como testemunho de um processo histórico e cultural passado é preservar e transmitir o saber que o produz, permitindo a vivência da tradição no presente”. Acrescenta Sant’anna que o Japão instituiu sua primeira legislação a respeito da preservação de seu patrimônio cultural nos anos 1950, incentivando pessoas e associações que mantivessem “tradições cênicas, plásticas, ritualísticas e técnicas” (SANT´ANNA, 2009, p. 52).

6- Existe uma refilmagem de 2010, também intitulada The karate kid e dirigida por Harald Zwart, que conserva o essencial do roteiro do filme de 1984. Ela não será analisada por retratar uma espécie de wu-shu, e não o karate. Em 2018, começou a ser exibida uma série televisiva (Cobra kai) que retrata o desenrolar dos acontecimentos da trilogia original, passados mais de 30 anos.

7- Traduzido como forma(s), trata-se de movimentos pré-determinados executados sequencialmente. No karate existem dezenas de kata, que visam a diferentes treinamentos e recebem nomes também diversos.

8- O treinamento de kihon consiste na repetição orientada de movimentos.

9- O karate sustenta-se nos três k’s: kata (形), kihon (基本) e kumite (組手).

10- No segundo The karate kid, Daniel observa duas inscrições na parede do dojo de Miyagi, em Okinawa, e pergunta seu significado. Miyagi responde: “Aqui estão duas regras do Miyagi-Ryu Karate [Karate do estilo de Miyagi]. Regra número um: karate somente para defesa. Regra número dois: primeiro aprenda regra número um”. Em verdade, as inscrições são 空手無先手 (“no karate, não há iniciativa”) e 先正其心 (“primeiramente, o coração”) – o caractere 心 (kokoro) pode se referir a coração, mente ou alma. A segunda inscrição assemelha-se ao 5º princípio do livro de Funakoshi e Nakasone (2005), gijitsu yori shinjitsu (“o pensamento [coração] acima da técnica”).

11- Simbolizada pela faixa branca – limpa, imaculada – que amarra o uniforme dos iniciantes.

12- O kata chama-se Seienchin, “Calma na tempestade”, nome bastante simbólico da postura de Daniel nesse momento.

13- 18 = 108/6, sendo 108 um número sagrado para diversas tradições do Oriente, inclusive o zen. Alguns kata do karate aludem ao caráter místico desse número – o nome do kata Suparimpei significa literalmente 108 em chinês e o nome do kata Gojushiho é 54 (= 108/2) em japonês. Se considerarmos 108 = 9×12, Nijushiho também evoca o número sagrado, pois 24 = 2×12. É significativo que o final de Kuro obi ainda referencie o zen, certificando o espectador de que a estória narra o satori desses lutadores. Sousa (2013), na análise do combate final de Kuro obi, também menciona o aspecto transcendental dessa luta até a morte – tomada literalmente no caso de Taikan, e simbolicamente no caso de Giryu, que ascende a uma nova compreensão do karate.

Recebido: 13 de Março de 2018; Revisado: 13 de Junho de 2018; Aceito: 26 de Junho de 2018

Rafael Cava Mori é doutor em físico-química pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) e professor adjunto do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH), da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Gilmar Araújo de Oliveira é mestre em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorando pelo mesmo programa.

1

- Agradecemos aos seguintes interlocutores: Luiz Gonçalves Júnior (Universidade Federal de São Carlos), Christopher Richardson (Southern Virginia University), John Donohue (editor do Journal of Asian Martial Arts), Osvaldo Haruo Kado (praticante de karate) e Fábio Casagrande Hirono e Marcelo Hirono (praticantes de judo).

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