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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 07-Ago-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945195438 

Artigos

Agenda do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a rede municipal de ensino de Manaus

Rudervania da Silva Lima Aranha1 
http://orcid.org/0000-0002-7111-0720

Selma Suely Baçal de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0001-6765-4568

1- Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. Contatos: rudervania.aranha@gmail.com; selmabacal@ufam.edu.br.


Resumo

O artigo é resultado de uma pesquisa que objetivou analisar as negociações com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por meio do Projeto de Expansão e Melhoria Educacional da Rede Pública de Manaus (PROEMEM), implantado na Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Tratou-se de evidenciar a lógica de mercado envolvida em tais negociações com participação do setor privado e a forma como essa iniciativa vem se delineando no cenário da educação pública municipal. Para desenvolver o estudo, foi realizada uma revisão de literatura, bem como levantamento e análise de documentos primários, entre eles incluídos documentos oficiais da SEMED e Relatórios Anuais que estão disponíveis no endereço eletrônico do BID, além de documentos relativos à concretização do PROEMEM e às ações efetivadas pelo referido projeto no período de 2013 a 2017. O estudo aponta as implicações desse processo para a escola pública municipal. Na análise, identifica-se que existe um inegável movimento em prol de viabilizar a expansão de instituições privadas no setor educacional, onde encontram novos nichos de exploração econômica que permitem a apropriação privada do bem público, sem, contudo, gerar efetivamente melhoria da rede escolar pública. A aceitação dessa lógica promove mudanças nas concepções de escola pública, com a incorporação de instituições privadas na rede municipal de ensino.

Palavras-Chave: Políticas educacionais; Mercado educacional; PROEMEM

Abstract

The article is the result of a research that aimed to analyze the negotiations with the Inter-American Development Bank (IDB) through the Project for Education Expansion and Development in the Municipal Public Network of Manaus (PROEMEM), implemented by the Municipal Education Secretariat (SEMED). The aim was to highlight the market logic involved in such negotiations with private sector participation and the way in which this initiative has been outlined in the municipal public education scenario. In order to conclude the study, a literature review was carried out, as well as data collection and analysis of primary documents, including SEMED official documents and Annual Reports, which are available on IDB internal use links, as well as documents related to the implementation of PROEMEM and actions carried out by said project in the period from 2013 to 2017. The study points out the implications of this process for the municipal public school. In the analysis, it is identified that there is an undeniable movement in favor of the viability of the expansion of private institutions in the educational sector, where they find new niches of economic exploitation that allow the private appropriation of the public good, without, however, effectively generating improvement of the public school network. The acceptance of this logic promotes changes in the conceptions of public school, with the incorporation of private institutions in the municipal school network.

Key words: Educational policies; Educational market; PROEMEM

Introdução

A incorporação da lógica do mercado na educação pública municipal de Manaus tem sido efetivada pelo Projeto de Expansão e Melhoria Educacional da Rede Pública Municipal de Manaus (PROEMEM), objeto desta pesquisa. O PROEMEM revela-se no contexto da globalização da economia, marcado pela hegemonia do pensamento político que tem como foco o princípio neoliberal, acrescido da incorporação da ciência e da tecnologia às forças produtivas. Tais forças são preconizadas pelo processo de competitividade no mundo corporativo, diante das constantes pressões do setor econômico por reformas do Estado e por redefinir políticas sociais e educacionais.

É no referido cenário que tem origem o PROEMEM, cujo período de execução corresponde a cinco anos (de 2013 a 2017). A Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Manaus é o órgão executor do projeto, financiado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com os recursos previstos no orçamento da SEMED. Nessa direção, expande-se a presença direta do setor privado, seja este lucrativo ou não.

Por tais motivos, tem-se como objetivo fundante analisar as negociações com o BID, por meio do PROEMEM implantado na SEMED, evidenciando a lógica do mercado com a participação do setor privado. Também se pretende discutir a forma como essa iniciativa vem se delineando no cenário da educação pública municipal, o que nos remete a algumas indagações: O que deu origem à implantação do PROEMEM nos moldes do mercado? Qual é a relação entre a SEMED e o BID? Como vem sendo materializado o PROEMEM na rede pública municipal de ensino de Manaus? O PROEMEM é uma política pública educacional do município de Manaus que reflete a ideologia neoliberal na lógica da reestruturação do Estado, na esteira do mercado educacional?

A partir do ano de 2013, período marcado pela articulação dos assessores do BID com a gestão da educação municipal, deu-se início à elaboração do PROEMEM com o intuito de solicitar empréstimo ao BID. A partir de então, foi realizado um levantamento em todos os departamentos da SEMED, juntamente com a assessoria do BID, cuja exposição de resultados foi feita por meio de um workshop, com o objetivo apresentar um diagnóstico das fragilidades da educação pública municipal naquele período. Por indicação do BID, a Secretaria Municipal de Educação, por meio do PROEMEM, iniciou no ano de 2014 o diálogo com o Instituto Ayrton Senna (IAS), uma instituição sem fins lucrativos que presta assessoria a estados e municípios em assuntos concernentes à educação, principalmente no tratamento de Programas de Correção de Fluxo.

A proposta de pesquisa tem por base considerar a perspectiva do método de interpretação da realidade, levando em consideração os fatos históricos e econômicos, as relações de trabalho e as relações de produção, uma vez que, “em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradições com as relações de produção existentes” ( MARX; ENGELS, 2007 , p. 47). Para Karl Marx, as formas ideológicas por meio das quais a sociedade toma consciência da vida real, enumeradas por ele como sendo “a religião, a filosofia, a moral, o direito, as doutrinas políticas etc.” ( LÖWY, 2015 , p. 19), acompanham o sujeito até o fim. “É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção” ( MARX; ENGELS, 2007 , p. 48). Esse é o método do materialismo dialético, que “Marx foi o primeiro a adotar e empregar de modo coerente” ( LEFEBVRE, 2016 , p. 30).

No prefácio do livro A ideologia alemã , Marx e Engels (2007 , p. 6) expressam: “os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser”. Como efeito disso, as relações entre os indivíduos, que são organizadas, dão-se a partir de representações das próprias criações individuais e estas não passam de abstrações tomadas em si mesmas, fora da realidade social.

Obviamente, essas formas representativas de entender e elucidar as relações dos indivíduos com a incorporação da lógica do privado na esfera pública devem ser contrapostas analiticamente, para revelar-se “à consciência deformada da realidade” ( LÖWY, 2015 , p. 19) e, assim, constituir pensamentos que correspondam à essência das relações contraditórias que permeiam a parceria entre o setor privado e a educação pública.

Para desenvolver o estudo, foi realizada uma revisão de literatura, bem como levantamento e análise de documentos primários, entre eles incluídos documentos oficiais da (SEMED) e Relatórios Anuais que estão disponíveis no endereço eletrônico do BID, além dos documentos relativos à concretização do PROEMEM e às ações efetivadas pelo referido projeto no período de 2013 a 2017. No Brasil, é crescente o interesse de pesquisadores sobre a temática da privatização da educação. Assim, dentre as várias pesquisas realizadas nesse campo, destacamos algumas teses e dissertações de autores como Adrião (2006) , Sarti (2005) e Peroni (2003 , 2015 ). São necessários estudos que busquem compreender esse processo, tendo em vista a implantação do PROEMEM na SEMED Manaus, partindo do original e evidenciando as condições reais dos fundamentos teóricos e políticos da sua proposta.

O público e o privado: reflexos nas políticas públicas para a educação nacional

Para compreender essa realidade e os seus desdobramentos, é necessário estabelecer a distinção entre os efeitos da relação entre o público e o privado sobre a educação e os efeitos de uma “ ideologia estreitamente associada e propícia ao desenvolvimento da economia mundial, segundo uma certa orientação” ( CARNOY, 2012 , p. 350, grifo do autor). A trajetória de consolidação da educação pública brasileira nos séculos XX e XXI tem sido “determinada por forças que ora incentivam o crescimento do setor público, ora do setor privado, ora de ambos” ( CUNHA, 2007 , p. 810), constituindo-se como um processo prolixo e oposto. Com essa perspectiva, considera-se que a parceria com o setor privado em educação oculta interesses hegemônicos do grande capital de forma disfarçada e camuflada para legitimar seus projetos e programas. Percebe-se, desse modo, que a presença do privado no público apresenta uma crescente sofisticação dos discursos pedagógicos, delineando novos horizontes para o trabalho da docência e funcionando como uma atividade organizativa que, em Manaus, se efetiva no trabalho dos professores em estágio probatório da Educação Infantil (creche e pré-escola) e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Consolida-se e amplia-se, nesse contexto, um grande mercado que “vem sendo disputado por diferentes instituições” ( SARTI, 2012 , p. 329). Pesquisas relativas a essa questão são realizadas por Maués (2003 , 2006 , 2014 ), Sarti (2012 , 2014 ) e Souza (2006 , 2014 ), entre outros.

A partir da década de 1990, intensificou-se o movimento internacional de reforma educacional para enfrentar os desafios de uma “nova ordem econômica mundial” ( KRAWCZYK, 2012 , p. 347). Essas reformas iniciaram-se com compromissos assumidos pelos governos de diferentes países e pelos organismos internacionais na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em março de 1990. A partir desse movimento, a educação passou a ser tema central das reformas políticas e econômicas, as quais são “fortemente direcionadas, tanto na definição de suas prioridades quanto de suas estratégias, pelas orientações dos organismos internacionais financiadores” ( KRAWCZYK, 2012 , p. 347). Assim, a atuação do Estado tem sido disputada com o setor privado, evidenciando a participação do empresariado, que se concretizou como agente político no decorrer do século XX, com o apoio de setores organizados da sociedade civil, de modo que os interesses mercantis vêm prevalecendo.

A aceitação de projetos de parcerias, contratos e convênios com o setor privado na educação pública faz parte de um processo mais amplo de “reestruturação da vida econômica, política, jurídica e cultural das sociedades capitalistas contemporâneas, sem deixar de reconhecer que a privatização constitui uma estratégia global da atual reestruturação capitalista” ( GENTILI, 1998 , p. 73). Sobretudo, tem ocorrido um progressivo processo de transferência de responsabilidades públicas de âmbito educacional para entidades privadas, o que permite situar a natureza histórica desse embate no cenário da educação brasileira. Assim, configura-se e materializa-se a apropriação privada do bem público, tal como afirma Frigotto (2010 , p. 148): “trata-se de uma relação conflitante e antagônica, por confrontar de um lado as necessidades da reprodução do capital e de outro, as múltiplas necessidades humanas”.

O processo desencadeador da política educacional municipal, no qual a parceria com o setor privado foi normatizada, permitindo a institucionalização de interesses privados nas etapas da educação básica municipal, iniciou-se primeiramente com a implantação e a execução do PROEMEM. A partir do ano de 2013, seu grupo de trabalho, composto por profissionais da educação pública municipal de Manaus juntamente com o BID, passou a decidir a parceria com o setor privado como meio de organizar soluções educacionais para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental. Diante disso, cresce, consideravelmente, o envolvimento de fundações e institutos ligados a grupos financeiros que investem fortemente na educação, sob a lógica do mercado educacional. A implicação do setor empresarial nas questões sociais tem crescido substancialmente, sendo assunto que requer maior atenção, reflexão e análise por parte dos educadores e demais profissionais comprometidos com a educação brasileira.

Essas contradições revelam, ainda, “determinações casuísticas de programas gestionários de governança e de implementação de políticas voltadas para interesses e objetivos imediatistas” ( BRZEZINSKI, 2014 , p. 19), os quais até o momento não conseguiram expressar, em planos, programas e ações concretas, transformações da realidade social. Críticas ao papel do Estado na condução das políticas sociais e econômicas na América Latina e no Brasil, que têm por base as políticas neoliberais, passaram a condenar o papel do Estado nacional-desenvolvimentista, tido como responsável pela crise econômica e pelos problemas sociais que levaram à desconstrução do setor público. Moraes (2000 , p. 17) analisa:

Nos anos de 1980, programas neoliberais de ajuste econômico foram sendo impostos a países latino-americanos como desdobramentos dos processos de renegociação da dívida e de monitoração das economias locais pelo Banco Mundial e pelo FMI: 1985, Bolívia; 1988, o México, com Salinas de Gortari; 1989, novamente a Argentina, desta vez com Menen; 1989, Venezuela, com Carlos Andrés Perez; 1990, Fujimori, no Peru. E, desde 1989, o Brasil, de Collor a Cardoso.

No entanto, aparecem, nesse contexto, duas grandes principais exigências: por um lado, as privatizações de empresas estatais e de serviços públicos; por outro, a “desregulamentação” da interferência dos poderes públicos sobre os empreendimentos privados ( MORAES, 2000 , p. 17). No Brasil, a partir dos anos 1990, as reformas privatizantes permitiram a ampliação de parcerias com o setor privado. Nesse processo, o papel da educação é fundamental para garantir a formação de competências e habilidades estudantis destinadas a atender às demandas do mercado de trabalho.

Krawczyk (2000) chama a atenção para observar as reformas educacionais dos anos 1990, que tiveram um caráter homogeneizante tanto na leitura das realidades nacionais quanto nas suas propostas, pretendendo impor uma padronização de ações para a região e anulando, assim, a possibilidade de definir políticas que tenham como ponto de partida a sua realidade específica. Ou seja, diante do caráter regressivo das relações sociais que procuram impor o novo estágio do desenvolvimento capitalista, cabe-nos desentranhar, nos novos modelos de organização socioeconômica, os espaços de contradição que permitam a construção social de um projeto educacional mais democrático e socialmente justo.

Nesse período, intensificou-se um movimento internacional de adequação dos denominados sistemas educacionais dos países capitalistas, vinculado ao amplo processo de reestruturação da produção da vida material e social. Com isso, redefiniram-se o conteúdo e a forma de estruturação dos sistemas educacionais e as leis de mercado passaram a ser usadas como referência para as políticas públicas elaboradas e implementadas nesses países.

A influência dos organismos internacionais na educação brasileira

Na crise da década de 1970, os organismos financeiros internacionais assumiriam função decisiva na formulação das condições de realização do ajuste estrutural dos Estados à nova ordem ecônomica e à política internacional. Desse modo, a interferência desses organismos financeiros internacionais “assumiria a forma de prescrições e condicionalidades, definidas não apenas como pontos de um contrato, mas como orientações que migrariam também sobre as formas de assessoria técnica para implantação de reformas nos moldes prescritos” ( ALGEBAILE, 2009 , p. 265). Com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, no ano de 1973, todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação.

A partir daí, as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. Na Inglaterra, foi eleito o governo de Margareth Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado, publicamente empenhado em colocar em prática o programa neoliberal, seguido, em 1980, por Ronald Reagan, nos Estados Unidos; em 1982, por Kohl, na Alemanha; e, em 1983, por Schluter, na Dinamarca. Esse processo, segundo Anderson (2008) , foi de ascensão política da chamada “nova direita”, a partir das ideias e propostas hayekianas – expressão referente ao economista austríaco Friedrich Von Hayek. Suas teses foram referência para as reformas alicerçadas pelas políticas denominadas neoliberais, oferecendo uma nova agenda de reformas do capitalismo mundial. Dessa maneira, fortaleceu o poder de atração do neoliberalismo político, consolidando o predomínio do Reino Unido e dos Estados Unidos, entre os anos 1979 e 1987, e, posteriormente, dos demais países industrializados.

O mundo capitalista, desde os anos finais do século XX, apresenta uma profunda revolução tecnológica, acumulando mais conhecimentos tecnológicos do que em toda a história da humanidade. Entretanto, existe o outro lado da moeda, pois a verdade é que o dramático avanço tecnológico, sem um avanço comparável em termos institucionais, torna-se explosivo para a humanidade.

O quadro mundial de mudanças formou-se em 1971, quando a crise do Estado e a falência de seu papel diante da reorganização produtiva do capital foram marcadas pela quebra do sistema monetário de Bretton Woods – sistema desenvolvido com o objetivo de gerenciar a economia internacional, estabelecendo regras para as relações comerciais e financeiras –, em que os Estados Unidos não sustentaram a posição do dólar como moeda padrão, causando situações de desequilíbrios econômicos e déficit comercial. A esse respeito, Oliveira (2000 , p. 41) afirma que as instituições de Bretton Woods vêm sendo apontadas como centro de gravidade para as principais decisões econômicas dos países em desenvolvimento. Marcadas por suas características não democráticas, tais como princípios dogmáticos, falta de transparência e de pluralismo no debate de ideias, essas instituições vêm demonstrando certa impotência para influenciar as políticas dos países ricos, a quem de fato servem. Entretanto, sobre os países em desenvolvimento essas agências exercem muito maior influência que o mercado, agindo, muitas vezes, como um poder de Estado.

Nesse contexto se desenvolve uma crescente dissociação entre as tendências predominantes no âmbito do Estado e as tendências predominantes no âmbito da sociedade civil. As determinações das corporações multinacionais, articuladas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e pela Organização Mundial de Comércio (OMC), verbalizadas e perpetradas em termos de “Reforma do Estado”, “Estado Mínimo”, “Mercado Emergente” e outras fórmulas criadas pelo discurso neoliberal, atrelam-se crescentemente às exigências da globalização. Desse modo, as políticas neoliberais ressaltam a perspectiva de fortalecimento da democracia e associam, contraditoriamente, as forças de mercado à defesa de instituições tradicionais como a família e o Estado. No entanto, na era das políticas neoliberais, o conservadorismo soube se posicionar com grande astúcia estratégica no jogo político das teses democráticas. O que durante “muito tempo não foi outra coisa a não ser uma inimizade irreconciliável, foi se transformando em união peculiar: conservadorismo e democracia acabaram, geralmente a contrapelo, cruzando suas fronteiras doutrinárias e políticas” ( GENTILI, 1998 , p. 47).

Na síntese de Torres (1998) são apontadas divergências notáveis entre as Resoluções da Conferência Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e as orientações do BM (um dos signatários de Jomtien) para as reformas educacionais da América Latina e do Caribe. “Nessa oportunidade foi proposta uma visão ampliada da educação básica que inclui igualmente crianças, jovens e adultos, iniciando-se com o nascimento e se estendendo pela vida toda, não se limitando à educação escolar” ( TORRES, 1998 , p. 133). Desde a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, a referência perseguida pelas políticas educativas, sobretudo para os países pobres e populosos do mundo, passou a ser a educação para a equidade social.

De acordo com Gajardo (2012) , nas reformas da década de 1990 foram definidos quatro eixos de políticas em torno dos quais se desenharam estratégias, programas e projetos de inovação e mudança: o de gestão; o da qualidade e da equidade; o do aperfeiçoamento docente; e o do financiamento. Assim, há diversos programas e projetos orientados nessa direção. “Faz-se distinção, geralmente, entre os âmbitos administrativo (institucional), pedagógico e financeiro, cada qual com suas estratégias ou programas de ações próprias” ( GAJARDO, 2012 , p. 335).

Nessa direção, destaca-se o papel fundamental que têm a Unesco e a Cepal em propror projetos regionais, tendo por finalidade estabelecer referências comuns para as políticas educativas a serem perseguidas pelos sistemas escolares nacionais, sendo que uma das iniciativas tomadas por esses organismos foi a criação, em novembro de 2002, do Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe (PRELAC), no qual os preceitos de individualidade e de liberdade são destacados em prol da universalidade da educação. O debate da universalidade foi um aspecto essencial na organização escolar durante mais de um século e essas mudanças têm levado a ações de completo abandono das escolas sob a responsabilidade de grupos que participam e decidem segundo critérios e juízos individualizados.

O PROEMEM e o financiamento externo com o BID

O PROEMEM foi instituído em 30 de outubro de 2014 e conta com financiamento global de US$ 104,000,000.00 (cento e quatro milhões de dólares norte-americanos). Destes, US$ 52,000,000.00 (cinquenta e dois milhões de dólares norte-americanos) são oriundos de uma operação de crédito com o BID e os outros 52 milhões de dólares, da contrapartida do orçamento da SEMED e de repasses do MEC. Os contratos de empréstimos e de garantia somente foram firmados em 18 de maio de 2017, tendo sido a República Federativa do Brasil representada no ato pela Procuradora da Fazenda Nacional que esta subscreve, no uso da competência que lhe foi conferida mediante a Resolução nº 7, de 2017, publicada no Diário Oficial da União (DOU), nº 95, em 19 de maio de 2017.

As justificativas para o empréstimo junto ao BID, de acordo com o documento do PROEMEM, são a infraestrutura, o desempenho escolar, a gestão e a avaliação. A lógica idealista apontada pelas ações do PROEMEM caracteriza as perspectivas teóricas influenciadas por esse Organismo Multilateral de Crédito. As relações político-sociais estão mediadas pelas doutrinas ou ideologias, na dinâmica das relações econômicas de exploração.

É importante considerar que o processo de implantação das ações do PROEMEM conta com a operação de crédito externo, aderindo ao empréstimo com o BID, cujo objetivo anunciado no projeto é expandir a cobertura e melhorar a qualidade da educação básica, conforme se observa no quadro 1 a seguir:

Quadro 1 – A consolidação do PROEMEM 

JUSTIFICATIVA OBJETIVO REGULAMENTAÇÃO FONTE DE RECURSOS E CUSTO TOTAL
- Visando ao cumprimento das Metas e Diretrizes do Plano Nacional de Educação e da Legislação Educacional vigente, a SEMED capitaneou financiamento junto ao BID para a promoção de ações que visam à melhoria do processo educacional do município. - Expandir a cobertura e melhorar a qualidade da educação básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental). Em 30 de outubro de 2014 a Lei Municipal nº 1.921 institui, no âmbito da SEMED, o PROEMEM. Essa Lei é revogada pela Lei Municipal nº 2.230, de 4 de julho de 2017, que reestrutura o PROEMEM para ser executado pelo período de cinco anos (de 2017 a 2021). BID VALORES US$ (milhões) %
52,00 45,6
SEMED e MEC 52,00 54,4
TOTAL 104,00 100

Fonte: ( MANAUS, 2013 ). Elaboração da autora.

Nessa perspectiva de submissão às condicionalidades internacionais, principalmente a partir das políticas de ajuste estrutural e setorial empreendidas por organismos internacionais como o Banco Mundial (BM), a Unesco e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o convênio SEMED-PROEMEM aponta para um só caminho, no qual “o sistema educacional precisa passar por uma reforma visando qualificar melhor as pessoas para enfrentarem um mundo mais competitivo, mais afinado com o mercado” ( MAUÉS, 2003 , p. 91).

Diante desse contexto, as políticas educacionais dirigidas por organismos internacionais modificam o trabalho, a formação e a carreira docente, e “aos professores resta consumir os produtos do aquecido e rentável mercado” ( SARTI, 2012 , p. 325). Nesse sentido, é importante enfatizar aqui o trabalho de contextualização crítica das políticas educacionais e das ações resultantes de projetos de parcerias, contratos ou convênios entre setores públicos e privados que se consolidam a partir dos resultados de pesquisa, estudos e análises sobre as propostas de reforma do Estado produzidas em âmbito internacional e nacional.

Resultados: cenário atual do PROEMEM e as negociatas com o BID

Conforme se verifica, o empréstimo de US$ 52,000,000.00 (cinquenta e dois milhões de dólares americanos) que o município de Manaus tomou junto ao BID é amparado pelo programa de meta educacional do município, atuando alinhado às políticas públicas para os setores, tanto nacionais quanto estaduais, para elevar os níveis de excelência na educação. Assim, espera-se melhorar o desempenho acadêmico dos alunos medido pela Prova Brasil. Os recursos do empréstimo serão aplicados na expansão da infraestrutura educacional da rede de ensino municipal, na melhoria da qualidade da educação, assim como na gestão, no monitoramento e na avaliação do ensino.

Essas justificativas apresentadas no documento do PROEMEM tendem a argumentar que a realização de financiamento externo do BID consubstancia-se em reformas educacionais para o município de Manaus. Sem se dar conta disso, essa administração pública de educação municipal endossa propostas pedagógicas que “expressam a concepção liberal burguesa de sociedade e de indivíduo” ( FACCI, 2012 , p. 101). É preciso estar vigilante às maneiras, por vezes sutis, pelas quais as ideologias liberal e neoliberal estão presentes em determinadas orientações dadas às políticas educacionais, uma vez que expressam a materialização dos motivos financeiros e institucionais, bem como das razões econômicas e ideológicas que compõem as relações de poder, beneficiando-se nesse processo imposto pelo ritmo do capital financeiro internacional.

No documento do PROEMEM, anuncia-se como objetivo geral ampliar a cobertura e melhorar a qualidade da Educação Infantil e do Ensino Fundamental da rede municipal, partindo da premissa de inclusão de quatro ações componentes. Observe o quadro 2 a seguir, detalhando a distribuição dos custos financeiros para a continuidade da execução das ações dos componentes do PROEMEM oriundos da operação de crédito com o BID programados para execução total em cinco anos (de 2017 a 2021):

Quadro 2 – Custos financeiros do PROEMEM 

AÇÃO OBJETIVOS TOTAL
COMPONENTE 1: Expansão e Melhoria da Cobertura da Educação Infantil e Ensino Fundamental Expandir o acesso à educação básica, compreendendo a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, por intermédio da construção de unidades de ensino de educação básica. US$ 63,380,000.00
COMPONENTE 2: Melhoria da Qualidade da Educação Aprimorar o rendimento e o desempenho escolar dos alunos da rede pública municipal de ensino. US$ 26,260,000.00
COMPONENTE 3: Gestão, Monitoramento e Avaliação Fortalecer a educação básica por meio de: projetos pedagógicos e reforço escolar; aceleração da aprendizagem; seleção e formação de professores formadores; gestão, monitoramento e avaliação do desempenho escolar dos alunos da rede pública municipal de ensino. US$ 8,030,000.00
COMPONENTE 4: Administração do Projeto Robustecer a capacidade institucional da SEMED para gerenciar, monitorar e avaliar o sistema educativo municipal. US$ 6,330,000.00
TOTAL   US$ 104,000,000.00

Fonte: ( MANAUS, 2013 ). Elaboração da autora.

O quadro 2 mostra os desembolsos previstos para a execução das ações do PROEMEM no período de 2017 a 2021. Os parâmetros de custos financeiros foram disponibilizados pelo BID. No quadro pode-se verificar esses fluxos em dólares correntes, calculados com base em uma taxa de câmbio de 3,09930. O custo total em valores correntes é de US$ 104,000,000.00 ( BRASIL, 2017 ). Como se pode notar pelo referido quadro, os custos estão divididos em quatro componentes. O Componente 1 tem como ação expandir a cobertura e melhorar a Educação Infantil e o Ensino Fundamental; constitui a maior parte dos custos do projeto, que corresponde a US$ 63,380,000.00, e anuncia como objetivo ampliar a cobertura da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e a expansão e melhoria da infraestrutura escolar. Este componente destina-se à construção de Centros de Educação Infantil (CMEI) e creches, à construção de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF) e à aquisição de bens e materiais duráveis para equipar as unidades.

O Componente 2 tem como ação melhorar a qualidade da educação. Compõe, no total de despesas, US$ 26,260,000.00. Este componente anuncia como objetivo melhorar o desempenho dos alunos da rede da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Para poder executar esta ação, é implantado nas escolas o programa de aceleração da aprendizagem e reforço escolar monitorado pelo Instituto Airton Sena (IAS).

O Componente 3 tem como ações a gestão , o monitoramento e a avaliação . Compõe US$ 8,030,000.00 no total de despesas previstas. Este componente anuncia como objetivo reforçar a capacidade de gestão da rede de ensino da SEMED. Isso levaria a atividades relativas a: implementação de novos processos de seleção e avaliação de professores e administradores; implementação do Sistema de Avaliação de Desempenho Educacional de Manaus (SADEM). No intuito de colocar em prática essa ação, foi elaborada a Avaliação de Desempenho do Estudante (ADE) na rede municipal de ensino, para somar com a avaliação externa lançada em nível nacional: a Prova Brasil, aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que coloca, desde 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) como indicador de qualidade da educação, concebido e disseminado pelo governo federal brasileiro. A ADE faz parte do SADEM e foi implantada sob o Decreto municipal n° 3.113, de 15 de junho de 2015.

E, finalmente, o Componente 4 tem como ação a gestão do Projeto . Compõe um total de despesas previstas de U$ 6,330,000.00. A fim de proporcionar a execução do Projeto, serão realizadas: a criação da Unidade de Gerenciamento de Projetos (UGP); a aquisição de bens para o seu funcionamento; e a prestação de apoio à gestão e à auditoria externa. Em 12 de junho de 2017, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) aprovou o Projeto de Lei que regulamenta o empréstimo e criou a UGP, responsável por planejar e coordenar as ações gerais do PROEMEM em todas as suas etapas.

Ao colocar em prática suas ações o PROEMEM consubstancia-se em reformas educacionais para o município de Manaus. Sem se dar conta disso, essa gestão da educação municipal endossa propostas pedagógicas que “expressam a concepção liberal burguesa de sociedade e de indivíduo” ( FACCI, 2012 , p. 101). Nessa perspectiva, o discurso apresentado por agências financeiras multilaterais soa como se essas reformas educacionais fossem suficientes para o homem realizar a apropriação do conhecimento e provocar mudanças na sua prática social ( FACCI, 2012 , p. 101).

As condicionalidades requeridas pelas agências financeiras multilaterais se sustentam em um diagnóstico macroeconômico mundial e a sua concepção central comporta os mesmos pressupostos norteadores políticos, econômicos e ideológicos dessas agências. Articuladas ao diagnóstico e ao receituário macroeconômico proposto, as agências financeiras multilaterais, particularmente o BID, o FMI e o BM, convergem e articulam os condicionantes requeridos às políticas macroeconômicas diagnosticadas, que devem se materializar nos ajustes estruturais e setoriais implementados em cada país mutuário submetido aos empréstimos internacionais, vorazmente mobilizados pelo capital em âmbito mundial, especialmente pela sua forma mais articulada globalmente, o capital financeiro internacional. Maués (2014 , p. 44), em suas análises acerca do Banco Mundial (BM), confirma essa direção, ao ressaltar que a educação, na perspectiva do BM, tem de ser “produtiva e que é preciso gerenciar melhor a escola, os conteúdos e a formação de professores, sugerindo, em relação ao último item, uma formação mais curta e fora das universidades”. O poder dos organismos multilaterais junto aos governos na determinação das políticas educacionais implica uma adequação do ensino às exigências do mercado.

Nesse cenário, os empréstimos são realizados pelas agências financeiras multilaterais e seguem um processo de operacionalização, de implementação e de condicionalidades políticas e financeiras sistemáticas. Por conseguinte, envoltos nesse processo, os ajustes estruturais e setoriais permitem uma noção genérica sobre uma parte desse artifício de acumulação de capital, ao verificar o volume e o movimento financeiro gerado pelos mesmos, e permitem, ainda, observar a realização de reformas que constituem o engendramento desse processo em âmbitos financeiros e institucionais, econômicos e ideológicos.

Cabe, assim, descortinar nos dias atuais a organização de projetos sob as diretrizes do BID, elaborados pelo mercado privado para o setor público, abarcando as administrações públicas federais, estaduais, municipais e suas secretarias de educação, entre outras. No Diário Oficial da União (DOU), o Senado Federal, por meio da Resolução nº 7, de 2017, autoriza o município de Manaus a contratar operação de crédito externo com o BID, com garantia da União, no valor de até US$ 52,000,000.00 (cinquenta e dois milhões de dólares dos Estados Unidos da América), passando a contar o prazo de cinco anos para a execução das metas estabelecidas pelo PROEMEM, no âmbito da SEMED. Na tabela 1 a seguir, observam-se os valores liberados anualmente, ou seja, pagos em cinco parcelas anuais no valor total de US$ 52,000,000.00.

Tabela 1 – Liberação da operação de crédito externo 

ANO LIBERAÇÃO
2017 US$ 460,000.00 (quatrocentos e sessenta mil dólares dos Estados Unidos da América)
2018 US$ 17,930,000.00 (dezessete milhões, novecentos e trinta mil dólares dos Estados Unidos da América)
2019 US$ 13,060,000.00 (treze milhões e sessenta mil dólares dos Estados Unidos da América)
2020 US$ 14,570,000.00 (quatorze milhões, quinhentos e setenta mil dólares dos Estados Unidos da América)
2021 US$ 5,980,000.00 (cinco milhões, novecentos e oitenta mil dólares dos Estados Unidos da América)
Subtotal US$ 52,000,000.00

Fonte: ( BRASIL, 2017 ). Elaboração da autora.

Os contratos de empréstimos e de garantia foram firmados em 18 de maio de 2017, tendo sido a República Federativa do Brasil representada no ato pela Procuradora da Fazenda Nacional, no uso da competência que lhe foi conferida mediante a Resolução nº 7, de 2017, que autoriza o município de Manaus a contratar operação de crédito externo, com garantia da União, com o BID. Não obstante, enfatiza-se a abordagem privatizante presente nos processos da relação com o setor privado e induz-se a estabelecer questionamentos sobre a constituição da educação nacional, cujo polo da iniciativa privada tem papel ativo em sua oferta e manutenção, de forma direta, indireta e diversificada.

O que se quer demonstrar com isso é a organicidade que a Secretaria Municipal de Educação tem com os pressupostos do Banco para a educação e para o modelo de Estado que ele defende. Preliminarmente, seria necessário considerar o contexto no qual ocorreu a definição da educação como uma política nacional que se configurou com o desenvolvimento do capitalismo como modo de produção econômica no Brasil. Pode-se, no entanto, também fazer referência às políticas de Estado, orientadas pelas burguesias industrial e empresarial, que garantiram à iniciativa privada as condições de adotar um papel ativo na organização política, econômica, social e educacional no país. Pode-se, ainda, a partir de um máximo de especificidade histórica, analisar as políticas que norteiam e estimulam a efetivação da educação advinda da herança revolucionária de defesa da escola pública. Trata-se, em princípio, de relações em processos de longa duração, bastante difusos no tempo e no espaço, como os referidos por Ribeiro (1998) , implicados na relação entre o Estado e a iniciativa privada, na consolidação da educação brasileira, resultando em um processo conflituoso que deu materialidade às facetas públicas e privadas da educação.

Considerações finais

O presente trabalho procurou mostrar o processo de implantação do PROEMEM na Secretaria Municipal de Manaus, evidenciando todo esse conflituoso processo materializado nos documentos oficiais que fundamentam e norteiam o PROEMEM, reproduzidos nas diretrizes do BID, bem como constatando a inserção da lógica do mercado na educação pública municipal em Manaus. Nesse contexto, em Manaus, há um volume crescente de contratos, convênios e acertos entre a SEMED e os setores privados, encontrando-se novos nichos de exploração econômica que permitem a apropriação privada do bem público, fetichizado por seus produtos e por seus serviços, nas etapas da educação básica do ensino público municipal de Manaus.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, parece ser o caso de questionar as implicações desses serviços para as escolas, uma vez que esse mercado educacional tem se destacado por vincular a aquisição e a utilização de seus produtos e serviços às supostas vantagens para alcançar uma determinada qualidade da educação. Portanto, é premente intensificar o debate sobre o financiamento da educação, aqui entendido como uma nova fase de reprodução do capital, caracterizada pela preponderância das finanças.

Finalmente, a análise realizada com base nos dados da implementação do PROEMEM na SEMED de Manaus demonstra que a relação entre o PROEMEM e o BID está alinhada ao processo amplo e complexo que dá visibilidade a um projeto de sociedade e a um projeto educativo contraditório, desigual e privatizante, centrado na relação entre Estado, mercado, sociedade e educação. Verifica-se que, na educação municipal de Manaus, tem se concretizado um intricado processo de privatização que compõe as faces públicas e privadas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Nessas etapas de escolarização analisadas, a política educacional mantém-se orientada pela lógica do BID, perante o grande objetivo atual das forças do capital que, em âmbito mundial, anseiam consagrar a pequena política e a pseudo-ética do privatismo desenfreado como elementos fundamentais de um senso comum que sirva de base à sua hegemonia.

Desse modo, a realidade tem revelado a prática da aplicação da política neoliberal na SEMED, sendo possível consubstanciar como é organizada e instrumentalizada a aplicação do neoliberalismo na educação municipal de Manaus. Assim, após a execução das ações do PROEMEM na rede pública municipal de ensino, evidenciou-se a expansão muito rápida da atividade do setor privado no ambiente da SEMED de Manaus.

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Recebido: 14 de Abril de 2018; Revisado: 08 de Agosto de 2018; Aceito: 11 de Setembro de 2018

Rudervania da Silva Lima Aranha é aluna de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Públicas e Educação na UFAM, certificado pelo CNPQ.

Selma Suely Baçal de Oliveira é professora associada IV da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAM, onde orienta mestrado e doutorado. Foi diretora da FACED/UFAM. É Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFAM. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Públicas e Educação na UFAM, certificado pelo CNPQ.

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