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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.46  São Paulo  2020  Epub 12-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046222905 

Artigos

Ética e corpo: a relação silenciada 1

2- Professora aposentada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Contato: nadjamhermann@gmail.com.


Resumo

O texto, de caráter ensaístico, investiga as razões da negação ou do silêncio do corpo na ética, tendo como contextualização do problema a tradição platônica, cartesiana e cristã e sua interpretação do ser humano como um duplo corpo-alma, que prioriza a consciência de si e reafirma a fundamentação racional da ética. A partir do século XIX, sob o influxo das tendências filosóficas de aspiração à vida, tem início a revisão do entendimento do corpo. Na sequência, apresenta-se a tese de Shusterman de que a rejeição do corpo na ética se deve à força de sua ambiguidade fundamental e se analisam diferentes expressões dessa ambiguidade inscritas no modo como o corpo as experiencia. Uma visão unificada de corpo e mente, como propõem Espinosa e Damásio, reconhece que consciência e emoção não são separadas e que uma consideração do corpo é decisiva para o cuidado de si e para a atenção aos outros. Por fim, argumenta-se que a estética pode operar em favor do corpóreo na ética, em especial para a ética na educação, pelo trabalho das emoções e sentimentos, pois decisões éticas evocam de maneira consistente experiências intelectuais, mas também emocionais, cuja base é corpórea. A literatura, pela experiência estética que provoca, apresenta condições especiais para narrar a complexidade envolvida na vida ética e trabalhar emoções e sentimentos, como se observa na obra A morte de Virgílio , de Hermann Broch.

Palavras-Chave: Corpo; Ética; Estética; Shusterman

Abstract

The text, of an essayistic nature, investigates the reasons for the body’s denial or silence in ethics, contextualizing the problem within the Platonic, Cartesian, and Christian tradition and its interpretation of the human being and body-soul double, which prioritizes consciousness of itself and reaffirms ethics rational foundation. From the twentieth century, under the inflow of the philosophical trends of aspiration to life, there begins the revision of the understanding of the body. Then, Shusterman’s thesis that the body’s rejection in ethics is due to its strong fundamental ambiguity is presented and the different expressions of this ambiguity inscribed in the how the body experiences them are analyzed. A unified view of body and mind, as proposed by Espinosa and Damasio, recognizes that consciousness and emotion are not separated and that a consideration of the body is decisive in the care for oneself and in the attention to others. Lastly, it is argued that esthetics can operate in favor of the corporeal in ethics, especially for ethics in education, through the work of emotions and feelings, as ethical decisions consistently evoke experiences that are intellectual, but also emotional, whose basis is corporeal. Literature, because of the esthetic experience it arises, presents special conditions to narrate the complexity involved in the ethical life and to work emotions and feelings, as observed in Hermann Broch’s The death of Virgil .

Key words: Body; Ethics; Esthetics; Shusterman

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez

Habitam nosso espírito e o corpo viciam [...].

Charles Baudelaire

Era o seu próprio corpo aquilo que o poeta ainda sentia?

Ou era apenas reflexo de seu organismo ou até reflexo de seu sentir?

Hermann Broch

Peso da tradição e sutis deslocamentos

Este texto nasce da intuição fundamental segundo a qual é preciso aventurar-se numa retomada da ética que considere a corporeidade. Afinal, o corpo permanece como uma questão filosófica obscura, ainda à espera de elucidações, fato que se torna ainda mais evidente para a filosofia da educação. Não se trata de propor uma análise descritiva ou fenomenológica do corpo por si mesma, mas evidenciar o vínculo com a atividade do pensamento, com as emoções e os afetos e esclarecer como essas questões implicam a vida ética e a formação humana. Precisando um pouco mais, trata-se de investigar por que até agora esse tema foi insistentemente negado, desprezado ou silenciado.

O tópos da corporeidade na discussão ética situa-se num plano secundário, muitas vezes até inexistente, e tem sido essa sua trajetória no pensamento ocidental, porque a fundamentação ética esteve circunscrita ao intelecto, à vontade, em suma, ao pensamento de base metafísica. Embora a ética se situe no âmbito da razão prática, o agir moral foi desenraizado da dimensão corpórea e definido exclusivamente pelas considerações metafísicas, como operação mental. Ao corpo ficou destinado o lugar da superficialidade, bem ao gosto das dicotomias que pressupõem a oposição entre profundeza e superfície, corpo e alma. A supremacia de tal dualismo, que privilegiou a alma em detrimento do corpo, concedeu-lhe apenas condição periférica, como algo a ser dominado3 , como se observa no campo da educação, em que a repressão foi intensa. Em Platão e em Descartes encontram-se os textos fundadores dessa dicotomia. No Timeo , a alma é dona e governa o corpo ( PLATÓN, 1986 , v. I, p. 178, 34c). Platão recomenda também que a alma seja purificada da “insensatez do corpo” ( PLATÓN, 1986 , v. III, p. 45, 67a) pelo autodomínio racional. A influência da religião cristã4 - na carne estaria todo o mal – pavimentou o caminho em que a ética foi substancialmente constituída pelo domínio do corpo, ou seja, pelo domínio das paixões. Não se trata aqui de negar a importância de certo equilíbrio racional no controle das paixões, mas de negar ao corpo o devido reconhecimento. No alvorecer moderno, a fórmula cartesiana “penso, logo existo” referendou a segurança da consciência de si, independente do corpo. A divisão entre res cogitans e res extensa aprofunda a visão dos sentidos enganadores e o cogito oferece segurança. Isso favoreceu o deslocamento dos interesses para a vida do espírito e para uma fundamentação da ética estritamente racional, deixando sem protagonismo tudo aquilo que se refere ao sensível.

Só quando a linguagem se solta de suas amarras metafísicas em busca de uma força vital é que encontramos referências esporádicas ao valor do corpóreo, como ocorre em Agostinho (1973) , que destacou a potência do corpo ao definir a memória como “o ventre da alma” ( AGOSTINHO, 1973 , p. 205). A força da metáfora consiste justamente em reunir o corpo ao espírito, numa oposição ao habitual menosprezo do corpo, tão frequente no tempo medieval. A metáfora aponta que nossas lembranças, a despeito de sua natureza psíquica, trazem marcas corpóreas e, muito provavelmente, esses rastros interferem em decisões éticas.

A partir do século XIX, sob o influxo das tendências filosóficas de aspiração à vida, tem início a revisão do entendimento do corpo. Nietzsche abriu caminho com a insistência na dimensão radicalmente corpórea das funções relacionadas com a consciência e o pensamento. Em todo o momento, diz ele, “escrevi minhas obras com todo meu corpo e toda minha vida: eu não sei o que são problemas ‘puramente espirituais’” (NIETZSCHE, 1988, v.9, p.170). Em Ecce homo , ao comentar a criação de Assim falou Zaratustra , deixa evidenciar com clareza que a subjetividade não é cogito , mas uma conquista feita a partir do corpo, o que o leva a celebrar o quanto a disposição corporal se associa à criação intelectual:

[...] a agilidade muscular sempre foi máxima em mim, quando a força criadora fluía de modo mais pujante. O corpo está entusiasmado: deixamos a “alma” de fora... Com frequência me podiam ver dançando; eu podia, sem sombra de cansaço, andar de sete a oito horas pelas montanhas. Dormia muito - possuía robustez e paciência perfeitas. ( NIETZSCHE, 1988 , v.6, p. 341).

A pergunta feita por alguns críticos ( SHUSTERMAN, 2004 , p. 154) é se Nietzsche não estaria apenas fazendo a inversão da trajetória do dualismo corpo-alma platônico, cristão e cartesiano ao deslocar a posição desse duplo, em que a mente passaria a ser um mero instrumento do corpo. Creio que um olhar mais atento reconhece que a força da crítica nietzscheana não se situa em um mero deslocamento do papel do corpo, mas estaria no desvelamento das consequências do controle das paixões que, sem considerar a dimensão constitutiva do corpóreo, leva o sujeito à desagregação, à décadence . A subjetividade não é constituída apenas pela razão ou pela consciência. Antes disso, tanto o eu como o pensamento resultam de uma correlação de forças “de todos os impulsos que nos constituem” ( NIETZSCHE, 1988 , v. 12, p. 26), de modo que a própria consciência é conduzida pelo corpo, que não se limita a ser a sede das paixões como supôs a tradição. Ao valorizá-lo, Nietzsche não deixa intacto os polos da inversão corpo-alma, mas redefine o corpo, mostrando suas possibilidades infinitamente complexas, uma vez que ele é “o mais rico, o mais claro e o mais palpável” dos fenômenos (NIETZSCHE, 1988, v. 12, p. 205). Também abre caminho para a alma, pois “não é necessário, em absoluto, sequer desembaraçar-se da alma”, mas abrir-se “para novas concepções e refinamentos da hipótese da alma” ( NIETZSCHE, 1988 , v. 5, p. 27).

Ainda no âmbito dessa breve contextualização, deve-se destacar que a sensibilidade dos poetas consegue romper com certa rigidez conceitual e antecipar verdades que mais tarde a ciência virá comprovar. É o caso de Jorge Luis Borges ao demarcar a unidade entre corpo e alma, expressa no sentir, muito antes da neurociência. Ele relata “o verdadeiro frêmito” que sentiu ao ouvir pela primeira vez os versos de Keats, ainda na infância, ao descobrir que a linguagem “não era somente um meio de comunicação, mas também podia ser uma paixão e um prazer”. Quando isso lhe foi revelado, diz ele, “senti que algo acontecia comigo. Acontecia não com meu simples intelecto, mas com todo o meu ser, minha carne e meu sangue” (BORGES, 2000, p. 14). De forma inequívoca, Borges expõe que até as mais nobres atividades do pensamento são sentidas corporalmente. Essa emoção encarnada, enraizada no corpóreo, costuma ser estranha na análise do agir moral. Na tradição do pensamento ético, nossas decisões, julgamentos e escolhas baseiam-se no pensamento e naquilo que convencionamos chamar operações cognitivas, recolhidas ao âmbito da consciência, sem considerar que os sentimentos e emoções são o alicerce da vida refletida.

A desatenção ao corpo, contudo, deveria causar estranheza, dado seu caráter determinante para nossa ação, percepção e pensamento; afinal, ninguém ignora a importância do corpo na saúde física e no bem-estar5 , como se lê na bastante divulgada Sátira X (356), de Juvenal: Mens sana in corpore sano . Apesar da persistência desse verso na memória do ocidente e da reconhecida investida do pensamento antigo em práticas somáticas, o peso da tradição metafísica eclipsa nosso olhar, desvia a atenção. Aliás, como lembra Murdoch (2013 , p. 55), a atenção em toda a moral consiste no esforço de combater estados de ilusão. Não só as ilusões com a linguagem, intenções e decisões, mas também, acrescentaria eu, a falta de atenção ao corpo, dissimulada na ilusão repressora dos corpos ideais tão ao gosto da moda.

A contemporânea valorização dos corpos esculpidos e belos ainda percorre caminhos obscuros tributários da divisão corpo-alma, a qual mereceu uma crítica vigorosa de Adorno e Horkheimer, na Dialética do esclarecimento. Eles atribuem ao corpo o sentimento duplo de amor e ódio, vendo-o “como algo inferior e escravizado e, ao mesmo tempo, desejado como o proibido, reificado e alienado. [...] Não se pode mais reconverter o corpo físico ( Körper ) em corpo vivo ( Leib )” ( ADORNO; HORKHEIMER, 1998 , p. 266). Assim, a divisão corpo-alma conduz a uma objetificação do corpo, a uma atenção que não se constitui em verdadeiro cuidado, que é alienada, porque se baseia num corpo mecânico.

O que a trajetória dos estudos de ética aponta como uma primeira aproximação ao corpóreo refere-se ao papel dos sentimentos morais em oposição à tese de que a razão seria suficiente para explicar a moralidade, como se observa em Hume6 . O autor propõe uma base naturalista da ética, em que a ação humana é provocada pelo desejo seguido de um movimento corporal. As distinções morais são de natureza prática, comandam nossas ações. O tratamento ético de Hume envolve apenas “um sentimento espontâneo sobre os motivos (da ação), não uma sensibilidade treinada” ( SCHNEEWIND, 2001 , p. 396). Essa tradição considera a dimensão psicológica do sujeito ético, sem que a corporeidade seja objeto de análise e o destaque ao papel dos sentimentos na moral – uma contribuição fundamental - acaba minimizado pela sobrevalorização da razão que tem continuidade com metafísicos moralistas.

As teorias sobre ética mais influentes no debate contemporâneo mantêm-se, de modo geral, vinculadas à visão de dualidade entre corpo e mente, ainda sem explorar as possibilidades de uma visão de unidade, como proposto por Espinosa7 e pelos estudos da neurociência (Damásio), o que favorece a ideia de conhecer as paixões para dominá-las e não para integrá-las numa harmonia. Aqui vale referir as coincidências de algumas conclusões entre o pensamento do filósofo e do neurocientista, na perspectiva de sublinhar que, se corpo e mente constituem uma unidade, a ética deve considerar as afecções do corpo. Espinosa e Damásio reconhecem que há uma continuidade entre o corpo e as representações mentais do que ocorre com o corpo, o que permite a mente agir sobre ele. Ou seja, conhecer nossa afetividade (emoções e sentimentos) para trabalhar as paixões, não tentar eliminá-las, mas evitar seus efeitos obsessivos sobre nós. Espinosa usa o termo afeto ( affectum ) - que inclui emoções e sentimentos –para referir:

[...] as afecções ( affectiones ) do corpo, pelas quais a potência de agir desse corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou entravada, assim como as ideias dessas afecções. Quando, por conseguinte, conseguimos ser a causa adequada de uma dessas afecções, por afeto entendo uma ação; nos outros casos, uma paixão. (SPINOZA, Ética III, Def. III).

Por isso, Espinosa insistirá na nossa capacidade de nos libertarmos da tirania das emoções negativas. A questão é que afetos podem agir melhor sobre nós, para superar a força da paixão.

Para Damásio, as emoções “são ações ou movimentos, muitos deles públicos, que ocorrem no rosto, na voz, ou em comportamentos específicos”. (DAMÁSIO, 2012, p. 42). Já os sentimentos:

[...] pelo contrário, são necessariamente invisíveis para o público, tal como é o caso de todas as imagens mentais, escondidas de quem quer que seja, exceto de seu devido proprietário, a propriedade mais privada do organismo em cujo cérebro ocorrem. ( DAMÁSIO, 2012 , p. 42).

O cientista oferece como exemplo de sentimento o momento em que sentimos o prazer no corpo, numa praia, num estado de bem-estar, com a musculatura relaxada, sem tensão e os inúmeros pensamentos que veem à mente, criando sentimentos de prazer. Há uma harmonia entre corpo e mente que nega a tentativa de entendê-los separadamente. Na verdade, o que ocorre é “o sentimento de uma percepção de certo estado do corpo, acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela percepção de um certo modo de pensar” ( DAMÁSIO, 2012 , p. 98). Tanto para Damásio como para Espinosa os acontecimentos do corpo são representados como ideias na mente. Assim, a base de qualquer consciência e do sentir está em nosso corpo. Influenciado por Espinosa e baseado em suas pesquisas experimentais, Damásio considera que a vida deve incluir “meios para resistir à angústia causada pelo sofrimento e pela morte, meios para suprimir a tristeza e para a fazer substituir pela alegria” (DAMÁSIO, 2012, p. 289). Mais de 300 anos depois, a neurobiologia reafirma o pensamento de Espinosa, de que a emoção de alegria aumenta a potência do agir. Trata-se de uma conclusão que pode trazer profundas transformações na vida de quem a tomar a sério.

Contemporaneamente, tendo como referência uma visão unificada de corpo e mente, Richard Shusterman articula a filosofia pragmatista com a estética, na perspectiva de dar a devida atenção ao significado do corpóreo em nossa vida. Longe de uma ingênua defesa do corpóreo, seu trabalho investigativo apoia-se nos consistentes estudos a respeito da redescoberta do corpo, a partir do século XIX, feitos por Michel Foucault, Maurice Merleau-Ponty, Simone de Beauvoir, Ludwig Wittgenstein, William James e John Dewey, desenvolvendo uma rigorosa avaliação dessas teorias e suas implicações práticas. Alia aos estudos filosóficos pragmatistas sua prática terapêutica com o método Feldenkreis e a técnica Alexander para promover uma consciência somática crítica que favoreça o conhecimento do eu, dos sentimentos e dos comportamentos somáticos. Na perspectiva de construir formas corporais de subjetividade, Shusterman analisa as competências de percepção e de performance que podem aprimorar a cognição e a capacidade para as virtudes. Cria um arcabouço disciplinar denominado somaestética , uma área que:

[...] cuida do corpo como o lugar da apreciação estético-sensorial ( aisthesis ) e da auto-estilização criativa. Como uma disciplina de aperfeiçoamento tanto da teoria como da prática, procura enriquecer não só o nosso conhecimento abstrato e discursivo do corpo, mas também a nossa performance e experiência somática; procura realçar o significado, o entendimento, a eficácia e a beleza dos nossos movimentos. [...]. Portanto, a somaestética envolve uma vasta amplitude de formas e disciplinas de conhecimento que estruturam tal cuidado somático ou que podem melhorá-lo. (SHUSTERMAN, 2012b, p. 27).

Na obra Body consciouness 8 , Shusterman destaca que o termo soma de somaestética “indica um corpo vivo, senciente e sensível, e não um mero corpo físico que poderia estar desprovido de vida e sensação” ( SHUSTERMAN, 2008 , p. 1), e o termo estética refere-se ao:

[...] papel perceptivo do soma (cuja intencionalidade corporificada contradiz a dicotomia corpo/alma) e seus usos estéticos tanto na autoestilização como na apreciação de qualidades estéticas de outras pessoas e coisas. ( SHUSTERMAN, 2008 , p. 1-2).

Sua teoria reconhece que corpo, mente e cultura são interdependentes, de modo que a vida mental não pode ser separada dos processos corporais, e tampouco pode ser reduzida a esse. Apesar da importância dos estudos analíticos da somaestética (seja genealógico ou ontológico), que descrevem a natureza das percepções e práticas culturais e a emergência de diferentes doutrinas sobre práticas corporais, como faz Foucault, Shusterman defende a somaestética pragmática que propõe o aprimoramento somático, que resultará em benefício para a própria vida mental. Segundo Shusterman (2012b, p. 27):

Pensamos e sentimos com os nossos corpos, especialmente com as partes do corpo que constituem o cérebro e o sistema nervoso. Os nossos corpos são do mesmo modo afetados pela vida mental, como quando certos pensamentos nos trazem rubor ao rosto, alteram o bater do coração e o nosso ritmo de respiração. A conexão corpo-mente é tão penetrantemente íntima que me parece enganador falar de corpo e mente como duas entidades diferentes e separadas.

Essa íntima conexão indica que considerações dessa ordem deveriam assumir um impulso maior para as teorias éticas. Se a ética procura responder as questões sobre como viver e, sobretudo, estimula a melhoria de nosso comportamento, então, devemos ter um conhecimento somático, que possa ampliar nossa compreensão de nós mesmos e de como agem as emoções e os afetos para nos tornar mais capazes de fazer da vida uma arte de viver ( SHUSTERMAN, 2008 ). Isso leva-nos a reconhecer a importância de um diálogo entre ciência e filosofia, pois “a ciência pode instruir a moralidade em certos pontos e pode mudar sua direção, mas não pode conter a moralidade nem, portanto, a filosofia moral” ( MURDOCH, 2013 , p. 43). A integração entre corpo e mente depende de uma abertura da ética para outros campos do conhecimentos, inclusive os estudos de neurociências9 .

A ambiguidade do corpo

Por que, então, o corpo foi silenciado nos estudos sobre ética?10 Shusterman desenvolve a tese paradoxal de que a rejeição do corpo nas humanidades - e eu acrescentaria na ética em particular - se deve ao fato de que ele (o corpo) expressa “de modo muito poderoso a ambiguidade fundamental do ser humano” e também pelo seu caráter de “penetrante e indispensável instrumentalidade em nossas vidas” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 28). Em busca de uma visão mais nobre e menos vulnerável, os estudos de ética costumam evitar a temática do corpo assim como os meios somáticos que poderiam auxiliar a atingir fins morais e intelectuais.

A primeira dimensão da ambiguidade do corpo revela-se no duplo estatuto sujeito e objeto. Simultaneamente sou um corpo (sujeito) e tenho um corpo (objeto). Quando toco ou examino uma parte do corpo que está machucada, estou explorando meu corpo como um objeto e ele se torna “uma fonte transparente de percepção ou ação e não um objeto da consciência” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 28). O corpo é algo que possuo e, simultaneamente, algo que uso, que ordeno a fazer o que quero e, com frequência, não faz. Portanto, ele é fonte de desordem, distração e isso conduz a sua depreciação, sua redução a mero instrumento.

A ambiguidade do corpo também está presente na existência humana pela qual integramos a mesma espécie, mas com diferença individual. Os filósofos atribuíram à linguagem e à racionalidade as categorias que caracterizam a espécie humana, contudo, a corporeidade é igualmente uma condição essencial para a humanidade. O corpo nos dá unidade e nos diferencia - pela estrutura física, prática funcional e interpretação sociocultural - em diversos gêneros, raças, etnias e classes, além de nossa própria condição de indivíduos únicos (SHUSTERMAN, 2012b, p. 29). Diferentes dos animais, não estamos programados e até “a constituição precisa do sistema nervoso de um indivíduo (o seu repertório favorito de caminhos neurais) é parcialmente um produto da sua experiência individual e das suas condições culturais” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 29).

O corpo é constituído por significados sociais e isso se torna visível quando lidamos com preconceitos raciais que “são marcados de forma somática por sentimentos vagos e inconfortáveis suscitados por corpos estranhos” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 29), sendo resistentes ao discurso racional, porque se encontram abaixo do nível consciente. Chegamos a negar os preconceitos, porque não compreendemos que os sentimos. Ou seja, seu arraigamento é de ordem corpórea11 e a tentativa de controlá-los ou eliminá-los, depende de “desenvolver uma atenção somática para reconhecê-los em nós próprios” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 30).

Na condição humana também se mostra a ambivalência do corpo enquanto poder e fragilidade, excelência e vergonha, dignidade e brutalidade, conhecimento e ignorância. A humanidade é invocada tanto para conduzir “à excelência moral e à racionalidade que transcende a animalidade” como para “descrever e desculpar os nossos defeitos, falhas e lapsos” (SHUSTERMAN, 2012b, p. 30) que se encontram em muitos comportamentos, reveladores das fragilidades que temos em comum com as bestas. Contudo, o corpo também é o lugar da dignidade humana, conforme se verifica nas obras de arte, que expressam sua beleza, como na exigência de sua integridade inscrita nos direitos humanos.

Diante desse contexto, Shusterman reafirma que os conceitos éticos e as normas dependem de como corpo os experiencia e os modos como os outros o tratam, ou seja, pessoas com corpos famintos e abusados provavelmente não encontrem valor em conceitos como dever, caridade e respeito aos outros. É igualmente pela experiência corpórea que se instauram muitas de nossas emoções, como a de repugnância, que, posteriormente, se estendem para casos de misoginia, antisemitismo e homofobia. Aquela (a repugnância) é uma emoção visceral, com fortes reações físicas (vômito) diante de estímulos como odores e objetos que nos parecem asquerosos. Está centrada na repulsa de incorporação de um objeto ofensivo. Relaciona-se, assim, aos limites do corpo e com aquilo que é estranho a nós, sobretudo a fronteira com nossa animalidade, que é vivida de forma problemática12 ( NUSSBAUM, 2006 , p. 106-110). O corpo aponta a nossa fragilidade diante daquilo que nos ultrapassa.

Além disso, Shusterman mostra que a ambiguidade do corpo também aparece em relação à liberdade evidenciada nas escolhas éticas, pois só podemos agir pelos nossos meios corporais. A liberdade de mover nosso próprio corpo está na raiz de todas as noções mais abstratas de liberdade. E, ao mesmo tempo, fiel à sua ambiguidade:

[...] o corpo também simboliza a nossa falta de liberdade: os constrangimentos corporais às nossas ações, o volume corporal, as necessidades e falhas que nos sobrecarregam e limitam nossa performance; a implacável degeneração da idade e da morte. (SHUSTERMAN, 2012b, p. 32).

Destacar o sentido do corpo para ética não significa afirmar que as considerações éticas se restrinjam a ele, mas desprezá-lo está associado a um fundamento regulado pelo infinitismo, na medida em que esse princípio não reconhece os limites, que o corpo insiste em indicar. O infinitismo busca um “antídoto universal para a falta, a transitoriedade e a particularidade, os três elementos constitutivos da finitude humana, todos assinalados pela dor” ( LOPARIC, 1995 , p. 9).

O que Shusterman especialmente defende é a relevância das práticas somáticas (Yoga, método Feldenkrais, técnica Alexander) que, ao nos confrontar com dolorosas limitações corpóreas, mostra a mortalidade do corpo e ensina a sabedoria da humildade. É nessa perspectiva que a negligência do corpo pela filosofia revela uma “orgulhosa e voluntariosa negação de nossos limites mortais”. Assim, refinar a percepção e a performance corporal deveria ser crucial para a tarefa filosófica de “trabalhar a si mesmo’” (SHUSTERMAN, 2008, p. 123).

A estética e o trabalho das emoções e sentimentos

Gostaria de acrescentar, no curso da argumentação, o modo como a estética pode operar em favor do corpóreo na ética, pelo trabalho das emoções e sentimentos. Isso configura o sentido formativo que o corpo pode assumir para uma ética na educação, em especial para o cuidado de si, que auxilie a não permanecermos estranhos a nós mesmos, negando nossa ambiguidade e fragilidade. Mais especificamente, refiro-me à relevância da experiência estética, que, ao fazer um agenciamento dos sentidos, produz novas modelagens e percepções a respeito de seu objeto, transformando-o.

Essa experiência mobiliza emoções, agindo sobre a nossa sensibilidade moral de modo a favorecer tanto o autoconhecimento como as virtudes éticas em benefício dos outros. Se, como diz Damásio (2000 , p. 33), “consciência e emoção não são separáveis”, nossa mente, ao tomar decisões éticas, evoca de maneira consistente experiências emocionais e intelectuais. Só podemos ter uma ação ética mais adequada se nossa sensibilidade perceber o contexto e as crenças envolvidos nas decisões.

Assim, o conhecimento da complexidade da ação ética ativa-se pelas emoções e sentimentos - cuja base está no corpo - pois tal ação não ocorre apenas porque conhecemos um princípio abstrato ou conhecemos uma norma do agir. Nessa perspectiva, a profundidade da obra literária (e a experiência estética que provoca) tem condições especiais para narrar a complexidade envolvida na deliberação moral; “uma aventura da personalidade”, que a narrativa literária mostra com todas as “aterradoras expectativas e entre espantosos mistérios” ( NUSSBAUM, 1992 , p. 142). Isso confere “beleza e riqueza” à ação narrada que os textos filosóficos tradicionais não conseguem transmitir, o que coincide com a constatação de Iris Murdoch, ao reconhecer que a literatura é “uma educação sobre como imaginar e entender ações humanas” (MURDOCH, 2013, p. 51). E, num passo mais radical, a filósofa busca não mais contrastar arte e moral, pois a arte não é apenas uma atividade lúdica, um “tipo de subproduto de nosso fracasso em sermos inteiramente racionais”. Pelo contrário, “devemos voltar ao que sabemos sobre a grande arte, a revelação moral que ela contém e a grande realização moral que ela representa” ( MURDOCH, 2013 , p. 60). A arte, prossegue a filósofa, “é a mais educativa de todas as atividades humanas e um lugar em que a natureza da moralidade pode ser vista ” ( MURDOCH, 2013 , p. 120).

O que a experiência estética promove, no caso dos romances, são reações emocionais e intelectuais que passam a interagir com nossas crenças e ideias, favorecendo novas imagens de nós mesmos, do mundo e de como operar com nossas paixões e desejos, diante de um regramento ético. Se o corpo provoca a ética pelo enfrentamento de nossos limites mortais, revelados pelo sofrimento da dor e da doença, a experiência estética, que também se origina nos sentidos, gera uma variedade de ideias em consequência da imaginação que foi ativada e recria o objeto que é dado ao sujeito, de um modo que não é obtido pelo conhecimento objetivo e intelectual.

Essa foi a perspectiva que levou Hermann Broch - um dos mais importantes escritores do século XX – a dedicar-se à literatura, na busca de um projeto de “verter todo o estético para o poder do ético” (BROCH, apud ARENDT, 2003 , p. 103). Ele buscou a literatura para tratar de temas como a morte e a finitude, justamente porque, segundo ele, a filosofia não consegue dar validade a temas dessa natureza. Ou seja, certos temas chegam-nos inteiramente pelos sentidos, pela estética.

A morte de Virgilio (1945), considerada uma obra-prima, relata as últimas 18 horas de vida de Virgílio, o autor de obra latina Eneida, desde a chegada ao porto de Brundisío (na Itália) vindo de Atenas, onde pretendia inspirar-se para concluir a Eneida , até sua morte no Palácio do Imperador Augusto. O romance-poema - assim é considerado - em “ritmos líricos ondulantes”, como diz Arendt, trata do enfrentamento do poeta Virgílio com a morte, com sua vida e a vida de seu tempo, um mundo de “desintegração valorativa”. Virgílio teme que a morte o impeça de completar sua obra, que ele considera imperfeita e incompleta e por isso deseja queimá-la.

O romance mostra, com grande virtuosismo literário, a morte inscrita na carne, no envelhecimento do corpo e no “modo misterioso” que “estamos atados ao tempo, misteriosamente ele flui... corrente vazia... corrente superficial e nós ignoramos tanto seu rumo como sua profundeza...” ( BROCH, 1982 , p. 364). A força da narrativa poética amplia e intensifica o entendimento da finitude humana, das incoerências humanas, do desejo de totalidade. Para usar uma expressão de Broch, o romance reedifica “camadas existenciais” que revelam o significado da morte, da dor, da cegueira humana. O que Virgílio busca é o “conhecimento da morte” (BROCH, 1982, p. 334), a redenção da morte.

No final do romance, há uma espécie de revelação, uma epifania:

[...] o Virgílio de Broch termina por compreender, por apreender de maneira existencial, o fato de que o essencial, a revelação da morte, reside precisamente além da palavra. Por outro lado, só a ação, e não as palavras podem conferir à morte um sentido humano. ( STEINER, 2001 , p. 281).

O absoluto da redenção está acima das palavras do poeta, é o apelo ético, no sentido de prestar auxílio aos outros. Desse modo, a experiência estética promovida pelo trabalho de absoluta beleza de Broch, que transpõe os limites da realidade para tocar o mistério da morte, provoca em nós a ampliação do sentimento somaestético de fragilidade, que se instituiu pelas limitações do corpo (como referido anteriormente neste texto), para revelar, numa intensidade de sentimentos, o testemunho espiritual de que o valor fundamental da vida, diante de todas as limitações, se encontra na tentativa de ser virtuoso. Isso mostra o vínculo entre as emoções corpóreas, os sentimentos, a estética e o ético, bem como a capacidade educadora dos sentimentos estéticos.

Considerações finais

Na tentativa de tornar menos obscura a relação entre ética e corpo, procurei, inicialmente, situar as razões que circunscrevem o corpóreo no âmbito das dicotomias metafísicas, atribuindo-lhe um lugar periférico, algo a ser dominado e, até mesmo, negado ou silenciado. A origem dessa interpretação, enraizada na tradição platônica, cartesiana e cristã, aponta a primazia da alma, da consciência de si e da fundamentação racional da ética. Como abordado ao longo do texto, a trajetória percorrida pela questão do corpo na cultura ocidental sofre profundas oscilações, que vão desde a aproximação feita por Hume a respeito dos sentimentos morais, passando pela contribuição de Nietzsche, que destaca a dimensão radicalmente corpórea das funções relacionadas com a consciência e o pensamento. Contudo, é com Espinosa e, contemporaneamente, com o neurocientista Damásio que a abordagem de unidade entre corpo e alma afirma o comportamento ético associado às afecções do corpo, rompendo com a oposição corpo-alma ou corpo-mente, para afirmar a posição favorável de uma continuidade entre o corpo e as representações mentais do que ocorre com o corpo.

O enfoque pragmatista de Shusterman situa-se nesse movimento mais amplo de valorização do corpóreo, acrescido, entretanto, da originalidade que a experiência somática assume na constituição de nosso ser. Sua hipótese para a recusa da consideração do corpo na ética se deve ao fato de que o corpo expressa a ambiguidade fundamental do ser humano, revelada tanto no poder como na fragilidade das experiências corpóreas, sobretudo, a experiência da dor e da morte. A discussão ética tentou contornar essa fragilidade, silenciando a dimensão corpórea e assegurando a fundamentação em bases mais sólidas, provenientes da atividade racional. Shusterman defende o aprimoramento da consciência dos sentimentos e das ações corporais para favorecer o conhecimento de nós mesmos, uma vez que princípios e normas éticas dependem de como corpo os experiencia.

Por fim, sugeri o modo educativo como a estética pode operar em favor do corpóreo na ética, pelo trabalho das emoções e sentimentos, particularmente no exemplo da obra A morte de Virgílio , de Hermann Broch. A experiência estética, promovida pelos romances, auxilia a compreender a complexidade das decisões éticas, que não dependem apenas de dimensão intelectual, mas também de experiências emocionais, cuja base é corpórea.

Minha intenção foi quebrar o silêncio da relação entre corpo e ética. Reconhecer que o corpo está na base de nossas emoções é um passo decisivo para uma ética que não pretenda ignorar a nossa condição no mundo. O mero conhecimento intelectualista das paixões não é suficiente para superar sua força, mas sim o trabalho sobre nossas emoções, a partir do reconhecimento de que o corpo age sobre a vida mental.

Referências

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1- Este artigo faz parte da pesquisa Ética e educação: a questão do outro III, desenvolvida com o apoio da Bolsa de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

3- Segundo Shusterman, o corpo não foi ignorado de forma enfática, mas teve uma espécie de presença negativa na filosofia, que, “de forma persistente, privilegia a mente e o espírito. Essa imagem preponderantemente negativa – como prisão, como distração, como fonte de erro e corrupção – é simultaneamente refletida e reforçada pela inclinação idealista e pelo desprezo ao cultivo somático que, em geral, os filósofos ocidentais revelam” (SHUSTERMAN, 2008, p. IX).

4- Pode-se referir aqui a conhecida passagem da Bíblia, em que Paulo, na Epístola aos Romanos, capítulo 7, diz: “Pois eu sei que em mim – quero dizer em minha carne – não habita bem algum” ( A BIBLIA, 1995 , p. 1390).

5- Segundo Damásio, “quando o corpo funciona sem dificuldade e quando a transformação e a utilização de energia se desenrolam com a vontade, o corpo comporta-se com um estilo definido. A aproximação em relação a outros é facilitada. Nota-se uma descontração e abertura do corpo, bem como expressões que traduzem confiança e bem-estar; por outro lado, libertam-se certas classes de moléculas, tais como as endorfinas. O conjunto dessas reações e os sinais químicos a elas associados resultam na experiência do prazer” ( DAMASIO, 2012 , p. 47).

6- O pensamento de Hume encontra-se, de acordo com a interpretação de Alberto Saoner, vinculado a um fato histórico fundamental na gênese do pensamento ético moderno, ou seja, “a ruptura que se produz, como consequência da inovação renascentista, do impacto do protestantismo e do capitalismo, entre ‘virtude’ e ‘felicidade’. Essa fratura obrigou a uma redefinição dos termos morais, o que forçou a buscar uma fundamentação da felicidade não em bases sócio-comunitárias, mas sim na psicologia individual” ( SAONAR, 1999 , p. 290).

7- Espinosa interpreta corpo e alma (ou corpo e mente) como uma unidade e projeta uma ética da afetividade, que leva em consideração as afecções do corpo. Ver o artigo O enlace entre corpo, ética e estética ( HERMANN, 2018 ).

8- Na tradução brasileira: SHUSTERMAN, Consciência corporal, 2012a.

9- Na trajetória dos estudos sobre o corpo, as neurociências assumem, contemporaneamente, um papel destacado, mostrando as bases biológicas do processo de pensar, o que leva muitos pesquisadores a se preocuparem com o diálogo interdisciplinar para ampliar o espectro de entendimento sobre a corporeidade na vida ética. Vale lembrar aqui a afirmação de Catherine Malabou, de que poderia haver um diálogo produtivo entre neurociência e filosofia, que se beneficie das novas descobertas a respeito da capacidade regenerativa do cérebro, dada sua fantástica plasticidade. Segunda a autora: “Freud certamente não teria virado as costas a sua origem de neurologista se ele pudesse ter conhecido esse avanço, ele não teria inscrito a psicanálise no simbólico em detrimento do orgânico” (MALABOU, 2015). Damásio também defende que a neurobiologia pode desempenhar um papel importante nas explicações de estruturas culturais, como a ética, mas é necessário “incluir ideias vindas da antropologia, da sociologia, da psicanálise e da psicologia evolucionária, bem como dados vindos dos estudos, propriamente ditos de ética, leis e religião” ( DAMASIO, 2012 , p. 175).

10- Shusterman indica que o predomínio do platonismo, fortalecido pelo cartesianismo e pelo idealismo “cegou-nos para um fato crucial e óbvio para grande parte do pensamento antigo e não ocidental: como vivemos, pensamos e agimos por meio de nossos corpos, o estudo, o cuidado e o aprimoramento deles deveria estar no fulcro da filosofia, sobretudo quando se concebe a filosofia (como antigamente) como um modo distinto de vida, um cuidado crítico e disciplinado do eu, que envolve o autoconhecimento e auto-cultivo” (SHUSTERMAN, 2008, p. 15). Nessa perspectiva, o filósofo critica a posição de Pierre Hadot, que, apesar de valorizar a filosofia como uma forma de vida, a faz de forma unilateral, enfatizando apenas a mente. Estende essa crítica a Martha Nussbaum que mantém a unilateralidade intelectual, limitando a filosofia à discussão racional. Reconhece que Foucault tem o mérito de renovar a concepção antiga de filosofia dos gregos, enfatizando seus aspectos somático e estético.

11- Damásio refere a importância de conhecer a biologia das emoções porque oferece uma oportunidade nova de compreender o comportamento moderno. Assim, preconceitos raciais se baseiam “em emoções sociais cujo valor evolucionário residia no detectar de diferenças em outros indivíduos – porque essas diferenças eram indicadoras de perigos possíveis – e no promover de agressão e retraimento. Esse tipo de reações deverá ter produzido resultados extremamente úteis numa sociedade tribal, mas não é útil nem aceitável no mundo atual. É evidente que é importante saber que os nossos cérebros continuam equipados com a maquinaria biológica que nos leva a reagir de um modo ancestral, ineficaz e inaceitável, em certas circunstâncias” (DAMÁSIO, 2012, p. 54).

12- Ver especialmente o capítulo II - La repugnância y nuestro corpo animal, na obra El ocultamiento del humano (2006), de Nussbaum, em que a filósofa faz um inventário das pesquisas nessa área, traçando um amplo quadro desenvolvido pelas ciências experimentais e a psicanálise.

Recebido: 19 de Abril de 2019; Revisado: 01 de Outubro de 2019; Aceito: 22 de Outubro de 2019

Nadja Hermann é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutorou-se em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com doutorado sanduíche na Universidade de Heidelberg. Foi professora titular de Filosofia da educação da UFRGS.

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