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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.45  São Paulo  2019  Epub 13-Nov-2019

https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945198015 

Artigos

Hierarquias acadêmicas na pesquisa em educação

Ana Luísa Antunes1 
http://orcid.org/0000-0002-7888-2299

Priscila Andrade Magalhães Rodrigues2 
http://orcid.org/0000-0002-1678-6621

Zaia Brandão1 
http://orcid.org/0000-0002-6406-8552

1- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Contatos: ana.antunes2010@gmail.com; zaiapucrio@gmail.com.

2- Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Brasil Contato: priscilaapri@gmail.com.


Resumo

O sistema de avaliação da pós-graduação e da pesquisa, com base na produção e qualificação dos quadros docentes e dos programas de pós-graduação vêm intensificando a concorrência e as tensões no campo científico. Apresentaremos neste artigo análises dos dados dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq em educação, pertencentes aos níveis 1 e sênior, considerando que estes estão no topo da hierarquia acadêmica. Nosso objetivo com este artigo é tentar (re)construir os processos que estruturaram e estruturam o campo científico da educação derivados das relações objetivas entre pares, instituições e recursos (materiais e simbólicos). Os currículos Lattes dos bolsistas, com bolsas vigentes no ano de 2016, são a referência empírica para a construção do banco de dados desta investigação. Para as análises, operamos com a frequência dos dados e o cruzamento de informações. O delineamento dessas estruturas permitiu desenvolver algumas hipóteses iniciais sobre a capitalização dos recursos necessários às diferentes posições nas hierarquias institucionais que configuram o campo de forças e de poder no âmbito da produção de pesquisa na área. Nossos dados indicam que apesar da ampliação dos programas de pós-graduação no Brasil e das tentativas de deslocar a centralidade do Sudeste na pesquisa, o poder, não só econômico como também científico, encontra-se ainda hoje fortemente ancorado nas regiões Sudeste e Sul do país.

Palavras-Chave: Campo científico; Pesquisa em educação; Hierarquias institucionais; Bolsa de produtividade

Abstract

The Brazilian system of graduate and research evaluation which is based on the production and qualification of faculty members and graduate programs alike have intensified competition and tensions in these fields. This paper presents analyses of the data of the scholarship holders belonging to levels 1 and senior scholars considering that they make up the academic elite. We aim to attempt to reconstruct the processes that structured and structure the academic field of Education which are derived from objective relations between peers, institutions and (material and symbolic) resources. The Lattes Curricula of CNPq Research Productivity Grantees (2016) in Education are the empirical reference for the construction of the database of this research on those academic elites. The design of those structures allowed us to develop some preliminary hypotheses about the capitalization of the resources which are necessary for the different positions in the institutional hierarchies that shape the field of force and power in the scope of research production in the area. Our data indicate that despite the expansion of graduate programs in Brazil and attempts to displace the centrality of the Southeast in research, both economic and scientific powers are still strongly anchored in the Southeastern and Southern regions of the country.

Key words: Scientific field; Education research; Institutional hierarchies; Productivity scholarship

Publicar ou morrer tornou-se uma ameaça constante na vida acadêmica abrangendo pesquisadores, alunos, coordenadores da área e gestores institucionais.

Dois importantes jornais franceses – Le Monde e Le Temps – fizeram uma enquete sobre a questão que indicava alguns desdobramentos sobre as pesquisas publicadas por periódicos científicos chegando a algumas considerações importantes, a saber: 1) o confisco do conhecimento; 2) as falhas da revisão pelos pares; 3) o “embelezamento” dos resultados e 4) a impossibilidade de reprodutibilidade dos resultados.3 Ou seja, nunca se publicou artigos tão pouco relevantes, do ponto de vista científico, até mesmo nos periódicos mais importantes.

O campo científico é um espaço de concorrência por e/ou manutenção das melhores posições em cada subcampo específico (BOURDIEU, 1989b). Mas, por outro lado, a proliferação de indicadores no meio acadêmico e a contabilidade de pontos passaram a gerir a vida dos docentes-pesquisadores mobilizando uma corrida por publicar que tem se refletido claramente sobre a qualidade do que se divulga.

As articulações para as representações nos comitês de avaliação dos órgãos públicos de financiamento federais (Capes, CNPq, INEP), estaduais (as Fundações Estaduais de Pesquisa, como Faperj e Fapesp), e outros institutos e fundações de pesquisa (privados e internacionais) evidenciam a luta concorrencial no campo acadêmico e a importância das estratégias de se fazer representar nos órgãos de poder universitário.4

Nesse quadro conjuntural, estamos desenvolvendo um programa de investigação sobre os bolsistas de produtividade em pesquisa (PQs) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da área da educação.5 Para este artigo, temos como objetivo identificar, por meio dos currículos Lattes dos pesquisadores contemplados com essas bolsas, os processos que estruturaram e estruturam6 o campo acadêmico da educação, derivados das relações objetivas entre pares, instituições e recursos7 (materiais e simbólicos). Como estratégia empírica, operamos com a elaboração de tabelas com a frequência dos dados e cruzamento de informações por meio de tabulações. O delineamento destas estruturas permite desenvolver algumas hipóteses, ainda que iniciais, sobre o volume e tipos de capitalização de recursos necessários às diferentes posições nas hierarquias institucionais que configuram o campo de forças e de poder no âmbito da produção de pesquisa na área.

Um primeiro levantamento bibliográfico dentro do recorte de nossa pesquisa evidenciou poucas investigações sobre os bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq na área da educação. Encontramos trabalhos com enfoque bibliométrico (WAINER; VIEIRA, 2013); tratando da área da sociologia (VICTOR, 2014); sobre bolsistas de produtividade na perspectiva de gênero abordando todas as áreas das ciências humanas (GUEDES; AZEVEDO; FERREIRA, 2015) e outros trabalhos que indicavam a forte seletividade do sistema de seleção e bonificação.8 Especificamente sobre a área da educação encontramos alguns estudos recentes com questões que tentam desvendar as subjetividades no processo de seleção dos bolsistas de produtividade. Um deles trata de uma investigação sobre o perfil de formação e trajetória dos pesquisadores atuantes no ensino de ciências e matemática (SILVA, 2011); outro analisou através das trajetórias e publicações dos bolsistas de produtividade a relação entre produção, comunicação e distinção científica, revelando a grande subjetividade dos critérios de avaliação utilizados pelo CNPq para manutenção e concessão das bolsas (NASCIMENTO, 2016); encontramos ainda um recente estudo descritivo com enfoque sobre gênero, regiões do país e projetos dos bolsistas de produtividade na área da educação (LEITE; ROCHA NETO, 2017).

A questão das elites acadêmicas e o papel do Estado

Trabalhar sociologicamente com a noção de elite tomando-a como objeto implica admitir que em “toda a sociedade empiricamente observável abrange uma ou várias categorias de pessoas que se consideram, ou que são consideradas, como pertencendo a uma elite, quer seja ao nível da sociedade vista no seu conjunto ou, pelo contrário, num domínio de atividade em particular” (COENEN-HUTHER, 2004, p. 10).

Sem pretensão de aprofundar a questão, vale destacar que o tratamento no singular ou no plural do termo elite já foi tema do clássico Pareto, utilizando-o no singular para se referir à elite dirigente e, no plural, como um conceito mais geral atribuído às posições mais destacadas em diversos âmbitos da vida social9. Houve ainda um gradativo afastamento de uma visão monolítica das classes dominantes, na perspectiva da ortodoxia marxista de enfrentamento das duas classes fundamentais. A perspectiva de posições – em espaços específicos mais elevados ou menos – produzindo diferentes escalas de estratificação, tornou-se claramente consensual no campo teórico em que pese a multiplicação de teorias específicas a diferentes áreas de atuação política ou profissional.

De fato, a utilização e a caracterização da palavra elite podem ser diferentes entre as sociedades, admitindo-se que algumas pessoas têm mais poder do que outras. Assim, pode designar minoria que possui prestígio e privilégios decorrentes de qualidades naturais/diferenciais tradicionalmente valorizadas socialmente ou qualidades adquiridas por mérito e aptidões. Coenen-Hunther (2004, p. 14) compreende que falar de elites no plural significa “pensar em elites que competem em torno do mesmo objetivo ou, contrariamente, em diferentes elites especializadas e ativas em diferentes domínios”.

Tratamos em nossa pesquisa das elites especializadas, como é o caso das acadêmicas, que são sempre submetidas a julgamentos de agentes de seu próprio campo. Bourdieu, ao indicar ambiguidades da notoriedade social que alguns indivíduos alcançam, assinala para a possibilidade de influência de campos externos na construção desta valoração social como, por exemplo, o jornalismo, as redes sociais, etc. O sucesso mundano (não resultante do julgamento de pares) pode, muitas vezes, influir sobre a percepção social das elites. Neste sentido, temos campos mais e menos restritos sendo que, quanto mais abertos a julgamento social mundano, menor tende a ser o prestígio das elites profissionais. As ordens profissionais e o poder legitimador do Estado desempenham normalmente uma função de destaque na atribuição de valor às credenciais profissionais, como é o caso das elites acadêmicas: “O Estado, enquanto espaço de relações de força e de sentido é produtor de princípios de classificação suscetíveis de serem aplicados ao mundo social [...] e é dotado de um trunfo formidável: fazer crer naquilo que dizem”. (BOURDIEU, 2014, p. 24, grifo nosso).

O último curso ministrado pelo sociólogo citado, no Collège de France, analisou detalhadamente a gênese, características e funções do Estado, destacando, logo ao início, o papel e a função das comissões (comitês, conselhos, etc.) como representantes legítimos e legitimadores dos atos oficiais.10Nesse sentido, a indicação de membros dos comitês das agências governamentais é um elemento importante na constituição do capital político dos agentes institucionais, e se materializam através de estratégias de

[...] seleção dos comitês de seleção e dos critérios das comissões de avaliação, nas condições sociais de recrutamento e no comportamento dos gestores científicos, nas relações sociais de dominação que se dão sob a égide de relações de autoridade científica, freando ou impedindo muitas vezes ao invés de liberá-las, a inventividade e a criatividade, sobretudo dos mais jovens, nas redes nacionais e hoje em dia locais de cooptação, que protegem alguns dos rigores da avaliação científica e proíbem a outros a plena expressão de suas possibilidades criadoras. (BOURDIEU, 2013, p. 27).

O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), criado em 1951, representou um esforço de criar no país uma política nuclear, posteriormente abandonada por falta de viabilidade política e econômica. Retomado em 1975, o CNPq foi conjugando-se à estrutura burocratizada de planejamento como uma entidade jurídica de direito privado, sob a forma de fundação vinculado à Seplan (Secretaria de Planejamento) com o nome de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atualmente o CNPq, enquanto agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), tem como principais atribuições fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros.

A criação do CNPq na estrutura do Ministério de Ciência e Tecnologia e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),11 ligada ao Ministério da Educação, conferiu um importante impulso na regulamentação e apoio financeiro aos programas de pós-graduação e às atividades de pesquisa, por regular e definir os recursos para o incremento da pesquisa nas universidades.

Todas as decisões e os critérios de produção (dos pesquisadores, instituições e programas de pós-graduação) exigem estratégias que extravasam o volume de capital científico dos requerentes, e se articulam ao campo do poder com um volume e conjunto de capitais (social, político, simbólico, jurídico, etc.) que potencializam diferencialmente a aquisição de posições na estrutura do CNPq. A autoridade científica é, portanto, um misto de visibilidade, competência técnica e reconhecimento dos pares mediado pelas instâncias oficiais federais (CNPq e Capes) e estaduais (as Fundações Estaduais de Pesquisa).

Estrutura e produção das hierarquias acadêmicas

O material empírico, trabalhado até o momento, permitiu-nos a formulação de algumas hipóteses sobre a construção de estratégias e potencialização de estruturas de capitais que garantem (ou garantiram) as posições de destaque dos PQs no campo da educação. Procuramos identificar uma configuração das universidades – na condição de agentes – prevalentes nessas trajetórias, para definir o peso relativo das instituições na luta por hegemonia acadêmico-científica no campo.

As bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq em 2016 contavam com 14.154 pesquisadores em todas as áreas, distribuídos em seis níveis das bolsas: Sênior, 1A, 1B, 1C, 1D e 2. Essas bolsas são concedidas por 46 Comitês de Assessoramento (CAs) aos pesquisadores que se destacam entre os seus pares buscando valorizar a produção científica dos mesmos segundo critérios normativos e específicos, análises comparativas de mérito e classificação das propostas por Comitês de Assessoramento12 específicos do CNPq (WAINER; VIEIRA, 2013).

O desempenho do pesquisador é acompanhado pelo CNPq mediante análise de relatórios ou outras formas de acompanhamento definidas de acordo com as especificidades da modalidade13. A classificação, o enquadramento e a progressão do bolsista PQ, por categoria e nível, bem como as recomendações de rebaixamento de nível e/ou exclusão do sistema, são atribuições dos CAs de cada área14. Para cada subárea e cada nível existe um número fixo de bolsas, exceto para o nível 2, tornando reduzida a mobilidade dos pesquisadores aos níveis superiores apesar do número cada vez maior de concorrentes derivados da expansão da pós-graduação na área.

Para ser pesquisador na categoria 2, para a qual não há especificação de nível, é necessário que o pesquisador tenha no mínimo três anos de doutoramento. A produtividade do PQ 2 é avaliada tendo como ênfase os trabalhos publicados e orientações referentes aos últimos cinco anos, sem critérios específicos para além da análise comparativa. Para ser inserido na categoria PQ 1, objeto de nosso estudo, distribuída nos níveis A, B, C e D, é necessário que o pesquisador tenha no mínimo oito anos de conclusão do doutorado no momento de implementação da bolsa. Além disso há regras específicas para cada nível, no entanto, todos os pesquisadores desta categoria devem: estar vinculados a grupos de pesquisa inscritos no Diretório de Pesquisa do CNPq; apresentar projeto com relevância científica para a área; apresentar, nos últimos dez anos, regularidade na produção científica e ter publicações em periódicos científicos classificados como A1, A2 e B1 no Qualis e/ou livros; orientar com regularidade dissertações e, sobretudo, teses de doutorado; participar da gestão acadêmico-científica em órgãos internos e/ou externos à instituição à qual está vinculado; coordenar projetos nucleadores de diferentes grupos de pesquisa no país; além de ter inserção acadêmica internacional.15

Ser bolsista de produtividade do CNPq, em qualquer dos níveis, já confere um diferencial de capital científico no meio acadêmico. Os níveis representam a gradação hierárquica entre os pesquisadores, uma forma de capital simbólico de distinção no campo da pesquisa. Consideramos neste momento apenas os PQs 1 e sêniors, inferindo que as especificidades dos bolsistas PQ1 podem revelar uma maneira legitimada de existir cientificamente, isto é, de possuir algo a mais segundo as categorias de percepção em vigor no campo pelos pares, conforme nos aponta Bourdieu (2013).

A categoria sênior é uma distinção concedida aos pesquisadores que, situados no topo da hierarquia, comprovam posse anterior de bolsa de produtividade na categoria 1 nos níveis 1A e 1B por no mínimo quinze anos, consecutivos ou não.

O nível 1A, de acordo com o CNPq, é atribuído a candidatos que tenham demonstrado excelência continuada na produção científica e na formação de recursos humanos, e que lideram grupos de pesquisa consolidados. Para manter-se nesta categoria os pesquisadores são avaliados comparativamente com os seus pares, com base nos dados dos últimos dez anos, demonstrando capacidade de formação contínua de recursos humanos.

A bolsa de produtividade em pesquisa, em todos os níveis, adquiriu maior atratividade no meio acadêmico a partir de meados de 1990 quando aumentou o dispêndio público em atividades de ciência e tecnologia (C&T). Se antes as bolsas oferecidas pela agência de fomento já constituíam

[...] um instrumento de diferenciação simbólica entre pares, na atualidade se institucionalizou como um sistema hierarquizado de posições, tipificando um perfil de excelência do que pode ser considerado uma elite científica – a de especialistas e profissionais da pesquisa, a quem se reconhece a liderança na condução das atividades de C&T no país e se contempla com recursos materiais e simbólicos que lhes são exclusivos. (GUEDES et al., 2015, p. 369).

A bolsa de produtividade em pesquisa não é distribuída apenas baseando-se na qualidade de um projeto submetido, mas principalmente na qualidade do pesquisador, definida por uma distinção entre categorias de natureza quanti-qualitativa, de acordo com os perfis estabelecidos pelo Comitê Assessor (CA) da área de educação e a disponibilidade de recursos existentes na área.16Nascimento (2016, p. 106), ao analisar as trajetórias acadêmicas, no que concerne à produção cientifica, dos bolsistas de produtividade PQ1, PQ2, PQ-Sr do CNPq da área da educação, entre 1990 a 2015, denuncia nos critérios de avaliação/concessão de bolsas “enunciados vazios de sentido objetivo, mas repleto de subjetividade relativizada”. A autora ainda completa afirmando que “as palavras, os signos e enunciados que compõem os critérios de concessões das bolsas de produtividade em pesquisa estão carregados de subjetividades interpretativas que não refletem o que, de fato, distingue um PQ1 A de um PQ2” (NASCIMENTO, 2016, p. 108-9).

Os bolsistas de produtividade em pesquisa em educação

Considerando que o campo científico é a teia dinâmica de posições objetivas e de tomadas de posição que o constituem como um espaço de lutas concorrenciais – legitimadas no próprio campo científico e voltadas para a produção de proposições verdadeiras por meio da estimulação mútua e de controles cruzados (WACQUANT, 2013) – visamos construir um desenho das hierarquias acadêmicas no campo da educação através dos agentes, os pesquisadores, pois entendemos que “um cientista é o campo científico feito pessoa, cujas estruturas cognitivas são homólogas às estruturas do campo e, por essa razão, constantemente ajustadas às expectativas inscritas no campo” (BOURDIEU, 2005, p. 35).

Para compreender qual seria o universo de instituições e de pesquisadores em nossa análise, construímos um banco de dados com base no currículo Lattes (CNPq) dos pesquisadores com bolsa de produtividade (PQ) na área de educação, vigente no ano de 2016,17 considerando categoria e nível.

Como é possível perceber na Tabela 1, 54% (214) dos bolsistas encontravam-se na categoria 2, a categoria de entrada para o sistema, e apenas 10,1% (41) atingiam os níveis mais elevados – Sênior e 1A – na hierarquia dos bolsistas PQs.

Tabela 1 – Quantitativo de bolsistas de produtividade em pesquisas em educação/CNPq 

Categorias N° de bolsistas
Sênior 11(2,8%)
1 A 30 (7,6%)
B 25 (6,3%)
C 34 (8,6%)
D 81 (20,5%)
2 214 (54,2%)
Total 395 (100%)

Fonte: banco de dados elaborado pelo Soced, a partir do resultado de concessão de bolsas do CNPq, 2016.

Trabalhamos inicialmente em nossa pesquisa com dados dos 41 bolsistas18, sendo onze PQ-Sr e trinta bolsistas PQ-1A, dentro do universo de 395 bolsistas. Para este artigo nós ampliamos a análise para todos os PQs-1 (1A, 1B, 1C e 1D), com 170 bolsistas no total, que somados aos onze PQ-Sr, compõem a nossa atual amostra com 181 pesquisadores.

Levando-se em conta que os bolsistas de produtividade formam um grupo de elite em nível nacional, os 46% que analisamos aqui representam a elite dentro desta elite, um grupo que tem não só um acúmulo de capital acadêmico, mas também de capital simbólico, o qual aufere posicionamento privilegiado dentro do campo da educação. A maior concentração de bolsistas está, respectivamente, nas categorias 2 (214) e 1D (81), o que sugere uma certa seletividade nas mudanças de categorias e níveis.

Os dados empíricos construídos são utilizados para o desenvolvimento de interpretações e hipóteses sobre os processos de capitalização de forças, no campo universitário; assim como para caracterizar as estratégias e tipos de capitais que garantem (ou garantiram) posições de destaque no campo científico da pesquisa em educação. Nosso objetivo neste texto foi delinear uma configuração das instituições que formaram, incorporaram e apoiam institucionalmente os pesquisadores mais destacados do campo pelos critérios do CNPq. A Tabela 2 apresenta o quadro com o quantitavo dos bolsistas PQ/CNPq e suas instituições.

Tabela 2 – Bolsistas de produtividade em pesquisa em educação/CNPq por instituição 

Instituição SR 1A 1B 1C 1D TOTAL %
USP 2 5 3 7 5 22
UERJ 0 2 3 2 7 14
UFMG 1 5 2 1 5 14
Unesp 0 3 2 3 6 14
UFRGS 2 2 2 4 4f 14
UFSCar 2 2 1 3 4 12
UFRJ 1 2 2 1 3 9
Unicamp 0 0 1 4 3 8
Unisinos 0 2 1 1 3 7
PUC/SP 0 0 0 0 5 5
PUCRS 0 2 1 0 2 5
PUC-Rio 0 3 0 0 1 4
UFF 0 1 0 1 2 4
UFPR 0 1 1 0 2 4
UFSC 0 0 1 1 2 4
UFU 0 0 1 2 1 4
UFBA 0 0 2 0 1 3
UFC 1 0 0 0 2 3
UFRN 0 0 0 0 3 3
UnB 0 0 1 0 2 3
Unifesp 1 0 0 0 2 3
UEL 0 0 0 1 1 2
UFPB 0 0 0 0 2 2
UFPE 0 0 0 0 2 2
UEM 0 0 0 1 1 2
UFSM 0 0 0 0 2 2
FURG 0 0 0 1 0 1
PUC-Campinas 1 0 0 0 0 1
PUC-Goiás 0 0 0 0 1 1
UECE 0 0 1 0 0 1
UEPG 0 0 0 0 1 1
UFAL 0 0 0 0 1 1
UFES 0 0 0 0 1 1
UFJF 0 0 0 0 1 1
UFPA 0 0 0 0 1 1
UFPEL 0 0 0 0 1 1
UNEB 0 0 0 0 1 1
UTP/PR 0 0 0 1 0 1
TOTAL 11 30 25 34 81 181

Fonte: banco de dados elaborado pelo Soced, a partir do Currículo Lattes dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, 2016.

Apesar de observarmos a presença de 38 instituições com bolsistas de produtividade, identificamos que há concentração de mais da metade do seleto grupo de pesquisadores PQ-Sr e PQ-1, 54,7%, em apenas sete instituições dos país (USP, UERJ, UFMG, Unesp, UFGRS, UFSCar, UFRJ), conforme verifica-se na Tabela 3.

Tabela 3 – Distribuição das instituições com maior concentração de bolsistas de produtividade em pesquisas/CNPq 

Instituição SR 1B 1C 1D Total%
USP 2 5 3 7 5 22 (12,3%)
UERJ 0 2 3 2 7 14 (7,7%)
UFMG 1 5 2 1 5 14 (7,7%)
Unesp 0 3 2 3 6 14 (7,7%)
UFRGS 2 2 2 4 4 14 (7,7%)
UFSCar 2 2 1 3 4 12 (6,6%)
UFRJ 1 2 2 1 3 9(5%)
Total parcial 8 21 15 21 34 99 (54,7 %)
Demais instituições* 3 9 10 13 47 82 (45,3%)
Total 11 30 25 34 81 181(100%)

Fonte: banco de dados elaborado pelo Soced, a partir do Currículo Lattes dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, 2016.

*A categoria demais instituições agrupa 31 instituições que apresentavam número reduzido de PQ/CNPq, reunindo um total de 82 pesquisadores.

Conforme pode-se observar na Tabela 3, as instituições universitárias que abrangem o maior número de bolsistas situam-se nas regiões Sudeste e Sul, como resultado do acúmulo de recursos econômicos, sociais e políticos que tradicionalmente caracterizam essas instituições e regiões.

Ao cotejar os dados da Tabela 2, sobre os bolsistas de produtividade sênior e A1 e sua filiação institucional, indica-se que estas mesmas sete instituições possuem pelo menos dois bolsistas nessas categorias, fato que nos trazem pistas da representatividade do poder simbólico dessas instituições na construção das hierarquias acadêmicas.

Tal concentração permite inferir o poder da tradição e da consolidação da pesquisa nessas instituições, que estão entre as pioneiras na criação da pós-graduação e da ANPEd19, ocupando ainda hoje lugar de destaque na área da pesquisa em educação.

De facto, os esquemas de percepção e de apreciação que estão na origem da nossa construção do mundo social são produzidos por um trabalho histórico colectivo, mas a partir das próprias estruturas deste mundo: estruturas estruturadas, historicamente construídas, as nossas categorias de pensamento contribuem para produzir o mundo, mas dentro dos limites da sua correspondência com estruturas preexistentes. É na medida e só na medida em que os actos simbólicos de nomeação propõem princípios de visão e de divisão objectivamente ajustados às divisões preexistentes de que são produto, que tais actos têm toda a sua eficácia de enunciação criadora que, ao consagrar aquilo que enuncia, o coloca num grau de existência superior, plenamente realizado, que é o da instituição instituída. Por outras palavras, o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto, é o de consagrar a ordem estabelecida: a representação “justa” sanciona e santifica a visão dóxica das divisões, manifestando-a na objectividade de uma ortodoxia por um verdadeiro acto de criação que, proclamando-a à vista de todos e em nome de todos, lhe confere a universalidade prática do oficial. (BOURDIEU, 1989b, p. 238).

Observando a representatividade das instituições da região Sudeste e Sul, seguimos nossas análises identificando a quantidade de bolsistas de produtividade distribuídos por categoria entre as regiões do Brasil.

Como observa-se na Tabela 4, a quase totalidade dos bolsistas (88,5%) encontra-se nas regiões Sudeste e Sul. As três outras regiões do país concentram apenas 11,5% dos bolsistas. Esta disparidade entre as regiões tende a permanecer, inclusive em função das bolsas solicitadas pelos programas que obtêm as melhores notas na Capes aos seus alunos.

Tabela 4 – Bolsistas de produtividade em pesquisas/CNPq por regiões do Brasil 

Regiões do Brasil SR 1A 1B 1C 1D Total
Sudeste 8 23 15 24 46 116 (64%)
Sul 2 7 6 10 19 44 (24,5%)
Nordeste 1 0 3 0 12 16 (8,8%)
Centro-Oeste 0 0 1 0 3 4 (2,2%)
Norte 0 0 0 0 1 1 (0,5%)
Total 11 30 25 35 81 181 (100%)

Fonte: banco de dados elaborado pelo Soced, a partir do Currículo Lattes dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, 2016.

As distâncias físicas, econômicas e simbólicas entre Sul/Sudeste e o restante do país, dificilmente serão superadas nas próximas décadas, sobretudo pela tendência de o “poder atrair mais poder” no caso da ciência, conforme assinalou Merton (1968), ao definir o “efeito Matheus”20

O conceito (efeito Mateus) retrata uma situação em que alguns indivíduos ou grupos se beneficiam e continuam a se beneficiar ao longo do tempo de reconhecimento, no sentido de credibilidade que se converte em habilidades instrumentais, e premiações em função de um reconhecimento passado, que envolve características acumuladas, adquiridas, como, filiação institucional, especialidades, quantidade e qualidade de premiações, que acaba por se tornar uma característica atribuída, julgada, quase que automaticamente, como meritória. (VICTOR, 2014 p. 39).

O Sudeste na origem da tradição da pesquisa em educação

Na metade da década de 1950, Anísio Teixeira, ao criar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e preocupado em ampliar a pesquisa em educação, criou os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs)

[...] para considerar a diversidade regional brasileira como um aspecto relevante para a análise e interpretação dos processos de mudança social em curso e, consequentemente, para a elaboração de novas políticas públicas para o setor educacional. (FERREIRA, 2008, p. 282).

Em menos de uma década de pesquisas desenvolvidas pelos CBPE e CRPEs, nos anos 1950, uma importante geração de pesquisadores das áreas das ciências sociais21 no Brasil desenvolveu um conjunto variado de pesquisas que podem ser identificadas como a origem de uma sociologia da educação fortemente fundada em trabalhos empíricos, que quase foram esquecidas, com o advento da pós-graduação em educação, cujo início foi marcado por uma supervalorização da teorização.22 Só na metade da década de 1970, trabalhos como Educação e desenvolvimento social no Brasil, de Luiz Antonio Cunha (1975), estimularam a revalorização da ancoragem empírica para a pesquisa no campo, muito valorizada pelos pesquisadores daquelas gerações.

Ao observarmos as Tabelas 3 e 4, é perceptível um filtro até os níveis mais elevados da hierarquia de PQ/CNPq (Sênior e 1A) que representam a elite das elites na pesquisa em educação. Podemos notar a baixa expressividade de bolsistas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, menos apoiadas com recursos para a pesquisa. Essas regiões concentram apenas 11,6% (21) bolsistas do total de 181 PQs. Destes, 8,8% (dezesseis) pesquisadores estão na categoria 1D, nível inicial dos PQ/CNPq da categoria 1; quatro (2,2%) pesquisadores encontram-se na categoria 1B; e apenas um (0,55%) está na categoria Sr, representante da primeira geração de pesquisadores do CNPq, doutores no exterior, antes da criação dos cursos de pós-graduação em educação no Brasil.

Nosso olhar para o pioneirismo das regiões Sudeste e Sul na qualificação dos pesquisadores levou-nos à construção da Tabela 5 para identificar as instituições em que esses pesquisadores se doutoraram no Brasil e no exterior.

Tabela 5 – Instituições de doutoramento dos bolsistas de produtividade em pesquisas/CNPq no Brasil 

Instituição de doutoramento SR 1A 1B 1C 1D Total
USP 1 8 7 13 19 48 (26,6%)
PUC/SP 4 5 3 1 9 22 (12, 2%)
Unicamp 0 1 3 9 9 22 (12,2%)
UFRGS 1 3 2 6 3 15 (8,3%)
PUC-Rio 0 4 0 0 5 9 (5%)
Unesp 2 1 1 0 4 8 (4,5%)
UFRJ 0 0 0 1 6 7 (3,9%)
UFMG 0 0 1 0 3 4 (2,2%)
PUC/RS 0 1 0 0 1 2 (1,1%)
UFBA 0 0 0 0 2 2 (1,1%)
UFRN 0 0 0 0 2 2 ( 1,1%)
Escola Superior de Teologia 0 0 0 0 1 1 (0,5%)
FGV 0 0 0 0 1 1 (0,5%)
UFF 0 0 0 0 1 1 (0,5%)
UFPR 0 0 1 0 0 1 (0,5%)
UFSC 0 0 0 0 1 1 (0,5%)
Total doutorado no país 8 23 18 30 67 146 (80,7%)
TOTAL doutorado no exterior 3 7 7 4 14 35 (19,3%)

Fonte: banco de dados elaborado pelo Soced, a partir do Currículo Lattes dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, 2016.

Nossos dados indicam que 51% dos bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq se doutoraram em apenas três universidades do país, sendo todas elas no estado de São Paulo – USP (26,6%), Unicamp (12,2%) e PUC-SP (12,2%). Esta hegemonia paulista é compreensível não só pela tradição de pioneirismo da USP – criada em 1934 e responsável pela formação do primeiro grupo de sociólogos que se dedicaram à pesquisa da educação no Brasil23 – e, sobretudo, pela centralidade do desenvolvimento econômico e social do estado de São Paulo, que até hoje concentra o dinamismo do mercado financeiro no país.

[A] primeira e mais bem-sucedida universidade da década de 1930 não foi a universidade nacional no Rio de Janeiro, mas a universidade do Estado de São Paulo, conhecida até hoje como Universidade de São Paulo (USP), fundada em 1934. Durante muitas décadas, o Estado de São Paulo foi o mais importante polo de crescimento econômico do país, primeiro como a principal região de plantio e exportação de café, mais tarde como um dinâmico centro industrial, que tirou proveito das habilidades empreendedoras do grande número de imigrantes europeus e de brasileiros oriundos de outras regiões. (SCHWARTZMAN, 2006, p. 163).

Sobre a expressão do pioneirismo paulista, podemos mencionar que somente a USP, com 22% dos PQs, é responsável pelo doutoramento de 48 deles, sendo quinze absorvidos na composição de seu quadro de docentes.

Analisando o sistema de concessão de bolsas de produtividade em pesquisa (PQ) na área de sociologia, Victor (2014) observou a tendência de concentração de recursos e benefícios para os pesquisadores que são ou que tenham sido bolsistas, resgatando assim a ideia da notoriedade e consagração através da bolsa de PQ. A autora assinala em relação aos bolsistas do CNPq que, “a notoriedade e o reconhecimento tendem a atrair mais notoriedade e mais reconhecimento e, em alguns casos esse reforço independe do desempenho dos cientistas no momento de avaliações” (VICTOR, 2014, p. 6-7, grifos nossos). Elucidando o efeito Matheus, o poder que atrai mais poder, Victor (2014) retoma a ideia do poder da consagração de alguns pesquisadores, para os quais conta mais o passado do que o presente, face às normas adotadas pelos CAs de cada área. Tal dinâmica beneficiaria pesquisadores e instituições que, por vezes, acumulam recursos e potencial de desenvolvimento na área, em detrimento de instituições que buscam, por meio do cumprimento dos requisitos do CNPq e da produtividade, posição que proporcione financiamento e incentivo para que se estabeleça a pós-graduação e a pesquisa.

Ainda hoje, apesar de toda a ampliação dos programas de pós-graduação em educação e das tentativas de deslocar o poder central do Sudeste do Brasil, com a criação de Brasília como capital do país, o poder não só econômico, como também científico, continua fortemente ancorado no Sudeste e Sul, como nossos dados indicam.

Nascimento (2016), ao criticar os critérios de avaliação do Qualis e do CAs do CNPq, ressalta mecanismos de acúmulo de poder e retroalimentação, visto que são criados por alguns membros da elite científica do campo, enquanto detentores de um poder autorizado pela comunidade científica. Nascimento e Bufrem (2016 p. 16), parafraseando Bourdieu (2011, p. 53), afirmam que “a ciência dá aos que a detém, ou que aparenta detê-la, o monopólio do ponto de vista legítimo, da previsão autoverificadora”. As autoras completam questionando a crença dos avaliadores sobre possuírem o ponto de vista científico ideal e os critérios mais isentos de avaliação, utilizando para isso a seguinte figura de linguagem, a saber, “ninguém é bom juiz quando além dessa função desempenha outra: a de réu”.

De fato, ao priorizarem e conferirem maiores pontuações a determinados tipos de produção científica, através da avaliação Qualis, as agências de fomento reforçam as posições ocupadas por cada membro da elite acadêmica dando bolsas e incentivos aos que já possuem diferenças no campo e dificultando a penetração dos recém-chegados, isto é, de pesquisadores de instituições e programas de pós-graduação mais jovens como aqueles do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. A equação é, com efeito, bem mais complexa, envolvendo também esferas de poder como bem trata Ana Paula Hey (2008) ao analisar a relação do espaço acadêmico com a esfera política questionando a falta de autonomia da academia em ciências sociais e humanas em relação à esfera da política, mas é inegável que a lógica de avaliação, com toda sua carga de subjetividade em torno de uma “crença na verdade científica” (NASCIMENTO, 2016, p. 140) ainda privilegia alguns mais familiarizados com as regras e com poder de comando do jogo.

A posição de cada agente nessa estrutura, ou melhor, o peso de cada um para formar essa estrutura e ao mesmo tempo suportá-la, depende de todos os outros pesquisadores, bem como de todos os pontos do espaço e das relações entre todos os pontos. Cada ponto é equivalente a uma posição, sendo que aquela ocupada pelo pesquisador vai restringir ou aumentar o campo dos possíveis que lhe é aberto. (HEY, 2008 p. 80).

Afirmações como essas situam-se na perspectiva de Bourdieu de que a ciência é um campo como outro qualquer, em que há interesse em parecer desinteressado, ou seja, a serviço do conhecimento exclusivamente científico. Em que pese nossa concordância de que não há ciência pura, estamos convencidos de que há o interesse da ciência em produzir conhecimento válido para o campo específico, mas que este conhecimento não é nunca desprovido do objetivo de interessar os pares e concorrentes e, portanto, produzir efeitos positivos para o campo e para a sua própria posição dentro dele.

Considerações provisórias

Os dados que analisamos indicam a manutenção do potencial de produção de novos pesquisadores pelas instituições que se destacam na estrutura hierárquica do mundo acadêmico, normalmente melhor equipados institucionalmente para a disputa por posições de destaque no campo da pesquisa, compatíveis com o prestígio e poder consolidado por esses agentes institucionais. Bourdieu (2004b) ressalta que as posições legitimadas pelo Estado, permitem a esses agentes participarem da esfera decisória das regras do jogo (comissões e similares) que, por sua vez, possibilitam a manutenção e ampliação das posições de poder dentro do campo.

Estamos, no entanto, cientes da característica reflexiva ou do efeito espelho que é analisar um campo do qual fazemos parte e no qual ocupamos uma posição específica, a partir de onde o observamos e o vivenciamos (BOURDIEU, 2004a, 2004b).

Durante toda a pesquisa nossa intenção foi a de demonstrar a distorção do sistema e, por isso, resolvemos não caracterizar os pesquisadores, mas apenas as instituições como uma forma de caracterizar o problema das disparidades regionais apresentadas. As nossas análises evidenciam a existência de uma política que reproduz a hierarquia de bolsistas e acabam privilegiando instituições, especialmente das regiões Sul e Sudeste, que já possuem razoáveis condições de condução de trabalhos científicos mantendo uma dinâmica de maior financiamento das pesquisas realizadas por estas além da distribuição de bolsas para seus pesquisadores.

Este artigo trata apenas de uma primeira exploração do banco de dados que criamos para analisar e compreender as características e estratégias que estruturam e estruturaram a construção das hierarquias acadêmicas entre nós. Algumas das características que apresentamos, para o caso específico da educação, evidenciam o efeito Matheus, não apenas no plano institucional, mas também no aspecto regional. A composição institucional dos comitês (representada pela presença de PQs das diferentes universidades), o cotejamento com as posições de destaque em instituições representativas da área como, por exemplo, a ANPEd, as publicações e orientações desenvolvidas pelos bolsistas de produtividade serão alguns aspectos deste programa institucional de pesquisa que estamos desenvolvendo. Continuamos, portanto, a explorar as características de formação, atuação e produção desses pesquisadores, destacados com a bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.

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4- Nossa principal inspiração teórico-empírica no campo da pesquisa tem sido a obra de Pierre Bourdieu, desde a construção do nosso grupo de estudos e pesquisas em sociologia da educação (SOCED), em 1992.

5 - Bolsas em curso até julho de 2016.

6 - No sentido bourdiano da dinâmica, normalmente lenta e tendencialmente conservadora, da história das estruturas, como apresentou em duas de suas últimas obras sobre o campo acadêmico, a saber: Homo Academicus (BOURDIEU, 2011), publicada originalmente em 1984, e La Noblesse d´État (BOURDIEU, 1989a).

7- Relações estas que garantiram ou garantem historicamente perfis e estruturas hierárquicas em que se posicionam agentes, instituições, órgãos de financiamento e legitimação das atividades de pesquisa acadêmica e da luta pela conquista de posições mais elevadas nas escalas de avaliação de produtividade em pesquisa no CNPq.

8- No campo da psicologia, encontramos o trabalho de Wendt e colaboradores (2013); no campo da matemática, Londero da Silva (2011); no campo das ciências de informação, Chaves Guimarães, Cabrini Gracio e Oliveira Matos (2014); em saúde coletiva, Barata e Goldbaum (2003), e um que trata da correlação entre as grandes áreas, a saber: Wainer e Vieira (2013), além da análise bibliométrica de Dias e colaboradores (2016).

9 - Conferir a respeito em Coenen-Huther (2004, p, p. 7).

10- “É dever do sociólogo saber como era composta a comissão: quem escolheu quem e por quê? Por que pedir a fulano que seja presidente? Que propriedade ele tinha/como se fez a cooptação? Será que o jogo não estava decidido pelo simples fato de decidir seus membros? A comissão é uma invenção organizacional... por as pessoas juntas de tal maneira que, organizadas desse jeito, elas façam coisas que não fariam se não estivessem organizadas assim” (BOURDIEU, 2014, p, p. 57).

11 - A Capes é uma fundação vinculada ao Ministério da Educação do Brasil que atua na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados do país.

12- Os CAs estão organizados por subáreas do conhecimento. Eles são compostos por pesquisadores 1 reconhecidos da subárea, indicados por um conselho deliberativo do CNPq, que seleciona os membros através de consultas às entidades científicas, à comunidade científica, entre outros. Os critérios para a seleção do CA está disponível em: <http://cnpq.br/renovacao-de-cas>. Acesso em: 08 out. 2017.

13- Mais informações e detalhes sobre esses critérios, conferir o Anexo III da Resolução Normativa RN-028/2015.

14 - Regimento da bolsa de produtividade disponível em: <http://www.cnpq.br/documents/10157/5f43cefd-7a9a-4030-945e-4a0fa10a169a>. Acesso em: 24 set. 2016.

15- Para mais detalhes sobre cada nível dos bolsistas de produtividade da categoria 1 e sobre categoria 2, consultar: http://cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/5966303. Acesso em: 03 out. 2017.

16- Os critérios do CA da área da educação estão disponíveis em: <http://cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/50453>. Acesso em: 08 out. 2017.

17- Consultamos as bolsas em vigência no ano de 2016 de acordo com a categoria do pesquisador através do site do CNPq, disponível em: <http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.curso>. Acesso em: abr. 2016.

18- Os dados dessa pesquisa exploratória com os bolsistas de produtividade Sr e 1A foi publicado na revista Educação e Pesquisa (USP-Impresso) com o título “Operando com conceitos de Bourdieu: produtividade em pesquisa e hierarquias acadêmicas no campo da Educação” (COCK, et al., 2018).

19 - O primeiro curso de mestrado em educação foi criado na PUC-Rio em 1965. Para mais informações a respeito da criação da ANPEd, ver a tese de doutorando de Vera Henriques (1998).

20 - Ver a respeito: The Matheus Effect (MERTON, 1968).

21- Luiz Pereira, Marialice Foracchi, Aparecida Joly Gouveia, Josildeth Gomes Consorte, entre outros.

22- Ver a respeito: Brandão e Mendonça (2008).

23 - Luiz Pereira, Marialice Foracchi, com apoio de Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes e Aparecida Joly Gouveia (doutorada no exterior).

Recebido: 07 de Maio de 2018; Revisado: 13 de Agosto de 2018; Aceito: 26 de Fevereiro de 2019

Ana Luisa Antunes é doutora e mestre em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); graduada em pedagogia pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES/RJ), onde atua como professora da educação básica.

Priscila Andrade Magalhães Rodrigues é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do grupo de extensão e pesquisas em docência, didática e formação no ensino superior (GEDOC/LEPED). Pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação (Soced) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Zaia Brandão é professora titular emérita da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

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