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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.46  São Paulo  2020  Epub 05-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046236978 

SEÇÃO TEMÁTICA: Infância, Política e Educação

“Infância maior”: linha de fuga ao governo democrático da infância1

2- Universidade Estadual de Campinas, Campinas – SP, Brasil. Contatos: gallo@unicamp.br; rafaelimao@gmail.com.


Resumo

A infância e a juventude têm sido pensadas e vividas sob o signo da menoridade. Quando fogem ao controle social são inclusive pensadas como uma doença que precisa ser curada. Este artigo traça uma breve genealogia do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), colocando em relevo os avanços que ele promoveu em relação às anteriores legislações acerca da infância no Brasil, os Códigos de Menores. Analisa a emergência do ECA no contexto da Nova República e do processo de redemocratização do país por meio do operador conceitual governamentalidade democrática, mostrando que se tratava de subjetivar crianças e jovens como cidadãos de direitos, sob uma lógica de proteção integral. Tratava-se de uma forma democrática de governo, mas ainda assim um governo da infância e da juventude, mantendo-as sob a tutela dos adultos. Apesar dos avanços, chama a atenção para os limites dessa legislação, visto que crianças e jovens continuam morrendo em massa ou sendo encarcerados, apesar da política de proteção integral. Ao questionar a respeito das possíveis linhas de fuga ao governo da infância, outro pensamento político que a tome fora da condição de menoridade, o texto explora a filosofia de Charles Fourier, que concebe uma relação completamente distinta entre crianças, jovens e adultos, sem qualquer tutela. Nas palavras de René Schérer, uma infância maior, emancipada, signo de uma grande saúde.

Palavras-Chave: Governo da infância; Estatuto da Criança e do Adolescente; Governamentalidade democrática; Infância maior

Abstract

Childhood and youth have been addressed and lived out under the sign of minority. Outside social control, they are actually considered as a “disease” that must be cured. This article briefly outlines the genealogy of the Statute of the Child and Adolescent (ECA), highlighting its advances in relation to previous legislation on childhood in Brazil, the Code of Minors. It analyzes the emergence of ECA against the background of the New Republic and the redemocratization process in Brazil, through the conceptual operator of democratic governmentality, showing that it related to the subjectification of children and youth as citizens of rights, under a logic of comprehensive protection. A democratic form of government, yet a government of childhood and youth, nonetheless, keeping them under the guardianship of adults. It draws attention to the limitations of this legislation since, despite the advances and comprehensive protection policy, children and youth continue dying or being incarcerated on large scale. Considering possible escape routes from the government of childhood, a distinct political approach outside the condition of minority, the text explores the philosophy of Charles Fourier, who conceives a completely different relationship between children, youth and adults, refuting any kind of guardianship. In the words of René Schérer, a “majority childhood,” emancipated, a sign of great health.

Key words: Government of childhood; Statute of the Child and Adolescent; Democratic governmentality; Majority childhood

Tatear sem medo as superfícies do mundo. Enfrentar com sangue nos olhos perigos que não se sabe mensurar. Invadir territórios, quintais e ruas sem se preocupar com a propriedade privada. Interrogar as mais tenebrosas perguntas sem receio da resposta, feliz ou amarga. Contar a quantidade de estrelas no infinito. Passar horas a fio sem produzir nada de útil para ninguém. Coçar e cutucar o corpo todo curioso pelos fluidos possíveis. Não dar conta do tempo. Não saber do peso da culpa. Não temer o policial, o pai, o professor, o deus, a deusa, o inferno. Xingar com força qualquer tipo de empecilho ao desejo. Cortar os fios do freio do carro em plena ladeira em noite escura. Uma coragem obstinada (STIRNER, 2009) em habitar o mundo. A infância3, sob esse olhar, pode ser percebida como um território de ingovernáveis delírios e indomesticáveis devires.

Essas vidas movimentadas por forças intempestivas de desterritorialização de tudo o que tocam são – para os burocratas do Estado, para os professores da Lei, para os peregrinos da Fé, para os entes da Família – um perigo. Crianças, adolescentes e jovens são um risco emergente para os estriamentos do aparelho de Estado, para a sujeição na subjetividade capitalística e para os dispositivos de governamentalidade.4 É preciso educá-los, nutri-los, defendê-los, salvá-los, profissionalizá-los, espiritualizá-los, moralizá-los, trancá-los, prendê-los, socializá-los, inseri-los, curá-los, tratá-los, acompanhá-los, protegê-los, guiá-los, domesticá-los, digitalizá-los etc. Uma sorte de infindáveis tentativas de fazer suas vidas nômades serem estriadas pelo mundo adulto, civilizado, estatal, capitalista, familiar, burguês, urbano etc. Comenta Augusto (2013, p. 38):

A sociedade investe em ajustar, em dar justeza e direção ao jovem que nega o mundo como este o encontrou e até se empolga quando há certa revolta construtiva contra ela. Ela precisa educar esse jovem para que seu ideal seja introjetado, com mais ou menos força, mais ou menos retórica, mais ou menos argumentos complementares e contraditórios, como o verdadeiro e o justo. E, assim, pretende conter, senão aplacar, a potência afirmativa que habita essa negação do revoltado contra o mundo, fluxo perigoso que pode acionar a volta do prazer pela vida. (Destaques nossos).

Schérer (2006a) comenta que a infância é vivida em nosso mundo contemporâneo como uma espécie de doença.5 A criança e o jovem, escapando ao controle da sociedade, inquietam e provocam medo, ao desafiar as normas e os padrões instituídos. Mas, sendo a infância uma invenção da sociedade adulta (SCHÉRER; HOCQUENGHEM, 1976; SCHÉRER, 2006b; SCHÉRER, 2009), crianças e jovens aí estão para serem educados e controlados, de modo a vir a constituir o futuro da sociedade. É imperioso, pois, que se exerça o controle sobre crianças e jovens, de modo que eles não se percam, não saiam do caminho para eles demarcado pela sociedade e pelos adultos. É de fundamental importância que as crianças sejam governadas, tuteladas pelos adultos, mantidas em uma condição de menoridade.

Neste artigo, refletiremos em torno da noção de um governo da infância, procurando compreender como a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 insere-se no contexto de uma lógica de governamentalidade (FOUCAULT, 2008) que consistiu em instituir crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, aptos a serem governados democraticamente para, em seguida, pensar linhas de fuga possíveis a tal governamento: uma infância maior, preconizada por Charles Fourier. Ainda que para Foucault (2008, 2013) todo governo como condução de condutas implique a emergência de contracondutas, a afirmação daqueles que não desejam ser governados dessa maneira e clamam por outra forma de governo, queremos aqui dar um passo além: na companhia de Deleuze e Guattari (2014) pensar linhas de fuga ao governo. Que potencial há na infância para o ingovernável?

Um Brasil “doente” de sua infância? Breve genealogia do Estatuto da Criança e do Adolescente

Schérer diagnosticou, na França, no início dos anos 2000, a infância como doença quando manifestações violentas de jovens nas periferias tornaram evidente que algo não estava bem na relação da sociedade com suas crianças e jovens, que fugiam ao controle. E no Brasil, teríamos uma percepção análoga? Talvez por aqui o diagnóstico tenha sido bem mais antigo, quando lançamos um olhar sobre a legislação relativa aos menores de idade e a regulamentação de sua atuação na sociedade e nas relações desta para com eles.

Durante os mais diversos períodos políticos (Império, República Nova, Estado Novo, Regime Militar e Nova República), crianças e jovens foram inquilinos frequentes de instituições austeras, como prisões (com diferentes nomes) e instituições de assistência social, como hospitais, escolas, estágios industriais, reformatórios, centros de cultura, creches, abrigos etc. A racionalidade de Estado conspirava com a sociedade civil, a família e a religião, insistindo com e sem eficácia em regular os fluxos de vida em trânsito das infâncias. Seguiremos aqui alguns traços histórico-sociais de como se construíram legislações e políticas relativas à infância no Brasil, sem qualquer intenção exaustiva. Um fio condutor desta análise será a noção de criança ou jovem em situação irregular, que denota o desviante, a doença que precisa ser curada para assegurar o bem comum.

No período final do Império, dizia-se que as ruas das cidades e regiões rurais estavam povoadas pelo medo crioulo, assim chamada pelas instituições oficiais a circulação de jovens negros recém libertos e fugitivos do regime escravocrata. Há uma cena social nas ruas em torno de figuras com um acúmulo de experiências de insubordinação nas fazendas, que lutavam capoeira, que viviam em comunidades quilombolas na região rural e que estavam impacientes depois de anos de submissão. No início da República Velha, tínhamos uma malta de crianças e jovens negros e pobres não disciplinarizados pelas instituições filantrópico-religiosas (financiadas por industriais) e pelos trabalhos precarizados nas incipientes indústrias têxteis de São Paulo. Esses jovens, que passam os dias cometendo pequenos furtos para sustentar suas vidas, vão se encontrar com imigrantes europeus, em sua maioria anarquistas, que abandonavam o trabalho rural e chegavam às cidades. Frente a essas ameaças aos ideais de ordem e progresso, foram criadas diversas estratégias sanitárias e policiais para garantir uma política higienista nas cidades. Era preciso varrer das ruas quaisquer possibilidades de insurgência. Para Washington Luiz, a questão social era uma questão de polícia. Em tal contexto, em 1927, foi criado o primeiro Código de Menores, elaborado pelo magistrado José Cândido Albuquerque de Mello Matos, no qual:

[...] não há diferenciação entre menor infrator e menor carente, classificados apenas como “menores em situação irregular”, passíveis da tutela governamental. O jovem que vive na rua ou em condições consideradas irregulares é seletivamente apontado como alguém que fatalmente infringirá a lei e, com isso, se explicita o princípio de prevenção da possível infração, justificador do recolhimento dessas crianças e jovens das ruas. (AUGUSTO, 2013, p. 58-59).

Em nome de uma prevenção geral da sociedade, qualquer suspeito ou possível suspeito de atividades antissociais era retido pelo Estado em instituições austeras, que cuidavam de sua formação, mas, sobretudo, afastavam-no das ruas e dos possíveis delitos que poderiam vir a cometer. Tratava-se de uma ação preventiva. Se tais jovens eram vistos como uma espécie de doença que acometia a sociedade, então a cura possível era seu afastamento do convívio social, de modo a não perturbar a ordem e o bem comum. Outro importante traço desse primeiro código produzido para regular as ações do Estado com relação a crianças e jovens é o fato de que esses sujeitos eram chamados de menores. Podemos assim circunscrever a emergência do conceito de menor no Código de 1927, sendo até hoje replicado nos discursos de juízes nas varas da infância, por policiais em batidas noturnas, por apresentadores de programas de televisão e por pesquisadores das ciências sociais.

Durante a ditadura do Estado Novo e durante os anos 1950, vivemos um desenvolvimento do conceito de menor, que foi associado às defasagens sociais, biológicas e psicológicas disparadas pela inflação populacional nos centros urbanos, pela migração de diversos trabalhadores e suas famílias do norte e nordeste brasileiro para o eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Técnicos, cientistas e intelectuais são intimados pelo Estado para conhecer quem são os jovens em situação irregular.

Estes estudos, feitos por psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, psiquiatras, historiadores, economistas e advogados, concluíam que o efeito do conflito entre as culturas, ao incidir na personalidade do indivíduo, acabava criando o homem marginal: aquele não totalmente integrado na sua situação presente de vida. (PASSETTI, 1985, p. 35).

Os estudos das populações em situação irregular começam a deslocar-se de uma lógica de retenção e higiene das ruas para uma lógica da retenção e tratamento dos desajustados; ou seja, se antes a vontade era prender e jogar fora a chave, com objetivo de remover das ruas essas figuras desajustadas, agora se prendia para conhecer melhor o prisioneiro, o delinquente, e operar sobre esse uma cura, um tratamento. O delinquente e a criança em situação irregular deveriam ser compreendidos para serem tratados. O governo das infâncias, como dispositivo biopolítico operando sobre a população dos grandes centros urbanos, tinha como missão a contenção, tratamento e reintegração desses menores como garantia de contenção de revoltas, adaptação societária aos ditames da urbanidade capitalista e a preparação desses jovens para futura mão de obra fabril. Foi transformando-se a forma de lidar com a doença da infância, mas ela continuava sendo vista como um problema a ser enfrentado e sanado.

Das entranhas da ditadura civil-militar, organizado pelos oficiais da Escola Superior de Guerra e integrando o Plano de Segurança Nacional, emergiu o Código de Menores de 1979, a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), que criaram um sistema bem articulado.

Nesse contexto, crianças e adolescentes em situação irregular eram vistos do seguinte modo:

Perante a lei são menores que deverão ser educados para se tornarem adultos respeitosos. Socialmente são menores oriundos de famílias desorganizadas, incapazes de lhes dar a educação elementar. Psicologicamente são considerados imaturos e portam personalidades com desvios de conduta. (PASSETTI, 1985, p. 54).

A Política Nacional do Bem-Estar do Menor declarou guerra contra parte da população em defesa da sociedade. Não se trata de uma guerra que prevê o extermínio ou a morte de parte dessa população, mas objetiva um gerenciamento da vida, um gerenciamento das forças que estão no campo de batalha: “As guerras já não se travam em nome do soberano a ser defendido, travam-se em nome da existência de todos, da necessidade de viver” (FOUCAULT, 1988, p. 148). A Política Nacional de Bem-Estar do Menor responde, assim, ao combate do chamado processo de marginalidade de que as crianças e jovens filhos do proletariado eram alvo, com o objetivo, primeiro, de integrar os programas nacionais de desenvolvimento econômico e social; segundo, de elaborar o dimensionamento das necessidades afetivas, nutritivas, sanitárias e educacionais de que essa população esteve carenciada; e, terceiro, de racionalizar os métodos de elaboração e funcionamento e implantação desta política.

Durante a década de 1980 e em meio à luta pelo fim da ditadura civil-militar, alguns deslocamentos importantes foram propostos em relação ao governo das vidas das crianças e adolescentes no Brasil. Um movimento nacional composto por educadores, cientistas, psicólogos, assistentes sociais, militantes, políticos, burocratas de Estado, médicos, entre outros setores vai convergir na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Constata-se, assim, que o ECA foi um dos primeiros marcos legais da nova ordem democrática que se instaurou com o processo de redemocratização do país, a partir de 1985, tendo sido publicado pouco tempo depois da Constituição Federal de 1988.

O que o Código de 1979 declarava como questão de segurança nacional desloca-se para uma lógica de formação das crianças e adolescentes para o exercício da cidadania, fundada na proteção integral6de suas vidas e na garantia de direitos. A nova nomenclatura não se refere mais a essa população como menor/menores, que posicionava as crianças e adolescentes (nova nomenclatura) em um patamar inferior em relação aos adultos e estava carregada de estigmas biopsicossociais; no regime democrático, essa posição deve igualar-se na garantia de direitos e respeito à vida para a formação da atitude cidadã e do gozo de igualdade de possibilidades.

Chama a atenção o fato de que crianças e adolescentes, tirados da condição de menores – e, portanto, sem direitos – passam a ser tratados como toda e qualquer pessoa, detentores dos mesmos direitos legais. A condição de igualdade, porém, não interfere no princípio da proteção integral, que é a base da lei. Isso está explicitado da seguinte forma:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990, n.p.).

O que vemos aqui é uma situação absolutamente nova. Crianças e adolescentes ganham estatuto legal de igualdade de direitos e de condições, mas continuam tutelados pela sociedade, que deve garantir sua proteção integral. Tal proteção deve ser provida pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo poder público, conforme dispõe o artigo 4º. Com outras palavras, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, mas devem ser a qualquer custo protegidos pela sociedade e pelo Estado; seu direito primeiro é o direito à proteção. Mas, devem ser protegidos de quê? Ora, de tudo aquilo que pode desviá-los do caminho de serem cidadãos de direito e de fato, em condição de igualdade com os demais. Pode-se, assim, ver no ECA um movimento de contraconduta (FOUCAULT, 2008). Crianças e adolescentes já não serão governados como inferiores, como nas legislações autoritárias anteriores, mas como sujeitos de direitos, o que é pertinente numa sociedade democrática. Uma contraconduta que institui um novo governo das condutas, agora assentado no direito à proteção. Mas, para que o governo seja possível a condição de tutela permanece.

O que intervém aqui é o outro deslocamento importante que realiza essa lei, que se refere àquilo que antes se compreendeu como situação irregular; no ECA, esse princípio que predominou nas legislações anteriores é traduzido como situação de risco ou de vulnerabilidade. Percebe-se uma mudança radical: com o princípio da situação irregular atribui-se ao indivíduo essa condição, como se a sociedade nenhuma responsabilidade tivesse; já com o princípio da situação de risco ou de vulnerabilidade, reconhece-se que se trata de uma condição social e que o indivíduo deve ser protegido – e não punido – pelo conjunto social. Esse deslocamento, porém, realimenta uma lógica diagnosticadora da necessidade de intervenção estatal em contextos sociais em que as crianças ou adolescentes são privados de algum – ou alguns – de seus direitos, com o intuito da suposta proteção integral. Todos são chamados a defender a criança e o adolescente e a denunciar quaisquer tipos de violência ou negligência de direitos. Todos são convocados e podem falar em nome dos jovens, que são chamados a protagonizar suas próprias histórias de vida, desde que essas narrativas sejam mediadas por algum tipo de tutoria, que pode ser do professor, do assistente social, do psicólogo, do policial, da defensoria pública, do conselho tutelar...

Hoje, em nome da defesa efetiva de crianças e jovens transformados em sujeitos de direitos, ampliaram-se as mãos abjetas e as bocas falantes que avançam sobre seus corpos. Não cabe mais somente aos pais e ao Estado protegê-los dos outros e de si mesmos, mas agora alega-se que é necessário protegê-los, também, de quem deveria defendê-los. E, então, todos estão autorizados a falar por eles e a fazer de cada criança e jovem um prisioneiro preventivo da chamada responsabilização e do combate à impunidade. Chamam a isso de proteção integral. (OLIVEIRA, 2008, n.p.).

A política de proteção integral tem, porém, suas contradições. O que significa proteger a infância das classes privilegiadas? E em relação às classes exploradas no sistema capitalístico, como é aplicada a doutrina da proteção? Basta caminhar nas chamadas periferias da cidade de São Paulo e municípios adjacentes ou por favelas do Rio de Janeiro para se perceber alguns pontos em comum marcantes: a) essas populações são alvo e motivação de inúmeros projetos destinados a populações em vulnerabilidade social, programas que visam, no resultado final, à acomodação dessas populações nos territórios em que vivem; b) são o principal foco das políticas públicas sanitárias, de saúde familiar e individual, de escolarização e de segurança pública, todas políticas no sentido de efetivar a manutenção do confinamento dessas populações nas chamadas periferias e favelas. Os mecanismos de controle tornam-se evidentes, mostrando as práticas de governo de crianças e adolescentes, devidamente reconhecidos, com direitos garantidos e securizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, quando falham as medidas de proteção e crianças ou jovens infringem princípios legais, instituições estão a postos para, disciplinarmente, agir no sentido da correção das condutas indesejáveis. Por diferentes meios e sistemas, a tutela da infância permanece.

É seguro afirmar que o ECA significou um avanço jurídico e político em muitos termos na defesa da vida de crianças e jovens no Brasil, ao mesmo passo que é necessário afirmar que também constituiu um campo sofisticado, em que os dispositivos securitários e biopolíticos podem operar um controle mais efetivo da vida de todos e de cada um e a cada passo. Aqueles que mantêm modos de vida regulares, com família, escola, moradia, consumo e obediência, terão sua circulação garantida (ainda que vigiada); já aqueles que desviam em qualquer um dos pontos terão seus fluxos de circulação mediados por projetos educativos, lares assistenciais, programas sanitários e de saúde pública. O desejo da juventude por desvios e busca de outros rumos terá mais restrições e controles de seus fluxos, integrando internações em presídios para jovens (as chamadas medidas socioeducativas de internação), bem como prestação de serviços comunitários, com as medidas socioeducativas em meio aberto. E, no limite da insubordinação absoluta a quaisquer acompanhamentos de sua vida pelo Estado e pelo capital, tentando tomar para si as suas próprias vozes, independentemente de qualquer tutela do Estado, serão mortos pelos aparatos policiais e tratados como lixo humano pelas estatísticas oficiais, enterrados em vala comum. Em suma, apesar de significativas mudanças, a noção de uma infância problema, tomada como doença social permanece, ainda que seja tratada como problema de saúde pública.

Poderíamos tomar o caminho de diferenciar o ECA como política pública, como intenção legislativa e sua aplicação prática, sujeita às contradições do capital. Mas não pensamos nesta direção; uma política pública, mais do que a letra da lei é sua materialidade, como ela se configura no contexto social. Por essa razão, não direcionamos as críticas à aplicação do ECA, resguardando-o como política pública. Nossa intenção é mostrar, de modo crítico, que ainda que tenha significado importantes avanços, o Estatuto apresenta problemas que se materializam numa sociedade altamente diferenciada economicamente. A lógica da proteção mostra-se de modos diferentes para ricos e pobres. Mas, em ambos os casos, trata-se de uma tática de governamento, que mantém a condição tutelada de crianças e jovens. Proteger é também tutelar.

A construção da criança e do adolescente como sujeito de direitos: produção biopolítica no Brasil pós-ditadura como governamentalidade democrática

Ainda que não se tenha transformado a noção de fundo de que a infância é – ou pode constituir-se como – um problema social, os avanços promovidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente foram significativos, ao assumi-los como sujeitos de direitos. Como compreender os processos políticos e sociais que levaram a essa mudança de postura no Brasil do final do século XX? Manejaremos um operador analítico derivado do pensamento de Foucault para construir uma compreensão desses processos: a governamentalidade democrática.

Após estudar a fundo as relações de poder, negando que ele seja um fenômeno estritamente repressivo (FOUCAULT, 1999), o filósofo francês preferiu substituir a análise do poder pela análise do governo, por essa palavra entendendo a ação de conduzir a conduta das pessoas (FOUCAULT, 2008). Percebe-se que há uma significativa ampliação do campo, visto que se assume que o poder não opera, principalmente, pela repressão, interditando desejos e ações, mas sim estimulando e controlando as ações, as condutas dos indivíduos.7Foucault (2008, p. 117 e ss.) explora como eclodem, ao longo do século XVI, uma multiplicidade de práticas de governo: governa-se a si mesmo (ação moral); governam-se os filhos e as crianças (ação pedagógica); governam-se as almas e as condutas (ação religiosa); governam-se os Estados (ação política), dentre outras. Positividade da ação do poder na prática governamental, que não interdita as ações, mas as estimula, ao mesmo tempo em que as controla.

Na análise levada a cabo por Foucault, as múltiplas práticas de governo, oriundas das atividades cotidianas, vão, pouco a pouco, tomando conta do Estado, culminando com um processo de sua governamentalização. No curso oferecido no Collège de France, entre janeiro e abril de 1978 (Segurança, Território, População), ele analisou esse processo, mostrando que paulatinamente os Estados europeus que operavam na lógica do poder soberano foram se transformando em Estados administrados, operando na lógica do poder disciplinar e, finalmente, em Estados governamentalizados, que operam segundo a lógica do biopoder, um poder que se exerce sobre a vida, dirigindo os grupos populacionais.8 Foi a emergência da tecnologia biopolítica, a partir do século XVIII, que possibilitou que os Estados fossem governamentalizados.

Uma última observação, para que possamos dar um passo adiante. A noção de governo, em Foucault, abre toda uma dimensão dos processos de subjetivação, ao explorar como o sujeito que é governado também governa a si mesmo, transformando-se. Em uma conferência nos Estados Unidos (Dartmouth College, 17 de novembro de 1980), ele afirmou que:

O ponto de contato entre o modo pelo qual os indivíduos são dirigidos pelos outros e a maneira pela qual eles se conduzem a si mesmos é o que, creio, podemos chamar de “governo”. Governar as pessoas, no sentido amplo da palavra, não é uma maneira de forçá-las a fazer aquilo que deseja aquele que governa; há sempre um equilíbrio instável, com complementariedade e conflitos, entre as técnicas que asseguram a coerção e os processos pelos quais o si [o sujeito] se constrói e se modifica por si mesmo. (FOUCAULT, 2013, p. 38-39).

Tomar a governamentalidade como operador analítico significa, então, levar em consideração tanto a forma como somos governados quanto a forma que governamos a nós mesmos, transformando-nos. Temos nossa conduta conduzida por outrem, mas também nos conduzimos, transformando a nós mesmos, produzindo novas formas de conduzir-nos e conduzir aos outros. Para dizer de outro modo, os sujeitos são produzidos nas dobras das relações de poder, sendo assujeitados a elas; mas é esse assujeitamento que permite um trabalho sobre si mesmo, um processo de subjetivação que produz transformações.

Feitas essas considerações, podemos agora argumentar em torno da produção, no Brasil, de uma governamentalidade democrática. Em 15 de março de 1985, com a posse de um Presidente da República civil, tinha fim uma ditadura militar que durou 21 anos. O anseio popular pela democracia, manifestado, por exemplo, no movimento Diretas Já, que levou milhões de brasileiros às ruas, tornava urgente o processo de redemocratização do país, sendo um de seus pilares a afirmação da cidadania. A chamada Nova República, orientada pela Constituição Federal de 1988, ficou marcada pelos esforços de promover a transformação dos brasileiros em cidadãos, sujeitos de direito político pleno, partícipes ativos da vida política e social do país. Em suma, o Estado brasileiro passou a exercer uma governamentalidade especialmente centrada na prática democrática, isto é, tratava-se de constituir o indivíduo como cidadão, como sujeito de direitos, para que ele pudesse ser democraticamente governado e governar a si mesmo.

A governamentalidade democráticamade in Brazil operou uma intensa produção de políticas públicas, de modo especial nas áreas sociais, como Educação e Saúde Pública.9 Uma pedra de toque nesta produção biopolítica: a lógica inclusiva. Se o Estado almeja governar a todos os cidadãos, de modo participativo, é fundamental que ninguém fique fora da esfera do governo. Estar excluído equivale a não ser governado.10

É neste contexto que podemos compreender o Estatuto da Criança e do Adolescente como política pública forjada e implementada como peça de uma lógica estatal operando uma governamentalidade democrática. É o que transparece no comentário do Coletivo Centelha (2019, p. 65-66):

Instituído no contexto da promulgação da Constituição de 1988, o ECA foi resultado da ampla mobilização nacional promovida por grupos como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. O texto final se baseia na “doutrina de proteção integral”, que visa garantir os direitos fundamentais de todas as crianças e os adolescentes em sua “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (expressão reiterada nos artigos 6, 69, 71, 121), concebendo-os como agentes participativos da sociedade.

Crianças e adolescentes precisavam ser tomados como sujeitos de direitos políticos, para que pudessem estar contemplados na nova lógica de governo democrático. Excluídos dessa condição, estariam fora da ordem do governo. Garantir seus direitos, garantir sua proteção era a condição necessária para incluí-los na esfera da governamentalidade. Para tal, fundamental também subjetivá-los como cidadãos.

A breve genealogia do ECA que desenvolvemos anteriormente evidencia as transformações pelas quais passou a condição de crianças e adolescentes no país. Se em princípio tínhamos uma legislação que procurava proteger a sociedade de possíveis menores infratores, em situação irregular, com o ECA temos uma legislação que se pretende preventiva, mais que punitiva, protegendo crianças e adolescentes em situação de risco social (vulnerabilidade) para que não venham a cair na marginalidade, tornando-se nocivos para a sociedade. Percebe-se que se transita de uma situação excludente, na qual os menores eram vistos como problemas sociais e por isso deveriam ser excluídos do convívio, para uma situação preventiva, na qual a prevenção se faz pela inclusão social, pela assunção dos direitos desses sujeitos, percebidos como parte integrante de um tecido social democrático.

Os avanços promovidos por essa legislação produzida sob a lógica da governamentalidade democrática, porém, apresentam suas fragilidades. Novamente convocamos a bastante atual análise do Coletivo Centelha (2019, p. 66):

No entanto, por melhores que sejam suas formulações, na prática o ECA se revelou frágil – como, aliás, todas as conquistas da Nova República. Ele não apenas não impediu o assassinato e o encarceramento em massa da juventude como conviveu com a sobrevida de concepções de controle da juventude elaboradas no Código de Menores da ditadura.11

A questão de fundo que nos importa ressaltar aqui é a tutela que sociedade exerce sobre a infância e a juventude. A doença evidenciada por Schérer e destacada no início deste texto permanece como aquilo que nos assombra, visto que a sociedade vislumbra que, a qualquer momento, o controle pode ser perdido e essa parcela da população, considerada menor em termos de estatuto jurídico e social, pode escapar ao governo. No fundo, a sociedade intui que a infância é ingovernável, por isso não se cansa em criar sempre mecanismos de governo, para tentar manter a tutela, mantê-la sob sua direção, visando a garantir a continuidade dessa conformação social. O pânico frente aos episódios de descontrole da infância e da juventude, diagnosticados como sintomas dessa doença, justifica-se pelo vislumbre da possibilidade – efetiva – de perda dessa tutela, dessa dominação que a sociedade adulta exerce sobre a infância.

No caso brasileiro, o ECA significou, como vimos, uma mudança na forma legal como a sociedade lida com crianças e jovens, afastando a nomenclatura menor, considerada pejorativa. O problema é que se afastou o nome, mas não a condição. Crianças e jovens permaneceram tutelados, pela família, por responsáveis legais, pelo Estado; continuaram na condição de menoridade. Schérer (2014) afirmou que nos últimos séculos temos visto a emancipação de vários grupos sociais; a infância, porém, continua sob tutela, aguardando a possibilidade de sua emancipação.

A questão política da infância é sua tutela pelo mundo adulto. Schérer é um dos pensadores que afirmam ser a infância uma invenção dos adultos, que visa a proteger a criança em suas etapas de desenvolvimento, conformando-as, através da educação, para sua integração ao mundo adulto, garantindo a manutenção de certa estrutura de sociedade. Quando observamos a infância, o que vemos é uma imagem de criança que o mundo adulto impõe como modelo. Autores como Alain, por exemplo, afirmaram que apenas em dadas condições podemos ver a criança agindo como criança, sem a influência adulta, sem a preocupação de mostrar aos adultos aquilo que querem ver. Segundo ele, isso se daria na escola, quando a criança está entre seus iguais, constituindo o que ele denomina o “povo criança”.12

Mas a escola é uma instituição de confinamento disciplinar (FOUCAULT, 1987) onde também a criança é conformada pelos adultos, moldada segundo uma imagem pré-definida, o que a mantém em sua condição de inferioridade, de menoridade. Ainda que Alain tenha procurado ressaltar uma suposta autonomia da criança quando está entre seus iguais, sendo ela mesma, ele não deixa de perceber essa sua condição de menor:

Denomino como criança o ser humano em pleno processo de crescimento, antes da formação e das paixões (altruísmo) vinculadas a ela, antes da preocupação de ganhar sua vida, ou o que dá no mesmo, antes que ele possa se instruir diretamente pela experiência, portanto nutrido, governado e protegido pela família. Tais características são suficientes, e por isso mesmo não podemos esquecê-las quando falamos da criança. (ALAIN, 2007, p. 227).

A criança pensada por Alain continua sob a tutela adulta e ele ressalta que não podemos nos esquecer disso. A criança pode ser ela mesma na escola, agindo de forma natural nesta instituição dedicada a ela, mas sem perder de vista que ela é governada e protegida pela família. A criança, por mais que seja ela mesma entre seus iguais, não se desvia de sua finalidade: tornar-se adulta e, para isso, precisa ser protegida, governada.13 No caso brasileiro, com o ECA, governada democraticamente, mas ainda assim governada.

Como afirma o Coletivo Centelha (2019, p. 72), “a juventude aprendeu a não esperar nada [...]. Ela é a primeira manifestação do ingovernável e, em mais de uma ocasião, fez as ruas queimarem”. Para além dessa lógica de governo de crianças e adolescentes, visando a sua pacífica integração a uma configuração social à qual devem estar assujeitadas, haveria uma linha de fuga possível? Pode-se pensar uma infância fora da esfera do governo? Uma infância ingovernável?

Uma linha de fuga: a infância maior de Charles Fourier

Schérer encontrou uma linha de fuga para a infância no pensamento utopista de Charles Fourier (1772-1837). Esse filósofo desenvolveu uma teoria social crítica do mundo moderno, por ele apelidado de “Civilização”, visando à construção de um “novo mundo amoroso e societário”, por ele denominado “Harmonia”. Em uma de suas obras de base, Teoria dos quatro movimentos, publicada em 1808, ele divide a história humana em quatro grandes períodos: selvageria; barbárie; patriarcado e civilização, cada uma com suas próprias características. A etapa da civilização teria se iniciado no século XVI e culminaria com o mundo capitalista burguês do início do século XIX, sendo ela o alvo central de suas críticas, pois em sua visão essa etapa leva às últimas consequências os vícios humanos e produz a miséria, apesar da abundância de produção que se alcança com o sistema industrial.14

O que move a sociedade, segundo Fourier, são as paixões, que são naturais do ser humano e deveriam poder se desenvolver de forma livre e autônoma. As atrações passionais, como ele as denomina, são a base de toda relação social e de toda produção humana, da material até a intelectual.15 A “Harmonia” seria a etapa social que a humanidade poderia alcançar com o exercício livre das atrações passionais, nas quais as forças e capacidades de cada indivíduo convergem para o bem-estar coletivo e social. Nesse mundo harmonioso, teríamos a emancipação de todos os grupos sociais que o compõem, sem a dominação de uns sobre outros. De modo especial, Fourier já pensava a emancipação das mulheres, que participariam nos movimentos e ações sociais em pé de igualdade política com os homens, mas também a emancipação das crianças, que viveriam nessa sociedade sem qualquer tutela adulta.

A essas crianças que viveriam de forma própria e autônoma, livremente relacionando-se com os adultos, sem qualquer tipo de tutela ou proteção, Schérer (2006a) denominou “infância maior”, ressaltando sua saída da condição de menoridade que lhes é imposta em nossa sociedade.

Não basta que as crianças sejam integradas entre os adultos, é necessário que, por elas mesmas, sejam um pivô em torno do qual sua organização gravite; que, na ordem societária, elas ocupem um lugar e exerçam uma função “central”. É a isto que denomino “a função maior” e insubstituível da infância, ainda que a palavra “maior” não seja de fato a mais apropriada se lhe damos o sentido atual de “um maior”, como se houvesse uma gloria para a criança que torna-se rapidamente um pequeno adulto (o que Fourier, bem entendido, recusa, afirmando, ao contrário, uma retardamento na puberdade em Harmonia). (SCHÉRER, 2006a, p. 32).

Infância maior porque não tutelada, com seu papel próprio e ativo no meio social do qual é parte integrante. Na concepção fourierista, a infância não é uma fase preparatória do ser humano para se tornar adulto, assim como a velhice não pode ser vista como uma preparação para a morte. O humano vive e movimenta-se através das múltiplas atrações passionais, experimentando diferentes períodos segundo suas características próprias, sem hierarquias entre estes períodos, mas sempre de forma integrada com o conjunto social.

Schérer (2006a, p. 40-41) coloca em relevo três aspectos centrais nessa concepção de Fourier. Em primeiro lugar, a crítica à tutela da infância na civilização, a subordinação da criança ao adulto, gerando a condição de menoridade. Para o filósofo utopista, a criança é livre, autossuficiente e capaz de produzir sua própria vida, por isso, maior. Segundo, a afirmação de que o único princípio de ação da criança (assim como de qualquer adulto, mulher ou homem) é a busca do prazer, através da obediência às atrações passionais. Nesse aspecto, a criança em nada é diferente do adulto, ainda que os prazeres de um e de outro possam diferir radicalmente. Enfim, o que deve se transformar não é a criança, mas a própria ordem social. Tal transformação se dá através de um complexo jogo de exposição dos coletivos de crianças16 aos impulsos atrativos.

Nesse contexto, Fourier pensou uma “educação harmônica” das crianças, um processo no qual elas não estariam submetidas aos adultos, a objetivos de formação alheios aos seus próprios desejos. Obedeceriam a uma única ordem hierárquica: a de que, entre as crianças de diferentes idades, as mais novas aprenderiam com as mais velhas, essas servindo como princípios de atração dos desejos daquelas. Ele faz uma profunda crítica das práticas educativas de sua época, preconizadas pelos filósofos, que faziam dos pais os educadores naturais das crianças, sendo que os mais abastados contratavam preceptores para dar conta dessa tarefa; é uma verdadeira crítica da educação doméstica, que limita o mundo da criança ao mundo da família. Mas também critica os processos educativos escolares, nos quais as crianças são deixadas à mercê dos educadores infantis. Tanto em um caso quanto no outro, as crianças são expostas aos vícios dos adultos, que lhes impõem um processo educativo alheio aos seus desejos. Para ele, são três os objetivos a serem perseguidos na educação das crianças: o desenvolvimento do vigor (saúde), da destreza (física e mental) e da instrução (intelectual). Para a realização de tais objetivos, as crianças deveriam ser deixadas em absoluta liberdade, na relação com outras crianças, experimentando seus desejos e seguindo as leis da atração passional.

Tudo repousa sob a influência das Séries de Grupos. Este apoio não deve jamais faltar a qualquer criança, seja rica ou pobre. Seja ela órfã, desprovida de pais e de amigos, isso não importa à sua educação, ela chegará à idade de 15 anos cheia de saúde, de destreza e de conhecimentos práticos sobre os diversos ramos da agricultura, das ciências e das artes. Ela terá também uma pequena fortuna, adquirida através de suas economias, visto que a criança, na ordem combinada, não pode consumir tudo aquilo que produz. (FOURIER, 2006, p. 48).

Todo o aprendizado da criança se faz no interior da falange da qual ela participa,17 composta por pessoas das mais diferentes idades e com as quais ela se integra na mais absoluta igualdade política, resguardada a diversidade das diferenças individuais de cada um. São essas diferenças que compõem e tornam possível a harmonia coletiva. Cada criança, desde que pode andar, é deixada na falange sem imposição nem de vícios nem de virtudes, de modo que ela possa agir de acordo com seus desejos. Dois são os princípios que regem o movimento: o trabalho e a atração passional. Trata-se de uma educação essencialmente prática, na qual a criança aprende fazendo, trabalhando, modulando seus esforços de acordo com suas capacidades e sendo livremente atraída para as áreas de seu interesse, movida exclusivamente por seu desejo.

O desenvolvimento dos gostos das crianças se faz pelo estímulo, expondo-as às múltiplas possibilidades que a natureza e a sociedade oferecem. Fourier (2006, p. 58) chama isso de semeadura de paixões: as possibilidades são lançadas e dependem exclusivamente das atrações de cada criança para que elas germinem ou não, de modo que nada é imposto. Cada uma escolhe seus caminhos e vai construindo e transformando seu aprendizado de acordo com seus interesses e desejos, materiais e intelectuais. A fantasia será sempre estimulada entre as crianças, de modo a que elas participem da maior quantidade de séries possível, alargando seus horizontes de aprendizado e de possibilidades.

Fourier (2006, p. 204) afirma que a “educação civilizada” e a “educação harmônica” opõem-se num triplo sentido: enquanto na Civilização a teoria vem antes da prática, na Harmonia parte-se sempre da prática para chegar à teoria; na primeira, a educação se faz através de deveres, constrangimentos, restrições, enquanto na segunda se faz através de estímulos às paixões das crianças; por fim, na educação civilizada a criança é assujeitada a um pequeno número de funções forçadas e impostas, enquanto na educação harmônica são variações infinitas de iniciações que são propostas às crianças, cada uma escolhendo seus próprios caminhos. O contraste se dá, justamente, pela diferença na concepção e nos mecanismos sociais. Enfim, na educação harmônica há uma única regra: “desenvolver plenamente a atração passional” (FOURIER, 2006, p. 218).

Em Fourier, a infância não é jamais vista como uma doença; ao contrário, ela constitui a grande saúde de seu sistema social. Não há condição de menoridade, mas de igualdade com os adultos; não há governo das crianças, posto que as atrações passionais devem ser vividas livremente, para que possam harmonizar-se com o conjunto social. O autogoverno é exercido por cada um sobre si mesmo, mas também pela sociedade como um todo, em harmonia.

Considerações finais

Na sociedade ocidental moderna, a infância tem vivido sob o signo da menoridade. A sociedade não pode permitir que crianças e jovens escapem ao controle, sob pena de ruírem as estruturas vigentes há séculos. Um governo da infância é absolutamente necessário. A infância que escapa ao controle é caracterizada como uma doença, cuja cura social precisa ser buscada. Procuramos mostrar como, no Brasil, após toda uma construção jurídica em torno do menor, o Estatuto da Criança e do Adolescente significou um avanço interessante, ao colocar crianças e jovens como sujeitos de direitos, a serem protegidos, especialmente quando em condição de vulnerabilidade social, de modo a se tornarem cidadãos de fato.

A novidade do ECA, porém, não significou uma emancipação da infância brasileira, que continuou sob a tutela adulta, mesmo que esse governo tenha passado a se exercer de forma democrática, sendo crianças e jovens subjetivados como cidadãos, portadores de direitos e membros ativos do conjunto social. O que procuramos mostrar foi que, ainda com avanços em relação às legislações anteriores e estando articulado com um projeto político-social configurado no contexto de uma governamentalidade democrática, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi capaz de instituir a criança como sujeito de direitos, mas não de afirmar sua autonomia. O princípio da proteção integral, ainda que aplicado de modos distintos segundo as diferentes classes sociais, é também uma forma de governo. A hipótese analítica aqui desenvolvida pode ser resumida assim: o ECA constituiu-se numa manutenção da tutela da infância brasileira, governada democraticamente como sujeitos de direitos.

Linhas de fuga da infância são, porém, possíveis. Começamos por chamar a atenção para a coragem obstinada de crianças e jovens, que ousam viver seus desejos de forma ingovernável e encontramos em Fourier e na recuperação de seu pensamento feita por Schérer a possibilidade de uma infância maior, emancipada, livre do estigma da menoridade. Os dois filósofos, um do começo do século XIX, outro da passagem do século XX para o século XXI, chamam a nossa atenção para algo que nossa sociedade capitalística não ousa colocar em pauta: a possibilidade de uma emancipação da infância que, mais do que ser tomada como sujeito de direitos, uma infância cidadã, pode ser erigida à condição política de igualdade com os adultos, não sendo por eles tutelada.

Nossa visita a Fourier e Schérer foi para mostrar ser possível pensar a autonomia política da infância, cuja realização implicaria, sem qualquer dúvida, uma profunda transformação da situação social. O mundo capitalístico não seria o mesmo, se uma infância maior fosse afirmada e vivida. O ECA provocou transformações na realidade brasileira, evidenciando uma nova forma de governar crianças e adolescentes. Cumpriu seu papel na construção de uma sociedade democrática preconizada pela Nova República, ainda que tenha apresentado falhas e diferenciado a proteção pretendida segundo a condição social dos sujeitos. Mas uma análise dessas três décadas também evidencia que o governo da infância continuou com uma tutela implacável. Acontecimentos esporádicos de uma infância ingovernável continuaram a ser tratados como uma doença social, como problema a ser enfrentado, pelo bem de todos.

O que exploramos aqui foi uma linha de fuga possível. Abertura para outra concepção política da infância, na qual os agenciamentos maquínicos de desejo, as atrações passionais sejam os motores para experimentar o mundo, a relações consigo mesmo e com os outros, adultos ou crianças. Viver a infância em sua coragem obstinada como “grande saúde”: “o excesso que dá ao espírito livre o perigoso privilégio de poder viver por experiência e oferecer-se à aventura”. (NIETZSCHE, 2000, p. 11).

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3- Neste texto, não distinguimos conceitualmente infância e juventude. Segundo nossa abordagem política, ambas vivem sob o signo da menoridade, tuteladas pela comunidade adulta. Por essa razão, referimo-nos indistintamente, ora à infância, ora à juventude, para caracterizar esse grupo sócio-político que vive sob tutela, englobando crianças e adolescentes menores de dezoito anos.

4- Usamos o adjetivo capitalístico na esteira de Félix Guattari, que analisava, ainda nas décadas de 1970/1980, um Capitalismo Mundial Integrado, global, do qual as maquinarias de governamentalidade brasileira são parte. Ver Guattari, 2012.

5- O texto de Schérer foi escrito logo após os violentos protestos de adolescentes nas periferias e subúrbios franceses em 2005, ocasionados por uma revolta contra perseguição policial a adolescentes que resultou na morte de dois jovens. Durante 19 noites carros foram queimados e aconteceram confrontos entre grupos de adolescentes e a polícia, o que levou o governo francês a decretar estado de emergência. A não compreensão da sociedade francesa em relação à revolta e ao comportamento dos jovens levou Schérer a falar nessa percepção da infância e juventude como uma doença que foge ao controle do corpo social.

6- Conforme afirma seu Artigo ١º: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.” (BRASIL, 1990).

7- Nas palavras de Foucault (2008, p. 255): “A conduta é, de fato, a atividade que consiste em conduzir, a condução, se vocês quiserem, mas é também a maneira como uma pessoa se conduz, a maneira como se deixa conduzir, a maneira como é conduzida e como, afinal de contas, ela se comporta sob o efeito de uma conduta que seria ato de conduta ou de condução”.

8- Tal análise é feita principalmente na aula de 1º de fevereiro de 1978, sendo que a transição de um Estado de justiça para um Estado administrativo e, por fim, para um Estado de governo, aparece no final da aula. (Ver FOUCAULT, 2008, p. 117-146).

9- A perspectiva da governamentalidade democrática tem sido explorada conceitualmente por Gallo (2012, 2015, 2017a, 2017b) que também tem procurado analisar políticas públicas do campo da Educação através deste operador.

10- A maquinaria da governamentalidade democrática começou a ser desmontada após o impeachment de Dilma Rousseff, no governo de Michel Temer (2017-2018), no qual a lógica da participação coletiva na formulação e implementação das políticas públicas arrefeceu. Com o atual governo, tais práticas foram definitivamente deixadas de lado, sendo substituídas por um discurso de polarização ideológica.

11 - Não desenvolveremos essa linha de análise, mas queremos assinalar que encarceramento e morte de determinadas parcelas da população fazem parte da estratégia biolítica, configurando aquilo que Foucault (1999) denominou racismo de Estado: uma forma de eliminar partes indesejáveis da população em defesa de seu conjunto. Ou, numa outra direção analítica, mas derivada desta, constituem aquilo que Mbembe (2018a, 2018b) propõe denominar necropolítica.

12- As reflexões de Alain sobre a criança, a escola e uma pedagogia infantil foram desenvolvidas nas décadas de 1910 e 1920. Um século depois, Hubert Vincent (2012) procurou recuperar essas ideias, discutindo-as no contexto da educação francesa contemporânea, no livro Le peuple enfant el l’école: pourquoi pas Alain?.

13- Um estudo comparativo das noções de infância em Alain e em Schérer pode ser encontrado em Gallo (2018). Enquanto no primeiro temos uma noção de criança confinada na escola (uma infância do dentro), o segundo elabora uma noção de criança na rua, vivendo com seus “bandos”, sem influência adulta (uma infância do fora).

14 - Toda a crítica de Fourier e de Schérer sobre a conformação e tutela da infância dirigem-se, assim, à sociedade capitalista. No pensamento do primeiro, a única saída possível seria uma nova configuração social, a harmonia. Pensando no mundo capitalístico de hoje, parece-nos que reativar essa crítica é uma forma de buscar linhas de fuga possíveis, confrontando as lógicas de exploração do capital e afirmando a emancipação e possível autonomia da infância como enfrentamento a tais lógicas.

15 - Em uma leitura contemporânea, poderíamos fazer uma aproximação com os agenciamentos maquínicos de desejo, pensados por Deleuze e Guattari (2014).

16- Importante destacar que as ações, para Fourier, são sempre coletivas. Ele organiza sua sociedade utópica, que teria no falanstério (FOURIER, 2008) a unidade básica, em grupos e séries de indivíduos. Para o processo educativo, ele organiza as tribos infantis em nove graus ou escalas: lactantes (nourrissons, 0 a 9 meses); bebês (poupons, 9 a 21 meses); duendes (lutins, 2 a 36 meses); bambinos (bambins, 36 meses a 4,5 anos); querubins (chérubins, 4,5 a 6,5 anos); serafins (séraphins, 6, 5 a 9 anos); liceanos (lycéens, 9 a 12 anos); ginasianos (gymnasiens, 12 a 15 anos); adolescentes (jouvenceaux, 15 a 19 anos). A essas tribos correspondem cinco períodos educativos: prelúdio ou educação material (0 a 2 anos); primeira fase ou educação anterior (2 a 4, 5 anos); segunda fase ou educação citerior (4, 5 a 9 anos); terceira fase ou educação ulterior (9 a 15 anos); quarta fase ou educação posterior (15 a 20 anos). (Ver FOURIER, 2006, p. 69-71).

17- Falanges são as divisões de um falanstério. Cada uma é composta por grupos de indivíduos de ambos os sexos e das mais diversas idades.

1- Este artigo é oriundo de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na modalidade Bolsa de Produtividade (Processo 304275/2017-4) e de Bolsa de Pesquisa no Exterior financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 13/15206-3.

Recebido: 22 de Abril de 2020; Revisado: 01 de Julho de 2020; Aceito: 04 de Agosto de 2020

Sílvio Gallo é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Graduado em Filosofia pela Pontifícia Católica de Campinas (PUC/Camp), realizou seus estudos de mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da Unicamp, onde obteve também a livre-docência.

Rafael Limongelli é anarquista, doutorando em educação (Unicamp/CAPES), mestre em educação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), bacharel em ciências sociais pela PUC e técnico em artes cênicas pelo Instituto de Arte e Ciência (INDAC), 2008. Atualmente integra o grupo de pesquisas Transversal (Unicamp) e é agitador cultural da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei).

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