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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.47  São Paulo  2021  Epub 18-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202147224749 

Artigos

Diretrizes curriculares de Campinas para a educação física: o que está em jogo?

Maísa Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0002-4755-8613

Mário Luiz Ferrari Nunes1 
http://orcid.org/0000-0003-0680-5777

1- Universidade Estadual de Campinas. Campinas; São Paulo; Brasil. Contatos: maisaf93@gmail.com; mario.nunes@fef.unicamp.br


Resumo

O presente trabalho apresenta como pressuposto que o currículo não é apenas uma organização de disciplinas, nem um rol de conteúdos a serem ensinados. Considera-se que o currículo envolve diferentes ações do processo educativo, desde formas sobre a estrutura do funcionamento escolar, passando pela arquitetura e distribuição dos tempos e espaços escolares, a seleção de saberes, a organização e oferta das atividades de ensino, a correção das posturas dos corpos, indo até os discursos que acabam por dizer o que é esperado ou não dos sujeitos da educação. Além disso, por ser uma política de Estado, no processo de selecionar o que constituirá o currículo está o projeto de sujeito que se pretende para a sociedade. Sendo assim este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla a respeito das políticas curriculares promovidas pela Secretaria Municipal de Campinas. Toma como objeto de investigação as Diretrizes Curriculares do município para a educação física. Analisa as concepções referentes ao objeto de conhecimento da educação física e os objetivos anunciados para o componente. Considera a análise de documentos como método e utiliza as teorias de currículo e os estudos acerca das políticas curriculares, a fim de significar seus efeitos. Os resultados indicam que as Diretrizes para o componente apresentam inconsistências epistemológicas e didáticas. Infere que essa situação ocasionará dificuldades para a prática docente e, com isso, o acirramento da disputa pelo controle da agenda de políticas de formação de professores, favorecendo a racionalidade política neoliberal.

Palavras-Chave: Educação física; Currículo; Política curricular; Neoliberalismo

Abstract

This study presents the assumption that the curriculum is not only an organization of subjects, nor a list of contents to be taught. It considers that the curriculum involves different actions of the educational process, from forms about the structure of school functioning, passing through the architecture and distribution of school times and spaces, the selection of knowledge, the organization and offer of teaching activities, the correction of body postures, to the speeches that end up saying what is expected or not from the subjects of education. Besides this, since it is a State policy, the process of selecting what will constitute the curriculum includes the project of subjects who will be educated for society. Thus, this article is part of a broader research on curriculum policies promoted by the Municipal Secretariat of Campinas. It takes as its object of investigation the municipality’s Curricular Guidelines for physical education. It analyzes the conceptions regarding the object of knowledge of physical education and the goals announced for the component. It considers document analysis as a method and uses curriculum theories and studies on curriculum policies to understand its effects. The results indicate that the Guidelines for the component present epistemological and didactic inconsistencies. This probably means that this situation will cause difficulties for the teaching practice and, thus, the dispute for the control of the teacher education policy agenda will intensify, favoring neoliberal political rationality.

Key words: Physical education; Curriculum; Curriculum policy; Neoliberalism

Introdução

Em tempos de globalização, ampliam-se as formas de regulação dos indivíduos e as tentativas de homogeneização cultural. Nesse quadro, os modos de governo neoliberais tornaram-se hegemônicos. Para Foucault (2008a), o neoliberalismo é uma arte de governo, que tem a economia como grade de inteligibilidade para a regulação social. Nesse sentido, para os adeptos desse sistema, o Estado deve atuar a serviço dos interesses do capital e afirmar a lógica vigente do consumo e da volatilidade (HARVEY, 1989) e instituir na sociedade a cultura empresarial (DARDOT; LAVAL, 2016).

Nesse jogo, tanto a educação básica como a superior assumem papel estratégico, seja como mercado-alvo para o consumo de produtos destinados à educação, seja como elemento do dispositivo2 de eficácia, característico da racionalidade política neoliberal3. As metas empresariais para a educação visam preparar seus sujeitos para a competitividade do mercado local e global, formar o sujeito afeito à racionalidade neoliberal e torná-lo seu agente (VEIGA-NETO, 2000).

A percepção dominante é que essa condição colocada em circulação por comunidades epistêmicas4 incide em novas formas de organização educacional. O resultado é a imposição de políticas de avaliação externa de larga escala, modos de financiamento para além dos executados pelo Estado, políticas de formação de professores, geralmente realizadas pelo setor privado e a promoção de diretrizes curriculares, que objetivam a transmissão do conhecimento oficial e fundamentarão a construção e execução dos currículos nas escolas (BALL, 2004). Aqui, centramos nossos esforços.

Apesar das políticas curriculares serem influenciadas de modo a tornarem-se semelhantes em diferentes países, elas sofrem recontextualizações5 no âmbito local. Isso decorre das diferentes interpretações realizadas por sujeitos posicionados em situações dominantes no interior dos campos econômicos e de controle cultural. As políticas educacionais são formadas em meio a um conjunto de textos e discursos, inseridas em uma rede discursiva e dependentes de poderes e interesses nos quais se inserem, que ao se recontextualizarem tornam-se híbridos culturais (BALL, 2004).

Nesse processo, ocorrem tensas negociações entre sujeitos que lutam por determinadas visões políticas e disciplinares. Nela encontramos desde as definições de suas legitimações até a produção dos textos oficiais, suas influências e o modo como os mesmos articulam-se com os modos como os currículos são produzidos nas escolas (BALL, 1994).

Silva (1997), explica que em meio ao processo de selecionar os conhecimentos que constituirão o currículo está o projeto de sujeito que se pretende para a sociedade. Cada currículo, ao escolher certos conhecimentos, apresenta certa configuração e determina o que, quando e como se deve aprender, determina um tipo de sujeito. O currículo é um artefato social e cultural e está relacionado com a representação e afirmação dos grupos sociais. As políticas curriculares visam a garantir essas intenções. Não à toa, desde as reformas educacionais promovidas a partir da promulgação da Constituição (1988) e da implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996), o debate acerca do currículo e produção de documentos curriculares têm se intensificado (MOREIRA, 1990, MOREIRA; SILVA, 1994; GENTILI; 1994, 1995; SILVA, 1995; LOPES; MACEDO, 2002, 2011).

As Diretrizes Curriculares de Campinas (DCC) não escapam dessas condições, elas foram escritas por um coletivo de professores da rede municipal (RMC), que traz para a mesa de negociações concepções divergentes de escola, sujeito, educação física (EF), etc. Não à toa, como será possível notar, o resultado são recontextualizações. Em tempos de implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), torna-se necessário a realização de investigações que esmiúcem o modo como as políticas curriculares são formuladas em termos locais, a fim de entender o que esse processo produz, visto que os discursos presentes na BNCC possivelmente impactarão diretamente tanto as produções de documentos de orientação curricular como as práticas pedagógicas dos professores e professoras na escola. Face a esse quadro sócio-político, visamos à produção de ferramentas que viabilizem tanto a crítica às formas de imposição cultural, que qualquer projeto de unificação curricular viabiliza, como à resistência a possível estandardização de identidades afeitas ao neoliberalismo.

Nesse cenário, analisamos as DCC para a EF, publicadas em 2012 e 2013 e inferimos quais seriam seus possíveis efeitos na prática pedagógica e na agenda das políticas de formação de professores. Entendemos que esses documentos também compõem o dispositivo de eficácia neoliberal e têm por finalidade a orientação e a definição do que será ensinado e contribuirá com a formação do sujeito da educação desejado pelas forças que articulam o governo do município com as questões globais. Aspectos que nos mobilizam a investigar: quais são as concepções de escola, de educação física e de sociedade anunciadas nestes documentos? Em que medida os documentos auxiliam a prática dos professores? Quais objetivos foram selecionados para favorecer a formação dos alunos? Quais sujeitos desejam formar? Os resultados dessa pesquisa tencionam contribuir para a avaliação de dirigentes e docentes no tocante às limitações e às potencialidades educativas que os documentos curriculares podem produzir nas redes de ensino e, por conseguinte, nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas.

Para tal empreitada, utilizamos a abordagem qualitativa por meio da pesquisa de documentos, e para as análises dos dados produzidos, utilizamos as contribuições das teorias de currículo e dos estudos sobre políticas curriculares.

Método

No presente trabalho, consideramos o uso dos procedimentos de triangulação em pesquisas científicas, a fim de ampliar as possibilidades da produção de conhecimento (FLICK, 2009). A triangulação ocorreu mediante o uso de diversas fontes de dados, produzidas em tempos diferentes, a saber: as DCC da Educação Básica para o Ensino Fundamental – Anos Iniciais: um processo contínuo de reflexão e ação (DCC1), de 2012; e as DCC para a Educação de Jovens e Adultos e Anos Finais: um processo contínuo de reflexão e ação (DCC2), de 2013. Também utilizamos diferentes aportes teóricos para a análise dos dados produzidos, a saber: as teorias de currículo, as teorias de currículo da educação física e os estudos das políticas curriculares.

Escolhemos analisar os documentos curriculares de Campinas, publicados no sítio da secretaria da educação local, devido à cidade ter grande adensamento populacional e importância socioeconômica para o estado e o país. Além disso, a revisão bibliográfica efetuada indica que as pesquisas produzidas sobre este tema no Estado de São Paulo enfocam apenas as produções da Secretaria Estadual da Educação e as da capital paulista (SILVA LOPES et al., 2017; AGUIAR; NEIRA, 2016; ETO; NEIRA, 2014; BETTI et al., 2014; FIORINI et al., 2013)6, desconsiderando as produções dos demais municípios do estado de São Paulo, indicativos que reforçam hegemonias. O que aqui se pretende é ampliar o campo das análises.

Cabe destacar a distinção entre os vários documentos curriculares produzidos no Brasil. O estudo de Sampaio (2010) e seus colaboradores indica a presença de quatro modelos: currículo, matriz curricular, proposta curricular e diretriz curricular. Todos com características predominantes, que incidem em maior ou menor controle sobre o que e como os conteúdos de ensino devem ser selecionados, transmitidos e a forma de avaliação dos processos e efeitos da aprendizagem. No caso do modelo das diretrizes curriculares, como é o caso das DCC, o estudo indica que elas apresentam maior explicitação de fundamentos e princípios, maior abertura à iniciativa para que as diretorias de ensino e as escolas elaborem seus currículos. Elas não deixam claros ou nem apresentam conteúdos específicos, metas ou padrões de desempenho, tampouco interferem nos processos didáticos de ensino e aprendizagem, ao contrário do modelo de currículo, cujo enquadramento e controle das secretarias são mais fortes, como, por exemplo, o currículo do Estado de São Paulo.

Determinados por essa característica de maior abertura para a atuação dos professores, os documentos analisados apresentam na primeira parte os princípios e os fundamentos da educação básica para o ensino fundamental. Nessa parte, a educação física é citada no capítulo que aborda as formas de organização do trabalho pedagógico, destacando o papel do professor especialista. Nesse caso, as DCC dão guarida para que os saberes docentes potencializem a ação do professor que é considerado «o mediador da elaboração conceitual de seus alunos, não perdendo de vista a dimensão social do conhecimento a ser trabalhado em suas aulas» (p.70). Nos demais (11 no total), não há menção a ela. Na segunda parte, que trata dos componentes curriculares, no capítulo referente à educação física, nas DCC1 há uma parte introdutória na qual se percebe alguma menção à concepção de educação física, feita de modo indireto, e uma lista de objetivos gerais e específicos para cada ano. As DCC2 trazem na sua introdução alguns poucos parágrafos (3) que abordam a importância da presença do componente na formação dos alunos e uma pequena lista de objetivos.

Para a análise dos dados, procuramos reconhecer nos dois documentos a concepção referente ao objeto do conhecimento e se os objetivos gerais propostos mantinham coerência com o objeto anunciado. Em relação ao objeto de EF, em que pese ele não estar explícito nas DCC1, o trabalho foi o de identificar nos enunciados apresentados na introdução do capítulo os campos do saber da EF aos quais eles se relacionam. O mesmo se deu com os objetivos gerais, atentando-nos também aos discursos pedagógicos decorrentes das teorias curriculares e da educação em geral. Para melhor visualização, no presente texto, elaboramos 3 quadros a respeito dos objetivos gerais, expostos adiante, neste artigo, na seção da sua análise. Problematizamos o que efetivamente foi publicado com a intenção de mapear os ditos sobre a EF, produzidos em determinado contexto, sob condições específicas de existência que tornam as DCC1 e DCC2 um meio de produção de significados sobre a EF de modo singular e limitado.

Resultados e discussão

O objeto de conhecimento da educação física

As DCC apresentam um texto introdutório a respeito da disciplina de EF, seguido dos objetivos gerais. Nas DCC1, o texto inicia-se com uma citação que, apesar de não haver referência à fonte, trata-se de um fragmento extraído da obra de autores da EF, que mencionam as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de educação física (DCNEF):

Conforme já apontado nas Diretrizes Curriculares dos Anos Finais, a EF é uma área de conhecimento e de intervenção profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o corpo e o movimento humano, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da dança e da luta, nas perspectivas da prevenção de problemas de agravo à saúde, da formação cultural, da educação e reeducação motora. (CAMPINAS, 2012, p.140).

Ao reproduzir as DCNEF, as DCC desconsideram, por um lado, as críticas proferidas a essa publicação e reforçam aspectos políticos neoliberais, pois essas DCNEF centram-se no primado saber-fazer, valorizando a formação por competências e habilidades. Por outro, dificultam a atuação docente e fragilizam o debate acadêmico acerca do objeto de conhecimento e da especificidade da EF. Não à toa, ressoam na literatura muitas críticas ao seu vínculo com o neoliberalismo (FRIZZO, 2010; TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2010; ALVIANO JÚNIOR, 2011; LEMOS et al., 2012). Nessa seara, evidencia-se nas DCC a ausência de qualquer menção à história da disciplina educação física no Brasil e, com isso, as disputas que marcaram ao longo da sua trajetória as definições da sua função social, dos critérios para a seleção de seus conteúdos e a produção dos saberes docentes (SOUZA JÚNIOR; GALVÃO, 2005), naturalizando o caráter histórico, social e político que qualquer disciplina escolar carrega consigo.

A definição do objeto da EF está relacionada ao modo como suas formas de intervenção serão realizadas (BRACHT, 1999a). Tal e qual as DCNEF, as DCC1 consideraram como objeto de estudo da EF o corpo e o movimento humano, com foco em diferentes formas de tratá-los. Essa posição nos remete ao momento em que a EF brasileira começa a absorver discursos da aprendizagem motora, do desenvolvimento motor, da psicomotricidade e da antropologia filosófica, favorecendo concepções biopsicossociais, o que fomentou mudanças no objeto de estudo da EF. À época, o campo da EF foi marcado por um amplo processo de questionamento quanto às especificidades de sua atuação (MEDINA, 1983; DAOLIO, 1995; SOARES, 1996; BRACHT, 1999a) e considerou-se, então, o termo movimento humano ou motricidade humana. Essa perspectiva exalta a importância do movimento para o desenvolvimento integral do ser humano (BRACHT, 1999a).

Essas análises ganham força, pois se nota, no conjunto das DCC, a falta de referências aos conceitos de corpo e movimento, naturalizando o que isso venha a ser. Bracht (1999a) afirma que são dois objetos de estudos da EF distintos e pautados por visões epistemológicas diferentes. Há mais! Santin (2003) explana que o movimento humano apresenta concepções diferentes. Ele pode ser compreendido como ação motora, como força ou energia produtiva, como locomoção e como linguagem. A complexidade aumenta, pois a linguagem também pode ser compreendida a partir de pressupostos semióticos, fenomenológicos, estruturalistas e pós-estruturalistas. O que produz currículos, objetivos, conteúdos, práticas pedagógicas, formas de avaliação e função docente coerentes com a base epistemológica que os fundamentam. Não à toa, na EF, autores como Betti et al. (2014), Kunz (1994), Soares et al. (1992), Neira e Nunes (2009) abordam o trabalho com a gestualidade expressiva da linguagem corporal com finalidades e didáticas distintas.

Entendemos que isso gera grande risco à prática pedagógica diante da confusão epistemológica no tocante à concepção de EF adotada pelas DCC. De acordo com o exposto, o professor de EF abordará o movimento humano conforme compreende o que seja ou, ainda, misturando as concepções, como costumeiramente se nota. Afinal, se seguir as DCC, ele visará à aptidão física, o domínio das habilidades motoras para a realização das práticas corporais, à prevenção da saúde, à reeducação motora daqueles que apresentarem distúrbios psicomotores e ainda à formação cultural, que também não se explica o que é. Tudo isso apenas nas séries iniciais do ensino fundamental. Sem dúvida, trata-se de uma missão improvável.

Apesar de não ser objeto desta análise, a confusão também está presente nas Diretrizes dos anos finais, anunciadas nas DCC em uma nota de rodapé, e que determinaram os rumos das diretrizes de 2012. Nelas consta que as propostas foram:

Elaboradas entre os anos 2009 e 2010. Professores de educação física, reunidos em grupo de formação específica, elaboraram uma pesquisa qualitativa mapeando as práticas pedagógicas existentes neste componente na Rede Municipal de Campinas (RMC). Desta pesquisa, resultou a definição das seguintes manifestações da Cultura Corporal do Movimento para a RMC: jogo, esporte, dança, ginástica e vida saudável. (CAMPINAS, 2012, p. 140).

Nesse trecho, no qual se percebe como as várias práticas pedagógicas vão influir no processo de recontextualização, destacamos dois aspectos que reforçam a análise anterior. O primeiro é o uso do termo cultura corporal do movimento, apresentado por Bracht (1999a) como outro objeto da educação física, que, como se sabe, vincula-se às teorias críticas.

As teorias críticas afirmam o currículo como parte da teia social e política que caracteriza a sociedade, negam qualquer noção de neutralidade na educação, compreendem a estrutura social mais ampla, conectando educação, política e sociedade com uma ação que visa à transformação social (SILVA, 1997). Nessa perspectiva, o termo cultura corporal relaciona-se com a afirmação de interesses de classes das camadas populares (SOARES, et al., 1992) ou com a emancipação das formas dominantes do esporte (KUNZ, 1994).

O segundo é o uso do termo vida saudável como manifestação da cultura corporal de movimento. Nas DCC, o termo vida saudável se apresenta conforme a definição da Organização Mundial da Saúde. Por tratar a noção de vida saudável como manifestação da cultura corporal, acaba por aproximar objetos de campo epistemológicos distintos - no caso, um da ordem da normalização médica e outro do campo das representações simbólicas. Com isso, favorece a consolidação do uso das práticas corporais como dispositivo de medicalização da sociedade (CRISÓRIO, 2003).

Entendemos que, para além das questões da manutenção das curvas de normalidade da saúde da população, tal tentativa visa também às questões concernentes à mudança de comportamento. Afinal, as DCC apresentam as manifestações como conteúdos da área da EF e estes devem ser elaborados dentro da tipologia dos conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais. Estas classificações constituíram os princípios curriculares propostos pelo estadunidense Ralph Tyler, no final dos anos 1940, que, apoiados na racionalidade técnica, pautaram de modo hegemônico a organização dos currículos no ocidente até os dias de hoje (SILVA, 1997). Eles se tornaram o mais potente instrumento de definição e organização do currículo ao estabelecer critérios para elaboração de objetivos, seleção e organização de atividades de ensino, finalidades e formas de avaliação. Com ênfase na mudança de comportamento, contribuiu para a consecução de objetivos educacionais eficientistas, ou seja, um currículo com foco na eficiência para o aumento da produtividade e adequação dos alunos às imposições do mercado de trabalho.

No Brasil, o modelo de Tyler foi atualizado nos anos 1990 com a discussão do currículo por competências (LOPES; MACEDO, 2011). Decorrem dessa discussão os PCN, nos quais as DCC e muitos programas oficiais de currículo se pautam. No caso das DCC, o que vemos é o mesmo programa curricular, redimensionado. Cabe destacar que os PCN, tanto o geral como o da EF, sofreram críticas. No caso da EF, que à época ainda vivia um momento de compreensão da articulação entre seus conhecimentos da atividade física e dos esportes com os aportes das teorias de cunho biopsicossocial e os das Ciências Humanas, o resultado foi desastroso. Apesar de afirmar a cultura corporal como objeto da EF, os PCN pasteurizaram currículos com bases epistemológicas diferentes (psicomotor, desenvolvimentista, saúde e crítico) colocando-os como progressistas, fragilizando o aspecto crítico do termo cultura corporal. Sem dúvida, as DCC materializam os estragos produzidos pelos PCN de EF, reproduzindo-os e consolidando-os.

Bracht (1999b) afirma que no modelo de escolarização tecnicista, o corpo sofre várias intervenções com a finalidade de adaptá-lo às exigências das formas sociais de organização da produção e da reprodução da vida. É antagônico um texto que objetiva a compreensão crítica dos elementos que compõem a cultura corporal apresentar aspectos que se ancoram em princípios curriculares que são criticados pelas pedagogias críticas. No campo dessas análises, não se pode desconsiderar a ênfase na aquisição de competências, como propõem os PCN. A competência, como explicou Foucault (2008b), é vista na teoria do capital humano, base do pensamento neoliberal estadunidense, como parte do trabalhador, “é um recurso, um capital que o sujeito disponibiliza e o transforma em máquina, que vai produzir fluxos de renda” (p. 309). Sendo o sujeito uma máquina que não pode ficar obsoleta, justificam-se os princípios da vida saudável contemplados no documento.

A definição do objeto da EF nas Diretrizes reforça que elas resultam de uma grande disputa, que ocorre no contexto de produção e disseminação de textos das políticas curriculares (BALL, 1994). O Estado é o centro produtor e disseminador de políticas e reflete os conflitos produzidos pelas comunidades epistêmicas, trata-se de um campo de enunciação, negociação e articulação de sentidos que dá sustentação aos interesses políticos. Os textos produzidos são endereçados a fim acolher demandas mais gerais de interesse público. Elas são discursos educacionais formulados em outras esferas e apropriados pelos diversos governos locais de modo recontextualizado. Ball (2002) reforça que esses textos precisam ser legitimados no processo de negociação entre os diferentes grupos e sujeitos que dele participam. Não à toa, as administrações locais recorrem aos pesquisadores renomados, a empresas estabelecidas do setor ou, como é o caso de Campinas, a grupos de professores efetivos. O resultado, muitas vezes, são textos ambivalentes. Esses textos são datados e caracterizados pelo espaço de sua produção.

Entendemos que essa confusão favoreça os novos processos biopolíticos7 em curso. Mesmo a escola mantendo-se como instituição disciplinadora e à EF atribuir-se a exclusividade da educação para o governo dos corpos, percebe-se que o objeto anunciado também é o mesmo de outros espaços em que as práticas corporais ocorrem de forma mercantil, tais como as escolas de esportes, natação, lutas, danças, academias de ginásticas diversas e clínicas de reeducação psicomotora. Aqui cabe mais um detalhe, para Dardot e Laval (2016), o novo sujeito do neoliberalismo é marcado pela competição e pelo desempenho, trata-se de um empreendedor produzido para ganhar e ser bem-sucedido, o que dá ao esporte de competição outros contornos.

Se no transcorrer do século XX o esporte serviu como modelo de identificação de superioridade das nações, atendendo aos interesses do capitalismo, do nazismo, do fascismo e do socialismo, agora, o neoliberalismo lhe dá outra finalidade: espraiar um estilo de ser. As escolinhas de esportes, como investimento, tornam-se laboratórios para forjar não apenas o sujeito campeão, mas potencializar o estilo de vida daquele que investe em si mesmo, se supera, cuida do corpo, um modo de ser cuja meta é aprimorar-se o tempo todo. Então, colocar o corpo em movimento pode ser considerado um elemento essencial, tanto do ponto de vista das ações de governo derivadas do Estado, quanto daquelas oriundas das formas de autogoverno mediadas pelo mercado, com vistas ao governo das populações pautado no consumo e no prazer (CÉSAR; DUARTE, 2009).

Compreendendo de tudo um pouco, o objeto de estudo da EF presente nas DCC propaga discursos médicos, antropológicos e sociais, que circulam no campo da educação física de modo acrítico. As DCC anunciam que a política de formação do professor mobilizará múltiplos recursos humanos, materiais e simbólicos para a sua execução. Suas ideias contraditórias conclamam por profissionais da EF que atuem em campos distintos e distantes da escola, favorecendo o acontecimento discursivo da ineficiência dos professores (NUNES; NEIRA, 2018). Por conseguinte, favorecerá a presença de sujeitos e grupos que atuam e se especializam no segmento da formação profissional, tornando-a em mais uma mercadoria a ser disputada. Diante disso, não há como não nos remetermos às questões da meritocracia, do modo como ela é propalada pelo neoliberalismo. O que se anuncia é a consolidação de uma sociedade hierarquicamente determinada por aqueles que se especializaram e pela qualidade de capital humano que conseguiram acessar e obter por meio da educação. Inserido nesse processo de normalização e normatização social, ao professor da rede municipal caberá fazer essa roda girar.

Os objetivos gerais da educação física

A fim de auxiliar na compreensão da análise e discussão deste trabalho, criamos três quadros para a visualização dos objetivos da educação física presentes nas DCC:

Quadro 1 Objetivos gerais do ciclo I dos anos iniciais de Campinas8 

OBJETIVOS GERAIS DOS ANOS INICIAIS
OBJETIVOS CICLO I
1 Reconhecer o próprio corpo e sua relação com o espaço, o tempo e o outro
2 Praticar a higiene corporal tendo como objetivo uma vida saudável
3 Expressar sentimentos, afetos e costumes como forma de autoconhecimento e socialização
4 Cooperar com os colegas e o professor, demonstrando respeito mútuo e participação na construção coletiva das regras
5 Efetuar medidas simples
6 Executar e explorar os movimentos básicos e combinados, as percepções e expressões rítmicas e gestuais
7 Buscar a ampliação dos seus próprios limites e aprender a lidar com suas frustrações, explorando e executando algumas das manifestações da cultura corporal do movimento
8 Nomear as atividades físicas de diferentes tipos e segmentos, de acordo com os diferentes lugares e modos de organização de suas práticas
9 Nomear, relatar e registrar primeiras noções que envolvam o corpo nas mais diversas situações (fisiológicas, higiênicas, motoras, físicas, emocionais, sociais)

Fonte: Autores.

Quadro 2 Objetivos gerais do ciclo II dos anos iniciais de Campinas 

OBJETIVOS GERAIS DOS ANOS INICIAIS
OBJETIVOS CICLO II
1 Cooperar com os colegas e o professor, demonstrando respeito mútuo e participação na construção coletiva das regras
2 Efetuar medidas simples
3 Executar e explorar os movimentos básicos e combinados, as percepções e expressões rítmicas e gestuais
4 Identificar e distinguir as qualidades físicas e as de movimentos
5 Executar e explorar movimentos combinados e mais complexos
6 Executar e aprofundar conhecimentos sobre as manifestações da cultura corporal do movimento
7 Fazer uma síntese sobre os diferentes tipos de práticas de atividades físicas, descrevendo-as e participando de algumas delas
8 Reconhecer a origem, história, algumas características e distinções dessas atividades

Fonte: Autores.

Pelo exposto no tópico anterior, os objetivos de ensino devem ter como ponto de partida e de chegada a compreensão do objeto de conhecimento em que se ancoram. Como as DCC expressam o corpo, o movimento humano e a cultura corporal como objetos da EF, tomamo-los também para as análises. Destacamos que vários objetivos anunciados nas DCC se encontram em outros documentos curriculares oficiais, como os PCN, reforçando a influência que os mesmos exercem sobre o discurso pedagógico. Outros, como, por exemplo, os objetivos 3 e 6 do quadro 3 estão presentes em larga escala na EF escolar, independente da concepção de EF. Mais um destaque: identificamos poucos objetivos alinhados ao currículo crítico e objetivos que tratam o movimento humano como linguagem. Os demais se alinham aos currículos tradicionais na EF reconhecidos como psicomotricista, desenvolvimentista e da saúde renovada (NEIRA; NUNES, 2009).

Quadro 3 Objetivos gerais dos anos finais e EJA de Campinas 

OBJETIVOS GERAIS DOS ANOS FINAIS E EJA
1 Integrar e inserir todos os alunos nas práticas corporais
2 Valorizar, apreciar e desfrutar dos benefícios advindos da cultura corporal de movimento
3 Perceber e compreender o papel do esporte na sociedade contemporânea
4 Usufruir do tempo livre de lazer, resgatando o prazer enquanto aspecto fundamental para a saúde e melhoria da qualidade de vida
5 Valorizar, por meio do conhecimento sobre o corpo, a formação de hábitos de cuidado pessoal
6 Compreender e ser capaz de analisar criticamente valores sociais como padrões de beleza, relações entre os sexos e preconceitos

Fonte: Autoria própria.

Outro aspecto interessante é a maior quantidade de objetivos propostos para o primeiro ciclo das séries iniciais em relação aos demais e a ausência de objetivos relacionados ao desenvolvimento humano nas séries finais e EJA. Podemos inferir que esses dados expressam uma concepção de infância, visto que nas séries iniciais observamos a presença de objetivos que se ancoram nas primeiras etapas do desenvolvimento humano e nas séries finais há maior presença de objetivos críticos. Subentende-se que apenas os mais velhos são capazes de abordar aspectos críticos e aos menores limitam-se aspectos concretos do desenvolvimento. Na mesma linha, percebemos que, apesar de toda a produção acadêmica, debates e políticas públicas para a EJA, a produção dos mesmos objetivos para os alunos dos anos finais do ensino fundamental e para os jovens e adultos demonstra que as DCC não reconhecem a especificidade desse grupo. O resultado não poderá ser outro a não ser o mesmo: a adaptação de um para o outro, com inevitáveis prejuízos para aqueles que retornam à educação (ARROYO, 2006). Destacamos também a presença de objetivos que não são específicos da EF, mas são de toda escolarização, quando esta trata o corpo com a função de adestramento aos modos eficientistas, como é o caso dos objetivos 4 do ciclo 1, 1 do ciclo 2 e 1 dos anos finais e EJA. Também há uma incógnita, pois o objetivo 5 do ciclo 1 não diz a que se refere.

Encontramos alinhados ao currículo psicomotor os objetivos 1, 3 e 7 do ciclo I e o objetivo 3 do ciclo II. A psicomotricidade pauta-se na racionalidade científica e coaduna-se com a concepção de movimento humano como ação motora. Sua preocupação é com o ato de aprender, decorrente do processo de desequilibração das estruturas de ação. A propalada educação pelo movimento promove o desenvolvimento dos comportamentos cognitivos, afetivos e psicomotores. Em virtude de seu aporte biologicista com enfoque neurocomportamental, este currículo entende a EF como disciplina que está além dos limites biológicos de rendimento corporal e inclui habilidades de origem psicológica, para produzir um sujeito equilibrado e com a possibilidade do sucesso escolar (LE BOULCH, 1983).

No transcorrer dos anos 1980, ancoradas no método psicocinético de Jean Le Boulch, várias obras como as de Negrine (1983), Melo (1989) e Freire (1989) entre tantas, acenaram para a área que o objetivo da EF seria o de desenvolver as funções psicomotoras. Freire (1989), que também contribuiu para que a teoria psicogenética de Jean Piaget se difundisse pela área da EF, ao debater a função social da EF considera a educação do movimento, pelo movimento e para o movimento como forma de promover uma educação de corpo inteiro. Essa forma de pensar e desenvolver o currículo da EF ganhou força por propor superar o paradigma da aptidão físico-esportiva, tida como alinhada aos governos autoritários precedentes, e sugerir brincadeiras e a construção de materiais pedagógicos alternativos, fazendo prevalecer o jogo como recurso pedagógico com vista a beneficiar o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo dos educandos. Em que pesem as críticas elaboradas a essa proposta devido à falta de especificidade para EF desde o final dos anos 1980, as DCC fazem crer que elas não causaram impacto na EF do município.

O currículo desenvolvimentista se faz presente no objetivo 6 do ciclo I e no objetivo 5 do ciclo II. Nesse, os movimentos são de grande importância biológica, psicológica, social, cultural e evolutiva, e por isso os tomam como principal meio e fim da educação física, pois é a partir deles que o ser humano interage com o meio ambiente, alcança seus objetivos e satisfaz suas necessidades. Além disso, é a partir do movimento que o indivíduo se relaciona com o outro, aprende sobre si mesmo, quem ele é, o que ele é capaz de fazer, e também, aprende sobre o meio social em que vive (TANI, 1988).

Essa perspectiva biopsicossocial enfatiza a organização dos conteúdos de ensino no transcorrer do currículo pautada nas fases do desenvolvimento humano e nas características do comportamento motor, ancorando-se nas aprendizagens dos âmbitos cognitivo e afetivo-social. Em razão disso, como fundamento que sustenta a elaboração das atividades de ensino, foi amplamente adotada uma taxonomia para o desenvolvimento motor, ou seja, o currículo escolar toma como referência principal a classificação hierárquica dos movimentos dos seres humanos durante seu ciclo de vida, desde a fase pré-natal até a fase motora especializada.

O currículo desenvolvimentista também compreende o movimento humano como ação motora, no entanto, sua especificidade é a educação do movimento, que se dá pelo desenvolvimento das habilidades motoras, tendo em vista à aquisição do nível mais alto dessas habilidades, isto é, o movimento especializado, para a utilização pessoal do sujeito no lazer e nas atividades laborais específicas. Ganhou relevância na área por se acreditar que o desenvolvimento motor traria benefícios aos demais domínios do comportamento.

As propostas curriculares psicomotoras e desenvolvimentistas valeram-se de discursos pedagógicos à época em voga, que visavam a transformação do caráter excludente de educação e da educação física (marcada pela competitividade esportiva) para finalidades universais no que tange ao respeito aos modos de comportamento e tempos de aprendizagem de cada sujeito, denotando uma prática pedagógica preocupada com a inclusão de todos no processo de aprendizagem. Cabe destacar que o modelo do currículo esportivo buscou adaptar-se a essas referências teóricas, incorporando seus pressupostos para o ensino dos esportes, produzindo um discurso esportivo pedagógico. Não à toa, observamos em vários documentos oficiais e publicações da área a presença de objetivos que visam à melhoria das funções psicomotoras ou progresso nas fases do desenvolvimento por meio do esporte, confundindo-se finalidades educacionais. Os objetivos meritocráticos que caracterizavam o currículo esportivo, na verdade, foram camuflados pela recorrência às finalidades perceptivas e motoras (NEIRA; NUNES, 2009).

Esse alinhamento é notório, pois, por apresentarem a mesma base científica, tanto o currículo psicomotor quanto o desenvolvimentista se inserem no domínio de competências cognitivas e motoras, fortalecendo a formação alinhada ao neoliberalismo. Como bem explicou Foucault (2008a), as competências constituem o capital humano, isto é, elas podem ser transformadas em renda para o trabalhador. É desse modo que se estabelece a interface entre o neoliberalismo e a educação. A educação, nesse viés, funciona como investimento, que tanto permite o aumento da produtividade daquele que trabalha, o que influi na possibilidade de maximizar rendimentos ao longo da vida, como potencializa o mercado e o Estado para o qual o sujeito trabalha.

Se o movimento humano pode ser compreendido também como produção de energia, as DCC apresentam os objetivos 2, 8 e 9 do ciclo I, os objetivos 2, 4, 6 do ciclo II e os objetivos 2, 4 e 5 dos anos finais e EJA alinhados ao currículo de EF com foco na saúde (GUEDES, 1999). Esse enfoque ganhou forças com a ascensão da arte neoliberal de governo, expandindo a noção de vida ativa produzida por setores privilegiados econômica e socialmente. Alardeia-se a necessidade do autocuidado. Não ser saudável é mais do que ser irresponsável, é sinônimo de improdutivo e oneroso ao Estado. A noção de vida ativa associada à noção de qualidade de vida impõe novas tecnologias disciplinares que mobilizam novas práticas de regulação. Ou seja, ao objetivar a promoção da saúde, essa proposta curricular insere seus sujeitos na racionalidade neoliberal, ensinando saberes/técnicas que promovem a responsabilidade, a autovalorização e o desempenho. Nesses termos, tais objetivos atribuem e colocam a fonte da eficiência no próprio sujeito.

Explicam César e Duarte (2009), que o corpo magro começou a tomar um grande espaço nas preocupações escolares. Na verdade, a saúde nunca deixou de ser pauta da escola, visto que as ações de medir e pesar os corpos constituíram as pedagogias higienistas do início do século passado e são observadas até o presente. As práticas de governo dos corpos saudáveis tornam-se o tema central da nova pedagogia do corpo, que toma frente na escola contemporânea como técnica biopolítica neoliberal, tendo em vista a produção de sujeitos autoempreendedores (CÉSAR; DUARTE, 2009). Não à toa, a maioria dos objetivos das DCC é dessa ordem e estão em todos os ciclos.

Os objetivos que direcionam para uma formação crítica são os objetivos 3 e 6 dos anos finais e EJA, embora os objetivos 7 e 8 do ciclo II sejam vistos, muitas vezes, como tal. Esses se alinham aos objetivos anunciados na obra Metodologia do ensino de educação física (SOARES et al., 1992), que marca o currículo crítico-superador da área. Essa obra pauta-se na organização do currículo por ciclos de escolarização, no qual no primeiro (séries inicias do ensino fundamental) propõe-se a organização da identificação dos dados da realidade; no segundo (quarta à sexta série), a iniciação à sistematização do conhecimento, e no terceiro ciclo (sétima à oitava série), a ampliação da sistematização dos conhecimentos e para o quarto ciclo (então segundo grau) o aprofundamento da sistematização do conhecimento. Apesar de estar dividida em ciclos, as DCC não seguem a proposta pelo Coletivo de Autores em relação aos princípios curriculares no trato com o conhecimento, minimizando qualquer tentativa de uma formação crítica, o que indica a recontextualização.

Destacada pela primeira vez em um programa curricular da secretaria de educação de Pernambuco, foi na obra Metodologia do ensino de educação física que a expressão cultura corporal ganhou evidência, e contribuiu para que a noção conceitual se identificasse como objeto de estudo da educação física. O termo ganhou espaço e, ao mesmo tempo em que se espraiou pela área, enfraqueceu seu caráter político por conta dos diversos processos de recontextualização que sofreu. Como resultado foi apropriado de maneiras distintas pelos docentes. Gramorelli e Neira (2017) indicam que várias propostas oficiais dos estados brasileiros ajudaram a consolidar esse processo. As DCC são apenas mais uma que dele se utiliza, hibridizando-o com aspectos técnicos e minimizando o caráter político do termo.

Esses objetivos anunciam a compreensão de objetos do conhecimento distintos, que produzem objetivos divergentes. Assim como o trato com o objeto, os objetivos reforçam a necessidade de uma formação continuada nos mesmos termos anunciados, reforçando o conhecimento como mercadoria e a incapacidade docente. O que implica a necessidade de aumento de ganhos para poder adquirir conhecimento, ampliando o capital humano do docente, isto é, há de se fazer um esforço para o autoinvestimento.

O efeito anunciado, o do autoinvestimento, reforça a tese de Ball (2002) para quem o neoliberalismo produziu profundas alterações na relação entre os trabalhadores e entre eles e o seu trabalho. Coloca que, nestes tempos, o compromisso do serviço profissional efetuado passa a ser avaliado pelas exigências da performatividade, subordinando-o a ela. Foucault (2008a) afirma que o neoliberalismo é uma arte de governo, que tanto produz uma tecnologia de si, pela qual o sujeito se conduz, se autogoverna, como produz formas sutis de governo dos outros, da população. Para o filósofo francês, o neoliberalismo pauta-se em uma economia social de mercado que expandiu as análises econômicas para todo o tecido social, propagando tudo em termos econômicos para comportamentos sociais tradicionalmente não econômicos (p. 337). Para Foucault, nesse processo há que se considerar que aquilo que outrora poderia ser compreendido como despesa, o neoliberalismo converteu em investimento. O que se visa é transformar os indivíduos em sujeitos-microempresas e se comercializar todas as relações humanas, em qualquer tempo e lugar. Ao afirmar que a racionalidade política neoliberal aposta na instituição de uma dinâmica concorrencial, Foucault se afasta de interpretações correntes que tomam por foco central a sociedade de consumo (de mercadorias) e, decorrente disso, uma sociedade do espetáculo, de simulacros. A mercadorização do conhecimento é precedida pela competitividade e pela performatividade e é nessas tecnologias políticas que o Estado investe para ampliar suas estratégias de intervenção e regulação social.

Face às condições colocadas para o professor trabalhar, não é custoso supor que a dificuldade em alcançar essas metas faça com que o professor autoavalie sua prática como insuficiente e se conduza em busca das atividades de formação permanente. Como resultado forma-se o sujeito professor de acordo com as exigências atuais do mercado: ele deve constantemente investir no seu capital humano, a fim de garantir performance e produtividade que lhe tragam retornos econômicos e contribuam com a sociedade. Isso reforça a posição do sujeito empresário de si e minimiza as possibilidades de um ser ético e coletivo (BALL, 2002).

Considerações finais

O que está em jogo diante das inconsistências epistemológicas e didáticas das DCC?

Aprendemos com Ball (2002) que, na ordem política instaurada, os Estados são obrigados a ajustar as economias internas a partir das dinâmicas da economia global. As políticas curriculares são alvos dessa condição. Elas são constantemente negociadas e produzidas, ocorrendo a recontextualização. As DCC não fogem disso, pois como notamos, apresentam visões de sujeito, sociedade e educação física divergentes.

As DCC de EF carregam em si o pensamento curricular atual da EF, que contém ideias de outros textos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Licenciatura, as DCNEF, as DCN dos cursos de Bacharelado na área da saúde e os PCN. Além desses, não se pode desconsiderar as ideias contidas nas produções acadêmicas da educação física de maior circulação e nas diversas reinterpretações que sofrem, que são realizadas nas formações iniciais ou continuadas e no chão da escola (NUNES; NEIRA, 2018). Por não definirem o objeto de conhecimento que tratam, as DCC apresentam objetivos de diversas perspectivas epistemológicas, de modo a se constituir como um documento ambivalente. Além dos aspectos epistemológicos, isso se reforça quando à ambivalência acrescenta-se a inoperância, pois alguns dos objetivos apresentados não são passíveis de avaliação e outros não estão claros.

Partindo do pressuposto do currículo como dispositivo para a regulação social (POPKEWITZ, 1995), o que se pode encontrar nas DCC é o predomínio de aspectos (neo)tecnicistas, que reforçam sua hegemonia e visam a produzir um sujeito autocentrado, eficiente, competitivo, estandardizado, enfim, um sujeito assujeitado aos imperativos destes tempos, o que facilita a homogeneização cultural.

Por outro lado, enquanto Diretrizes, a confusão e incoerência de informações produzidas podem suscitar jogos de autoanálise para os professores questionarem sua prática, sua formação, e, talvez, sentirem a necessidade de consumir mais cursos de formação e metas de superação pessoal, afinal, o desempenho é determinado como o poder gerencial a define. Sem parâmetros adequados, as DCC fomentam a insegurança docente e a importância da formação continuada para dar conta do improvável. Esse indicativo pode favorecer outro aspecto marcante destes tempos: a propagação de sintomas clínicos, como a Síndrome de Burnout, a depressão, o estresse, que produzem a corrosão da personalidade, a desmoralização e a dessimbolização (DARDOT; LAVAL, 2016) entre outros efeitos a serem produzidos e diagnosticados. A ambivalência das DCC favorecem que os valores hegemônicos afeitos ao neoliberalismo se consolidem.

Enquanto resultado da recontextualização, essa produção beneficia o cerceamento de ações transgressoras e resistentes aos processos de dominação de classe, gênero, etnia, sexualidade etc. que ganham espaço nas discussões sociais. Afinal, é fácil perceber que as DCC valorizam processos de individuação centrados na aquisição de habilidades e competências, validam formas de se movimentar pautadas em estágios de desenvolvimento padronizados, sustentam e afirmam uma condição de saúde e dão atenção rasa para questões sociais e, sequer mencionam metas para superar os problemas identitários que marcam toda a sociedade.

Em tempos de BNCC, reiteramos que é a partir da produção de conhecimento na área das políticas curriculares que nos é permitido construir ferramentas que viabilizem a crítica às formas de imposição cultural e à padronização de identidades associadas ao neoliberalismo. Cabe agora investigar as políticas curriculares tanto nos momentos de sua formulação, como também suas políticas de implantação, até a sua realização no chão da escola.

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2 - Para Foucault (1992), o dispositivo refere-se às práticas que atuam como um aparelho, uma ferramenta, constituindo sujeitos e os organizando.

3- Foucault (2012) denominou de dispositivo de eficácia o conjunto de práticas de treinamento e vigilância dos corpos e mentes, que visavam a produzir o sujeito que se inseriria no circuito de produção econômica e político do capitalismo liberal. Tratava-se de sujeito assujeitado a diversos discursos: religioso, político, econômico, moral. No neoliberalismo o dispositivo da eficácia ganha outros contornos. Minimizam-se os aspectos disciplinares e promovem-se outras formas de controle que atribuem ao próprio sujeito a responsabilidade do governo de si sob a pressão da competição e das lógicas do desempenho e risco (FOUCAULT, 2008a).

4- Trata-se de uma rede de especialistas reconhecidos num domínio particular de conhecimento e com autoridade intelectual ou política legitimada (BALL, 1998).

5- De modo simplificado explicamos que na recontextualização (conceito formulado pelo sociólogo da educação britânico Basil Bernstein) ocorre, inicialmente, uma descontextualização da produção do texto original por meio da apropriação seletiva. Com isso, muda-se a posição do texto em relação a outros textos e práticas. Simultaneamente, o texto é modificado por processo de seleção e simplificação dos pontos que fortaleçam os significados desejados, ocasionando outra elaboração. Nesse processo, transforma-se o sentido do texto, atendendo a interesses políticos ou especializados e gera o discurso pedagógico oficial (LOPES, 2005).

6- Essa revisão foi realizada em agosto de 2018 nas revistas: Movimento, Motriz, Pensar a Prática, Revista Brasileira da Ciência do Esporte e Motrivivência.

7- Foucault (2008b) desenvolveu uma reflexão genealógica a respeito dos exercícios das relações de poder nas instituições modernas. Acrescentou às discussões sobre a disciplinarização dos corpos no contexto anátomo-político as análises dos modos da gestão estatal do corpo e da vida da espécie humana, atribuindo-lhe a noção de biopolítica. A biopolítica tem por alvo o conjunto dos indivíduos que compõem uma população a fim de regular toda a sociedade de forma mais eficiente e econômica.

8- Os objetivos gerais encontram-se no capítulo Educação física de ambas as DCC (nas DCC1 na página 139, capítulo 15, parte III e nas DCC2 na página 57, parte III).

Recebido: 01 de Junho de 2019; Revisado: 01 de Outubro de 2019; Aceito: 12 de Novembro de 2019

Maísa Ferreira é licenciada e mestra em educação física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), cursa doutorado em educação física na mesma instituição, participa dos grupos de pesquisa Transgressão (FEF/Unicamp) e Margem (FEF/Unicamp).

Mário Luiz Ferrari Nunes é licenciado em educação física com mestrado, doutorado e pós-doutorado em educação. É professor no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp.É líder do Grupo Transgressão (FEF/Unicamp) e co-líder do GPEF (FEUSP) - grupos de pesquisas em Educação Física Escolar.

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