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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 07-Oct-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945208494 

Artigos

Ludicidade: compreensões conceituais de pós-graduandos em educação

1 - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Vitória da Conquista , Bahia , Brasil . Contato: periciacontroladoria@yahoo.com.br.

2 - Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador , Bahia , Brasil . Contato: cmdt@ufba.br.


Resumo

A ludicidade, presente no vocabulário corriqueiro de muitas pessoas, é compreendida simplesmente como sinônimo de jogo, mormente ligada ao universo infantil. Após aceder à literatura, ao estudo e discussão concernente à essa temática, podem emergir significações de viés acadêmico. O artigo apresenta respostas à questão norteadora: quais são as compreensões dos discentes, pós-graduandos em educação, sobre a ludicidade? Buscou-se aprofundamento teórico em Luckesi (2014), Lopes (2014) e Moraes (2014). O objetivo geral é analisar as compreensões conceituais sobre a ludicidade pelo prisma dos discentes pós-graduandos em educação. Buscou-se especificamente: levantar o conceito de ludicidade e seu campo semântico construído pelos discentes; identificar relações entre o lúdico e a educação; e reconhecer as singularidades da ludicidade e das atividades potencialmente lúdicas sob o ponto de vista discente. Justifica-se a importância da temática pelas contribuições teórico-práticas às discussões acadêmicas em educação sobre ludicidade no contexto do ensino superior, enriquecendo a formação profissional de docentes que se proponham a mediar ludicamente. Metodologicamente é um estudo de caso qualitativo, junto aos discentes de um componente curricular concernente à ludicidade, oferecido em uma instituição de ensino superior federal. Os dados interpretados pela análise de conteúdo são oriundos de fórum eletrônico. Na interpretação, outras fontes literárias ampliam a discussão: Caillois (1990); Brougère (1998); Huizinga (2000); Luckesi (2000); Retondar (2007); Holzapfer (2003); Kishimoto (2011) e D’Ávila e Leal (2012). Entre outras conclusões, levantou-se que o conceito lukesiano de ludicidade como inteireza, plenitude e estado subjetivo interno foi internalizado e compreendido pelo olhar discente.

Palavras-Chave: Ludicidade; Ensino superior; Educação

Abstract

Ludicity, present in the current vocabulary of many Portuguese speakers, is understood simply as a synonym of recreation or “playing games”, most notably linked to the lives of younger children. Upon accessing the literature, studies and discussions surrounding this subject matter, undertones of academic bias may be present. This article presents answers to the guiding question: How do graduate students in education comprehend the concept of ludicity? Academic works by Luckesi (2014), Lopes (2014) and Moraes (2014) were referenced for in-depth, theoretical understanding of the topic at hand. The overarching goal is to analyse conceptual comprehension around ludicity through the viewpoint of graduate students in education. Specifically, the objectives were: to bolster the concept of ludicity and its semantic field, constructed by the students; to identify relationships between ludicity and education; and to recognize the singularities of ludicity and its potential activities according to the students’ perspective. The subject matter is justifiable due to the theoretical and practical contributions made to academic discussions around ludicity in the context of higher education, thus enriching educators’ professional preparedness in implementing ludic methods in their classrooms. From a methodological standpoint, the present work is a qualitative case study, realized collectively with students who had a curricular component linked to ludicity which was offered in a federal institution of higher education in Brazil. The data interpreted in the analysis originate from online retrieval systems. In this interpretation, other literary sources expand the discussion, such as: Caillois (1990), Brougére (1998), Huizinga (2000), Luckesi (2000), Retondar (2007), Holzapfer (2003), Kishimoto (2011) and D’Ávila and Leal (2012). Among other conclusions, it is of note that Luckesi’s concept of ludicity as totality, fulfillment and an internal, subjective state was internalized collectively from a student standpoint.

Key words: Ludicity; Higher education; Education

Introdução

“Quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação”

(Mário Quintana).

As palavras ludicidade e lúdico fazem parte do vocabulário de muitos que, no senso comum, as utilizam como sinônimos de jogo, mormente ligadas ao universo infantil. Saindo do viés comum e partindo ao viés acadêmico, uma vez que se tenha acesso à literatura, ao estudo e discussão concernente à essa temática, possivelmente ressignificações são empreendidas, uma conceituação mais apurada emerge.

No bojo do trabalho educativo de ensino superior, percebe-se a primazia do academicismo pedagógico, que não abre espaço para outras linguagens e para o prazer em ensinar e aprender. Um ensino que vem sendo muito baseado na verborragia docente e num modelo troncular e verticalizado. Talvez isto explique o adoecimento de professores e pós-graduandos em diferentes áreas, especificamente na área da educação, na qual se insere o presente trabalho de investigação.

A ludicidade aparece como componente curricular de um curso de pós-graduação (mestrado e doutorado) de uma instituição de ensino superior (IES) federal, em Salvador, na Bahia, no seio de um programa que visa à formação de professores. A ideia repousada por detrás do componente está em fazer emergir nos discentes uma compreensão ampliada do conceito de ludicidade ou lúdico, num trabalho pedagógico desenvolvido com aportes nessa linguagem.

Em busca da compreensão desse conceito, sob o prisma discente, advinda após estudos, é que se construiu a investigação da qual deriva este artigo. Fez-se uma pesquisa junto aos alunos do componente curricular mencionado, que era dedicado, entre outras coisas, ao estudo da ludicidade na formação docente, e ofertado em um programa stricto sensu de pós-graduação em educação no Brasil em uma IES federal.

A matéria conta com uma carga horária de 68 horas/aula, foi oferecida no segundo semestre de 2017 e possui como ementa:

O desejo de ensinar e as contribuições da arte e ludicidade na formação e prática docente. Saberes da docência: o saber ser, o saber fazer e o saber sensível. A dimensão estética na formação docente e nas práticas educativas. Paradigmas emergentes na formação docente. Práticas educativas e criatividade: do lúdico à arte. 3

Ludicidade, suposto central desse componente curricular, perfaz conteúdo amplamente debatido ao longo de todo o semestre. Inúmeros materiais, de diferentes formatos são disponibilizados pelos docentes responsáveis por ministrar a disciplina, diversas estratégias são aventadas para esse intento. Nas primeiras aulas, o programa foi discutido e ajustado para contemplar demandas, contextos e cronogramas.

Estabelecidas as regras do percurso, optou-se por uma leitura inicial e discussão de três artigos cuja tônica é a ludicidade, os quais são oriundos de autores reconhecidos por sua discussão e defesa temática: Luckesi (2014), Lopes (2014) e Moraes (2014). Os três textos encontram-se resumidos na parte de desenvolvimento deste artigo, servindo de suporte teórico por meio do qual o leitor pode conhecer a tônica e o conteúdo da discussão entabulada nas aulas, bem como as ideias defendidas pelos referidos autores.

Em seguida à leitura, foi proposta uma exposição dialogada apoiada em slides das docentes que explicitaram conceitos e fomentaram a eclosão de dúvidas e debates. Foi solicitado aos alunos que se produzissem mapas conceituais (NOVAK; GOWIN, 1995) ou mapas mentais (BUZAN, 2009) sobre o conteúdo dos textos estudados. Na aula seguinte, tais materiais foram apresentados e explorados, fomentando uma consolidação das discussões.

Assegurando-se do amplo trabalho sobre o eixo de concepções e relações de ludicidade, foi proposto um momento de culminância através da participação em um fórum no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) moodle da IES, em tal instância os estudantes deveriam postar comentários que discutissem a ludicidade, ensejando mostrar as compreensões conceituais sobre a temática.

A discussão virtual ensejada despertou inquietações científicas sobre as compreensões dos alunos – pós-graduandos em educação – sobre a ludicidade. Assim, este artigo teve sua gênese ancorada na seguinte questão-problema: quais são as compreensões dos discentes, pós-graduandos em educação, sobre a ludicidade? Dessa questão derivam outras que adensam a investigação convertendo-se, posteriormente, em elementos de busca específicos, tais como: qual é o conceito e o campo semântico relativo à ludicidade construído pelos discentes?; quais são as relações estabelecidas pelos alunos entre o lúdico e a educação?; quais são, sob o ponto de vista discente, as singularidades da ludicidade e das atividades potencialmente lúdicas?

A apreciação que este artigo aporta, visou a alcançar como objetivo geral: analisar as compreensões sobre a ludicidade pelo prisma dos discentes pós-graduandos em educação. Buscou-se obter como objetivos específicos: levantar o conceito de ludicidade e o campo semântico relativo à ludicidade construído pelos discentes; identificar relações entre o lúdico e a educação; e reconhecer as singularidades da ludicidade e das atividades potencialmente lúdicas sob o ponto de vista discente. De fato, o que se busca neste trabalho é compreender “o olhar” do discente sobre a ludicidade.

Em termos de justificativa para a produção deste artigo, resta evidente que ele contribui positivamente para as discussões acadêmicas em educação sobre ludicidade, expondo os resultados do trabalho construído em contexto de sala de aula mais amadurecido (pós-graduação), aportando um material mais denso sobre uma temática que estrutura o fazer do docente a partir da mediação lúdica, propiciando elementos de enriquecimento teórico-prático para a formação profissional de docentes, os quais, ao ressignificarem sua prática, contribuem para a conformação e desenvolvimento de sujeitos sociais (alunos/cidadãos) integrais e cientes de seus processos de crescimento cognitivo e afetivo.

Particularmente há o enriquecimento do lastro teórico-empírico para fundamentar debates junto a grupos de pesquisa nas discussões relativas à mediação didática fomentada pela linguagem da ludicidade em contexto do ensino superior.

Metodologicamente trata-se de uma investigação qualitativa exploratória, cujo procedimento principal é um estudo de caso, com dados produzidos por fórum virtual e examinados pela análise de conteúdo.

A seguir, encontra-se no percurso teórico o resumo do que foi trabalhado em sala de aula, no percurso metodológico há maiores detalhamentos da trajetória empreendida para atender aos objetivos propostos, seguida do percurso analítico categorizado que apresenta pormenores do que foi encontrado nas postagens sobre ludicidade (resultados da pesquisa), as quais são sumarizadas nas considerações finais, em que se discutem os resultados. Apresentam-se, ainda, as referências para que o nobre leitor possa ampliar sua leitura para as fontes que embasaram este artigo.

Percurso teórico

O primeiro dos textos trabalhados no componente curricular foi de Luckesi (2014), o qual tem como eixo central a discussão conceitual do termo ludicidade, perpassando suas dimensões, as atividades que manifestam a ludicidade e a formação docente. Traz que o conceito de ludicidade não é dicionarizado, refere-se a um estado subjetivo, a uma experiência interna, à sensação de inteireza e plenitude com alegria.

Deixa patente que, entre outras dimensões que possam emergir, a ludicidade se apresenta sob dimensões objetivas e subjetivas, e ambas podem ser compreendidas pelo prisma individual ou coletivo. As atividades, que o autor classifica como não lúdicas ou lúdicas, podem ser: brincadeiras, entretenimentos, jogos, viagens, entre outras coisas; ressalva, ainda, que entre uma atividade ser ou não lúdica reside a diferença da vivência subjetiva pessoal. Luckesi (2014) ainda defende uma educação lúdica que se proponha a um acompanhamento, uma mediação que se construa em meio a uma relação entre o cognitivo e o afetivo, posto que é o professor que dá o tom da aula, defendendo que a aprendizagem é fruto da vivência.

O segundo texto é de Lopes (2014), que propõe a ideia de design de ludicidade, a qual não fica explicitamente conceituada no texto. A autora aventa três dimensões do design: desejo, que arrasta corpo e mente e é fonte de prazer, emoção, interação social, motivação intrínseca e desafio; desígnio, isto é, a racionalidade que subjuga a emoção, dando propósito ao projeto, ao intento e que é consequência do desejo; e o desenho, ou seja, a intervenção pela representação criativa da ação social humana, a qual manifesta o desejo orientado pelo desígnio que o constrange.

Conforme a referida autora, há condicionantes para o desenho, a saber: a competência técnica, a operacionalização, a capacidade, a atitude, o saber fazer em meio a princípios éticos orientadores. Evoca como consequências do design o aumento exponencial da metacomunicação, o potencial comunicador e de aumento da comunicação.

O texto de Lopes (2014) apresenta também uma aproximação conceitual de ludicidade, defendendo-a como não dicionarizada e condição humana, ligada ao humor e à liberdade. Dinamizando sinergias de experiências divertidas cotidianas, a autora simplifica inadvertidamente ludicidade como sinonímia para jogar e brincar. Traz uma família semântica para a ludicidade, composta por: brincar (cujo foco é o processo, é espontâneo, automotivado e não sujeito a regras precisas); lazer (na dimensão do repouso, ócio, fruição, descanso e se reflete em qualquer atividade); recrear (proposto pela lógica do intervalo temporal, um ócio permitido); e jogar (cuja interação é regulada por regra, relativo ao desporto, com regras e foco no resultado).

No tocante às manifestações da ludicidade, expõe que elas podem ocorrer a qualquer tempo, contexto ou idade, demanda negociação, protagonismo e decisão, evidenciando capacidades transformadoras de aprender a aprender e a possibilidade de construção de artefatos de ludicidade, fomentando o jogar, brincar, recrear e lazer.

Lopes (2014) ainda evoca questões como a intercompreensão de compartilhar vivências na totalidade em meio à comunicação tanto taxionômica (relativa ao interacionismo simbólico e pragmático); ontológica (de consequencialidade); e etimológica (para juntar sentidos na diversidade de manifestações). Defende que a ludicidade é um potencializador de aprendizagem, de ensino e de mediações na formação, bem como ressalta que a ludicidade vem sendo buscada com interesse pelo mercantilismo alienante com efeito generalizador de lucro e hedonismo.

O terceiro artigo lido e discutido foi de Moraes (2014), que gira em torno da relação entre transdisciplinaridade e ludicidade. Parte de explicações sobre os paradigmas tradicional (de objetividade) e complexo (de subjetividade) da transdisciplinaridade, cujas dimensões ontológicas, metodológicas e epistemológicas se revestem de complexidade por ser auto organizada em meio dialógico, recursivo, indeterminado, imprevisível e incerto de multidimensionalidade emergente e transcendente.

Esmiúça a natureza transdisciplinar complexa em diferentes níveis de compreensão, realidade e percepção, intermediada por operadores cognitivos, em uma lógica não maniqueísta, não linear e não determinista. Aponta que o ser é fruto de interações, nutrido por fluxo estruturado advindo do conhecimento transdisciplinar, tanto interno quanto externo, mediado por linguagem lúdica que propõe uma nova lógica de viabilidade, visibilidade e possibilidade para inédita superação de desafios.

Evoca as vantagens da ludicidade: resgate de autoestima, respeito, fortalecimento e transformação do sujeito, construção de autonomia, identidade, alteridade, evocador de novos modos de pensar, sentir, que se dá em diferentes níveis pela abertura ao novo. Os momentos lúdicos, segundo Moraes (2014), valem a pena, possuem natureza complexa – tal como a transdisciplinaridade – de inteireza, escuta e percepção aguda, transcendente de prazer.

Deixa claro que as atividades potencialmente lúdicas podem envolver diferentes matérias, promovem ressignificação, criatividade, propiciam a emergência de sentimentos profundos pelas experiências e momentos vividos, os quais são significativos, criativos e abrangentes, agindo de forma pessoal e coletiva, promovendo integração e plenitude de forças criativas e não passivas.

No sentido de conceituar a ludicidade, aponta que se trata de um traço do comportamento humano, espontâneo, fruto de um estado de experiência ótima, de inteireza, de satisfação do sujeito, sendo um estado de consciência, vivência e percepção interna que rompe com dicotomias. Já ao conceituar a transdisciplinaridade, ressalta que se trata de um conhecimento aberto, de complexidade estrutural, cujos níveis de percepção são diversos por perpassar e transcender a dinâmica articulação entre os conhecimentos que ainda estão em apropriação e eterno vir a ser.

Os textos de Luckesi (2014), Lopes (2014) e Morais (2014), adrede escolhidos pelas docentes do componente curricular em tela, serviram de subsídio teórico inicial para construções, desconstruções e ressignificações de conceitos sobre a ludicidade dos discentes. A seguir, explicita-se a metodologia empregada neste trabalho.

Percurso metodológico

A investigação empreendida ampara-se no paradigma qualitativo com objetivo exploratório, tendo sua construção de pensamento pela lógica indutiva, sem desprezar a interação e o diálogo entre os sujeitos de pesquisa, aqui entendidos como colaboradores. Trata-se de um estudo de caso (YIN, 2003), com produção de dados através de um fórum eletrônico, compreensão e interpretação através da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), tendo por base as seguintes categorias (e subcategorias): 1) conceito (aptidão conceitual); 2) ludicidade no indivíduo (dimensões sinonímicas); 3) lúdico na educação (fazer docente lúdico e aprendizagem lúdica); 4) a singularidade da ludicidade; e 5) atividades potencialmente lúdicas.

O caso em estudo refere-se a um componente curricular ligado à ludicidade, lecionado em uma IES de âmbito federal, no segundo semestre de 2017, vinculado a um programa de pós-graduação em educação em nível de mestrado e doutorado. O componente é presencial e conta com a plataforma moodle da instituição para a disponibilização de materiais, com o intuito de fomentar maior interação entre os participantes, bem como propiciar uma interface virtual para discussões, envio de materiais e atividades didáticas. Um dos conteúdos do programa da disciplina é a ludicidade (“Ludicidade: concepções e relações”).

Para lastrear as primeiras aproximações teóricas foram recomendadas leituras de artigos científicos (LOPES, 2014; LUCKESI, 2014; MORAES, 2014), seguidas de explicações e discussões em classe, após o que foi proposto um fórum eletrônico na plataforma moodle que discutisse a ludicidade. Tratava-se de uma questão aberta e bem subjetiva, praticamente foi dado o tema e pedido que o discente se expressasse livremente.

A disciplina contou com 21 participantes efetivamente matriculados, todos cadastrados na plataforma moodle , dos quais dezessete participaram do fórum com uma postagem cada um.

Por salvaguarda ética, solicitou-se expressamente por escrito, mediante assinatura de um termo de consentimento, a autorização para empreender análise do material exposto neste fórum. Obtiveram-se quinze autorizações, para as quais assegura-se o anonimato. Foram adotados os nomes das quinze primeiras letras do alfabeto grego para designar cada colaborador, pessoas de diversos backgrounds acadêmicos – pedagogos(as), cientistas sociais, psicólogos(as), teatrólogos(as), químicos(as), contadores(as), biólogos(as), licenciados(as) em letras, geógrafos(as), educadores(as) físicos etc. –, que estão em uma das três situações: alunos especiais, alunos de mestrado ou alunos de doutorado no programa de educação da IES.

A diversidade de formação acadêmica fornece um raro ecletismo que fomenta uma discussão ainda mais rica por aportar uma pluralidade de entendimentos, tornando o estudo deste caso ainda mais relevante.

Percurso analítico

Neste tópico, buscou-se organizar o texto em categorias, ainda que interdependentes, apresentadas de maneira mais singularizada, com intuito meramente de facilitar a compreensão do percurso analítico.

Aspectos conceituais

Evidenciando a categoria aptidão conceitual da ludicidade, levanta-se que dois colaboradores, embora tenham feito comentários sobre a ludicidade, não apontaram um conceito, nem se apropriaram de algum conceito trazido pela literatura discutida, os outros treze o fizeram, ainda que expondo algumas ressalvas, tais como: o fato de estarem se sentindo inseguros para a conceituação, apesar das discussões e leituras empreendidas.

Ainda foi ressalvado o fato de que a palavra ludicidade não é dicionarizada, muitas vezes é simplista, sem abarcar toda sua dimensão, e que várias são as conceituações que incidem sobre ela, gerando muita divergência conceitual e dando a entender que o conceito ainda está em expansão ou construção. O que se percebe é que o termo ainda carece de consolidação literária, transparecendo aos que leem materiais relativos à ludicidade de que este conceito é muito amplo, subjetivo e em alguns casos vago, ou cercado de tentativas de simplificação que só empobrecem a compreensão e difusão desse conhecimento.

Em termos conceituais, levando em consideração as incidências (não o quantitativo de colaboradores), levantou-se que a conceituação de ludicidade que ficou internalizada nos colaboradores está em consonância com Lukesi (2014) e D’Ávila (2014), posto que 62,5% dos conceitos expostos retratam que a ludicidade é um estado ou experiência interna, enquanto que uma conceituação complementar a esta, a de que a ludicidade é um estado de plenitude, foi destacado em 18,75% nas falas. Amparando-se explicitamente na conceituação lukesiana, encontram-se 87,5% das conceituações que exprimem a ludicidade como um estado/experiência interna de plenitude e satisfação.

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Figura 1 – Conceituação 

Para além desta conceituação, um colaborador referiu-se à ludicidade como um “estado de brilho” (Épsilon), uma maneira autoral de exprimir o que efetivamente foi compreendido. Todavia, destoando da compreensão cognitiva da maioria, foi apresentado o conceito de que “A ludicidade é uma ferramenta importantíssima para formação do educador” (Ómicron, grifo nosso). Este conceito traz embutido uma visão utilitarista da ludicidade, a qual tem a serventia de contribuir no processo educativo como uma ferramenta. Cabe lembrar, entretanto, que a ludicidade tem fim em si mesma (HUIZINGA, 2000; HOLZAPFER, 2003).

Tal conceituação utilitarista tem mais a ver com uma visão mercadológica, que busca dar funcionalidade a tudo. Uma vez que a sociedade atual busca desenfreadamente o prazer e a satisfação, logo não é de se espantar que a ludicidade receba olhares interessados em seu fomento de prazer, cabendo, aos que se dedicam a seu estudo, veementemente ressalvar que este estado de inteireza e plenitude interna (LUCKESI, 2014) não se coaduna com o hedonismo, mas sim com o fluxo de sentimentos positivos (CSIKSZENTMIHALYI, 1999) que convivem em meio aos outros sentimentos inerentes à vida real.

Em outras palavras, a defesa que aqui se faz da ludicidade parte de um olhar positivo (que acata tanto os momentos de plenitude, como os momentos apequenadores) e não de um olhar totalitário (que focaliza somente o prazer não aceitando as circunstâncias em que ele naturalmente não emerja).

Outro elemento a ser destacado é o fato de que um colaborador expôs ter passado pelo processo de ressignificação do conceito de ludicidade, precisando desconstruir o conceito que trazia desde sua graduação após a leitura e discussões advindas neste componente curricular: “Conheci a ludicidade como sinônima de atividades lúdicas através de brincadeiras, jogos, e atividades educativas; sendo algo exterior ao sujeito [...] Ideia já desconstruída [...] [para] a acepção da ludicidade como uma vivência interna ao sujeito” (Eta).

Tem-se aí claramente que o componente curricular logrou êxito em seu intento de levar os participantes a uma conceituação ativa. Depreende-se que é na permanente construção, desconstrução e ressignificação que se faz a melhoria e a consolidação científica. Infere-se que o conceito luckesiano encontrou maior ressonância nos colaboradores, os quais compreendem uma profusão e a necessidade de mais consolidação conceitual para a ludicidade.

Ludicidade no indivíduo

Para a segunda categoria da ludicidade no indivíduo (dimensões sinonímicas), buscou-se aporte teórico em D’Ávila e Leal (2012), segundo os quais há três dimensões no conceito de ludicidade: uma cultural, visto que as atividades potencialmente lúdicas são atos contextualmente sociais e relacionais; uma psicológica, que evoca um estado de ânimo expresso por sentimentos: inteireza, vivência plena, realidade subjetiva interna do indivíduo; e uma pedagógica, como princípio formativo e estruturante do processo de ensinar e aprender significativamente sem dicotomias entre pensar e sentir.

No sentido de conhecer as dimensões sinonímicas que os estudantes atribuem à ludicidade, buscou-se levantar ordenadamente os termos informados ao longo das postagens que trouxessem palavras cujo sentido representasse seu entendimento por ludicidade. Identificou-se que os alunos que já haviam tido contato com a literatura que trata sobre o lúdico representaram-no principalmente pelos termos inteireza, prazer e plenitude, os quais apareceram respectivamente em 17%, 16% e 14% das falas postadas (conforme Figura 2 ).

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Figura 2 – Sinonímia da ludicidade 

Depreendeu-se uma grande pulverização nos termos, e partiu-se, então, para um agrupamento maior deles em três grandes grupos (vide Quadro 1 ), com inspiração na teoria exposta por D’Ávila e Leal (2012), entretanto, construído em face do que emergiu das postagens, a saber: 1) emoção (as emoções despertadas pela ludicidade, assemelhando-se à dimensão psicológica dos referidos autores, entremeada pela dimensão cultural) ; 2) religiosidade (termos que per se já remetem à conotação religiosa por serem oriundos de contextos teológicos, o que não deixa de expressar a dimensão cultural); 3) ação (termos que evocam práticas das quais decorrem o estado da dimensão psicológica, também imbricado de conteúdo cultural).

Quadro 1 – Agrupamento sinonímico 

Emoção (subjetividade, sentimentos, abstratos) f % Religiosidade f % Ação (o que se faz) f %
Inteireza (inteiro, integral, integração corpo e mente) 10 23% Paraíso 1 50% Entrega (de corpo e alma) 5 42%
Prazer (prazeroso) 9 20% Arrebatamento 1 50% Tocado (sentir-se tocado) 2 17%
Plenitude (estado pleno) 8 18% TOTAL 2   Experiência individual 2 17%
Estado de espírito (ânimo) 2 5%   Envolvido 1 8%
Subjetividade (subjetiva) 2 5% Espontâneo 1 8%
Bem-estar 2 5% Ócio 1 8%
Alegria (alegre) 2 5% TOTAL 12  
Satisfação 2 5%  
Contentamento interno 1 2%
Diversão 1 2%
Relacional 1 2%
Fruição 1 2%
Criativo 1 2%
Fluxo positivo de emoções 1 2%
Liberdade 1 2%
TOTAL 44  

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Os dados permitem, assim, a inferência de que há uma preponderância da dimensão psicológica (D’ÁVILA; LEAL, 2012) na representação e compreensão dos alunos de pós-graduação sobre a ludicidade, identificada em 76% (vide Figura 3 ).

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Figura 3 – Agrupamento sinonímico por prevalência 

A prevalência dos estados emocionais relacionados à ludicidade para conseguir objetivá-la em sua linguagem, leva a crer que o conceito de ludicidade lukesiano foi internalizado pelos estudantes ao longo dos estudos, leituras e discussões propostas na disciplina.

Lúdico na educação

Trabalhando-se com a terceira categoria do lúdico na educação (fazer docente lúdico e aprendizagem lúdica), pelo perfil dos estudantes, pessoas de alguma forma ligadas à educação (relação de ensino e aprendizagem), surpreende somente em metade das postagens aparecerem manifestações explícitas sobre a dimensão pedagógica, sejam relativas ao processo de ensino, sejam relativas ao processo de aprendizagem, ou a ambos.

As postagens nesse sentido dão conta de evocar as atribuições de um docente em meio lúdico, as quais são primordialmente de compreender sensivelmente o aluno como ser integral dotado indissociavelmente de subjetividade e cognição (razão e emoção), revelam ainda outras responsabilidades do professor (as quais independem de ele estar mediando ludicamente ou não): a necessidade de planejamento de sua ação, a importância de pesquisar e o reconhecimento de sua intencionalidade.

Depreendeu-se, ainda, que a ludicidade é vista como contribuição, como caminho para o processo de ensino e aprendizagem, sem, contudo, dizer em que ela consiste. Percebe-se que há o reconhecimento da importância sem materializá-la em ações, a ludicidade ainda não é totalmente compreendida como elemento estruturante do processo educativo. Entende-se que é importante, mas não se sabe como evocá-la na prática nas ações em sala de aula. Uma das postagens deixa patente que a mediação docente lúdica depende de pelo menos dois fatores: o estilo do professor e a formação recebida por ele.

O estilo refere-se à condição psicológica, cultural e pedagógica do professor de ser um humano inteiro no que faz, contente de seu fazer docente, em fluxo positivo (CSIKSZENTMIHALYI, 1999), o que se reflete em sua linguagem por vezes bem-humorada, sua linguagem corporal, na inserção de dispositivos potencialmente evocadores do lúdico em seu contexto escolar (tais como metáforas lúdicas, jogos, dinâmicas, entre outras), na compreensão do olhar do outro e um peculiar gosto pelo que se faz, um enlevo em ensinar, ou seja, para evocar a ludicidade na mediação didática é condição sine qua non estar lúdico. Ressalva-se que o paradigma de ludicidade em que se ancora esta fala não é hedonista, mas de equilíbrio entre elementos alegradores e não-alegradores, porém indispensáveis.

Já a condição de formação reflete a busca por uma construção de saberes sensíveis (TARDIFF, 2010; D’ÁVILA; SONEVILLE, 2008) vinculados às dimensões estética e lúdica desde a época de preparo para a docência na licenciatura ou adiante em alguma especialização voltada à docência. Não se pode furtar-se à ressalva de que a formação deve ser entendida na dimensão social – trata-se de um direito, “superando o momento das iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio, partido da esfera pública” (VEIGA, 2008, p. 15) –, bem como pelo olhar do inacabamento, entendendo, ainda, que o exercício da profissão lapida o fazer do professor reflexivo de sua prática, levando-o a aprimorar aptidões e valores, posto que a “formação pela reflexão nos permite pensar na possibilidade também de promover a inovação e romper com o tecnicismo” (FERREIRA, 2014, p. 177).

Dando mostras de quanto o fazer tecnicista se faz presente, analisa-se que ele emerge subliminarmente na linguagem, como é possível perceber no seguinte trecho de postagem: “ Ferramenta importantíssima para a formação do educador” (Ómicron, grifo nosso). Referir-se à ludicidade como ferramenta denota uma aplicabilidade funcionalista e pragmática que se coaduna com a lógica de mercado de trabalho que subjaz em uma lógica mercantilista e de automação produtivista relativa a algo que se faz mecanicamente, através de ferramentas.

Enquanto seria possível, em contrapartida, ter a noção orquestral de trabalho conjunto interdependente que oferta um instrumento, o qual pode ser afinado ao longo da vida docente. No fundo, a fala evoca uma concepção alheada ao ato político de ser professor, idealizando um profissional professor neutro e eficiente (NOVA, 2014).

Por ingenuidade, desconhecimento, falta de formação adequada ou por opção intencional, o fato é que não se pode fomentar que essa ideia de ludicidade como ferramenta seja disseminada. A ludicidade é elemento estruturante, um meio, uma linguagem que pode permear todo o fazer docente, o instrumento que pode, em consonância com os outros instrumentos da orquestra educativa, tocar uma enternecedora canção de ressignificação.

A singularidade da ludicidade

No intento de desenvolver as análises sob o amparo da quarta categoria a singularidade da ludicidade, esclarece-se que as singularidades são sutilezas ou mesmo obviedades as quais só se acessa cognitivamente uma vez que elementos conceituais basilares estejam consolidados para que se possa ancorar esses elementos decorrentes da maturação sobre determinada temática. Em outras palavras, só é capaz de perceber as singularidades aquele que já avançou em seu processo de construção de conhecimento, encontrando-se para além da assimilação inicial e superficial que acontece quando um neófito começa a apropriar-se de novo objeto.

Dos quinze respondentes, somente em dois não foi possível encontrar resquícios de singularidade. As diferentes singularidades encontram-se pulverizadas nas variadas postagens, do que se depreende que os esforços empreendidos pelas docentes no trato didático do conteúdo (leitura de textos, exposição dialogada, construção de mapas, discussões coletivas e postagem em fórum virtual) surtiram efeito, permitindo a identificação de avanços cognitivos em aproximadamente 87% dos participantes do fórum.

Levando-se em conta a frequência com que as sutilezas ou obviedades (singularidades) apareceram nas postagens, foi possível elaborar a Figura 4 para ilustrar didaticamente as compreensões avançadas dos estudantes.

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Figura 4 – Singularidades da ludicidade 

Ficou evidente que, segundo o prisma discente, a singularidade mais reconhecida foi a percepção diferenciada subjetiva e personalizada do lúdico, pois cada indivíduo percebe o lúdico de uma forma particular e subjetiva que leva em conta seu background vivencial, seus subsunçores (AUSUBEL, 2002), seus conhecimentos, seu momento psicológico, o entorno. O que para uma pessoa é lúdico e leva ao sentimento de plenitude e inteireza pode sequer tocar outra pessoa, a qual fica indiferente ao potencial lúdico de determinada manifestação, e pode, até mesmo, sentir-se incomodada, irritada ou aviltada.

A dimensão aventada em segundo lugar foi a de que a ludicidade é contextual e cultural, depende do contexto externo, interno e da cultura em que se insere para se manifestar, fazer-se sentida e compreendida como tal. Esta singularidade é corroborada pelas ideias de cultura lúdica encontrados em Brougère (1998, p. 108), para quem a ludicidade varia “em função dos hábitos lúdicos, das condições climáticas ou espaciais”.

Em igual patamar de evidenciação aparecem duas singularidades, a saber: a condição inerente e a dimensão relacional. De acordo com a primeira, o ser humano nasce com aptidão à ludicidade, é uma condição ontológica (LOPES, 2014), trata-se de uma condição inerente ao ser humano a capacidade de entrar em um estado de plenitude, o qual independe de idade, gênero, etnia, classe social.

Cabe, neste momento, a ressalva de que a ludicidade precisa encontrar ressonância tanto em meio adulto quanto infantil, visto que é condição inerente ao ser humano, chamado por Huizinga (2000) de homo ludens . A dimensão relacional que a ludicidade tem diz respeito ao fato de que ela só ocorre quando há uma relação do indivíduo seja com outro(s); com o ambiente, por exemplo, quando uma pessoa sente-se em fluxo positivo de emoções ao contemplar o pôr-do-sol; ou ainda com artefatos – jogos, brinquedos, ou elementos substitutos, como um carretel que faz as vezes de um carrinho.

Atividades potencialmente lúdicas

A última singularidade percebida é relativa à função e razão de ser da ludicidade. Ela, no dizer de Huizinga (2000), é inútil, não tem uma finalidade pragmática perceptível para produção de meios de consumo pelo mundo do trabalho. Referindo-a à ludicidade indiretamente sob a manifestação do jogo, o autor diz que ele “[...] não tem nenhuma finalidade útil que não seja dar prazer, relaxamento, e uma elevação do espírito” (HUIZINGA, 2000, p. 135). Ou, nos dizeres de Holzapfer (2003), o lúdico é razão suficiente (autotélica), é razão de ser em si mesmo, não carece de um porquê para se fazer presente.

Só para arremate nesta categoria de análise, corroborando a tese de que a percepção de singularidades vai para além da aprendizagem superficial, aduz-se que os autores aqui buscados para embasamento são filósofos e sociólogos, pensadores que, por força dos estudos que realizam, vão além das aparências e aportam amadurecimentos temáticos que se encontram para além dos estudos neófitos.

Ainda que a literatura trabalhada no componente curricular não tenha tido como objetivo precípuo discutir a questão das atividades potencialmente lúdicas (APL), identifica-se que esta foi uma temática presente na maioria das postagens, constituindo-se, pois, uma vertente da discussão da ludicidade que recebe especial atenção por parte dos colaboradores da pesquisa, conformando-se, portanto, em uma categoria para esta análise.

Acredita-se que isto se deva ao fato de que costumeiramente é por meio das APL que a ludicidade se vê manifestada no contexto escolar. Foi possível depreender das postagens que os estudantes colaboradores compreenderam a diferenciação: ludicidade e atividades lúdicas são termos diferentes, embora, pelo senso comum, haja uma má utilização vocabular que as faz serem empregadas como intercambiáveis.

Atividades lúdicas, segundo Luckesi (2000, p. 96) são aquelas que propiciam “[...] a plenitude da experiência. Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida, poderá sê-la ou não”. Aventa-se a controvérsia presente no conceito, posto que o lúdico é um estado de plenitude interno e subjetivo, depreende-se que uma atividade pode ser lúdica para um indivíduo e não o ser para outro, sendo, portanto, equivocado pressupor que porque se empreendeu uma atividade lúdica todos os que dela participarem vão se sentir lúdicos inexoravelmente, ou seja, é preciso promover desde a etapa de compreensão conceitual a assimilação de uma noção de potencialidade e não uma inexorabilidade lúdica, uma atividade potencialmente lúdica não condiciona que o indivíduo irá se sentir lúdico.

Ainda remetendo-se à caracterização da ludicidade como fenômeno interno, as postagens evocam a externalidade das ALP, as quais assentam-se na dimensão individual ou coletiva, porém sempre externas ao sujeito. Também pelo prisma das dimensões externas, levanta-se que a manifestação, ou seja, a maneira como aparece e pode ser percebida objetivamente pelos outros indivíduos é um meio, uma intermediação para a possibilidade da eclosão da ludicidade na pessoa. Algumas manifestações da ludicidade foram evocadas nas postagens, tais como: ócio, jogos, brincadeiras, humor, lazer, poesia, recreação.

Os termos destacados propositalmente estão organizados na Figura 5 , que procura representar a frequência em que estas subcategorias de singularidades referente às atividades potencialmente lúdicas apareceram nas falas dos colaboradores.

Fonte: dados da pesquisa, elaboração própria (2018).

Figura 5 – Singularidades nas atividades potencialmente lúdicas 

Continuando a compreensão da Figura 5 , explicita-se que os três termos que apareceram nas postagens com uma frequência um pouco menor foram relativos à distinção entre atividades de cunho lúdico, às sensações que vêm à tona em meio às atividades potencialmente lúdicas, bem como ao caráter informal destas.

Alguns discentes chamaram a atenção para a distinção entre atividades lúdicas e atividades educativas que se dizem lúdicas, as quais variam de nomenclatura e de conceituação. Kishimoto (2011) chama a atividade lúdica voltada para o trabalho didático de jogo educativo, outros como Vial (1981 apud KISHIMOTO, 2011) chamam de jogo didático, existe ainda o termo jogo pedagógico (ANTUNES; PEGAIA, 1974). No presente trabalho, empregamos a denominação atividades com potencial lúdico-pedagógico (APLP).

Sem adentrar na conceituação destas atividades, percebe-se sua inserção no linguajar do sentido comum como sinônimas entre si, bem como substitutas da palavra ludicidade. As postagens contemplam felizmente que há diferenças entre elas, mas não explicitam quais são.

No tocante às sensações lúdicas que podem ser provocadas pelas atividades potencialmente lúdicas, os colaboradores mencionaram principalmente a liberdade, a entrega total, o humor e a frivolidade. Por fim, ainda apareceu menção sobre a informalidade que a ludicidade carrega em si, deixando claro que não é necessário muito apetrecho para uma atividade ser lúdica, a inteireza pode ser desencadeada por processos muito simples.

Os demais elementos presentes nas postagens que não encontraram adequação nas categorias de análise propostas neste trabalho dão conta de que a ludicidade, ademais de não linear, é sim, como afirma Moraes (2014), uma experiência transdisciplinar, visto que os participantes emitem opiniões que as contribuições da ludicidade também são estudadas em outras áreas, como “sociologia, antropologia, educação, psicologia” (Gama).

Um substancial elemento que foi aludido nas postagens for a ressignificação, posto que um participante afirmou ter desconstruído conceitos anteriores, oriundos de outras instâncias de aprendizagem, em especial à compreensão de que ludicidade era sinônimo de atividades lúdicas, de jogos e brincadeiras, sendo, pois, algo externo ao sujeito. É importante uma fala nesse sentido para ratificar que o trabalho empreendido no componente curricular alcançou objetivos muito mais profundos. Foi possível estabelecer um processo dialético de desconstrução e reconstrução (ressignificação) da temática.

Um último elemento que merece destaque é a questão da evasão que a ludicidade proporciona, os estudantes chamaram atenção para o fato de que, quando o indivíduo está em estado lúdico, ele não percebe o tempo passar, percebe de forma diferenciada o espaço em que se encontra, o que é sintetizado por Retondar (2007) a partir de Caillois (1990), Huizinga (2000) e outros autores pelo termo de relação espacio-temporal e evasão da vida real, característica diagnóstica do lúdico.

Segundo o referido autor, “o tempo do prazer, o tempo da alegria, o tempo da satisfação é um tempo subjetivo” (RETONDAR, 2007, p. 31). Sabe-se que o indivíduo está lúdico quando ele não sente o passar do tempo e descola-se do espaço físico, encontrando-se no mundo do faz de conta, que faz o indivíduo viajar para longínquas paragens sem sair do lugar, encontrando-se alheado e ilusionado – daí talvez parte da etimologia latina do termo lúdico, in lusio , “que quer dizer ilusão” (D’ÁVILA; LEAL, 2012, p. 200) – quando é atingido, aguça as emoções e instiga o indivíduo a não mais desejar o fim da vivência lúdica.

No sentido de sumarizar didaticamente os resultados encontrados mediante as análises empreendidas, apresenta-se o Quadro 2 contendo os objetivos pretendidos em contraste ao que foi obtido.

Quadro 2 – Quadro síntese 

Objetivos Resultados encontrados
Geral

Analisar as compreensões conceituais sobre a ludicidade pelo prisma dos discentes pós-graduandos em educação. Os discentes pós-graduandos em educação mostram uma boa capacidade de construir, desconstruir e ressignificar seus conceitos de ludicidade com apoio na teoria estudada, com relativo grau de autonomia, entendendo que ludicidade é um estado subjetivo interno de plenitude. Os sinônimos prevalentes (inteireza, prazer e plenitude) residem no campo da emoção. Eles compreendem que a ludicidade é importante componente do processo ensino e aprendizagem, mas que demanda do professor uma formação no campo do saber sensível. Entendem também a presença de várias singularidades (percepção diferenciada, subjetiva e personalizada do lúdico; condição humana inerente; transdisciplinaridade, entre outras), avançando cognitivamente na temática para além da conceituação.

Específicos

Levantar o conceito de ludicidade e o campo semântico relativo a ele construído pelos discentes. O conceito de ludicidade mais emergente nas postagens dos estudantes é o de inteireza, plenitude e estado subjetivo interno, apoiado em Luckesi (2014). Em ordem decrescente inteireza, prazer e plenitude foram sinônimos prevalentes para ludicidade no fórum analisado, remetendo a um quadro semântico relativo à emoção.
Identificar relações entre o lúdico e a educação. As relações da ludicidade com educação que emergiram das falas são da dimensão pedagógica referente ao processo de ensino e aprendizagem. Sobre o ensino, os discentes falam de uma prática docente lúdica que requer um estilo e formação sensível do professor, já as relações com a aprendizagem se referem à ludicidade como contribuição do processo, sem, contudo, mencionar que contribuição é essa.
Reconhecer as singularidades da ludicidade e das atividades potencialmente lúdicas sob o ponto de vista discente. As singularidades da ludicidade que foram reconhecidas pelos colaboradores de pesquisa foram: percepção diferenciada, subjetiva e particular do lúdico; idade é contextual e cultural; condição de inerência; dimensão relacional; e ludicidade em razão de si mesma. No tocante às atividades potencialmente lúdicas, compreenderam que estas são manifestações externas da ludicidade, não sendo sinônimas entre si e que fazem a intermediação para a eclosão de uma potencial ludicidade nos indivíduos. Mencionaram também a distinção entre os tipos de atividades potencialmente lúdicas, as sensações provocadas por elas (por exemplo: liberdade) e seu caráter informal. Ainda apareceram, de forma pouco prevalente, como características do lúdico a não linearidade, a transdisciplinaridade e a evasão do tempo e do espaço.

Fonte: concepção e elaboração própria (2018).

Após a exposição das análises realizadas no conteúdo das postagens do fórum virtual sobre ludicidade, e crendo ter alcançado todos os objetivos projetados, arremata-se este artigo com palavras derradeiras.

Considerações finais

Este trabalho buscou analisar as postagens em um fórum virtual em um componente curricular concernente à ludicidade ministrado no programa de pós-graduação em educação de uma IES de âmbito federal, cuja temática era concepções e relações de ludicidade. Teve-se como suporte teórico principal Luckesi (2014), Lopes (2014) e Morais (2014). Em uma análise de conteúdo, dentro da lógica qualitativa de um estudo de caso, alcançaram-se os objetivos empreendidos, sendo o principal deles analisar as compreensões sobre a ludicidade pelo prisma de discentes pós-graduandos em educação.

Decorrente da análise, reconheceu-se que conceito lukesiano de ludicidade como inteireza, plenitude e estado subjetivo interno foi o mais compreendido e internalizado. Houve construções, desconstruções e ressignificações de conceitos para a ludicidade, e a maioria dos estudantes soube aportar uma conceituação ao fórum. Ressalva-se que alguns estudantes demonstraram bastante autonomia na construção de seus conceitos, bem como a emergência um conceito em que subjaz a visão utilitarista da ludicidade.

A análise permitiu conhecer que o agrupamento sinonímico em que os estudantes localizam a ludicidade é o da emoção (compreendida como subjetividade, ligada aos sentimentos e à abstração), sendo prevalentemente mencionados: inteireza, prazer e plenitude. A dimensão cultural/religiosa também aparece com alguns sinônimos.

A dimensão da ludicidade na educação que se viu referida nas falas se instala no campo pedagógico (especificamente no processo de ensino e aprendizagem) e só apareceu em metade das postagens, referindo-se ao processo de ensino e aprendizagem. Os discentes compreenderam que o ensino em meio lúdico encara o educando como ser integral (razão e emoção), demandando uma prática docente sensível. Depreende-se que eles veem a ludicidade como contribuição para a relação de ensino e aprendizagem, exigindo uma necessária formação docente. Compreendem a ludicidade como contribuição para aprendizagem, sem, contudo, informar como se dá efetivamente essa contribuição.

Depreende-se que os discentes foram além da mera conceituação quando demonstraram o reconhecimento de várias singularidades presentes na área da ludicidade, tais como: percepção diferenciada, subjetiva e personalizada do lúdico; contextualização cultural expressa na ludicidade; condição humana inerente; dimensão relacional; e razão suficiente. Ficou evidente que a aprendizagem que houve durante esse componente curricular em estudo promoveu um avanço cognitivo de grande proporção.

No que se refere às atividades potencialmente lúdicas, os alunos compreenderam que estas não são sinônimos de ludicidade, mas sim manifestações externas dela e que guardam uma potencialidade, não uma inexorabilidade para intermediar e evocar o lúdico nas pessoas, desencadeando sensações como a liberdade e o humor.

Extrapolando as categorias propostas para a análise ainda apareceram de forma não prevalente, características como a não linearidade, a transdisciplinaridade e a evasão do tempo e do espaço.

Após empreender as leituras, vivenciar os diálogos presenciais/virtuais, bem como analisa-los, é possível arrematar dizendo que não restam dúvidas sobre a importância e compreensão da ludicidade por parte dos discentes ultrapassando a superficialidade e consolidando avanços cognitivos significativos.

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3- Fonte: plano de curso distribuído em plataforma digital Moodle /IES em 2017-2.

Recebido: 18 de Julho de 2018; Revisado: 29 de Outubro de 2018; Aceito: 06 de Novembro de 2018

Márcia Mineiro é pedagoga e contadora, professora assistente na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), mestre em contabilidade, doutoranda em educação. Pesquisadora dos grupos Educação, Didática e Ludicidade (GEPEL) e Educação Contábil na Contemporaneidade (GPEC).

Cristina D’Ávila é licenciada em pedagogia, mestra e doutora em educação, com estágio de pós-doutorado pela Universidade Sorbonne Paris 5 na área de ciências humanas, educação. É professora titular de didática da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Líder do Grupo Educação, didática e ludicidade (GEPEL) da UFBA.

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