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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.46  São Paulo  2020  Epub 30-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046227311 

SEÇÃO TEMÁTICA: Infância, Política e Educação

Transições na vida de bebês e de crianças bem pequenas no cotidiano da creche

Luciane Frosi Piva1 
http://orcid.org/0000-0002-2311-1139

Rodrigo Saballa de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-8899-0998

1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Contatos: luci.piva@gmail.com; rsaballa@terra.com.br.


Resumo

O artigo é decorrente de uma pesquisa situada no campo dos Estudos da Criança e nas contribuições das Pesquisas sobre Transições, cujo objetivo central é o mapeamento e a discussão de transições cotidianas ocorridas nos modos de ser e de viver de bebês e crianças bem pequenas na creche. Conceitualmente, as transições cotidianas são entendidas como aprendizagens socioculturais que exigem e/ou geram mudanças na vida de bebês e crianças bem pequenas no contexto institucional. Isso significa que são aprendizagens relativas aos modos como as crianças lidam com o tempo, habitam o espaço, relacionam-se com os seus pares e utilizam artefatos partilhados socialmente durante a jornada na creche. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa com crianças, de inspiração etnográfica, na qual foram adotados a observação, o diário de campo e o registro fotográfico e fílmico enquanto estratégias de geração de dados. A pesquisa foi realizada com 10 crianças de 0 a 2 anos em uma Escola Municipal de Educação Infantil. Por meio dos dados gerados, o artigo focaliza especificamente as transições referentes à forma como as crianças habitam os espaços, relacionam-se com seus pares e utilizam os talheres durante os momentos de alimentação. Com as análises, é possível inferir que as transições cotidianas estão vinculadas aos aprendizados socioculturais que ocorrem por meio da participação guiada das crianças em eventos diários da escola, do convívio com os coetâneos, dos desafios enfrentados e do suporte e estrutura recebidos das professoras a partir de um planejamento que combina previsibilidade com flexibilidade.

Palavras-Chave: Educação infantil; Creche; Transições cotidianas; Bebês; Crianças bem pequenas

Abstract

This article is based on research in the field of childhood studies and on contributions from transition studies. Its main objective is to map and discuss daily transitions that take place in modes of being and living of babies and very young children in nursery schools. Conceptually, daily transitions are understood as socio-cultural learnings that require and or generate changes in the lives of very young babies and children in institutional contexts. This means that they are learnings related to how children deal with time, inhabit space, relate with their peers and use socially shared artefacts during their time in nursery school. Methodologically, it is a study with children, with an ethnographic inspiration, which used observation, a field diary and photographic and film registration to generate data. The study was conducted with 10 children from 0 to 2 years old in a municipal school for early childhood education. With the data generated, the article focuses specifically on the transitions related to how the children inhabit spaces, relate with their peers and use utensils when eating. The analyses allow inferring that the daily transitions are linked to sociocultural learnings that occur by means of guided participation of children in daily events of the school, conviviality with children their age, the challenges faced, and the support and structuring received from teachers based on planning that combines foreseeability with flexibility.

Key words: Early childhood education; Nursery school; Daily transitions; Babies; Very young children

Considerações iniciais

O artigo é decorrente de uma pesquisa situada no campo dos Estudos Sociais da Infância (ROGOFF, 1993, 1998, 2005; HOHMANN; WEIKART, 1997; POLÔNIO, 2005; HOHMANN; POST, 2007; STACCIOLI, 2018) e nas contribuições das Pesquisas sobre Transições na Educação Infantil (BROFENBRENNER, 1996; VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; CORSARO; MOLINARI, 2005; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015; FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), cujo objetivo é o mapeamento e a discussão de transições cotidianas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015) ocorridas na vida de bebês e crianças bem pequenas na creche. Definimos as transições cotidianas como aprendizagens socioculturais (ROGOFF, 2005) que exigem e/ou geram mudanças relativas às formas como as crianças lidam com o tempo, habitam os espaços, relacionam-se com os seus pares, utilizam artefatos durante a jornada na creche etc.

As transições concernem a “momentos chave dentro do processo de aprendizagem sociocultural, mediante o qual as crianças modificam suas condutas em função dos novos conhecimentos adquiridos” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 9). Isso porque as aprendizagens das crianças ocorrem “através da participação guiada na atividade social com companheiros que as apoiam e promovem sua compreensão e sua destreza para utilizar os instrumentos da cultura” (ROGOFF, 1993, p. 21). Na creche, durante as transições cotidianas, as crianças “avançam em suas habilidades e entendimentos através da participação com os outros em atividades culturalmente organizadas” (ROGOFF, 1998, p. 126).

Portanto, consideramos importante, para a Educação Infantil, que sejam discutidas as transições cotidianas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015), já que essas estão vinculadas ao “domínio gradual de ferramentas culturais pelas crianças” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 12). Por essa razão, sustentamos que é preciso olhar para o cotidiano para “compreender o que ocorre entre as crianças, e o modo como elas funcionam, negociam e interagem em grupo” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 13).

Tendo em vista o mapeamento das transições cotidianas, desenvolvemos uma pesquisa de inspiração etnográfica (GRAUE; WALSH, 2003) com 10 crianças de 0 a 2 anos em uma Escola Municipal de Educação Infantil localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Metodologicamente, foram realizadas observações, anotações em diário de campo e registros fotográficos como estratégias de geração de dados (GRAUE; WALSH, 2003). A observação ocorreu por um período de seis meses, contemplando aspectos referentes aos repertórios de práticas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008) que constituem aprendizagens promotoras de transições cotidianas. No trabalho de campo, foram mapeadas transições em relação: 1) às interações sociais das crianças com os seus pares; 2) às vivências temporais das crianças; 3) aos modos como as crianças apreendem os espaços; 4) às experimentações das crianças durante os cuidados pessoais; 5) às respostas das crianças aos anúncios docentes; e 6) às aprendizagens das crianças quanto ao uso de artefatos.

Embora tenham sido mapeadas inúmeras transições, focalizaremos as transições cotidianas relativas aos deslocamentos da sala-referência ao refeitório e ao uso de talheres nos momentos de alimentação. Com base nessas considerações, é importante descrevermos os aspectos éticos da pesquisa (GRAUE; WALSH, 2003; FERNANDES, 2016). Primeiramente, houve uma reunião para a exposição da pesquisa na instituição, com a posterior assinatura dos Termos de Concordância. Na sequência, houve uma reunião com os responsáveis pelas crianças, assim como com suas professoras. Na reunião, fez-se a exposição dos propósitos da pesquisa e dos aspectos éticos que a permeariam, com a posterior assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Considerando que a pesquisa foi realizada com bebês e crianças bem pequenas, as quais não teriam como assentir à sua participação pela linguagem oral, seu assentimento ocorreu durante toda a investigação, por meio do respeito que pautou as observações (GRAUE; WALSH, 2003). Isso porque concordamos com Fernandes (2016, p. 766) quando afirma que a “aceitação das crianças em relação à presença da investigadora e do registro das suas ações ocorre no desenrolar do trabalho”.

Das transições ecológicas às transições cotidianas na creche

As transições constituem a ecologia do desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 1996), pois envolvem mudanças de “atividades, papéis, relações, ambientes etc.” (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015, p. 634). Bronfenbrenner (1996, p. 7) cunha o conceito de transições ecológicas, referindo-se a “mudanças de papel ou ambiente que ocorrem durante toda a vida”. No que tange ao ambiente ecológico, convém informar que ele tem diferentes níveis interativos, os quais são chamados de microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema (BRONFENBRENNER, 1996). Isso equivale a afirmar que existe uma miríade de transições pelas quais o indivíduo passa desde o seu nascimento até a sua morte, as quais se desenvolvem a partir da interconexão entre os diferentes níveis supracitados.

Bronfenbrenner (1996, p. 7) cita como exemplos de transições ecológicas “a chegada de um irmão mais jovem, a entrada na pré-escola ou escola, ser promovido, formar-se, encontrar um emprego, mudar de casa, aposentar-se”, ou, ainda, “o casamento, a decisão de ter um filho, o divórcio, a mudança de profissão, a aposentadoria” etc. (BRONFENBRENNER, 1996, p. 22). As contribuições do autor apontam “não só os diferentes níveis interativos do ambiente, como também o fato de que os ambientes influenciam e são influenciados pelas pessoas em desenvolvimento” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016, p. 57).

Com isso, pode-se reconhecer que “as transições ocorrem quando os indivíduos se envolvem e participam de eventos em sintonia com seu ambiente” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008, p. 36). Assim, as transições “quase invariavelmente envolvem mudanças de papéis, isto é, de expectativas de comportamentos associados a determinadas posições” (BRONFENBRENNER, 1996, p. 7).

Embora, em todas as definições sobre as transições, seja central a referência a Bronfenbrenner (1996) e o fato de que as transições envolvem mudanças na vida dos indivíduos, os pesquisadores, a partir de suas investigações, têm adjetivado o conceito de diferentes denominações, como transições ecológicas (BRONFENBRENNER, 1996); transições na escola (CORSARO; MOLINARI, 2005); transições como processos de aprendizagem sociocultural (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008); transições discretas (HOHMANN; WEIKART, 1997); transições cotidianas entre a família e a escola (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015); e transições entre ciclos educativos (FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016).

Em relação à sua tipologia, as transições são classificadas como verticais ou horizontais (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008). As verticais referem-se às mudanças ocorridas entre instituições, como, por exemplo, “a transição entre o jardim de infância e a escola primária, entre a casa/família e o centro de educação da infância” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p. 36-37). Por sua vez, as horizontais são todas aquelas transições ocorridas na vida das crianças no mesmo contexto educativo (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016).

Entre as diferentes denominações apresentadas acerca das transições, duas delas podem ser classificadas como horizontais: as transições discretas (HOHMANN; WEIKART, 1997) e as transições como processos de aprendizagem sociocultural (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008). Isso porque aludem aos modos como as crianças passam por aprendizagens geradoras de mudanças no cotidiano educacional. Ao nomear as transições como discretas, Hohmann e Weikart (1997) defendem que as mudanças ocorridas nas vidas das crianças na creche precisam de apoio, tempos e espaços de qualidade, pois consideram que “transições discretas mantêm a fluência das propostas, enquanto respeitam o ritmo e o estilo de aprendizagem de cada criança” (HOHMANN; WEIKART, 1997, p. 241). Por sua vez, Vogler, Crivello e Woodhead (2008), embora evidenciem, em seus estudos, um panorama sobre noções e práticas de transições na primeira infância, argumentam que as transições horizontais, pelo fato de se pautarem em aprendizagens cotidianas, possibilitam que as crianças ampliem seus repertórios de práticas e o uso de instrumentos culturais relevantes para suas comunidades.

No escopo das transições verticais, estão as denominações transições na escola (CORSARO; MOLINARI, 2005); transições entre ciclos educativos (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) e transições cotidianas entre a família e a escola (ALVÃO; CAVALCANTE, 2015). A etnografia desenvolvida por Corsaro e Molinari (2005) em uma Escola de Educação Infantil focalizou as continuidades e descontinuidades enfrentadas pelas crianças na transição da pré-escola para a escola primária, chamadas de transições na escola. Os autores cunharam a noção de eventos de transição, salientando a necessidade de que sejam propostos, pelos adultos, eventos que envolvam “as crianças em atividades que possibilitem que elas antecipem determinadas situações que serão vivenciadas durante a transição de escola” (CORSARO; MOLINARI, 2005, p. 17-18).

Formosinho, Monge e Oliveira-Formosinho (2016) apresentam o conceito de transições entre ciclos educativos. Os pesquisadores retratam investigações que tiveram como foco a transição dos bebês de suas respectivas famílias para o berçário, de crianças bem pequenas da creche para a pré-escola, de crianças da pré-escola para a escola básica, e, por fim, a experiência das crianças na escola básica. Os autores defendem que as transições são dependentes dos contextos, das interações e dos processos de acolhimento. Em razão disso, “as transições estão associadas a um tempo de mudanças, de descontinuidades e novas exigências” (MONGE; FORMOSINHO, 2016, p. 146). Isso porque o tempo na vida da criança está relacionado tanto com exigências que aumentam como com apoios que diminuem, possibilitando que as descontinuidades se manifestem de diferentes modos (MONGE; FORMOSINHO, 2016). Na jornada escolar, por exemplo, as descontinuidades ocorrem, no período de adaptação, na complexidade quando da passagem de um ambiente para outro, da mudança de papéis e do estabelecimento de relações. Todavia, as transições educativas “podem ser, dependendo de como são vividas e apoiadas, generativas ou degenerativas” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSO; MACHADO, 2016, p. 36).

O estudo de Alvão e Cavalcante (2015) aborda as transições cotidianas entre a família e a escola. A pesquisa objetivou compreender as mudanças de ambiente, relações e papéis no início da vida escolar de crianças de 3 e 4 anos de idade na Educação Infantil. Em relação ao processo de transição das crianças, Alvão e Cavalcante (2015, p. 633) argumentam que, com o ingresso delas na instituição, o “ambiente ecológico se amplia e se coloca para elas um novo microssistema, que tem um padrão próprio de atividades, relações e papéis”, os quais terão que ser aprendidos.

Cabe esclarecer que, inicialmente, o conceito de transições cotidianas foi referenciado por Vogler, Crivello e Woodhead (2008) em sua pesquisa sobre noções de transição. Mais tarde, o conceito foi mencionado pelas pesquisadoras Alvão e Cavalcante (2015) em seu estudo a respeito de transições cotidianas entre a família e a escola. Porém, no contexto deste artigo, sem abdicar das contribuições dos autores citados, utilizamos o conceito de transições cotidianas assumindo como foco as aprendizagens socioculturais. Compactuamos com o argumento de Rogoff (1993, p. 34) de que o desenvolvimento “se refere às transformações de tipo qualitativo e quantitativo, que permitem à pessoa abordar eficazmente os problemas do cotidiano”. Portanto, entendemos que o cotidiano da creche é rico de ações férteis das crianças (STACCIOLI, 2018), as quais podem ser geradoras de aprendizagens.

As transições cotidianas aprimoram o repertório de práticas sociais das crianças, já que são marcadas por mudanças que evidenciam as aprendizagens delas. Em tal perspectiva, as transições cotidianas são horizontais e estão relacionadas a “fatores contextuais e processuais” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016, p. 60), como tempos, espaços e relações que incidem no modo como as crianças desenvolvem aprendizagens e vivenciam mudanças. As transições cotidianas envolvem continuidades e descontinuidades (MONGE; FORMOSINHO, 2016) que se manifestam no tempo que as mudanças exigem. Devido a sua ocorrência contínua, as transições cotidianas demandam apoio e estrutura (ROGOFF, 1993), bem como responsividade e atitude ética docente (GUIMARÃES; ARENARI, 2018).

Feitas essas considerações, na próxima seção, serão discutidas as indicações presentes nas políticas (curriculares) brasileiras de Educação Infantil sobre as transições.

As transições nas políticas (curriculares) de educação infantil

A partir da exposição realizada a respeito das discussões conceituais sobre as transições na Educação Infantil, consideramos oportuno compartilhar um panorama sobre como as transições são abordadas nas políticas (curriculares) de Educação Infantil, especialmente nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL; MEC, 2009b) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL; MEC, 2017). Nesse sentido, destacamos que a primeira indicação sobre a necessidade de discussão das transições foi referida na Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL; MEC, 2006, p. 36, grifos nossos): “Articular a educação infantil com o ensino fundamental, de forma que se evite o impacto da passagem de um período para o outro em respeito às culturas infantis e garantindo uma política de temporalidade da infância”.

A referência às transições concerne à articulação da Educação Infantil com o Ensino Fundamental. Sob a alcunha de articulação, o documento reporta-se às transições entre etapas. Embora a menção às transições constante no documento não tenha especificado o modo como esse trabalho poderia ser desenvolvido na Educação Infantil, cabe enfatizar o mérito da inclusão dessa pauta.

Em 2009, o Parecer CNE/CEB n.º 20, de 11 de novembro (BRASIL; MEC, 2009a, p. 17), indicou estratégias sobre como as instituições de Educação Infantil poderiam acompanhar a continuidade dos processos de educação das crianças. O documento reiterou a importância do reconhecimento das mudanças vivenciadas pelas crianças na escola. Tal preocupação com a necessidade de apoio e estrutura para a ocorrência de transições bem-sucedidas na vida escolar é imprescindível, pois, a despeito da competência das crianças, a qualidade das transições depende dos contextos (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). A partir desses pressupostos, torna-se fundamental apresentar as orientações registradas no Parecer CNE/CEB n.º 20/2009:

As instituições de Educação Infantil devem assim: a) planejar e efetivar o acolhimento das crianças e de suas famílias quando do ingresso na instituição [...]; b) priorizar a observação atenta das crianças e mediar as relações que elas estabelecem entre si, entre elas e os adultos, entre elas e as situações e objetos, para orientar as mudanças de turmas pelas crianças e acompanhar seu processo de vivência e desenvolvimento no interior da instituição; c) planejar o trabalho pedagógico reunindo as equipes da creche e da pré-escola, acompanhado de relatórios descritivos das turmas e das crianças, suas vivências, conquistas e planos, de modo a dar continuidade a seu processo de aprendizagem; d) prever formas de articulação entre os docentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (encontros, visitas, reuniões) e providenciar instrumentos de registro [...] que permitam aos docentes do Ensino Fundamental conhecer os processos de aprendizagem vivenciados na Educação Infantil, em especial na pré-escola e as condições em que eles se deram, independentemente dessa transição ser feita no interior de uma mesma instituição ou entre instituições [...]. (BRASIL; MEC, 2009a, p. 17, grifos nossos).

O compartilhamento de estratégias no parecer refere-se quase majoritariamente às transições verticais (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016). O texto focaliza a transição das crianças da família para a escola, a transição entre as turmas dos diferentes agrupamentos etários dentro da instituição e a transição da pré-escola para o Ensino Fundamental. O documento aborda a necessidade de garantia da continuidade do processo educativo na Educação Infantil durante as transições, por meio de reuniões de professores e da articulação entre os docentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. As transições horizontais são mencionadas genericamente quando o parecer destaca a primordialidade de um acompanhamento dos processos de vivência e desenvolvimento das crianças no interior da instituição.

No contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL; MEC, 2009b), é ressaltado o compromisso das escolas em criar “estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vivenciados pela criança”, como pode ser acompanhado na transcrição dos artigos 10 e 11 das DCNEI (BRASIL; MEC, 2009b, p. 4, grifos nossos):

Artigo 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo:

[...] III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental); [...]

Artigo 11. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental.

Assim, verifica-se que a temática das transições está presente nas DCNEI (BRASIL; MEC, 2009b). Pontualmente, quando o documento ressalta as transições ocorridas no interior da instituição, está referindo-se às transições horizontais. Em razão disso, percebe-se um avanço em relação ao que havia sido descrito no Parecer CNE/CEB n.º 20/2009 (BRASIL; MEC, 2009a). Por outro lado, não são indicadas quais seriam as transições no interior da instituição e muito menos compartilhadas estratégias de ação pedagógica que poderiam servir de apoio a elas. Em tal perspectiva, é evidente a necessidade de que professores e gestores discutam modos de promoção de processos de transição bem-sucedidos (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016) nas instituições. Isso porque “o capital educativo que fortalece a criança para as transições é construído, na vivência de múltiplos desafios que ela enfrenta quando transita” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p. 37).

Dessa maneira, observar e registrar como acontecem as transições horizontais significa dar atenção ao que as crianças dizem sobre como esses momentos de mudanças, dentro da escola, as afetam. Além disso, é imprescindível acompanhar as transições horizontais que ocorrem na escola para que elas possam ser vivenciadas pelas crianças considerando “as pessoas, os contextos e as culturas” (FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016, p. 9).

Com a homologação da Resolução CNE/CP n.º 2, de 22 de dezembro de 2017, que institui e orienta a implementação da BNCC (BRASIL; MEC, 2017), as transições verticais foram realçadas, desconsiderando-se as horizontais. A ênfase na transição da pré-escola para a Escola de Ensino Fundamental é evidenciada a seguir:

Art. 11. A BNCC dos anos iniciais do Ensino Fundamental aponta para a necessária articulação com as experiências vividas na Educação Infantil, prevendo progressiva sistematização dessas experiências quanto ao desenvolvimento de novas formas de relação com o mundo, novas formas de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, refutá-las, de elaborar conclusões [...]. (BRASIL; MEC, 2017, p. 8, grifos nossos).

O enfoque das transições é a mudança entre etapas. Embora as DCNEI (BRASIL; MEC, 2009b) tenham se referido às transições ocorridas no interior da instituição, na BNCC (BRASIIL; MEC, 2017), destaca-se a importância da garantia de continuidade dos processos de aprendizagem das crianças na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Tendo em vista que a BNCC (BRASIL; MEC, 2017) reitera a concepção de currículo prevista nas diretrizes, definindo, de forma propositiva, a oferta de propostas que valorizem o cotidiano das crianças, é contraditória a ausência de referências às transições horizontais.

Prosseguindo a discussão, o foco de análise da próxima seção serão os modos como as crianças aprendem a habitar os espaços por meio de seus deslocamentos na creche.

Espaços habitados: os deslocamentos

As crianças vivenciam o espaço como lugar-território (ARENHART; LOPES, 2016), de modo que o espaço torna-se “dotado de sentido e valor quando são estabelecidas relações humanas e afetivas com ele” (ARENHART; LOPES, 2016, p. 21). As salas, os corredores, o refeitório, o pátio, os banheiros, os parques, dentre outros espaços da creche tornam-se lugares a partir dos sentidos relacionais que são atribuídos a eles pelos seus usuários (GARIBOLDI, 2011). Inclusive espaços desconsiderados pelos adultos, como os “cantos escuros, os entremeios, os depósitos, os orifícios abertos dentro ou embaixo de móveis, os espaços vazios em níveis mais altos etc.” (ARENHART; LOPES, 2016, p. 19), também são transformados em lugares pelas crianças.

Ao corroborar com o exposto, Polonio (2005, p. 51) afirma que “o habitar humano se realiza sobre a base da interação entre o espaço e as pessoas”. Conforme o autor, trata-se de um “jogo de intercâmbios” entre o ser humano e seu entorno (POLONIO, 2005, p. 51). As crianças, ao iniciarem seus percursos de vida na creche, precisam ter a possibilidade de se moverem de maneira expansiva, livre e segura por todos os espaços, não tendo seu campo de ação circunscrito apenas à sala-referência. A apropriação dos espaços pelas crianças demanda que elas aprendam a se deslocar de um espaço a outro.

Por essa razão, entendemos que os deslocamentos das crianças constituem uma aprendizagem sociocultural (ROGOFF, 1993) que se encontra no cerne do que temos defendido como transição cotidiana em relação às formas de habitar os espaços. Compreendemos que “o espaço é um elemento essencial no processo de humanização das crianças e uma marca da alteridade das culturas infantis” (ARENHART; LOPES, 2016, p. 19).

Concordamos com Polonio (2005, p. 52) que habitar os espaços implica “uma engrenagem de realidades postas em interação, mediante mecanismos de intercâmbio e transformação entre o sujeito e o seu entorno”. As crianças precisam habitar de fato os espaços da creche, para que, desse modo, possam se tornar lugares-territórios (ARENHART; LOPES, 2016). Ora, convém lembrar que as crianças se relacionam com os espaços à medida que, através de seus deslocamentos, afetam os espaços e, por sua vez, se percebem afetadas por eles (GARIBOLDI, 2011).

Assim, consideramos oportuno apresentar um episódio que ilustra o início do processo de transição cotidiana de um espaço a outro na creche:

Observei as crianças sendo convidadas pelas professoras para lavar as mãos para que pudessem ir ao refeitório e realizar o lanche. Como percebi, essa ação tornou-se um ritual, através do qual as professoras anunciavam para as crianças, antecipadamente, tudo o que iria ocorrer. Após o anúncio, ainda na sala, de que iriam lavar as mãos para ir ao refeitório, algumas crianças choraram em uníssono. Naquele momento, observei que Lívia2 (1 ano e 5 meses) foi a criança que mais chorou. Ao perceber o desconforto da menina e de outras duas crianças, a professora Clara decidiu ir primeiro ao refeitório com as demais 5 crianças. Logo após, a professora acalmou as crianças que estavam chorando e explicou que levaria ao refeitório apenas um grupo. Após o aviso, a docente se tornou guia das crianças que já estavam com as mãos lavadas, durante o percurso da sala até o refeitório. Enquanto caminhavam em direção ao refeitório, a docente foi apresentando o trajeto para as crianças. As demais crianças que compunham o grupo permaneceram na sala com a estagiária, que procurou conversar com elas, explicando para onde iriam se deslocar após terem lavado as mãos. Em seguida, a estagiária auxiliou as crianças a lavar as mãos e posteriormente seguiu o mesmo procedimento da professora. A estagiária Ana foi conversando com as crianças durante o trajeto da sala até o refeitório e apresentando os lugares pelas quais estavam passando. (Diário de Campo, 09/03/2018).

O modo como a professora e a estagiária combinam previsibilidade e flexibilidade (HOHMANN; POST, 2007) na docência sustenta as aprendizagens das crianças e propicia que elas “apreendam os espaços em suas escalas vivenciais” (LOPES, 2009, p. 129). O anúncio de todas as propostas, ações e deslocamentos que ocorreriam, bem como a “organização das crianças em grupos, possibilitam que elas mantenham o sentido e o controle das propostas” (HOHMANN; POST, 2007, p. 202).

Outro destaque é o exercício da participação guiada (ROGOFF, 2005) mediante a ação docente, informando para as crianças, durante o deslocamento, os pontos de referência no trajeto. A esse respeito, Rogoff (1993, p. 42) defende que a participação guiada “implica aos adultos ou as outras crianças estimular e apoiar a criança no processo de apresentar e resolver problemas, tanto mediante a organização material das atividades, como por meio da comunicação interpessoal”. Para que se efetive a participação guiada, é necessário que a criança tenha tempo e apoio para “observar e participar, em um nível que lhe resulte cômodo, mas que de certo modo seja sempre desafiador” (ROGOFF, 1993, p. 42).

Dessa forma, prosseguimos as análises evidenciando o processo pelo qual as crianças transitam de um espaço a outro, constituindo “lugares-territórios” (ARENHART; LOPES, 2016):

A professora Clara anuncia para as crianças que, depois de lavar as mãos, elas irão ao refeitório realizar o lanche. Observo que Lívia (1 ano e 5 meses) interrompe o que está fazendo e presta atenção no anúncio. A professora utiliza a estratégia de conduzir as crianças em grupos ao refeitório, fato que diminuiu o tempo de espera das crianças e denotou o respeito às suas temporalidades. Logo que Lívia termina de ouvir o anúncio, a menina dirige-se à porta do banheiro para lavar as mãos. Assim que tem suas mãos lavadas, Lívia desloca-se ao refeitório de mãos dadas com a professora. Percebo, a partir de minhas observações, que a menina está mais confiante. No refeitório, Lívia manifesta seus desejos, levantando o dedo para solicitar mais suco. Além disso, desce com desenvoltura do banco quando ouve a professora anunciar que todos irão para o pátio no final do lanche. A partir do exposto, infiro que Lívia começou a compreender melhor esse ritual de lavar as mãos, sair da sala, atravessar o saguão, encontrar a mesa no refeitório e escolher um lugar para se sentar. (Diário de Campo, 15/03/2018).

Ao anunciar que as crianças iriam lavar as mãos, a professora proporcionou “tempo e apoio na transição de um acontecimento regular [cuidado pessoal] a outro [alimentação]” (HOHMANN; POST, 2007, p. 203). Derivou-se, da ação docente, o apoio e a formação de relações positivas (HOHMANN; POST, 2007) das crianças com as ações que seriam desenvolvidas. Esse fato incidiu na confiança de Lívia para se deslocar da sala até o refeitório na companhia da professora. O deslocamento da menina, mesmo que acompanhado pela professora, denotou ainda a “vivência do espaço como interação e como processo” (LOPES, 2009, p. 129).

Verifica-se, mais uma vez, um processo de participação guiada, o qual se vincula à maneira como a docente organiza a ação social, “distribuindo as tarefas entre as crianças e criando a estrutura e as oportunidades para que elas participem” (ROGOFF, 1993, p. 44). Para compreender essa investida, demonstraremos, no próximo episódio, como as crianças, “na vivência do espaço, produzem espacialidades ainda não existentes” (LOPES, 2009, p. 129):

A professora anuncia às crianças que elas podem começar a guardar os brinquedos para depois ir almoçar. Lívia, Bernardo (1 ano e 6 meses) e Bruno (1 ano e 6 meses) dirigem-se para a porta, mas são informados pela professora de que, antes, precisam lavar as mãos. Observo que Lívia reitera diariamente esta ação de dirigir-se à porta sempre que é anunciada a saída para a realização de alguma refeição. Por outro lado, hoje, diferentemente dos outros dias, ela vai acompanhada dos meninos Bernardo e Bruno. Na porta, as três crianças interagem entre si. Lívia realiza ensaios de pegar nas mãos dos meninos para se deslocar na companhia deles até o refeitório. Enquanto as três crianças continuam interagindo na porta, a estagiária entra na sala e ajuda as demais a guardar os brinquedos. Nesse instante, a professora pede que as crianças se sentem no chão. Lívia, Bernardo e Bruno, retornam da porta e sentam-se no tapete junto com o grupo. Momentos depois, as crianças pegam os livros e começam a folheá-los, enquanto a professora auxilia um grupo a lavar as mãos. Em seguida, a professora decide ir para o almoço com as crianças que já lavaram as mãos. A docente abre a porta, e um grupo dirige-se ao corredor. No caminho, algumas crianças param para observar os murais, outras caminham de mãos dadas e outras ainda seguram a mão da professora. Observo que a maioria delas demonstra interesse em irem sozinhas. Lívia se desloca até o refeitório acompanhando seu colega Bernardo. Ir até o refeitório já não é mais um desafio para Lívia e as demais crianças. Logo, todos chegam ao refeitório, sentam-se e aguardam o anúncio do cardápio. (Diário de Campo, 19/03/2018).

São aqui evidentes a observação e a participação das crianças nas atividades sociais relativas aos usos dos espaços. Percebe-se que “as crianças buscam, estruturam e pedem ajuda de seus pares, para aprender a resolver problemas de todo tipo” (ROGOFF, 1993, p. 40). A forma como a professora se comunica com o grupo estrutura “o papel que cada uma delas deve desempenhar, mediante a divisão de responsabilidades” (ROGOFF, 1993, p. 44).

Inicialmente, o deslocamento da sala-referência ao refeitório mostrou-se como um desafio para as crianças. Foi por meio do processo de participação guiada docente (anunciando as propostas, apresentando referenciais físicos para os deslocamentos etc.) que as crianças desenvolveram autonomia e se tornaram os guias de seus pares na aprendizagem envolvendo o deslocamento da sala ao refeitório.

A esse respeito, destacamos o momento em que Lívia realizou a participação guiada (ROGOFF, 2005) de Bernardo, acompanhando o colega até o refeitório. Esse trajeto foi percorrido em outros momentos pela menina na companhia de sua professora, que outrora criou situações de apoio em que Lívia teve a possibilidade de “aplicar, em um nível de competência maior, as destrezas e conhecimentos que já possuía” (ROGOFF, 1993, p. 129). Diante disso, entendemos que as crianças são aprendizes do pensamento (ROGOFF, 1993), pois, “a partir da observação e da participação nas relações com seus companheiros e com os membros mais hábeis de seu grupo social” (ROGOFF, 1993, p. 30), elas enfrentam desafios.

A transição cotidiana de um espaço a outro é complexa, já que a produção da espacialidade envolve um repertório de experiências que permite a constituição do espaço como território. Tal transição demanda o entendimento docente de que as crianças necessitam ter sua ação social garantida por meio da liberdade de expressão, de interação e do deslocamento por todos os espaços (POLÔNIO, 2005).

Pequenos comensais: o uso dos talheres

Pensar a “qualidade pedagógica dos momentos de alimentação” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 7) é um desafio na creche, uma vez que o ato de comer, além de seu caráter nutricional, é constituído por aspectos de ordem social e cultural que operam nos processos de socialização das crianças (LESSA; VALLE; ROCHA, 2016). Todos os dias, em horários regulares, as crianças encontram-se no refeitório para realizar as refeições. O que se percebe é a “centralidade e a centralização dos momentos de alimentação na rotina da creche” (RICHTER; VAZ, 2011, p. 492), evidenciando que os horários das refeições ofertadas às crianças “estruturam o tempo institucional” (LESSA; VALLE; ROCHA, 2016, p. 11).

O momento das refeições pode configurar-se como uma ação fértil (STACCIOLI, 2018) desde que as crianças tenham tempo para descobrir e saborear tanto alimentos como relações partilhadas no refeitório. É justamente por isso que os momentos de alimentação das crianças implicam “o contato das mesmas com as linguagens silenciosas, impregnadas de odores, sabores, cores, texturas e prazeres” (RICHTER; VAZ, 2011, p. 498) dos alimentos.

Aprender a se alimentar é um ato que marca a vida dos seres humanos, seja pelo sabor dos alimentos ou pela convivência que a comensalidade promove. Ora, “a qualidade, a estética e os relacionamentos favorecem o prazer de comer” (STACCIOLI, 2018, p. 61), promovendo o bem-estar. Além disso, “o espaço onde se come, como é decorado, como as crianças estão agrupadas, como as jarras de água ou as toalhas estão dispostas para qualquer necessidade, são todos elementos que afetam os relacionamentos” (STACCIOLI, 2018, p. 61).

Durante a observação dos momentos de almoço na pesquisa, teve destaque o processo de transição cotidiana das crianças em relação ao uso dos talheres, por meio da participação guiada (ROGOFF, 2005). Constatamos que “as crianças buscam, estruturam e pedem ajuda dos que lhes rodeiam, para aprender a resolver problemas de todo tipo” (ROGOFF, 1993, p. 40), como poderá ser acompanhado a seguir:

No refeitório, enquanto a professora Clara e a estagiária Ana colocam os babeiros nas crianças, a professora Malu serve os pratos com o almoço e os distribui. Observo que todas as crianças recebem colheres para realizar a refeição. Do mesmo modo, observo as interações entre as crianças e professoras, bem como as mediações realizadas pelas docentes durante o momento da alimentação. A estagiária alimenta Mateus (11 meses), que está sentado no cadeirão, enquanto Clara acompanha as demais crianças no desafio de comer utilizando a colher. A estagiária, ao começar a alimentar Mateus, ciente da importância de sua mediação nesse processo de aprendizagem, entrega outra colher para ele, além da que está usando para alimentá-lo. O menino realiza várias tentativas de uso da colher, enfrentando o desafio de ingerir a comida de modo independente. Percebo que, além da colher, o menino, como as demais crianças do grupo, tem a possibilidade de utilizar as mãos para se alimentar. Observo que todas as crianças que estão no refeitório se alimentam bem, pois têm tempo, liberdade e oportunidade de usar a colher e de encontrar formas variadas de comer os alimentos. O entusiasmo das crianças no momento da refeição é evidente, o que torna constante as solicitações de repetição do almoço. (Diário de Campo, 19/03/2018).

Como é possível notar, “os papéis que desempenham as crianças e suas professoras para favorecer o desenvolvimento são complementares” (ROGOFF, 1993, p. 40). É notável o modo como as docentes “afetam as crianças com o olhar, com a repetição de gestos e com as palavras” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 9), estruturando a ação delas durante o almoço. Nesse contexto, ocorre a participação das crianças no momento da refeição pelo fato de elas terem a oportunidade e o suporte para enfrentar o desafio de realizar as refeições com autonomia. Assim, evidencia-se “a dinâmica de parceria e confiança que oferece aos pequenos a oportunidade de irem conquistando autonomia e segurança” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 9).

Embora a estagiária alimente Mateus, ela não lhe priva de usar as mãos durante as refeições e, sobretudo, de realizar tentativas de uso da colher. Isso porque, na creche em que ocorreu a pesquisa, existe o entendimento de que “as crianças devem ter apoio e ser encorajadas a se tornarem independentes” (STACCIOLI, 2018, p. 62), como poderá se depreender a seguir:

No refeitório, observo as tentativas de Mateus (11 meses) em almoçar sozinho. O menino está interessado em comer grão por grão do arroz servido em seu prato. Tal interesse se deriva do fato de esse ser o melhor modo com que ele consegue pegar o alimento para levá-lo à boca. Para facilitar a ação de Mateus durante a realização da refeição, percebo que a estagiária serviu apenas arroz no prato do menino e uma porção de purê de batata. A estagiária, auxilia Mateus em relação ao uso da colher. Em certos momentos, ela coloca grãos de arroz em cima da colher que o menino está utilizando. Acompanho os diferentes modos através dos quais Mateus utiliza a colher para atingir o objetivo de levar o alimento até a boca. Também observo o olhar do menino em relação às outras crianças que estão se alimentando sem auxílio. As tentativas de Mateus em relação ao uso da colher evidenciam a participação do menino, mesmo que ele ainda necessite do auxílio da professora na execução da ação. Durante a refeição, o menino recebe a estrutura e o apoio da estagiária, que o auxilia no movimento de sustentar a colher e levar o alimento até a boca. Trata-se de uma coreografia de ações entre o bebê e a estagiária. (Diário de Campo, 21/05/2018).

No episódio, reitera-se o argumento de Rogoff (1993, p. 42) de que é “através da participação da criança na vida social que são proporcionadas ‘lições’ relacionadas com atividades culturais que exigem destrezas valorizadas em sua cultura”. Desse modo, ressaltamos as tentativas de Mateus de alimentar-se sozinho. É visível a sincronia de ações entre o bebê e a estagiária. Em nenhum momento, existe uma imposição do uso da colher, mas é a iniciativa do menino em participar de uma atividade social compartilhada que o motiva a investir no desafio de usar o artefato. Ao colocar grãos de arroz em cima da colher sendo utilizada por Mateus, a estagiária não realiza a ação por ele, apenas cria estrutura e apoio para que ele prossiga em suas tentativas de alimentar-se.

O compartilhamento da resolução do desafio enfrentado por Mateus em relação ao uso da colher possibilita que ele participe em processos de pensamento que são imprescindíveis em seu desenvolvimento. Todavia, para que isso ocorresse, foi necessária a promoção de um contexto favorável à experimentação durante o almoço, já que “o ato de se nutrir, não só afeta aspectos fisiológicos e de apetite” (STACCIOLI, 2018, p. 61), como também os modos como as crianças estruturam seus pensamentos.

Portanto, as crianças alimentam-se melhor quando “o contexto faz se sentir bem e quando há afinação emocional e relacional com os adultos e com seus colegas” (STACCIOLI, 2018, p. 61). O ambiente para a realização das refeições, assim como a mediação docente, assegura transições cotidianas exitosas:

Durante o almoço, percebi maior destreza do Mateus em relação ao uso da colher, pois ele já consegue levar o alimento até a boca sem a mediação docente. De todo modo, as docentes permanecem sempre próximas a ele e às demais crianças, mostrando disponibilidade para prestar auxílio. Observei que a habilidade de Mateus em relação ao uso do copo também se desenvolveu. Anteriormente, ele precisava que a professora o ajudasse segurando o copo para que conseguisse beber algo, mas agora ele já utiliza o utensílio de modo independente. Também observei as crianças levando o prato e os copos para a mesa na qual se colocam as louças sujas. As crianças habilmente descem do banco, recolhem pratos, copos e se divertem no percurso até a mesa em que deve ser deixada a louça suja. (Diário de Campo, 05/06/2018).

Mateus evidencia destreza no uso da colher e autonomia para realizar a refeição. A possibilidade de as crianças interagirem durante as refeições e o fato de as professoras as ajudarem a “encontrar conexões entre as velhas e as novas situações vivenciadas, proporcionando-lhes indicações emocionais a respeito da natureza da situação” (ROGOFF, 1993, p. 44) oportuniza segurança. Nessa lógica, as docentes preocupam-se com “o que podem fazer por e para os bebês, além do que fazem com os bebês, bem como o que eles já podem fazer por si mesmos” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 9).

Em suma, trata-se de considerar as crianças como “sujeitos na relação educativa” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 11), garantindo apoio por meio da proposição de rotinas que assegurem a continuidade educativa e favoreçam “a organização equilibrada do tempo e do espaço” (STACCIOLI, 2018, p. 58). Por essa razão, destacamos a importância da “qualidade ritualística da rotina” (GUIMARÃES; ARENARI, 2018, p. 9), a qual permite que as crianças repitam suas ações e constituam repertórios de práticas. Afinal, aprender a alimentar-se constitui-se em uma aprendizagem de relevância social, na qual os seres humanos se encontram implicados desde o nascimento.

Considerações finais

A partir de nossa intenção de pesquisa, que foi a de realizar o mapeamento e discussão das transições cotidianas na vida de bebês e crianças bem pequenas na creche, argumentamos que as transições cotidianas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015) são aprendizagens socioculturais (ROGOFF, 1993). Tal fundamento foi exposto nas seções analíticas do artigo, as quais evidenciaram os modos como as crianças criam estratégias para a solução de desafios. Para tanto, descrevemos as ações de Lívia (1 ano e 5 meses) na transição cotidiana referente ao aprendizado da menina em relação aos deslocamentos da sala-referência até o refeitório. Nesse contexto, marcamos a presença da participação guiada, mediada pela professora em sua conexão com Lívia e, posteriormente, pela menina com os seus colegas durante os deslocamentos.

Em seguida, exploramos a transição cotidiana pertinente ao processo de aprendizagem de Mateus (11 meses) em suas tentativas de uso da colher durante o almoço. Ressaltamos o caráter social da alimentação, bem como a participação guiada mediada pela estagiária durante as refeições do menino. Demonstramos que “a estruturação do problema pelo adulto pode se adaptar ao nível de habilidade da criança” (ROGOFF, 1993, p. 131), assim como crianças com mais experiência “podem assumir a responsabilidade por alcançar determinadas submetas e, ocasionalmente, controlar toda a tarefa” (ROGOFF, 1993, p. 131).

Por isso, apontamos a imprescindibilidade de uma ação pedagógica docente que opere na promoção de tempo, estrutura e suporte nos processos de participação guiada (ROGOFF, 2005) das crianças, tendo em vista transições cotidianas bem-sucedidas. Quanto à ação docente, sustentamos a importância do caráter ritualístico das rotinas, da continuidade das propostas e do anúncio de cada ação a ser desenvolvida com as crianças, visando à estruturação da jornada e ao suporte para que as crianças “sintonizem-se com o ritmo do seu próprio corpo e com o ritmo do dia” (HOHMANN; POST, 2011, p. 195). Ao defendermos esse ponto de vista, reiteramos o argumento de Guimarães e Arenari (2018, p. 10) de que “os adultos ocupam um lugar de referência para a construção de novas formas de atuação por parte da própria criança” no contexto da creche.

A partir do exposto, concordamos com Staccioli (2018, p. 71) quando alega que “não é fácil realizar uma escola onde as crianças estão bem porque sentem que há vida em todos os momentos”. Por essa razão, entendemos que acompanhar, estruturar e apoiar transições cotidianas (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; ALVÃO; CAVALCANTE, 2015) é um modo ético de reconhecermos a vida que pulsa no cotidiano da creche.

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2- As crianças e suas respectivas professoras foram denominadas com nomes fictícios.

Recebido: 12 de Agosto de 2019; Revisado: 18 de Novembro de 2019; Aceito: 26 de Novembro de 2019

Luciane Frosi Piva é mestra em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS). É assessora de educação infantil na Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo – RS.

Rodrigo Saballa de Carvalho é pós-doutor em educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS) na linha de pesquisa: estudo das infâncias e docente na área de educação infantil.

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