SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46As tecnologias digitais nos percursos de sucesso acadêmico de estudantes não tradicionais do Ensino SuperiorRelação com o saber: um estudo com universitários ingressantes em uma instituição privada índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.46  São Paulo  2020  Epub 12-Mar-2020

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046218386 

Artigos

Tirando o máximo partido da educação privada: construção de laços e significados em uma escola de elite em Portugal

1 - Universidade do Porto , Porto , Portugal . Contato: eunice@fpce.up.pt ; hcostaraujo@gmail.com.


Resumo

Este artigo parte da sociologia da educação para documentar e teorizar dimensões sociais, culturais e políticas da educação de jovens adultos da elite econômica em uma escola privada, que foi criada em reação à educação em massa e como forma de garantir às elites a distinção anteriormente fornecida pelo acesso em exclusivo à educação pública. O artigo traz à colação contextos e consequências associadas à ascensão da privatização, com base em uma incursão etnográfica durante mais de dez anos em uma escola privada no Norte de Portugal, complementada por grupos focais com jovens adultos no ensino secundário. Destacam-se as formas como esse grupo de elite econômica constrói os seus laços sociais e significados no interior da escola. Admite-se que a educação privada molda e reforça o status das elites econômicas. Entretanto, tensões entre desigualdade e privilégio podem surgir no decurso desse processo. Argumentamos que se há uma ação individual na interpretação e construção da realidade social, essa escola tem um impacto especial nos estudantes, como membros da elite global. Por meio desse contexto educacional, que muitas vezes reforça as expectativas de status e de mobilidade ascendente das famílias, através da educação, esses alunos são seduzidos pelo (poder do) consumo e a maioria deles quer participar do mercado de trabalho e na concorrência nacional e internacional.

Palavras-Chave: Educação de elite; Privatização; Mercados de trabalho; Competição internacional

Abstract

This paper departs from sociology of education to document and theorize the social, cultural and political dimensions of the education of young adults from the economic elite in a private school that was created, in reaction to mass schooling and as a way to ensure elites the distinction formerly provided by public education. The paper brings to the fore the contexts and consequences associated with the rise of privatization. On the basis of an ethnographic incursion for more than ten years in that private school in Northern Portugal complemented by focus group discussion with young adults in upper secondary education, the paper highlights the ways in which this group of the economic elites builds their social ties and constructs meanings within the school. Private schooling shapes and reinforces the status of the economic elites. However, tensions between inequality and privilege may arise within this process. We argue that if there is an individual action in the interpretation and construction of social reality, this school, has particular impact on the students as members of the global elite. By means of this educational context, which many times reinforces the expectations of status and upper mobility of the families, through education, these students are seduced by (the power of) consumption and most of them are willing to take part in the national and international labor markets and competition.

Key words: Elite education; Privatization; Labor markets; International competition

Introdução

Partindo da sociologia da educação, este trabalho procura documentar e teorizar dimensões sociais, culturais e políticas em torno de um grupo específico da elite econômica jovem do Norte de Portugal, bem como os contextos associados à sua ascensão na educação. Um número significativo de pesquisas internacionais e nacionais tem vindo a abordar a desigualdade social e o papel da educação em sua reprodução. O trabalho de Bourdieu (1996) acerca das elites pode ser referido como um marco nesse campo, trazendo novos significados e preocupações à produção acadêmica de membros da Escola de Frankfurt, como Habermas e Freire, que desvelaram o papel da educação, como um todo, na reprodução das desigualdades sociais. Embora tenha havido um interesse crescente nessa área, particularmente nos anos mais recentes, não se tem falado suficientemente acerca da educação de elite e do seu papel na reprodução social.

Devem ser enfatizadas análises atuais ( DALOZ, 2010 ; BALL, 2015 ) devido à sua contribuição para o campo, especialmente no que diz respeito à reanálise de “distinção” ( BOURDIEU, 1979 ) e excelência. As críticas produzidas por Howard e Kenway (2015) acerca dos estudos das elites e da educação de elite também devem ser destacadas, pois reúnem as questões mais candentes nessa matéria. Ao contrário das abordagens centradas na bondade das escolas privadas de elite, que arriscam a generalização e a homogeneização e escondem as lutas da geração jovem em encontrar e afirmar a própria voz, a nossa análise não subscreve a crença em um “paraíso social” ( BOURDIEU, 1996 ; KENWAY; KOH, 2013 ) no qual o reconhecimento mútuo total aumenta e confirma valores individuais dentro dos valores do grupo. No entanto, essa discussão não se encaixa no escopo deste artigo, que focaliza as maneiras pelas quais a educação privada das jovens elites pode promover seus laços sociais dentro e fora da escola.

Com esses objetivos, o artigo começa por refletir acerca das dimensões políticas da ascensão da elite econômica na educação contaminadas pelas forças globais do neoliberalismo, mercantilização e comodificação. A segunda seção explora os contextos educacionais associados à ascensão das elites econômicas na educação, colocando-a no debate a favor e contra a privatização da educação. A seção seguinte, que aborda os contextos e métodos de coleta de dados empíricos, justifica a escolha dessa escola em particular para desenvolver a análise, trazendo à tona as especificidades do seu ethos e as características da população escolar que foi consultada. Construindo laços sociais e significados no interior da escola é a última seção que descreve as maneiras pelas quais a escola lidera a construção de laços sociais entre seus membros, em especial os jovens, por meio de comemorações, do uso de uniformes, da relação com as famílias e da indução de novos professores na cultura escolar.

As dimensões políticas da ascensão da elite econômica na educação

Até recentemente, em Portugal, prevaleceu um regime educacional centralizado, contaminado por forças globais do neoliberalismo, mercantilização e comodificação. A demanda por educação privada de elite aumentou e as políticas associadas à classe, elitismo, hierarquias e desigualdades intensificaram-se.

Lançada em meados dos anos 1980, quando o país aderiu à CEE (Comunidade Econômica Europeia, atualmente, União Europeia – UE), a escola onde o estudo foi desenvolvido dá destaque à internacionalização e oferece aprendizagens cooperativas inovadoras, dirigidas a promover nos alunos competências de independência, autonomia e de liderança, como gerenciamento de grupo, falar em público e tomada de decisão. Essas competências são vistas como essenciais para a inserção futura dos estudantes no mercado de trabalho internacional para o qual estão sendo preparados por sua experiência escolar. Mesmo que as políticas competitivas de performatividade, individualismo e consumismo moldem a vida dos estudantes dentro da escola, como modelo que se mostrará útil no futuro mundo adulto da competitividade do mercado global, a ênfase no desempenho dos estudantes não comete o erro de negligenciar os processos de construção do conhecimento, em que a escola investe e que atualiza permanentemente.

A escola onde o estudo foi desenvolvido surgiu no âmbito da tendência de privatização, liberalização e modernização que deu lugar à alta diferenciação e especialização ( AFONSO, 2013 ), juntamente com pressões políticas, sociais e econômicas sobre a educação, alta competitividade e a vigilância sobre a vida escolar ( NÓVOA, 2005 ). A livre escolha da escola pelas famílias tornou-se um instrumento e expressão da mercantilização dos serviços educacionais ( BALL, 2003 ; ARNOT, 2009 ). Rigor, racionalidade e a adoção de modelos gerenciais para a educação moldaram as políticas educacionais ( STOER, 2001 ), supostamente para aumentar a qualidade da educação com vistas à eficiência e eficácia.

A privatização da educação que permite a transferência de responsabilidades educacionais do governo para entidades privadas ( CARNEIRO, 2006 ) apoiou tanto o elitismo educacional – moldado pela provisão educacional privada para apenas alguns selecionados, e pela segregação educacional e social ( CORTESÃO, 1998 ) – da maioria dos indivíduos da população, que não têm recursos econômicos para pagar propinas escolares elevadas. Ao enfatizar a tensão entre a liberalização e a mercantilização, emergiram novos mercados educacionais que oferecem opções educacionais diferenciadas e asseguram à elite a distinção ( BOURDIEU, 1979 ), que foi posta em risco pela democratização do acesso à educação pública, particularmente nos últimos quarenta e cinco anos. A atratividade para a economia do mercado educacional global (KENWAY; FAHEY; KOH, 2013; KENWAY; FAHEY, 2014 ), onde o foco performativo é enfatizado e explorado ( BALL, 2006 ), também pode estar nas raízes do desenvolvimento dessa escola, demonstrado pelo forte aumento no número de alunos. As práticas globalizadas da escola parecem responder às necessidades da elite nacional e a escola se beneficia da mobilidade global de profissionais de alto nível que lideram a gestão e outras carreiras de alto nível.

Na linha das abordagens que criticam a ligação excessiva entre a educação e o mercado de trabalho ( STOER; MAGALHÃES, 2009 ), Afonso (2009) situava já a existência em Portugal de políticas educativas relacionadas com a avaliação, que induzem a expansão do mercado da educação, como resultado da comparação em igualdade de condições entre escolas públicas e privadas, levando possivelmente a uma escolha parental diferenciada da escola. Os efeitos do quasi-mercado também podem emergir da comparação e escolha diferenciadas entre escolas públicas, pequenas, médias e grandes, rurais e urbanas, privilegiadas e desfavorecidas, em uma tensão entre a escolha dos pais e a regulação estatal. Devido ao seu foco na prestação de contas, mensuração e comparação, os riscos de avaliar as escolas com base em testes e rankings escolares também são trazidos à tona, pois permitem enfatizar a incomensurabilidade e incomparabilidade de muitas das dimensões que constituem o processo educacional, a “complexidade e pluralidade de objetivos, missões e funções da educação escolar” ( AFONSO, 2009 , p. 13).

Conforme criticado pelo autor, o sistema de accountability em Portugal centra-se na avaliação do desempenho dos professores, na avaliação institucional das escolas, nos exames nacionais e na publicação de classificações escolares. No entanto, a responsabilização deve ser sustentada em:

[...] valores essenciais como a justiça, a transparência, o direito à informação, participação e cidadania que devem ser repensados no âmbito do novo pensamento crítico e criativo sobre outras concepções possíveis e desejáveis de democracia no presente, ( AFONSO, 2009 , p. 13).

De forma promissora e inovadora, Afonso induz a reflexão acerca do potencial transformador de repensar essas políticas, alinhado a um movimento de transformação ( RADAELLI, 2003 ) na construção política profunda, em que a noção de accountability incorpora avaliação, prestação de contas e responsabilidade. Isso significa uma noção mais ampla, profundamente enraizada e complexa, “em termos teóricos e metodológicos, políticos, epistemológicos e axiológicos” ( AFONSO, 2009 , p. 16). Se a accountability não pode ser reduzida a uma dimensão “ritualística ou simbólica”, ela também não deveria ser associada a perspectivas instrumentais, hierárquicas e burocráticas, gerenciais ou de controle que são recorrentes nos discursos e práticas políticas.

Na mesma linha de pensamento, Cortesão et al. (2007) também enfatizam as características de desvalorização e segregação de políticas, meramente focadas nas notas dos alunos em exames nacionais, que resultam em uma avaliação fora do contexto do processo de ensino-aprendizagem, que não leva em consideração a multiplicidade de causas associadas à produção de resultados. Essas políticas não têm em conta que as instituições educacionais são influenciadas e constrangidas pelos enquadramentos macroestruturais da sociedade a que pertencem e na qual operam. Também não reconhecem que formas culturais e dinâmicas relacionais particulares são construídas dentro dessas instituições sob a influência de interesses econômicos que se ligam ao crescente quasi-mercado educacional.

A crescente separação entre a educação pública e a privada de elite surge em resultado do crescimento da implementação governamental da livre escolha parental. Isso pode levar à contestação por parte daqueles que defendem a escola pública e a igualdade de acesso e sucesso na educação, pois estimula a desigualdade na competição entre escolas públicas e privadas de elite, ao mesmo tempo em que amplia a distância entre escolas e lança suspeitas sobre o trabalho de algumas instituições e de seus professores, sem dar espaço para a análise das variáveis que devem ser levadas em conta, como as origens sociais e culturais dos alunos ( PEREIRA, 2007 ). A opção pela educação de elite só pode ser feita por um pequeno grupo da população – as elites econômicas.

Contextos educacionais associados à ascensão das elites econômicas na educação

Vale a pena referir que o sistema educativo português inclui todo um conjunto de escolas: escolas públicas de massas geridas pelo estado; escolas privadas financiadas pelo Estado para garantir educação para as populações em situações desfavorecidas, como baixo nível socioeconômico; e escolas de elite muito seletivas que cobram mensalidades elevadas e podem ser – ou não – patrocinadas pelo estado, diretamente, através de recursos financeiros ou, indiretamente, pela rara prestação de bolsas de estudo aos estudantes. Isso significa que a privatização educacional se refere a um amplo espectro de provisão, desde os grupos mais carentes até os mais privilegiados. Pode ser dirigida por grupos religiosos, empresas privadas e centros de solidariedade ou pelas famílias.

Em Portugal, a educação de elite ganhou espaço no debate a favor e contra a educação privada; um debate que prevaleceu sob o recente contexto de crise econômica, social, política e cultural, em que a escassez de empregos, o desemprego e o empobrecimento geral da população levaram estudantes de classe média, cujas condições de vida também se deterioraram, a deixar as instituições privadas onde pagavam mensalidades escolares mais altas e mudar para uma escolarização pública mais barata.

A privatização – onde se insere a escolarização de elite – foi apresentada como forma de promover a igualdade de oportunidades por meio da prestação de serviços educacionais mais adaptados às necessidades efetivas das populações escolares e dada a incapacidade do Estado de fazê-lo ( ESTÉVÃO, 2000 ).

Se os defensores da educação privada de elite defendem o direito de escolha parental da escola e os impactos positivos da competitividade na qualidade da escola e a sua eficácia na captação de clientes ( CARNEIRO, 2006 ), os opositores da educação privada de elite argumentam que a expansão das escolas de elite aumenta as desigualdades. Essa contribui para a segregação entre grupos sociais com base no status econômico das famílias e para a reprodução das desigualdades intergeracionais ( SANTIAGO et al., 2004 ).

Gerados pela diferença na oferta educacional, esses problemas surgem como resultado do acesso diferenciado a tipos específicos de educação. Escolas privadas de elite têm maiores recursos e instalações e menor compromisso com o Estado em termos da prestação de contas e do trabalho burocrático que ela implica. Portanto, essas escolas podem concentrar-se no desenvolvimento de pedagogias focadas no aluno. Por sua vez, a educação em massa nas escolas públicas tradicionais carece de recursos e estímulo profissional e está sujeita a um rigoroso regime de prestação de contas. Como resultado, a qualidade da oferta educacional é reduzida devido à diminuição da pedagogia e à deterioração da relação humana entre professores e alunos e entre os estudantes que isso implica.

Além disso, como as elites econômicas têm maior proximidade com a cultura escolar, incluindo uma compreensão mais profunda de suas dimensões competitivas e performativas, a escolha educacional pode intensificar a distância entre as famílias mais vulneráveis e a escola. Elas estão mais distantes da cultura escolar e dos procedimentos sistêmicos educacionais e, portanto, têm menos ferramentas para aproveitar a escolha educacional. Crianças e jovens desses grupos também se tornam discriminados devido à dificuldade de usar seu capital cultural na escola ( BOURDIEU, 1986 ).

A natureza hierárquica do sistema educacional ( BARROSO, 2003 ) e seu elitismo também ficam ocultos pela tentativa de separar a educação para a elite da educação para os pobres ( ABRANTES; QUARESMA, 2013 ) por meio de uma provisão diferenciada. Além disso, as escolas de elite podem selecionar alunos das classes mais altas, que podem pagar mensalidades escolares e apoio educacional extraescolar, como aulas complementares, aumentando a probabilidade de ingressar nas mais prestigiadas instituições de ensino superior, situação que coloca em risco a equidade educacional e social. A próxima seção destaca as vantagens que as elites econômicas obtêm por se matricularem em um cenário educacional de elite específico, que foi escolhido para o desenvolvimento da pesquisa.

Contextos e métodos de coleta de dados empíricos

As principais razões para a seleção da escola foram a especificidade do currículo, o caráter da população escolar e a singularidade cultural e educacional da escola expressa pelo ethos escolar, visto como um espaço simbólico de construção e afirmação de uma identidade e cultura específicas ( STOER; ARAÚJO, 2000 ). Duas características principais ganharam relevância. A primeira é a relação potencial entre o ethos da escola e a manutenção e reforço de um status social onde o consumo ganha um papel particular ( MOOIJ, 1998 ).

Se levarmos em conta que em uma sociedade de consumidores ativos o poder como consumidores é estruturado pelos recursos financeiros, a cidadania é conferida pela relação com os mercados consumidores públicos e privados, e a participação no consumo dos mercados é um aspeto importante da cidadania como um todo. Esta dimensão assume um sentido maximizado nesse grupo que desenvolve sua cidadania e laços sociais em um contexto em que o consumismo é legitimado e exacerbado como necessidade, assumindo uma forte dimensão nas experiências escolares e fora da escola dos jovens ( MACEDO, 2009 ).

A segunda característica é a reclamação de afirmação social por meio da competitividade entre estilos de vida e percursos ( BECK, 1992 ). Nesse caso, a afirmação social está enraizada na construção de carreiras individuais centradas no sucesso e no impulso de assumir os cargos mais altos nas hierarquias profissionais do mercado de trabalho nacional e internacional globalizado. A relação entre classe social e escolha educacional é trazida em evidência pela maior consciência das classes média e alta, as elites em particular, para tirar proveito da escolha educacional ( SANTIAGO et al., 2004 ) e sobre as vantagens de serem altamente educadas.

Em um quadro de globalização de cima para baixo, em que um “ethos de consumo” é apoiado por “processos de colaboração entre os principais estados” ( FALK, 1993 , p. 39; BRECKER et al., 2002 ), o sistema de competitividade transnacional tem impacto vertical sobre o papel do Estado. Os estados menos poderosos têm pouca influência na tomada de decisão supranacional e são objeto de pressão exógena para a prestação de contas face a poderes mais globais. Implantada em um país semiperiférico, essa instituição parece superar essas dificuldades por meio da oferta de um currículo transnacional com preocupações expressas em relação ao meio ambiente, direitos humanos, pobreza e outras questões candentes do nosso tempo.

Tendo o poder de superar as controvérsias políticas e educacionais inerentes aos limites do poder de Portugal, país em relativa desvantagem no sistema global e na Europa, a instituição parece buscar a ideia da construção de um “cidadão global” ( FALK, 1993 ; LISTER, 1997 ; ARNOT, 2009 ) em nome do europeísmo, internacionalismo e transnacionalismo. A matriz curricular supranacional, que tem inerente um conjunto específico de regras e cultura, parece maximizar os princípios da gestão remota do sistema educacional para que os jovens estejam preparados para acessar carreiras de destaque, de nível nacional ou internacional. Isso torna-se evidente nos objetivos estabelecidos nos documentos de política da escola, na formação adequada dos professores, no perfil definido para o bom aluno , na relação com as famílias e no acompanhamento cuidadoso do processo educacional; em resumo, em todas as dimensões constituintes de seu ethos.

Defendendo a excelência acadêmica e relacional com vistas ao desenvolvimento de competências como eficiência, competitividade, flexibilidade e capacidade de trabalhar em equipe, o ethos dessa escola responde e complementa o habitus dos alunos, como princípios fluidos e unificadores, para que os jovens adultos desse coletivo sejam fortalecidos. Mesmo sendo seres únicos ( BERNSTEIN, 1996 ) que têm a capacidade de reinterpretar e reconstruir a realidade em que vivem e de introduzir nuanças pessoais, são fornecidas condições de vida homogêneas e uniformes aos jovens, que criam um sistema de disposições uniformes, adequado para engendrar práticas e que têm um conjunto comum de propriedades objetivas (como a posse de bens ou poderes) ou propriedades incorporadas, como o habitus de classe ( BOURDIEU, 1970 ). A quase ausência de violência simbólica que resulta da proximidade entre o ethos da escola e aspectos relevantes do habitus dos alunos contribui para a absorção quase natural da cultura, motivações e racionalidades escolares.

Conforme descrito pela diretora da escola, a escola é reconhecida por seu currículo – que abrange desde a pré-escola até a 12ª série – e a construção de conhecimento por meio de “aprendizado baseado em conceitos” e outras metodologias cooperativas. Os alunos são desafiados a explorar questões candentes da vida societal e a apresentar propostas de solução através de vários projetos; uma estratégia educacional inspirada pela vontade de preparar os estudantes para serem cidadãos com princípios e aprendentes ao longo da vida, capazes de intervir na vida social e apoiar os menos afortunados. Pode-se dizer que o uso de metodologias cooperativas que investem na construção de vínculos sociais entre alunos e com os professores tem o potencial de transformar a escola em uma máquina cognitiva ( BOURDIEU, 1996 ; KENWAY; KOH, 2013 ), na qual recorrem-se a todas as ferramentas possíveis para a produção de um tipo de conhecimento que se move e é transferível da arena nacional para a arena global do mercado educacional internacional e do mercado de trabalho internacional.

A escola tem um caráter internacional e dirige-se a estudantes locais, nacionais e estrangeiros que desejam obter educação em inglês. A escola promete uma educação equilibrada, exigente e virada para o futuro, diferente da educação oficial do Estado e de outras escolas privadas na área, cuja oferta educacional, muitas vezes, era apenas até o 9º ano. Aprovado pelo estado, o currículo transnacional da escola foi produzido por uma equipe internacional de especialistas que adaptaram os programas dos EUA e do Reino Unido ao currículo tradicional português, incluindo o estudo do meio e língua portuguesa na escola básica (séries 1-4) e língua portuguesa e história no ensino médio e superior (séries 5-8 e 9-12, respectivamente). A língua franca da escola é o inglês.

É interessante acrescentar que, desde o início da escola, seu currículo incluiu o ensino não compulsório de mandarim, que antecipou o futuro papel da China nos mercados globais, que se tornou uma realidade crescente nos anos mais recentes. De acordo com informação da diretora, a escola recebe cerca de 800 estudantes de diversos países, incluindo China, Espanha, Inglaterra, Suécia, Japão, Polônia e Holanda. O seu programa educacional tem vindo a evoluir ao longo dos anos para atender à crescente diversidade dos aprendentes. Avaliações internacionais consideraram-na uma das principais escolas internacionais da Península Ibérica.

O status de privilégio dos estudantes permite considerá-los como um grupo das elites econômicas. São as suas origens ligadas à posse de riqueza que permitem o acesso a uma escola com bons recursos, em termos de provisão de serviços educacionais apoiados por docentes, instalações e recursos didáticos requintados. Por exemplo, no caso de profissionais que têm carreiras de liderança em empresas internacionais, as mensalidades escolares podem ser pagas pelos empregadores dos pais. Mesmo havendo diferenciação econômica dentro do grupo, há um padrão elevado de consumo que pode ser associado à manutenção e ao reforço do status social ( MOOIJ, 1998 ). Essa circunstância pode ser identificada pela capacidade de pagar as mensalidades escolares ao nível de outras escolas internacionais na Europa e para comprar vários uniformes escolares, merenda escolar, o acúmulo de atividades extracurriculares e assim por diante. As suas origens sociais e culturais diversas podem ser identificadas pelas ocupações dos pais, principalmente nas profissões liberais (como médicos e engenheiros), mas também como futebolistas, diplomatas, gerentes e empreendedores.

A incursão etnográfica na escola por uma das pesquisadoras, durante mais de 10 anos, anteriores a esta pesquisa, proporcionou um conhecimento interno que exigiu a transição crítica entre proximidade e distanciamento na análise das realidades vivenciadas e observa. Os dados coletados incluíram documentos escolares e 8 sessões de grupo focal com jovens - homens e mulheres - com idades entre os 16 e 18 anos, que estavam no 10º e 11º ano do ensino médio e tinham nacionalidades diferentes. Os dados foram codificados e organizados em categorias inclusivas, com o objetivo de aproveitar ao máximo todos os dados coletados. Uma breve entrevista com a diretora da escola ajudou a atualizar as informações sobre a instituição e os seus objetivos. A próxima seção dá acesso aos aspectos da escola que contribuem para a construção de laços sociais e significados. das.

Construindo laços sociais e significados no interior da escola

Várias características da dinâmica escolar e das relações humanas permitem compreender como os laços sociais – vistos como rituais de consenso e vinculação ( BOURDIEU, 1970 ) que produzem significados – são construídos dentro da escola. Um bom exemplo é o desenvolvimento de celebrações que envolvem toda a comunidade escolar e têm como objetivo fomentar os laços entre a população escolar: celebrações culturais, relacionadas à música e canto de hinos e músicas, comemorações esportivas, premiação pública para louvar excelência ou progresso no desempenho acadêmico, esportivo, artístico ou relacional; cerimônias para fechar o ano letivo em que os alunos recebem diplomas de conclusão dos níveis de educação ( MACEDO, 2009 ).

Durante as diferentes cerimônias, no cotidiano e nas visitas de estudo, o uso do uniforme escolar é uma forma de demarcação e identificação de pertencimento ao grupo. Também promove uma aparência mais idêntica, levando à construção da identidade do grupo. Este uniforme tomou vários estilos ao longo dos anos, em resposta ao desejo expresso pelos alunos que o usam. O uniforme inclui conjuntos para o esporte, uniforme informal do dia a dia, e um mais formal que é obrigatório nos dias das assembleias de diferentes grupos e para outras cerimônias. Essa diversidade no uniforme escolar também pode ser vista como uma maneira sutil de promover o consumismo sob a ideia de escolha e exclusividade no vestir, associado a um certo estilo de vida ( MACEDO, 2009 ).

Muito comuns nos sistemas educacionais americano e inglês, as assembleias escolares incluem crianças e jovens nas mesmas faixas etárias e atuam como rituais de consenso e vinculação que promovem uma unidade de valores e características simbólicas que sustentam a coesão do grupo por meio da construção do habitus ( BOURDIEU, 1970 ). Relembrados pelos seus professores e diretores de turma, os alunos discutem assuntos e questões da vida quotidiana. Os grupos estão ativamente envolvidos neste processo, ao mesmo tempo que desenvolvem competências importantes, como gestão de equipa, tomada de decisão e apresentação pública.

Uma experiência estimulante pode ser observar como alunos mais ou menos empenhados – mais ou menos criativos e com mais ou menos interferência dos professores – organizam-se e colaboram entre si para preparar e apresentar apresentações surpreendentemente articuladas e interdisciplinares, pequenos projetos de turma ligados a áreas curriculares ou pequenas peças, poemas escritos ou selecionados pelos alunos, histórias curtas ou a explicação criativa de temas do currículo. Os alunos também participam de debates dentro e fora da escola – através da colaboração com outras entidades –, onde diferentes equipes preparam-se para discutir um determinado tópico, explorando seu conteúdo e escolhendo um estilo de apresentação. Essas discussões estão sujeitas à avaliação individual e em grupo por uma equipe de professores, de acordo com critérios pré-definidos, que são esclarecidos antecipadamente às equipes.

Também com consequências no reforço de seu ethos , a escola faz a indução de novos professores na instituição e em seu ambiente sociocultural. No início do ano letivo, as atividades são organizadas para imersão cultural e para criar as primeiras redes sociais e culturais de apoio entre membros. Isso inclui sessões de formação de equipes, que promovem a transição de pessoas de outras culturas para a cultura escolar. Essas ações também visam a implementar a construção de um sentimento de pertença e rapport à comunidade escolar para permitir que esses professores se integrem e colaborem de forma eficiente na melhoria do ambiente da escola. Os professores passam por um processo duplo de ajustamento e enriquecimento do ethos escolar, como representantes da escola na construção dos laços dos alunos com ela e na produção de significados. A prática profissional não é desenvolvida isoladamente, mas apoiada por uma estrutura organizacional que permite que os professores se desenvolvam dentro da estrutura de princípios conceituais da escola. Além de garantir maior segurança aos jovens, a vigilância dos intervalos escolares pelos professores permite uma relação de proximidade nesse espaço menos formal, no qual interesses particulares ou problemas relacionais dos alunos podem ser compartilhados e discutidos ( MACEDO, 2009 ). Dando acesso a especificidades individuais, isso abre espaço para respostas mais ajustadas às necessidades dos alunos.

O investimento no relacionamento com as famílias também é relevante no processo de construção de vinculação, uma vez que a busca pela consistência entre os diferentes sistemas de socialização torna-se mais sutil e efetiva. Constituídas como acionistas enquanto as crianças frequentam a escola, as famílias – dispostas a fazê-lo – colaboram em sua gestão e organização, realizam a mediação entre a escola e outras famílias menos participativas e participam da organização de eventos sociais e culturais, contribuindo para a dinâmica escolar. Ao organizar ações sobre as diferentes metodologias, as atividades diárias dos alunos e sobre temas educacionais, como o desenho da educação sexual na escola ou a dislexia, entre outros, a instituição também investe na educação das famílias. A sua adesão a essas ações, que tem crescido ao longo dos anos, tem sido um ativo real para o progresso educacional da instituição e o reforço de seu ethos , na medida em que permite às famílias entender e apoiar a escola.

O fortalecimento dos laços entre a escola e a família reduz a tensão nessa relação, permitindo a construção de um maior engajamento como parceiros na educação de crianças e jovens. O envolvimento das famílias também assume outras formas de cooperação, pois lhes é pedido que compartilhem seus conhecimentos culturais e profissionais, que assistam e avaliem as apresentações de trabalho realizado em equipe pelos alunos, que colaborem em peças escolares, assistam a aulas, assembleias e outras cerimônias. Além dos habituais serviços de reunião com as famílias para avaliação do progresso e desempenho dos alunos, a escola abre suas portas regularmente, permitindo que os membros da família visitem as salas de aula para serem informados sobre os projetos e atividades em que seus filhos estão envolvidos.

Como membros ativos nesse processo, os jovens absorvem a coerência entre a escola e suas famílias, um processo que pode contribuir para assegurar que a herança social se mantenha em vigor. Esses podem ser vistos como os contornos de um “paraíso social” ( BOURDIEU, 1996 ; KENWAY; KOH, 2013 ) onde o reconhecimento mútuo (quase) pleno aumenta e confirma os valores individuais dentro dos valores do grupo, se deixarmos de lado os riscos de generalização e homogeneização, que escondem as diversas lutas da geração jovem para encontrar e afirmar suas próprias vozes, como analisamos em outro lugar.

Para os jovens, o grupo de pares tem um papel definido na construção de laços sociais que os unem na escola. É por isso que trazemos suas vozes em discurso direto, expressas durante as discussões em grupo e como contribuição pertinente para este artigo. O tema da amizade, que é recorrente nas sessões de grupo focal, gera grande entusiasmo. Diferentes preocupações vêm à tona, mas as dimensões de pertença, segurança, sinceridade, respeito, troca de ideias, compartilhamento; confiança, durabilidade, apoio, reconhecimento e compreensão mútua são enfatizados. Um jovem específico esclarece:

É claro que muito é diferente, mas valores morais têm que ser iguais... Quando digo... bem-educado, estou falando sobre os mesmos princípios básicos, a mesma educação.

Consensualmente, em um texto em que as ideias de alguns alunos complementam as ideias dos outros com óbvia conexão, os jovens afirmam o valor da “proximidade”, de uma “amizade” que não sabem explicar, mas que se manifesta “em pequenas coisas”, “em pequenas situações”. Ser amigo implica o reconhecimento do outro. Significa “ter uma amizade duradoura... eu o conheço, ele me conhece; nos damos bem”, “Quando estamos passando por um período difícil... temos o apoio de amigos, que devem gostar de nós e gostamos deles... eles nos dão conselhos”, “para desabafar... para falar livremente”, “nem sempre falar sobre problemas, mas, às vezes, escutar os problemas das outras pessoas”.

Outro aspecto que merece ser mencionado é a construção de uma visão compartilhada do mundo que emerge entre os pares, mesmo que com nuanças individuais. Isto inclui a consciência do forte nível de competitividade no mundo em que vivem e do seu papel na construção do próprio futuro como consequência da sua carreira escolar. Isso torna-se evidente nas narrativas dos alunos:

Hoje é a competição mundial e precisamos ter “A” [nota máxima] em todos os assuntos se quisermos ir para o melhor, e entre os “As” ainda existem pessoas que não vão chegar lá porque precisam escolher entre essas pessoas. Temos que estudar porque - mesmo que não pareça - já estamos começando nossa vida aqui... É cada vez mais importante tirar as melhores notas... há dez anos seria muito mais fácil chegar a uma boa universidade... Se nós não entrarmos em uma boa universidade, não podemos encontrar um bom emprego, podemos ter problemas financeiros no futuro... Temos que obter notas muito boas para podermos ir a uma boa universidade e arranjar um bom emprego para apoie nossa família... se tivermos. (Jovem, Grupo Focal).

Diferentes estratégias são desenvolvidas para lidar com o compromisso de gerenciar o presente. As meninas geralmente assumem a responsabilidade pelos resultados de seu aprendizado, dando prioridade e engajando-se com isso com vários graus de sacrifício. Muitos rapazes desenvolvem estratégias de procrastinação, embora estejam cientes da importância de competir e ter os melhores resultados possíveis.

Essas narrativas destacam não apenas a importância da construção de vínculos nesse grupo, mas também a visão do ambiente escolar como lugar de construção da(s) sociabilidade(s); um espaço físico compartilhado que permite um senso de identidade e pertencimento; onde ocorre a construção e reforço de valores e princípios. Para alguns jovens, esses laços podem estar desconectados da classe social, do comportamento socialmente aceito e da religiosidade. Como eles veem, a pessoa “pode até ser um criminoso... pode ser seu amigo mesmo”. No entanto, a amizade implica a crença “Nas mesmas coisas, os princípios da vida... não ter a mesma religião”, “não ser rico ou pobre... ou jurar”. Tais ideias parecem estabelecer a importância de rituais que promovem laços e de sistemas simbólicos ( BOURDIEU, 1982 ) construídos em rituais sucessivos compartilhados que articulam as experiências comuns. Estimulados pela instituição, esses sistemas contribuirão para a construção de certas formas de viver e de ser, estabelecendo-se como instrumentos por meio dos quais serão fortalecidas familiaridades, alianças e também singularidades; instrumentos pelos quais a classe, o gênero e outras formas de solidariedade estão arraigadas e trabalham para a construção de um nós específico, próximo ao eu individual.

Considerações finais

Tendo em vista a construção dos laços sociais e a construção simbólica do mundo pessoal, o contexto que abriga e informa esses processos também é questionado. Isso permitiu refletir acerca da construção simbólica da realidade social que toma forma e dá sentido à construção individual como sujeitos. As marcas dos processos de socialização, incorporados pelos laços sociais com e dentro da escola, replicam as tensões e oportunidades presentes no contexto social mais amplo.

A maior ou menor adesão à competitividade e a busca por uma afirmação individualizada nos percursos educacionais futuros e a posterior inserção no mercado de trabalho foram evidenciadas. Os laços com e dentro do grupo de pertencimento, que enfatizamos, manifestaram-se em fortes laços entre os pares. Esses são de particular importância e estavam associados a valores compartilhados, princípios de vida e interesses comuns.

Isso permite enfatizar a importância da escolarização na construção de significados e laços sociais, em um contexto em que as ideias de competitividade, consumo e desempenho tornam-se naturalizadas. Enquanto garotas e garotos mais novos colocavam a amizade em um espaço de afeto fundamental, alguns dos garotos mais velhos verbalizavam visões mais estratégicas das relações humanas, associadas a diferentes categorias e à proteção contra o risco.

Isso induz a antecipar o desenvolvimento de relações estratégicas também com o mundo em geral, quando esses jovens aproveitarem a oportunidade para entrar no mercado educacional competitivo nacional ou internacional e, posteriormente, no mercado de trabalho. Aceitando naturalmente sua situação de dependência econômica dos pais, muitos desses jovens também são seduzidos pelo consumismo e por manter as necessidades socialmente construídas para a exibição do status . Vale a pena notar que a posse de bens e a possibilidade de “levar uma vida boa” associada a ela estavam no horizonte da maioria das pessoas consultadas.

Pertencendo a um grupo selecionado da população, esses estudantes têm o benefício de se desenvolver em uma instituição que trabalha em todas as suas dimensões para atender seu bem-estar, seu crescimento equilibrado e seu desenvolvimento integral. A constante atualização dos saberes metodológicos, pedagógicos e científicos que sustentam seu atendimento educacional dentro de uma visão de proximidade são bons exemplos. Treinamento do pessoal nos procedimentos e princípios que a escola defende; bens materiais e recursos em termos de instalações e tecnologias para implementar a aprendizagem; e o investimento no relacionamento com cada aluno e suas famílias, que são cativadas à experiência e ao ethos da escola, complementam as estratégias da escola para reforçar o seu espírito e aumentar o envolvimento dos alunos com ela. Os jovens são fortalecidos pelos laços que desenvolvem com seus pares e dentro de uma instituição cujo ethos reforça a cultura econômica e o capital da família. Uma instituição que afirma estar aberta à diversidade e à especificidade de cada um dos chamados clientes nos documentos de política, e que investe em fortalecê-los em consonância com os valores e princípios que a sustentam; uma instituição que constrói diferenciação.

A escolha desse sistema educacional privado pode coincidir com a tentativa das famílias das elites de manter ou fortalecer sua mobilidade ascendente na pirâmide social que foi objeto de leve risco por meio da democratização do acesso à educação pública. Essas elites parecem buscar estabelecer-se como portadoras e transmissoras de valores e regras de grupo semelhantes, validadas por uma ideia de bem comum internacional, que pode ser alcançada por meio dos sistemas educacionais, cujos mecanismos permitem a assunção de marcos culturais de pertencimento.

É também de se notar que assumir uma cultura exclusivista que tem entropia homogeneizadora, por meio dos processos de vinculação que foram observados na instituição, parece emergir como parte da tentativa de (re)estabelecer um status de classe. Esse status pode ser fortalecido por meio de uma cultura de elite em que se realizam tentativas históricas coletivas para lidar com as contradições, ambiguidades e complexidades da vida social e as políticas inerentes ao mundo capitalista. Pode-se dizer que, na presença de vários modos de conceituar a cidadania além das fronteiras do Estado-nação, um é basicamente um produto das forças da globalização econômica, onde os jovens são vistos e podem se tornar membros de uma espécie de cultura de elite global, com pouca ou nenhuma conexão com qualquer país em particular, mas onde a evidência de um senso cívico global de responsabilidade pode ser contrastada com o investimento no desenvolvimento individualizado de caminhos estratégicos na educação e no mercado de trabalho global.

Referências

ABRANTES, Pedro; QUARESMA, Maria Luisa. Schools for the elite, schools for the poor: the same educational system, contrasting socialization environments. Italian Journal of Sociology of Education, Padova, v. 5, n. 2, p. 133-159, 2013. [ Links ]

AFONSO, Almerindo Janela. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável: crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v. 13, p. 13-29, 2009. Disponível em: < http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-72502009000100002&lng=pt&nrm=iso> . Acesso: 18 Dec. 2015. [ Links ]

AFONSO, Almerindo Janela. Um olhar sociológico sobre políticas para a educação, avaliação e accountability. Revista Educação e Políticas em Debate, Uberlândia, v. 2, n. 2, p. 286-296, 2013. [ Links ]

ARNOT, Madeleine. Educating the gendered citizen: sociological engagements with national and global agendas. London: Routledge, 2009. [ Links ]

BALL, Stephen J. Class strategies and the education market: the middle class and social advantage. London: Routledge Falmer, 2003. [ Links ]

BALL, Stephen J. Elites, education and identity: an emerging research agenda. In: VAN ZANTEN, Agnès; BALL, Stephen J.; DARCHY-KOECHLIN, Brigitte (Ed.). World yearbook of education 2015 elites, privilege and excellence: the national and global redefinition of educational advantage. London: Routledge, 2015. p. 233-240. [ Links ]

BALL, Stephen J. Performativities and fabrications in the education economy: towards the performative society. In: LAUDER, Hugh et al. (Ed.). Education, globalization and social change. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 692-701. [ Links ]

BARROSO, João. Organização e regulação dos ensinos básico e secundário, em Portugal: sentidos de uma evolução. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 2, p. 63-92, 2003. [ Links ]

BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. London: Sage, 1992. [ Links ]

BERNSTEIN, Basil. Pedagogy, symbolic control and identity: theory, research, critique. London: Taylor and Francis, 1996. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. La distinction: critique social du jugement. Paris: Minuit, 1979. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. La réproduction. Paris: Minuit, 1970. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. In: GRÁCIO, Sérgio (Ed.). Sociologia da educação II. Lisboa: Livros Horizonte, 1982. p. 101-109. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: RICHARDSON, John G. (Ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood, 1986. p. 241-258. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. The state nobility: elite schools in the field of power. Redwood City: Stanford University Press, 1996. [ Links ]

BRECKER, Jeremy; COSTELLO, Tim; SMITH, Brendan. Globalization from below: the power of solidarity. Cambridge: South End Press, 2002. [ Links ]

CARNEIRO, Elsa. A problemática da decisão: a opção dos pais pela escola privada. Braga: Universidade do Minho, 2006. [ Links ]

CORTESÃO, Luiza. O arco-íris na sala de aula? Processos de organização de turmas: reflexões críticas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1998. [ Links ]

CORTESÃO, Luiza et al. Na girândola de significados: polissemia de excelências em escolas portuguesas do século XXI. Porto: Livpsic, 2007. [ Links ]

DALOZ, Jean-Pascal. The sociology of elite distinction: from theoretical to comparative perspectives. London: Palgrave Macmillan, 2010. [ Links ]

ESTÉVÃO, Carlos. O público e o privado em educação: a providenciação pública do privado na educação portuguesa. In: PACHECO, José Augusto (Ed.). Políticas educativas: o neoliberalismo em educação. Porto: Porto Editora, 2000. p. 137-157. [ Links ]

FALK, Richard. The making of global citizenship. In: BRECHER, Jeremy; BROWN, John; CUTLER, Jill (Ed.). Global visions: beyond the new world order. Boston: South End Press, 1993. p. 39-52. [ Links ]

HOWARD, Adam; KENWAY, Jane. Canvassing conversations: obstinate issues in studies of elites and elite education. International Journal of Qualitative Studies in Education, London, v. 28, n. 9, p. 1005-103, 2015. [ Links ]

KENWAY, Jane; FAHEY, Johannah Clare. Staying ahead of the game: the globalising practices of elite schools. Globalisation, Societies and Education, London, v. 12, n. 2, p. 177-195, 2014. [ Links ]

KENWAY, Jane; FAHEY, Johannah Clare; KOH, Aaron. The libidinal economy of the globalising elite school market. In: MAXWELL, Claire; AGGLETON, Peter (Ed.). Privilege, agency and affect: understanding the production and effects of action. London: Palgrave/Macmillan, 2013. p. 1-12. [ Links ]

KENWAY, Jane; KOH, Aaron. The elite school as a “cognitive machine” and “social paradise”?: Developing transnational capitals for the national “field of power”. Journal of Sociology, London, v. 49, n. 2-3, p. 272-290, 2013. [ Links ]

LISTER, Ruth. Citizenship: feminist perspectives. New York: New York University Press, 1997. [ Links ]

MACEDO, Eunice. Cidadania em confronto: educação de jovens elites em tempo de globalização. Porto: LivPsic & CIIE, 2009. [ Links ]

MOOIJ, Marieke de. Masculinity/femininity and consumer behaviour. In: HOFSTEDE, Geert et al. (Ed.). Masculinity and femininity: the taboo dimension of national cultures. Thousand Oaks; New Delhi; London: Sage, 1998. p. 56-75. [ Links ]

NÓVOA, António. Evidentemente. Porto: ASA, 2005. [ Links ]

PEREIRA, Cecília. A escola não tem nada a ver: a construção da experiência social e escolar dos jovens do ensino secundário: um estudo sociológico a partir de “grupos de discussão”. 2007. Tese (Doutoramento em Educação) – Universidade do Minho, Braga. 2007. Disponível em: < http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0871-91872007000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt> . Acesso: 16 sep. 2015. [ Links ]

RADAELLI, Claudio M. The europeanization of public policy. In: FEATHERSTONE, Kevin; RADAELLI, Claudio M. (Ed.). The politics of europeanization. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 27-56. [ Links ]

SANTIAGO, Rui A. et al. Um olhar sobre os rankings. Coimbra: CIPES; Matosinhos: FUP, 2004. [ Links ]

STOER, Stephen R. Desocultando o voo das andorinhas: educação inter/multicultural crítica como movimento social. In: STOER, Stephen R.; CORTESÃO, Luiza; CORREIA, José A. (Ed.). Transnacionalização da educação: da crise da educação à educação da crise. Porto: Afrontamento, 2001. p. 245-275. [ Links ]

STOER, Stephen R.; ARAÚJO, Helena C. Escola e aprendizagem para o trabalho num país da (semi)periferia europeia. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 2000. [ Links ]

STOER, Stephen R.; MAGALHÃES, António. Education, knowledge and the network society. In: DALE, Roger; ROBERTSON, Susan (Ed.). Globalisation and europeanisation in education. Oxford: Symposium Books, 2009. p. 45-64. [ Links ]

Recebido: 08 de Janeiro de 2019; Aceito: 09 de Abril de 2019

Eunice Macedo é professora auxiliar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE). Tem como interesses de investigação: educação com artes, cidadania de jovens, abandono escolar precoce, educação de elites e desigualdades sociais.

Helena C. Araújo é professora catedrática na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e diretora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE). Tem como interesses de investigação: Sociologia da educação; Estudos sobre o género, História das mulheres; História da educação; política educativa.

Creative Commons License This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License, which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.