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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.46  São Paulo  2020  Epub 06-Ago-2020

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046217461 

Artigos

Desenvolvimento de competências na perspectiva de docentes de ensino superior: estudo em representações sociais

Ana da Costa Polonia1 
http://orcid.org/0000-0002-5089-0254

Maria de Fátima Souza Santos2 
http://orcid.org/0000-0001-5213-9491

1- Centro Universitário Euro-Americano (Unieuro-DF), Brasília, DF, Brasil. Contato: ana.polonia@unieuro.edu.br.

2- Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Contato: mfsantos@ufpe.br.


Resumo

O propósito desta pesquisa é identificar o desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino superior, na perspectiva dos docentes, contando com o aporte da teoria das representações sociais. Para coleta de informações foi aplicado o instrumento denominado de Técnica de Associação Livre de Palavras, de caráter projetivo, a 154 professores de ensino superior de três instituições privadas do Distrito Federal. A análise prototípica foi produto do software IRaMuteQ, que analisou as palavras evocadas pelos professores quando empregada a expressão indutora desenvolver competências acadêmica é... O núcleo central foi composto pelas seguintes palavras: formação, habilidade, reflexão, fundamental, responsabilidade e desenvolvimento. Já nos elementos de contraste emergiram os termos cientificidade, ética, autonomia, concentrar, qualificação e planejamento. Esses dados apontam o fomento ao processo de aprendizagem embasado na concepção ativa e interativa do processo, tendo o discente como protagonista. Os dados evidenciam a construção de conhecimentos, apropriação de diferentes saberes, mobilização do fazer e ainda a articulação teórico-prática dentro de uma perspectiva humanizadora, ética e estética. Ainda, pode-se reconhecer que o desenvolvimento de competências não se restringe à dimensão operatória, mas envolve os universos tecnológico, metodológico, didático, relacional e vinculado à esfera do trabalho, além de serem indissociáveis os aspectos social, cultural e do fazer profissional. É um projeto profissional docente que assume uma visão de sociedade, em que o processo ético e a dimensão política, metodológica, operacional, técnica se interpenetram e encontram-se transversalizadas pela perspectiva humanista, de forma que compromisso, responsabilidade e reflexão são demandas constantes frente às transformações no mundo do trabalho e problemáticas do âmbito social.

Palavras-Chave: Desenvolvimento de competências; Representações sociais; Núcleo central; Ensino superior; Elementos de contraste

Abstract

The purpose of this research is to identify the development of academic competences in college teaching from the professors’ perspective, with the contribution of the theory of social representations. To collect information, the instrument called the Free Word Association Test, possessing a projective ethos, was applied to 154 college professors from three private institutions in Distrito Federal (BR). The prototypical analysis was a product of the software IRaMuteQ, which analyzed the words mentioned by professors when the inducing expression develop competence’s academic is... was used. The central nucleus was composed of the following words: training, competence, reflection, fundamental, responsibility and development. On the other hand, in the contrasting elements the terms scientific, ethical, autonomy, focus, ability and planning emerged. These data point to the promotion of the learning process based on the active and interactive conception of the process, with the student as the protagonist. The data show the construction of knowledge, appropriation of different knowledges, mobilization of doing and the theoretical-practical articulation within a humanizing, ethical and aesthetic perspective. Still, it can be recognized that the development of competences is not restricted to the operative dimension, but involves the technological, methodological, didactic, relational and it is also linked to the sphere of work, in addition to the social, cultural and professional aspects being inseparable. It is a professional teaching project that assumes a vision of society in which the ethical process and the political, methodological, operational, technical dimension interpenetrate and are transversalized by the humanist perspective, so that commitment, responsibility and reflection are constant demands transformations in the world of work and social problems.

Key words: Competences development; Social representations; Central Nucleus; College Teaching; Contrasting elements

Introdução

A competência pode ser definida como um conjunto de conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam para a seleção, tomada de posição e decisão, bem como a resolutividade de uma situação ou problema no âmbito da atividade laboral, integrando diversos saberes (científicos, cotidianos, técnicos, metodológicos, axiológicos) para desenvolvê-la (TANGUY, 1997). Assim, emerge um modelo educacional no qual noções como competência, savoir-faire, objetivos, projetos, avaliação e até a proposição de contrato pedagógico orbitam em seu raio. Esse modelo desvela a transição de um processo de ensino centrado nos conteúdos disciplinares em direção às competências, identificáveis em atividades pedagógicas programadas e situações de ensino-aprendizagem.

Rios (2010) enriquece a reflexão, ao conceituar competência como um conjunto de situações que se fundamenta sob a base técnica, política, ética, estética e a informacional decorrente da trajetória laboral, em um contexto sociocultural, não se restringindo ao saber fazer ou à mera aplicação de um conhecimento. Elas envolvem ainda ações cognitivas para lidar com a complexidade do mundo e dos desafios que se apresentam no cotidiano, desde discussões acerca da empregabilidade, das minorias, dos direitos humanos e cidadania, da globalização e seus impactos, enfim, um conjunto de intercorrências que afetam o universo. Por isso, as competências devem colocar-se a favor do pleno exercício da cidadania, sedimentadas pelo domínio dos processos comunicacionais, interacionais, conhecimentos interdisciplinares, multidisciplinares e transdisciplinares. Nesse caso, uma de suas características é atualização dos saberes: científicos, técnicos e tecnológicos, práxis, interpessoais etc.

No caso, a educação deve propiciar a articulação do processo ensino-aprendizagem, envolvendo a análise, a síntese, as contradições, os contrapontos, as generalizações, assim como um arcabouço teórico, prático, didático, metodológico e embasado na realidade social e para ela. Esse processo está em franca atualização, porque encontra-se associado à geração de novos conhecimentos pela integração dos saberes, atitudes, habilidade e, por outro lado, a educação deve adotar uma perspectiva cidadã e humanista, reconhecida como prática social.

Para tal intento, o processo pedagógico deve trabalhar com situações problemas, estudo de caso, simulações entre as várias estratégias pedagógicas que visam à interatividade e ao protagonismo docente, refletindo a realidade do momento. Ele está vinculado à seleção do material, à relevância do que vai ser ensinado, à análise completa do fenômeno de referência, em suma, dos significados sobre o que ensinar, para que ensinar e como ensinar. Acrescenta-se que o processo pedagógico deve estar consubstanciado pelos procedimentos e métodos, destacando-se a didática escolhida e os compromissos educativos assumidos. Os estudantes devem ter um papel ativo, e, ao mesmo tempo, o professor precisa respeitar as individualidades, ritmos e as peculiaridades do aprender. Nesse sentido, os conteúdos simplesmente não bastam para que o discente aprenda por competências.

Zabalza (2014) preconiza que o ecossistema didático fundamentalmente deve endossar a análise das demandas e necessidades para consecução dos objetivos, preleção de conteúdos e as formas dinâmicas de avaliação. O autor, contudo, ressalta que não há uma metodologia específica para o domínio das competências, mas sim estratégias empregadas que enfatizem a diversidade, não priorizando apenas o conteúdo, mas aspectos atitudinais como o saber-ser e os procedimentais, como saber-fazer.

Medeiros (2016) outorga à concepção de competência uma dimensão dialética afetiva, cognitiva e complexa, composta por saberes, fazeres, habilidade, conhecimentos, atitudes e aptidões que se apresentam de forma individual ou coletiva, usando dos processos reflexivos, seletivos e de nova roupagem para resolução de situações que emergem na vida e no trabalho. Essa perspectiva é embasada na epistemologia relacional, entendendo a multirreferencialidade3 como um substrato presente na direção da solução de problemas, em situações cotidianas e em face da imprevisibilidade e da impossibilidade de repetição da experiência.

Silva e Nascimento (2014) contribuem com a temática ao indicarem que há competências transversais. Resgatam, assim, a dimensão do aprender e criar, indubitavelmente, resultantes da possibilidade de transposição de um dado contexto para um novo, convocando novas articulações, implicando a releitura da situação, reconfiguração das estratégias e reconstrução contextualizada do saber mobilizar para ação.

A outra face da moeda e intimamente ligada às competências estão as habilidades que são inseparáveis da ação, seja física ou mental, mas, exigem domínio de conhecimentos. Desta forma, estão relacionadas ao saber-fazer, a intervir e a atuar sobre os objetos e pessoas. Assim, identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações, analisar situações-problema, sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades (MORETTO, 2004).

Oliveira e Lacerda (2007), baseando-se em Katz, identificam e subdividem as habilidades em: humana, conceitual e técnica. Reverberam que a habilidade humana reflete a capacidade de o profissional interagir com outras pessoas, inserindo-se no grupo e contribuindo para assegurar sua unicidade e organicidade para, de maneira eficaz, lidar com situações, problemas e fenômenos, envolvendo parâmetros como comunicação, liderança e motivação, favorecendo o trabalho em equipe/grupos. A conceitual é subsidiada pelos processos cognitivos, estabelecendo inter-relações entre ideias, princípios e concepções para realizar atividades. Na habilidade técnica, sobressaem-se a compreensão, a eficácia e a proficiência em atividade laborais específicas, transpassada pela esfera das técnicas, métodos, instrumentos e instrumentais constituintes das funções especificas do profissional.

Kuenzer (2000) alerta que o conceito de competência é foco de polêmicas e dissidências no espaço educacional. A autora enfatiza que a ambiguidade, a polissemia e a múltipla compreensão de competência geram então posturas antagônicas, sendo a sua negação imbuída pelas concepções ideológicas de certos posicionamentos, não a reconhecendo como elemento da realidade no mundo do trabalho. De um lado, o discurso sobre o construto o percebe como uma noção de acumulação aliado ao neotecniscimo, travestido de uma nova forma de aperfeiçoamento e de controle, apoiado na noção capitalista. Há os que adotam uma postura ingênua, acatando a perspectiva emancipatória presente em sua proposta, sem produzir uma análise sistêmica entre educação, trabalho e sociedade. Por fim, há uma vertente que aceita e incorpora em seus paradigmas educativos, sem aprofundar a discussão.

Nesse sentido, a pesquisadora esclarece que as novas configurações do mundo e na gestão do trabalho, considerando as rápidas mudanças, geração de novos campos de atividade laboral, com profissionais gabaritados, pressupõe que as competências advêm do conhecimento científico-tecnológico, além da dimensão sócio-histórica, com impactos e demandas diferenciadas no universo social e laboral. Essa situação deve ser analisada tendo com referências pesquisas que possibilitem caracterizar as práticas que ela, concepção de competência, incrementa.

A polissemia característica do construto competências e a sua transformação, oriunda inicialmente do mundo do trabalho e sua tradução para o contexto educacional, provoca modificações nas práticas, nas metodologias, na didática e nas reflexões pedagógicas, sendo terreno fértil para as propostas investigativas da teoria das representações sociais. Essa teoria pode oferecer subsídios para a compreensão do processo de penetração da noção de competências nos paradigmas educacionais e da percepção e apropriação por diferentes grupos de docentes por permitir identificar o caráter simbólico e os significantes de uma representação e a sua condição dialógica entre o senso comum e o universo reificado, o seu aspecto ativo e construtivo e a gênese do objeto de estudo (JODELET, 2000; MOSCOVICI, 2012).

A teoria das representações sociais como campo epistemológico, metodológico, de pesquisa e de intervenção social parte do princípio de que a realidade continuamente é interpretada, reordenada e inserida no sistema cognitivo e social dos grupos e dos indivíduos que os integram (ABRIC, 1994, 2001, 2003).

É importante frisar que Moscovici (2012) instaura as bases da teoria das representações sociais com o estudo pioneiro La psychanalyse: son image et son public (A psicanálise: sua imagem e seu público), publicado em 1961, mergulhando na pesquisa sobre como pessoas leigas de diferentes formações e os meios de comunicação da época, na França, apropriaram-se dos saberes pertinentes à psicanálise, por meio do senso comum. Por esse motivo, a grande teoria, como são reconhecidos os estudos de Moscovici (2012), lança o arcabouço de análise que permite investigar a gênese, a estrutura e os processos de uma representação social, sem a pretensão de esgotar todas as suas possibilidades. Almeida (2005) reitera que a grande teoria tem uma dimensão voltada a propor conceitos primordiais, com características gerais, de maneira a suscitar estudos particularizados e que ampliem o raio de ação da teoria.

Moscovici (2012) afirma que toda a representação tem origem na necessidade dos sujeitos em integrar o não-familiar, o estranho, o não compreendido em familiar. Ao construir essas teorias compartilhadas, tornando familiar aquilo que antes era estranho, elas funcionarão como um crivo de leitura do fluxo de informações, concepções, conceitos e fenômenos capturados no mundo social. O pesquisador destaca que são “entidades quase tangíveis; circulam, se cruzam e se cristalizam continuamente através da fala, do gesto, do encontro no universo cotidiano” (MOSCOVICI, 2012, p. 39). Ele sublinha que existe uma “substância simbólica” que permeia a sua construção e a prática que é produto dessa elaboração, afirmando que não é possível realizar uma separação entre o universo exterior e o sujeito ou grupo. As representações não se restringem a um desdobramento, uma mera repetição ou reprodução do objeto. Trata-se de uma reconstituição, um retoque, uma modificação, que permite significações específicas em seu contexto.

Representações sociais: contribuições da abordagem estrutural

Um dos expoentes da Teoria das Representações Sociais é Jean-Claude Abric, que propôs a Teoria do Núcleo Central. Abric (2001) afirma que a teoria do núcleo central se apoia na hipótese segundo a qual toda representação se estrutura orbitando em torno de um núcleo, que a organiza e lhe dá significação. Agrega a proposição que o núcleo central (NC) apresenta duas facetas: a natureza do objeto representado e a interação entre o sujeito e esse objeto, considerando que as ausências de alguns dos elementos esvaziaria sua significação ou se direcionaria a uma construção diferente da proposta. Alerta que, apesar da importância do conteúdo, o sentido da representação social é dado pela organização desse conteúdo. Afinal, conteúdos similares podem gerar representações distintas (ABRIC, 2003), no caso, a perspectiva democrática em países europeus e a mesma visão naqueles que vivem em um regime totalitário estão estreitamente relacionadas às práticas e às vivências dos grupos.

Sá (2002) destaca a contribuição singular da abordagem estrutural para análise da prática social e o campo de investigação de maneira mais heurística. Retoma inicialmente que seu processo de formação ocorreu na tese de Doutorado de Abric, Jeux, conflits et représentations sociales (Jogos, Conflitos e Representações Sociais), o que abriu caminho para o estudo experimental das representações sociais, desvelando a sua organização. Em síntese, o NC funciona como um subconjunto de uma representação que comporta um ou mais elementos estáveis e resistentes à mudança.

A respeito do papel do NC, Abric (1996) postula que se configura pelos seguintes padrões: estabilidade e inflexibilidade que ratificam a sua estrutura, composto por padrões e regras rígidas que não ameaçam a representação. Assim, as normas asseguram a dimensão normativa e as regras as funcionais. Ele resgata que Moscovici sublinha que os valores são componentes importantes desse núcleo, diferentes daqueles que emergem da periferia, porque estão fundamentados sobre as regra da vida, ao invés de fatos; portanto, expressam a parte não cognitiva de uma representação. Abric (2003) ainda incrementa a proposição ao indicar que é possível notar o sistema socioideológico, bem como a história pregressa do grupo.

Sá (2002), ao recuperar as proposições de Abric sobre núcleo central e o sistema periférico, enuncia o primeiro como um subconjunto de elementos que se encontra atrelado aos outros elementos estruturais complementares. Quanto ao NC, duas características essenciais se estabelecem: a funcional, que reflete ações do sujeito frente ao fenômeno, e a normativa, vinculada aos aspectos socioafetivos, sociais ou ideológicos que demarcam a representação.

Contudo, afloram em torno desse núcleo elementos que são denominados de periféricos, sobretudo, por incrementarem o funcionamento do sistema de representação, creditando sua concretude. Wolter, Wachelke e Naiff (2016) adicionam que esses últimos enunciados podem ser excluídos sem afetar a percepção dos grupos acerca de uma dada representação. Em função da sua flexibilidade, admite-se que a condição consensual não é sine qua non e eles mantêm pouca proximidade com o material presente no núcleo central.

Os elementos periféricos são considerados esquemas psicológicos disponíveis, com variadas funções, uma prescritiva e outra descritiva, que possibilitam caracterizar o real, independentemente do núcleo central. Fazem parte do seu conjunto de referências: (a) integração das vivências e das histórias dos sujeitos; (b) heterogeneidade grupal; (c) grau de flexibilidade e incorporação das contradições; (d) capacidade evolutiva e sensibilidade ao contexto imediato; (e) favorecimento da adaptação à realidade vivida e a diferenciação do material do NC; e (f) tropa de choque que protege o NC das ameaças externas (BINGONO, 2011). Sá (2002) preconiza que os elementos da periferia também atualizam a representação e contextualiza as dimensões normativas, gerando a flexibilidade, mobilidade e acatando as transformações oriundas do contexto imediato. Consequentemente, observam-se as funções de regulação e adaptação estabelecidas pelas situações imediatas do grupo; e a de modulação individual que integra a história da pessoa à representação. No caso da docência, as modificações ocorridas na relação professor-aluno ficam visíveis na atualidade sob a égide da bidirecionalidade; o aluno como centro do processo, sendo protagonista e, por isso, fomentando a didática e as metodologias de ensino interativas.

Nesse sentido, o propósito desta pesquisa é identificar o desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino superior, na percepção dos docentes. Para tanto, o aporte utilizado será a teoria das representações sociais. Vale ressaltar que a presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Euro-Americano (Unieuro), parecer n. 083/2016.

Método

Reconhecidamente, os estudos das representações sociais aglutinam uma variedade de instrumentos, elaborados exclusivamente ou não para a teoria (SÁ, 2002; ALMEIDA, 2005; CAMARGO, 2005). Eles estendem-se desde conhecidos questionários (abertos e fechados), entrevistas, pranchas, desenho, passando pela abordagem etnográfica, técnicas associativas etc. (OLIVEIRA, 2005). Neste artigo, apresentaremos parte dos dados de uma pesquisa que utilizou um questionário de associação livre de palavras e uma entrevista. Apenas os dados da associação livre serão aqui analisados.

Participantes

Foram aplicados 154 questionários, empregando a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), aos professores de três instituições privadas de ensino superior do Distrito Federal, duas delas localizadas na Cidade do Gama e uma no Plano Piloto. O perfil dos professores engloba o gênero, faixa etária, formação acadêmica e experiência na docência.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos professores tendo como referências gênero, faixa etária, graduação, pós-graduação e atuação profissional (bacharelado, licenciatura e curso superior de tecnologia, bem como suas combinações). Pode-se perceber certo equilíbrio, havendo predominância de professoras no grupo, o que indica uma mudança quanto ao gênero no ensino superior. Duas pessoas do grupo não se identificaram. É preciso enfatizar que anteriormente predominava no ensino superior professores do gênero masculino, situação contrária à feminilização presente no ensino básico, em especial infantil, no ensino fundamental e no médio.

Tabela 1 – Perfil dos professores 

Gênero masc fem Ni          
  75 77 2
Faixa etária 24-34 35-44 45-54 55-64 65> Ni    
(anos) 38 61 33 16 1 5    
Graduação bacharel licenciado tecnólogo bac-lic bac-tec bac-lic-tec Ni  
  86 20 4 35 3 1 5  
Pós-grad.* especialização mestrado doutorado pós-doc        
  113 112 43 12        
Atuação profissional bacharelado bac-lic bac-tec licenc bac-lic-tec Tecnólogo lic-tec Ni
  71 27 22 15 8 3 2 6

Fonte: elaboração dos autores.

* Os docentes marcaram suas formações na pós-graduação desde especialização até o pós-doutorado, sendo o cálculo realizado para cada categoria considerando o total de professores pesquisados (N=154).

Ni: não identificado

No tocante à faixa etária, há concentração de 39,6% no intervalo de 35 a 44 anos, seguido pelo grupo de 24 a 34 anos (24,7%), depois os na faixa de 45-54 anos (21,4%) e, por fim, os entre 55-64 anos (10,4%). Vale informar que cinco professores não registraram a sua idade e um participante se inclui acima dos 65 anos. Trata-se, portanto, de um grupo jovem de professores atuando no ensino superior, contribuindo para a formação profissional quando se caracteriza que uma parte flutua entre 24 a 54 anos.

Predomina entre a formação docente em nível de graduação o bacharelado (n=86; 55,8%), seguido pela formação dupla, bacharelado e licenciatura (n=35; 22,7%), depois os licenciados (n=20; 13%). Cinco professores não se identificaram quanto à formação superior. É interessante compreender e analisar a distribuição dos cursos nas instituições a fim de contextualizar a formação dos professores, por exemplo, na área de licenciatura (Letras, Pedagogia, História e Educação Física), bacharelado (Administração, Enfermagem, Publicidade e Propaganda, Educação Física, Sistema de Informação, Contabilidade, Nutrição, Fisioterapia, Arquitetura e Psicologia) e CST (Radiologia e Recursos Humanos). Deve-se enfatizar que nas três instituições investigadas há a predominância dos cursos na área de bacharelado, seguido dos de licenciatura e tecnólogo.

Aparentemente, a distribuição dos professores segue a concentração de cursos tendo como referência bacharelado, licenciatura e tecnólogo e as graduações combinadas entre eles.

O bacharelado está à frente com 71 docentes, correspondendo a 46,1% do total, seguido por bacharelado e licenciatura (n=27; 17,5%), número que indica que os professores atuam em dois distintos cursos, por exemplo, Direito e Letras, no caso de Língua Portuguesa, ou Educação Física e Enfermagem, no caso de Ciências Biológicas e áreas afins. Depois, seguem-se os cursos de licenciatura (n=15; 9,7%), tecnólogo e a combinação bacharel, licenciatura e tecnólogo.

Um dado importante a destacar é que atualmente há um declínio nos cursos de licenciatura, o que demonstra a desvalorização da carreira docente para atuar na educação básica4 (ARANHA; SOUZA, 2013; PIMENTA et al., 2017) e, por conseguinte, há uma redução no número de professores a atuarem somente nessa área. Assim, o contingente de professores atuando no bacharelado é significativo, como também exercendo a docência em mais de uma área na graduação. Observa-se que 73,4% dos professores têm especialização, 72,72% mestrado, 27,9% doutorado e 7,8% pós-doutorado. O investimento na formação para atuar no ensino superior tem sido uma condição e busca entre os docentes, em especial, relativo ao plano de carreira dos profissionais, sabe-se que para progressão vertical, a variação salarial é escalonada considerando os níveis de formação.

Uma parte dos professores investigados tem outras experiências educacionais em séries/anos do ensino básico, que demanda uma didática e sistematização das atividades diferenciadas: Educação Infantil (n=13; 14,9%), Ensino Fundamental (n=48; 31,2%), Ensino Médio (n=58; 37,7%), Educação de Jovens e Adultos (n=31; 20,1%) e Educação Especial (n=2; 7,8). Reconhecidamente, essa experiência docente pode contribuir para a atividade profissional no ensino superior, no que diz respeito à didática, às metodologias e à articulação teórico-prática, uma vez que, para atuarem no ensino básico, a certificação relativa à licenciatura é obrigatória.

Quando se investiga a experiência no ensino superior, a média de tempo é de 8,97, com uma mediana de 9,50 e com desvio padrão de 6,76, ao se considerar um coeficiente de variância de 75,36, o que demonstra certo grau de dispersão na configuração do tempo de experiência docente superior. O destaque fica na faixa de quatro a sete anos (n=40), seguida de oito a onze anos (n=35) e depois de zero a três anos (n=32), sendo o último grupo recém-iniciado na carreira, estando no período de estágio probatório. Vale informar que seis docentes não informaram o seu tempo de experiência.

Instrumento

Foi empregado o instrumento de caráter projetivo denominado de Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), que possibilita a identificação dos campos semânticos relacionados aos objetos das representações sociais a serem investigados. O instrumento foi aplicado da seguinte forma: apresentou-se a expressão indutora desenvolver competências acadêmica é... e solicitou-se que o participante escrevesse as seis palavras que lhe vinham à mente ao ouvir a expressão. Posteriormente, orientou-se que escolhesse, dentre as seis, as três palavras consideradas por ele como mais importante, indicando a ordem de importância. Na última etapa, solicitou-se a construção de uma frase explicando a palavra identificada como a mais importante. Por fim, algumas questões foram colocadas quanto ao perfil do respondente (gênero, idade, curso em que atua, formação acadêmica e experiência profissional), já analisado.

Procedimento para análise de dados

Foi empregado o software IRaMuTeQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires, desenvolvido por Pierre Ratinaud (2009). Trata-se de um software gratuito e com fonte aberta, direcionado ao trabalho estatístico com corpus textuais e sobre tabelas de indivíduos/palavras (SARRICA et al., 2016). A versão empregada para a presente investigação foi 0.7 apha2.

Análise de dados

A análise prototípica (POLLI; WACHELKE, 2013; WACHELKE; WOLTER, 2011; WOLTER; WACHELKE, 2013) é um dos mecanismos estatísticos que propicia identificar a estrutura de uma representação social, partindo da evocação livre, como proposta no instrumento TALP. Vergès (1992 apudWACHELKE; WOLTER, 2011), ao configurar a estrutura do quadro de quatro casas, descreveu duas fases inerentes ao processo: (a) análise prototípica, recorrendo ao cálculo das frequências e das ordens médias de evocação das palavras; e (b) formulação de categorias que avaliam concomitantemente as frequências, composições e coocorrências, a partir do termo indutor.

Com relação à análise prototípica, a frequência e a ordem de importância demonstram seu valor dentro de um determinado grupo social. Atualmente é uma das estratégias de análise mais empregadas devido a sua praticidade e o emprego de dados pouco estruturados, utilizadas em pesquisas de base, especialmente de características aplicadas em virtude de possibilitar diagnósticos acerca de temáticas profissionais, de maneira a balizar intervenções psicossociais (WOLTER; WACHELKE, 2013).

Quadrantes e sua distribuição

No que diz respeito à configuração dos quatro quadrantes, opera-se na seguinte lógica: no primeiro, destacam-se os elementos da Zona Central (superior esquerdo) de uma representação, isto é, aqueles mais evocados e com ordem maior de importância enunciada pelos respondentes. O segundo (superior direito), apresenta grande frequência de evocação, mas que não foram as consideradas mais importantes pelos participantes; e o terceiro (inferior esquerdo) quadrante, denominado de zona de contraste, composto por elementos que foram de imediato evocados, contudo, aparecem com uma baixa ordem de importância.

Nessa direção, Abric (2003) afirma que apesar de serem as primeiras evocadas, podem se configurarem de duas maneiras: complemento da primeira periferia ou então o pensamento de um subgrupo que poderia representar um núcleo central diferente. A segunda periferia (inferior direito), no quarto quadrante, com menor evocação e pouca importância atribuída (MACHADO; ANICETO, 2010).

A Figura 1 apresenta o resultado da técnica de associação livre. No quadrante superior esquerdo destacam-se as palavras: formação, habilidade, reflexão, fundamental, responsabilidade e desenvolvimento, sendo os possíveis componentes do núcleo central; no superior direito: conhecimento, estimular, ensinar, criatividade, compreensão e interação; no inferior esquerdo, cientificidade, ética, autonomia, concentrar, qualificação e planejamento, aspectos que reiteram os elementos destaques do núcleo central e do sistema periférico; e no inferior direito: constituir, contribuir, respeito, efetividade, realização e colaboração.

Fonte: elaboração dos autores.

Figura 1 – Análise prototípica 

Zona central: a representatividade das concepções

Entre as palavras constituintes da zona central destacam-se formação, habilidade, reflexão, fundamental, responsabilidade e desenvolvimento. No que tange à formação, a perspectiva engloba não apenas o domínio dos conteúdos, como a dinâmica da prática, na concepção de que o profissional está sempre lidando com novas situações. Assim, a formação, de maneira geral, inclui desde os saberes do cotidiano, científicos, da prática, bem como de capacidade para trabalhar em grupo, superar as dificuldades encontradas, aliadas a um imperativo ético e estético no espaço do ensino superior. Ela encontra-se associada a uma postura crítica-reflexiva e interventiva nos espaços pessoais e de trabalho e, especialmente, no domínio da tecnologia e do uso do conhecimento para promoção da mudança social e da coletividade (SILVA; CABRAL NETO, 2015).

Em função disso, a concepção de formação apresenta-se como ampla, podendo indicar todo o tempo da trajetória do curso, em que os processos de aprendizagem estão latentes e manifestos nas atividades pedagógicas, envolvendo o ecossistema didático, como aponta Zabalza (2014). Ela pode também ser concebida como um processo contínuo independente da graduação, tendo em vista a perspectiva da formação continuada, aliada ao desenvolvimento profissional em serviço. Pode estar implícito na formação todo o processo de aquisição de conhecimento, aliado à identificação das competências e habilidades considerando o cenário de aprendizagem e os espaços específicos da atividade profissional. Particularmente, no que diz respeito à noção de aprendizagem por toda a vida, considera os distintos contextos onde a pessoa está inserida, família, trabalho, vizinhança, por exemplo.

Outra palavra evocada com destaque foi reflexão, na medida em que a dimensão crítico-reflexiva promove situações pedagógicas que estimulem essa dimensão. Ainda é uma das competências que permeia o perfil de todos os profissionais. Fundamental também obteve uma significativa frequência, indicando aspectos valorativos pertinentes ao construto competência. Fica implícito que a reflexão é uma das tarefas pedagógicas assumida pelo grupo de docentes, sendo um imperativo para a formação na graduação.

Tal condição amplifica-se quando vinculada à noção de responsabilidade, com vários ângulos, evidenciando, por parte dos professores, aquela relacionada à formação de profissionais. Insere-se também a própria responsabilidade do aluno diante de sua escolha profissional e o seu investimento no seu processo formativo, de forma consciente, crítica e engajada socialmente.

A última palavra do quadrante foi desenvolvimento. Diante de sua amplitude, aborda tanto a concepção geral de desenvolvimento (cognitivo, afetivo, social, biológico, cultural e profissional), como a percepção de continuidade e mudanças, retomando a noção que o aprendizado e o desenvolvimento são inerentes a qualquer idade. Pode se lançar a hipótese de que há a inter-relação entre desenvolvimento e aprendizagem, retratando o desenvolvimento profissional também impulsionado pelas competências.

Assim, ao estar envolvido com distintas atividades referentes ao ensino superior, o estudante encontra-se em complexa interação com docentes, colegas, conteúdos, relações sociais e afetivas que acionam componentes cognitivos, afetivos, sociais, culturais e traços individuais, em interconexões com os distintos contextos de desenvolvimento onde está inserido (estágio, família, vizinhança, amigos, por exemplo).

No núcleo central, pode-se destacar que os docentes reiteram que a formação é um aspecto fundamental para o desenvolvimento de competências acadêmicas, compreendido como um processo contínuo e que implica reflexão crítica e responsabilidades que envolvem tanto o docente como o discente. Em suma, um conjunto de práticas educativas sedimentadas resistentes às mudanças. Tais asserções aproximam-se das apontadas por Le Boterf (2002), em que se articulam as dimensões da pessoa, formação educacional e experiência profissional. Estabelece também a perspectiva bidirecional na relação docente-discente como uma dinâmica importante para o seu desenvolvimento.

Primeira e segunda periferia: orbitando em torno do núcleo central

Na primeira periferia, as palavras conhecimento, estimular, ensinar, criatividade, compreensão e interação foram significativas. Conhecimento é o artefato básico do processo de competências, sem ele, não há como refletir, contrastar, identificar, caracterizar e, evidentemente, estabelecer relações complexas entre situações diárias, eventuais e transformar o trabalho e o sujeito. Estimular pode ser compreendido a partir de várias vertentes, como atividades pedagógicas que promovam desde interação do discente com o conhecimento, a prática, a metodologia, as técnicas, como ainda, o lado criativo, crítico, individual e coletivo, propondo desafios nos níveis cognitivo, social, afetivo e de reconhecimento acerca do contexto de atuação e possíveis transformações.

Ainda, o professor pode estimular/motivar o aluno, no sentido de incentivar, valorizar, revelar e apontar esforços dos estudantes em direção a um objetivo, orientando-o e potencializando seus investimentos, por meio da autonomia e autoconfiança. Ensinar é uma atividade específica do docente, que envolve desde estratégias pedagógicas, seleção de conteúdos e metodologias de ensino e de aprendizagem até a interdisciplinaridade, na medida em que sua ação está interligada ao processo de aquisição de conhecimentos. Em especial, traz novas roupagens para os problemas que emergem no âmbito acadêmico e social. Perpassa a futura experiência de trabalho e desbrava novos caminhos e direções para lidar com a complexidade do mundo moderno.

Compreensão pode ser apreendida a partir de várias perspectivas pelo viés cognitivo, essencial para leitura, escrita, interpretação e assimilação dos conteúdos e seu emprego em diversos contextos de aprendizagem e o domínio do conhecimento científico. Quando admite outra vertente, pode ser o movimento que possibilita a relação interpessoal, ao se colocar no lugar do outro, de ter empatia, solidariedade e sensibilidade para observar o mundo, sendo fundamental para a atividade coletiva e social no universo do trabalho e da escola, da família e dos amigos, em uma abordagem humanista. Pode corresponder tanto à ação do professor quanto à do aluno, no espaço pedagógico e fora dele, em que ambos respeitem e valorizem o papel de cada um no espaço acadêmico e invistam na proposta de ação conjunta direcionada à formação.

A interação reporta que ensinar é uma especificidade humana, na linguagem freiriana, pois revela a aprendizagem mútua entre professor-aluno. A interação sujeito-objeto de conhecimento e sujeito apresenta a tríade fundamental ao processo de aprender, de modo a comportar sua dimensão social, para transformação do sujeito e da sociedade.

Os elementos da segunda periferia orbitam em torno de constituir, contribuir, respeito, efetividade, realização e colaboração. Ao se aproximar as palavras, pode-se depreender que a noção de coletividade e interação transpassam seus significados e instituem um patamar do desenvolver competências, no campo profissional e na concepção acadêmica, por parte dos professores, envolvendo os alunos. São elementos da ação pedagógica por parte do docente, articulando saberes e fazeres (MEDEIROS, 2016). Efetividade e realização remontam ao processo de construir, contribuir e produzir, um ato criativo de transformar conteúdos, saberes e práticas. Trata-se de empregar e usufruir as capacidades e as facetas da situação que se enfrenta, dependendo da interação para resolver problemas e intervir, como modificar procedimentos; sobretudo, em sua perspectiva coletiva, temporal, de unidade e no sentido para o trabalho cooperativo.

Novamente, desponta a noção de coletividade e de produção cooperativa, traduzida na palavra colaboração. Educar é um ato coletivo e uma ação humana, um produto social e que deve ser compartilhado como um bem comum. Assim, o processo educacional envolve dois protagonistas que se alternam e se complementam em seus papéis e funções no contexto educativo: professor e aluno. Além do momento educacional privilegiado de trocas, experiências e saberes, as diferenças etárias contribuem para renovação e referências para promover a assimilação dos conteúdos, sentidos e significados na formação acadêmica. Toda a ação educativa é produto de trocas, tendo a bidirecionalidade um papel imprescindível para a qualidade da relação e do processo ensino-aprendizagem.

Os elementos da periferia possibilitam compreender as mudanças introduzidas e ainda representam ações e práticas que efetivamente podem contribuir para o desenvolvimento de competências que não se restringem ao âmbito cognitivo, como colaboração, realização e criatividade. Destaca-se o papel de aspectos socioemocionais como importantes para competência, como já enfatizado por Medeiros (2016), na dimensão dialético afetiva.

Elementos de contraste

No agrupamento de elementos de contrastes ou zona de contraste perfilam as palavras cientificidade, ética, autonomia, qualificação e planejamento. De maneira geral, identificam-se intersecções com a ação cognitiva que se remetem ao âmbito acadêmico. Nesse quadrante, a frequência dos elementos, apesar de baixa, é muito significativa, indicando processos de mudança ou existência de um subgrupo. Por esse motivo, os professores colocam os parâmetros acima identificados como um conjunto de referências para o desenvolvimento de competências no ensino superior.

A cientificidade é uma exigência da abordagem crítico-reflexiva, com passos como identificar problemas, levantar hipóteses, experimentar e teorizar acerca dos resultados, requisito da formação acadêmica, por parte do aluno, contudo, na dependência da seleção de recursos, materiais e metodologias dos docentes. A organização dos conteúdos e as propostas de atividades devem dar a tônica que promovam a criticidade e reflexão contínua com bases nos saberes científicos, na pesquisa e na inserção na práxis.

Le Boterf (2002) reforça que o processo de educação formal, associado à experiência profissional e social são vetores que fomentam as competências. Por esse motivo, a ética destaca-se e remete às situações que envolvem respeito entre os profissionais e um referencial para adoção das relações interpessoais. Por outro lado, a autonomia é considerada como outro fator importante. Ela é uma premissa do ensino superior, uma condição fundamental para o pensamento científico, a produção e a autogestão do conhecimento associadas aos processos de intervenção nos ambientes educacionais e de trabalho.

A palavra qualificação pode compreender múltiplos significados. A primeira relacionada ao próprio processo formativo do discente na IES, sobretudo, o projeto profissional, esboço da sua trajetória, o currículo em ação, na prática e a condição de se tornar profissional. A segunda perspectiva pode ser de qualificação do docente para desenvolver competências. O planejamento traduz a responsabilidade do professor em organizar os conteúdos, articular as atividades, propor metodologias e formas da avaliação que realcem o aprendizado dos discentes, como discutido por Gadotti (1986). O desafio também fica a cargo dos projetos pedagógicos, de modo a assegurar a integração entre ensino, pesquisa e extensão, sem esquecer o papel diferenciado dos estágios para a prática profissional.

A zona de contraste retrata a variação das representações sociais entre os grupos que se envolveram na pesquisa, sem alterar ou provocar mudanças estruturais na representação (ABRIC, 2003). Deve-se observar que as palavras indicadas corroboram o caráter científico e a qualificação como elementos importantes para o desenvolvimento de competências, contudo, reiterando que é por meio do planejamento que o docente pode ser ético e promover a autonomia no processo.

Observa-se que os professores apresentaram um leque de palavras entrelaçadas ao desenvolvimento de competências, demonstrando que há uma interface entre papel do professor, demandas acadêmico-profissionais, o desenvolvimento individual e coletivo e a parte curricular. Estão consubstanciados por vários estudos (MEDEIROS, 2016; RADAELLI, 2016), nas dimensões que fomentam a competência envolvendo a cognição, afetos, interações, além das interfaces com os aspectos social, cultural e do fazer profissional.

Em suma, Marinho-Araújo e Almeida (2016) corroboram a discussão anteriormente fundamentada indicando que há uma estreita relação entre o desenvolvimento da identidade profissional e o desenvolvimento de competências no ensino superior. Afirmam que essas inter-relações não podem estar somente subsidiadas pelos conteúdos, metodologias e prática para propiciar intervenções no âmbito social e laboral, contudo, implica um projeto de engajamento social, ético e de transformação social.

Considerações, reflexões e desafios

As demandas da formação acadêmico-profissional no contexto brasileiro e mundial têm enfocado a competência como um dos fatores importantes para o desenvolvimento profissional. É importante destacar que também na esfera do trabalho e das relações interpessoais a noção de competência tem se estabelecido, tornando-se fonte de discussão e pesquisa. A consolidação do seu emprego em âmbito educacional tem como referência dois principais documentos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) que atende todos os níveis e modalidades de educação e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), específicas para os cursos graduação, que propõem em seus escritos também as habilidades específicas para cada curso e o que é esperado para o egresso (NUNES; PATRUS; DANTAS, 2015).

Por isso, as discussões acerca de competência fazem parte do universo educacional como na esfera do trabalho, mesmo havendo vários posicionamentos e preocupações acerca de quais os paradigmas e as ideologias permeiam a sua concepção. Desde pedagogia por competência, ensino por competências, formação por competências e desenvolvimento de competências, o que fica explícito é a mudança do foco dos conteúdos para o estudante, para a vida e as intercorrências das suas dimensões política, econômica, tecnológica, ética, estética e humana que afetam as relações entre as pessoas, grupos e sociedade. Essa polissemia peculiar à concepção de competências também se expressa nos discursos dos docentes de ensino superior, sendo um campo rico para o estudo das representações sociais.

No tocante às representações sociais, fica visível nos discursos dos professores, identificado em suas práticas pedagógicas, o fomento ao processo de aprendizagem embasado na concepção ativa e interativa do processo, tendo o discente como protagonista. Essa concepção pode ser vista, sobretudo, no que diz respeito à multirreferencialidade, que envolve a construção de conhecimentos, apropriação de diferentes saberes, mobilização do fazer e ainda a articulação teórico-prática.

As palavras que emergiram na zona central, formação, habilidade, reflexão, fundamental, responsabilidade e desenvolvimento, refletem a multiplicidade de fatores que compõem a noção de competência. Nesse caso, a formação, em sua complexidade, envolve rigorosidade metodológica, perpassando pela condição de mobilizar e aplicar os conhecimentos, em um contexto que demanda vários domínios: técnico, tecnológico e dos saberes a serem implementados na formação, não sendo de responsabilidade apenas do docente, mas envolvendo a autonomia do discente.

A zona de contraste reitera as palavras já destacadas no núcleo central como cientificidade, autonomia e qualificação, importantes para o desenvolvimento de competências. Contudo, no sistema periférico emergiram criatividade, compreensão, respeito e interação que se encontram relacionadas à humanização, bem como o reconhecimento da inserção no ambiente social. Aliás, são identificadas e avaliadas como elementos fundamentais ao processo ensino-aprendizagem e também no âmbito acadêmico profissional, o que retrata a atualização de paradigmas relacionados às competências.

É imprescindível reconhecer o papel do professor e da sua prática para o desenvolvimento de competências e que se encontram explicitados nas palavras destacadas na análise prototípica. Não se trata de restringir apenas à dimensão cognitiva, mas às redes envolvidas, como o refazer e as demandas do contexto acadêmico profissional. Enfim, ensinar por competências demanda conhecimentos, saberes e vinculação com o contexto imediato, mundial e a busca de estratégias criativas para lidar com as situações inesperadas, de conflito e problemas do universo humano. É essencial que os docentes estejam conscientes dos desafios para a superação das dicotomias educação e trabalho, teoria e prática, individual e coletivo, trabalho manual e intelectual, afetivo e intelectual, profissional e pessoal, técnico e formativo, embasando-se em uma educação transformadora e com princípios éticos, permeada por posturas críticas e reflexivas. Sobretudo, contando com os diversos apoios, como das IES, das políticas direcionadas ao ensino superior, Ministério da Educação entre outros grupos ligados à educação.

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* English version by Victor Hugo P. de Oliveira.

3- Perspectiva plural, heterogênea e complexa, que agrega várias correntes teóricas. Trata-se de nova perspectiva epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos sociais, principalmente os educativos.

Recebido: 09 de Abril de 2019; Aceito: 14 de Agosto de 2019

Ana da Costa Polonia é professora do Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO), Brasília. Doutorado em psicologia pela Universidade de Brasília e pós-doutorado na Universidade Federal de Pernambuco. Realiza pesquisa na área da psicologia, psicologia do desenvolvimento e educação.

Maria de Fátima Souza Santos é professora titular da Universidade Federal de Pernambuco, do Programa de Pós-graduação em Psicologia. Realiza pesquisa na área da psicologia social e psicologia do desenvolvimento, com ênfase na teoria das representações sociais.

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