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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 20-Jan-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248236020 

ARTIGOS

A essência e a aparência no contexto curricular da licenciatura no curso de geografia da Universidade Estadual de Londrina

Adriana Regina de Jesus Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-9346-5311

José Alexandre Gonçalves1 
http://orcid.org/0000-0002-3254-0576

1- Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil. Contatos: adrianatecnologia@yahoo.com.br; alexandregeopg@gmail.com


Resumo

O artigo analisa os preceitos da Resolução nº 02/2015 e o novo currículo objetivado no curso de licenciatura em geografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL) a partir das exigências de tal normativa. Nas bases do método dialético, o estudo abordou documentos oficiais, especialmente o eixo formativo específico da profissionalização do professor, e apreciou a categoria analítica aqui definida como aparência, tendo, como suporte comparativo, outros trabalhos em contextos e realidades semelhantes. Ao longo da análise, por força do método, apresentam-se alguns questionamentos ao plano aparente do objeto, reconhecendo que a aparência precisa estar bem elucidada, pois, em muitos momentos, ela revela ao observador a essência do concreto. Isso posto, ao analisar as ementas das disciplinas, foi possível evidenciar algumas fragilidades no processo formativo do professor de geografia. Assim, pondera-se que a licenciatura é um curso que necessariamente deve ter identidade e se fundamentar nas bases teóricas da educação. Desse modo, é preciso repensar o elenco de disciplinas e seus temas para abranger o entendimento da complexidade do campo profissional, evitando dessa maneira, pensar a formação do futuro professor de geografia em uma perspectiva pragmática e utilitarista, aspectos bastante veiculados na literatura acadêmica sobre o campo.

Palavras-Chave: Educação; Currículo; Licenciatura; Geografia

Abstract

The article analyzes the precepts of the Resolution number 02/2015 and the new curriculum aimed at the degree in geography course at the State University of Londrina (UEL) from the requirements of such regulation. Based on the dialectical method, the study addressed official documents, especially the specific formative axis of the teacher professionalization, and appreciated the analytical category defined here as appearance, having, as comparative support, other works in similar contexts and realities. During the analysis, due to the method, some questions are raised about the apparent plan of the object, recognizing that the appearance needs to be well elucidated, because, in many moments, they reveal to the observer the essence of the concrete. That said, when analyzing the syllabuses of the disciplines, it was possible to highlight some weaknesses in the training process of the geography teacher. Thus, it is considered that a licentiate degree is a course that must necessarily have an identity and be based on the theoretical foundations of Education. In this way, it is necessary to rethink the list of disciplines and their themes to encompass the understanding of the complexity of the professional field, thus avoiding thinking about the formation of the future geography teacher in a pragmatic and utilitarian perspective, aspects that are quite publicized in the academic literature on the field.

Key words: Education; Curriculum; Degree; Geography

Introdução

Este estudo sobre a formação de professores é uma análise referente aos preceitos da Resolução nº 02/2015 e a reformulação curricular das disciplinas do eixo profissionalizante conferidas no curso de licenciatura em geografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Para a escolha e justificativa dessa temática específica, dada à experiência de nossa formação inicial em outra instituição acadêmica, partiu-se da suposição de que proposições como os fundamentos filosóficos, sociológicos, políticos e históricos da educação estão cada vez mais “distantes” dos cursos de licenciatura em geografia desenvolvidos no Brasil. As aspas devem-se à compreensão de que os tópicos mencionados anteriormente não estão de todo ausentes em alguns dos excelentes cursos de formação de professores de geografia que existem em todo país, mas que, por força da concepção contemporânea hegemônica de formação de professores, podem estar perdendo espaço no currículo das licenciaturas.

Tentando evitar um equívoco, realizamos um levantamento dos artigos divulgados em periódicos da área de geografia e seu ensino, no período de 2010 e 2016, na base SciELO, utilizando os termos “licenciatura” e “geografia”. Dos dezesseis trabalhos listados, em quinze deles os pressupostos não estavam explícitos acerca dos fundamentos teórico-filosóficos da educação e suas implicações na formação do professor e seus saberes docentes. Constatou-se que os artigos discutiam proposições num plano quase que exclusivamente da perspectiva da experiência prática, com a finalidade de apontar possibilidades aos seus problemas de ordem técnica.

Destarte, ao estudar o objeto escolhido nas bases do método dialético, trabalhamos com determinados conceitos e categorias analíticas dessa abordagem metodológica. Resumidamente, dialética2 refere-se ao modo de pensar as contradições da realidade, de compreendê-la em seu permanente movimento de mudanças. Isto posto, o estudo aqui apresentado é parte de uma ampla pesquisa que abordou duas categorias analíticas: “aparência” e “essência” do objeto de pesquisa. Entretanto, especificamente neste artigo, considerando as características deste espaço de divulgação, sintetizamos o que entendemos em nossa análise por aspectos que tratam da “aparência” do objeto em questão. Ante os fundamentos que nos sustentam, encontramos em Vesentini (1987) a seguinte argumentação referente às categorias abordadas:

O que são aparência e essência no pensamento dialético? Aparência é a forma de aparecer do ser, a sua expressão fenomênica […]. E essência significa aquilo que determina, que dá significado à existência, que permanece mesmo com as modificações fenomênicas. […]. A essência, portanto, consiste no mais alto grau de abstração – ela é “a verdade do ser”. (VESENTINI, 1987, p. 21).

Desse modo, entendemos que a análise de documentos, seja um projeto, uma proposta ou plano que darão as diretrizes de um trabalho, é o momento de se ater aos aspectos da aparência (a tese ou proposição) do objeto. Assim, nos debruçamos sobre os preceitos da Resolução nº 02/2015 que levou a reformulações curriculares dos cursos de licenciatura e, com o consentimento dos responsáveis, tivemos acesso à nova proposta pedagógica de Curso para proceder à análise. Realizando um recorte, nos limitamos ao eixo profissionalizante da proposta, ou seja, às disciplinas pedagógicas do curso. Sendo assim, reforçamos que o procedimento de análise dos documentos de um curso é o momento para captar os aspectos de sua “fisionomia”, de sua “imagem”. Portanto, aparentemente aprecia-se a tese ou proposição do fenômeno aqui estudado chamado “geografia licenciatura da UEL”.

Da mesma maneira, qualquer indivíduo interessado em conhecer a aparência de um curso, poderá fazê-lo por meio da apreciação do que está descrito na sua proposta pedagógica. Por outro lado, “a verdade do ser” se revela na concretude, quando se vive a realidade dos sujeitos em seu trabalho efetivo de formação; a real objetivação na relação entre formadores e acadêmicos é, ao nosso entender, a “essência”. Entretanto, reiteramos que em razão da limitação e da característica deste meio de divulgação, essa categoria não será apreciada neste artigo.

Esta composição se divide em duas seções, a primeira analisa exclusivamente certos artigos da Resolução nº 02/2015 e alguns dilemas que as novas disciplinas do eixo profissionalizante do currículo da licenciatura em geografia da UEL podem apresentar de acordo com suas ementas e a proposta exigida pela normativa em questão. A segunda seção discute uma antiga preocupação dos geógrafos relacionada à sua formação no que se refere às suas possíveis habilitações, que, no âmbito da formação de professores, manifesta-se em argumentações idealistas diante de uma dicotomia evidente nos cursos.

A Resolução nº 02/2015 e os conteúdos do eixo profissionalizante do novo currículo da licenciatura em geografia da Universidade Estadual de Londrina

Com responsabilidade e respeito para com a instituição e os sujeitos envolvidos nesta pesquisa, efetuamos o diagnóstico da categoria dialética definida por “aparência”, ocupando-nos com as teleologias, ou seja, aquilo que está claramente definido como plano intencional, como o objetivo visado na proposta de formação do professor de geografia, expresso no documento norteador do objeto de pesquisa.

No âmbito da normativa geral, tratando da questão da organização curricular em relação à carga horária e a outros pontos específicos, almejando cursos de licenciatura com identidade, há a Resolução CNE nº 02/2015, que instituiu as Diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e continuada em nível superior de profissionais do magistério para a educação básica (DCNs). Essa, no entender de Dourado (2015), surgiu democraticamente como uma construção que buscou ampliar o espaço para a formação pedagógica dos professores em geral. O pouco espaço para aspectos teóricos da educação nos cursos de licenciatura é uma fragilidade identificada em vários trabalhos, como os de Sudbrack (2009), Krahe (2009), Gatti (2010) e Gonçalves e Carvalho (2017), entre outros, tornando-se uma demanda legitimada por entidades que defendem a pesquisa em educação e a formação de professores.

Sendo assim, a Resolução nº 02/2015 estabelece em seu artigo 13, parágrafo 1º, incisos I a IV, que os projetos político-pedagógicos (PPPs) dos cursos de licenciatura se reestruturem em 3.200 horas. Entendida por muitos como uma conquista do campo da formação de professores, a princípio a normativa havia estipulado um prazo de dois anos para que as instituições de ensino superior e seus departamentos específicos realizassem as adequações de seu novo currículo. Mas esse tempo, por pressão de instituições públicas e privadas, foi prorrogado.

A resolução exigiu grandes novidades nos cursos de licenciatura e seu aspecto mais marcante está prescrito no mencionado artigo 13. Além do aumento da carga horária, tal artigo impõe em seu parágrafo 2° o seguinte preceito:

Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. (BRASIL, 2015, p. 12).

Como está bem evidente, várias proposições devem ser objetivadas nas reformulações curriculares dos cursos de formação inicial do professor a partir dessa normativa. Nota-se que a Resolução nº 02/2015 ratificou uma diversidade de temáticas e algumas, por lei, já são assuntos na educação básica, como a diversidade racial. Assim, um amplo arco de assuntos precisa ser discutido e considerado nos cursos de licenciatura para que, de modo especial, se eleve a profissionalização e isso se reflita em melhorias no atendimento a crianças e jovens, no ensino ofertado e, também, na gestão do ambiente escolar. Capacidades que devem ser desenvolvidas na graduação para promover, além da instrumentalização técnica, outros aspectos da atuação profissional com que o futuro docente irá se deparar em seu trabalho no magistério na educação básica.

Nesse sentido, passamos a analisar a reformulação no curso de licenciatura em geografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mediante a causalidade imposta pela Resolução nº 02/2015, os docentes do departamento efetivaram o plano de alteração e reelaboração da nova proposta pedagógica curricular entre os anos de 2015 a 2017. Nesse processo de reformulação, novas disciplinas foram propostas e passaram a integrar a nova matriz curricular. As disciplinas do eixo profissionalizante do currículo de licenciatura (conforme o Processo UEL/CEPE/CA, nº 9677.2017.37), que entrou em vigor em 2019, estão descritas a seguir:

Devido à ampliação da carga horária imposta pela diretriz, a nova proposta de formação de professor referente ao curso de geografia ofertado pela UEL passa a ter nove disciplinas com foco estrito nos saberes docentes (ensino-aprendizagem) e questões relativas à educação, e outras cinco atividades acadêmicas de natureza obrigatória relacionadas à prática de ensino e à pesquisa.

É necessário ressaltar que a formação de professores constitui-se em um campo de conhecimento interdisciplinar e complexo, sendo que seu desenvolvimento envolve estudos que englobam várias temáticas (GATTI, 2010). Diante desse fato, pela análise da Resolução nº 02/2015 e sua relação com os conteúdos do eixo profissionalizante do novo currículo proposto, vamos apreciar criticamente três pontos desta reformulação curricular.

O primeiro ponto proeminente, o artigo 13, já citado anteriormente, estabelece que os cursos de formação devem garantir nos currículos, entre vários temas, conteúdos relacionados aos “fundamentos da educação”. Sobre esse ponto ratificado pela resolução, argumentamos que a educação, constituindo-se no âmbito das ciências sociais e humanas, tem como apreço a filosofia. Fundamentos da educação, portanto, referem-se aos fundamentos filosóficos e históricos da educação. Rios (2003), no início da década de 1980, construindo com outros autores diagnósticos críticos sobre o campo, argumentava que:

[…] até hoje a filosofia guarda esse sentido de busca do saber inteiro. […]. Porque aponta para a abrangência, a profundidade e a clareza que caracterizam aquela investigação. A reflexão filosófica quer ver claro, fundo e largo o seu objeto. (RIOS, 2003, p. 17).

Logo, essa é uma premissa básica em todas as formações de nível superior. Para que os cursos nessa esfera não fiquem restritos apenas à oferta de um ensino no domínio instrumental, técnico e na lógica da aplicabilidade ao campo de trabalho, a filosofia contribui para esclarecer e ampliar a visão de mundo e a capacidade intelectual dos acadêmicos. No âmbito da educação, Saviani (2003) explica que a importância do conhecimento teórico-filosófico está no fato de possibilitar o desenvolvimento da capacidade crítica do sujeito e, posteriormente, a existência de um docente emancipado, questionador, que, em sua práxis pedagógica, terá mais condições de se perguntar: o que se está a fazer? O que se quer fazer? De quem se está colocando a serviço?

Nesse sentido, a Resolução nº 02/2015, quando apresenta que um dos princípios relativos à formação de profissionais do magistério é uma “sólida base teórica” que reflita a especificidade da formação docente, corrobora com a reflexão e proposição acerca da constituição da emancipação do futuro educador.

Para tanto, a formação de professores deve ser compreendida em sua plenitude por meio de uma perspectiva histórica que permita entender de que forma estão sendo pensadas e materializadas as propostas pedagógicas curriculares dos cursos de licenciaturas, bem como suas implicações na formação do futuro professor no que tange aos saberes conceituais, procedimentais e atitudinais. Saberes esses que necessitam de uma sólida base teórica no campo de formação de professores.

Dessa maneira, a especificidade almejada nesse ponto da normativa, segundo nosso entender, refere-se às especificidades da área de formação de professores, sendo assim, ela deve estar objetivada nas propostas de cursos de licenciatura, o que implica um grande desafio epistemológico, didático-pedagógico e político. Essa é uma discussão que acontece há décadas no país.

Contribuindo com essa reflexão a Resolução nº 02/2015, em seu artigo 12º, inciso I, alínea “a”, afirma que os cursos de formação inicial deverão articular:

[…] princípios, concepções, conteúdos e critérios oriundos de diferentes áreas do conhecimento, incluindo os conhecimentos pedagógicos, específicos e interdisciplinares, os fundamentos da educação, para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade. (BRASIL, 2015, p. 10).

Sobre o excerto anterior, destacamos que “fundamentos da educação” constituem premissa descrita mais de uma vez nas diretrizes. Entretanto, quando analisamos a reformulação da proposta pedagógica e observamos o Quadro 1, referente às disciplinas do eixo profissionalizante do curso de licenciatura em geografia da UEL, vemos que no segundo semestre do curso os acadêmicos têm a disciplina “Fundamentos da geografia escolar”, com carga horária de 60 horas. Nesse aspecto, identifica-se uma contradição. Percebe-se um equívoco ao confundir-se os “Fundamentos da geografia escolar” como sinônimo de “fundamentos da educação”. Nesse ponto, nota-se um deslocamento ou uma tentativa de buscar a aplicabilidade da teoria e do saber filosófico ao campo do ensino da geografia.

Quadro 1 – Disciplinas do eixo profissionalizante: currículo 2019 

SEMESTRE DISCIPLINAS CARGA HORÁRIA
Fundamentos da geografia escolar 60 horas
Metodologia do ensino e aprendizagem em geografia I 75 horas
Políticas educacionais 60 horas
*Estágio de vivência docente em geografia I 100 horas
Psicologia da educação 60 horas
*Estágio de vivência docente em geografia II 100 horas
Metodologia do ensino e aprendizagem em geografia II 75 horas
Didática da geografia e instrumentação de ensino 75 horas
*Estágio de regência I 100 horas
Educação geográfica para inclusão de alunos com necessidades educativas especiais (NEEs) 75 horas
Ensino de geografia da diversidade 60 horas
Libras 60 horas
*Estágio de regência II 100 horas
*TCC em ensino de geografia 120 horas

Fonte: Elaborado pelos autores; levantamento realizado em julho de 2018.

* Atividades acadêmicas de natureza obrigatória.

Identificando aquilo que a resolução apresenta e conhecendo a ementa da disciplina “Fundamentos da geografia escolar”, apresentamos um contraponto. Justificamos a discussão intencional e programática de questões que contemplem os tais fundamentos da educação, porque há conteúdos básicos que serão “cobrados” do professor em todos os momentos em que este for chamado a demonstrar domínio teórico, compreensão da totalidade social e do papel da escola diante desse complexo.

Desta forma, “tendências e concepções pedagógicas”, “a educação e suas relações socioeconômicas políticas e culturais”, as relações entre “educação, trabalho e cidadania”, e a “função social da escola”3 são temas presentes, por exemplo, em testes e concursos para admissão de professores em qualquer nível e tipo de instituição. Ou seja, são aspectos gerais e totalizantes sem os quais acadêmicos de licenciatura não podem sair de seu curso de formação inicial, sob o risco de, se isto não ocorrer, terem fragilizada a sua formação. Como explica Saviani (2005), uma proposta de formação que se pretenda emancipatória deve debater certas questões, pois:

[…] implica a clareza dos determinantes sociais da educação, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a educação e, consequentemente, como é preciso se posicionar diante dessas contradições e desenredar a educação das visões ambíguas, para perceber claramente qual é a direção que cabe imprimir à questão educacional. (SAVIANI, 2005, p. 100).

O questionamento que surge quando analisamos as ementas das disciplinas pedagógicas é se os conteúdos a serem abordados possibilitam tratar a questão do ensino como instrumento de dominação ou de libertação (SAVIANI, 2005; VESENTINI, 2005), aspecto intrínseco aos fundamentos filosóficos da educação.

A formação de professores que quer propor um caminho crítico para o desenvolvimento de uma personalidade docente menos alienada precisa objetivar tais condições em referenciais teóricos que deem conta de esclarecer as contradições da realidade. Martins (2010) argumenta que, no processo formativo do futuro docente, não se pode desconsiderar a complexa trama social na qual a profissão está inserida, sendo a formação de professores concebida “como uma trajetória de formação de indivíduos, intencionalmente planejada, para a efetivação de determinada prática social” (MARTINS, 2010, p. 14).

No entanto, verificou-se no objeto analisado aquilo que Mendonça (2013) também observou e argumentou em seu trabalho, o fato de as orientações curriculares não serem objetivadas nas propostas pedagógicas de maneira plena, o que se deve a uma série de razões (burocráticas, políticas, ideológicas etc.), pois, de acordo com a autora:

Sabemos da forte influência dos documentos oficiais na delimitação e elaboração de PPPs de cursos para a formação dos estudantes em seus diferentes níveis de escolarização, entretanto a relação não é linear, é contraditória e mediada pelas ações dos professores e ainda mais levando-se em conta que o currículo não se reduz ao que está manifestado nos documentos ou mesmo no plano discursivo. […] Acrescenta-se a isso o contradiscurso e a vontade de romper com aquilo que não considera adequado ao que se pretende. É no processo instituinte que essas questões se manifestam. (MENDONÇA, 2013, p. 132).

No projeto pedagógico analisado, a objetivação dos preceitos da Resolução nº.٠2/2015 ocorreu de forma desfigurada ou limitada. Isso poderá ocorrer também em cursos de licenciatura de outras instituições e, em parte, se deve à autonomia de cada colegiado – algo que é importante defendermos –, mas pode estar ocorrendo por influências teóricas do paradigma da ideologia dominante atrelada à formação do capital humano, presente em alguns referenciais que se dedicam a didática. Sobre esse aspecto, Martins (2015) explica que esse ideário, focado na racionalização-reflexão e na apologia do saber experiencial, “ao conferir primazia ao professor e a sua formação (vivência e autoconhecimento), retira de foco aquilo que está no âmago da crise educacional contemporânea, ou seja, a função social da escola” (MARTINS, 2015, p. 21, grifo nosso). Quando a discussão referente à função social da escola é proposta mediante uma normativa que define diretrizes básicas a serem seguidas na formação inicial de professores, pode acontecer de ela não ocorrer no plano concreto a contento do que foi previamente pensado, em razão do ideário dominante que enfatiza a aplicação prática do saber.

O segundo ponto que levantamos em nossa reflexão analítica sobre a Resolução nº02/2015 e a proposta pedagógica curricular do curso de licenciatura em geografia da UEL, ainda se baseia nos aspectos marcantes prescritos no mencionado artigo 13, parágrafo 2º. A questão é a referida “formação na área de políticas públicas e gestão da educação” (BRASIL, 2015, p. 12), que os cursos de licenciatura deverão garantir nos seus currículos. Tal artigo é uma concisão do artigo anterior, o 12, de conteúdo mais amplo, dividido em três seções e várias alíneas, que estabelecem todos os parâmetros da formação inicial, dentre os quais estão os descritos no inciso I, alínea:

[…] b) princípios de justiça social, respeito à diversidade, promoção da participação e gestão democrática; […]. g) pesquisa e estudo dos conteúdos específicos e pedagógicos, seus fundamentos e metodologias, legislação educacional, processos de organização e gestão, trabalho docente, políticas de financiamento, avaliação e currículo. (BRASIL, 2015, p. 10).

Em nossa apreciação, observamos que na nova proposta curricular da licenciatura em geografia da UEL existe apenas um tópico temático que se aproxima timidamente no ponto relativo à “gestão”. Essa afinidade, que aparece na ementa da disciplina de “políticas educacionais”, traz “aspectos administrativos” quando for tratado o tema “organização do sistema público de ensino no Brasil”4. Uma disciplina de 60 horas, desenvolvida em um semestre do curso, que, como o seu nome evidencia, aborda a formação na área de políticas públicas, entretanto, não explicitando temas como os “processos de gestão” e nem mesmo as “políticas de financiamento”, como determinam as diretrizes. Sua ementa apresenta outras temáticas, como “educação como prática social e cultural e a escola como um dos espaços educativos; formação histórica da organização escolar e seus projetos educativos a partir do século XX […]” (UEL, 2018, p. 7).

O questionamento que trazemos é: em meio a esses conteúdos, será possível a abordagem do tópico referente à “administração e gestão democrática”, considerando a relevância imposta pelo tema para a formação do professor e ratificada pela Resolução nº 02/2015?

Ainda nesse ponto destaca-se que, na proposta pedagógica do curso analisado, está descrito no perfil do egresso da licenciatura a capacidade de “analisar, discutir e interagir na gestão da escola e da educação”5. Assim, além da limitação, constata-se outro descompasso que nos leva a um novo questionamento: como é possível esperar, ao final do processo, que o profissional egresso do curso seja capaz de realizar tarefas que não aprendeu e para as quais não tem o domínio? A aprendizagem de algo, segundo os fundamentos da teoria histórico-cultural6, decorre de atividade intencional, realizada pelo processo de mediação (BERNARDES, 2012; MARTINS, 2015; OLIVEIRA, 1997).

Ademais, em alusão à finalidade da formação inicial para o exercício da docência e atuação nas instituições de ensino, o artigo 10 da Resolução nº 02/2015 apresenta o trabalho do magistério também no âmbito da “gestão” escolar, assim definindo que:

A formação inicial destina-se àqueles que pretendem exercer o magistério da educação básica em suas etapas e modalidades de educação e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos […]. As atividades do magistério também compreendem a atuação e participação na organização e gestão de sistemas de educação básica e suas instituições de ensino […]. (BRASIL, 2015, p. 9, grifo nosso).

Mais uma vez o destaque é dado ao tema imprescindível à formação do professor: a participação na organização e gestão. Também é interessante notar nesse artigo outro aspecto importante relativo ao sujeito que pretende ingressar num curso de licenciatura, a questão da escolha profissional, sua identificação com o curso e o futuro trabalho, do real interesse em buscar a formação inicial e a atuação no magistério. A escolha responsável de buscar os saberes do exercício de uma dada atividade é o primeiro passo para que se construa uma identidade profissional, aspecto relevante ligado ao autoconhecimento. O “conhecer-se” e o “querer pertencer” a um grupo para contribuir com o seu efetivo trabalho é o princípio para um aprendizado que faça sentido e apodere o indivíduo no desafio de encarar a realidade.

Corroborando essa argumentação, é coerente também que o artigo 11 da Resolução nº 02/2015 venha especificar que “A formação inicial requer projeto com identidade própria de curso de licenciatura articulado ao bacharelado […]” (BRASIL, 2015, p. 9), e esse é o terceiro ponto que iremos destacar neste comentário analítico referente a apreciação documental. Esse ponto diz respeito ao ingresso e matrícula do acadêmico no curso de licenciatura em geografia da UEL. No que compete ao preceito de um projeto de curso com identidade própria, constata-se a relativa carência, já que a entrada para a graduação em geografia na instituição analisada se dá na área básica de ingresso (ABI), que se realiza por meio da aprovação no concurso vestibular7, no qual o postulante se inscreve para cursar geografia, licenciatura/bacharelado, selecionando o turno (matutino ou noturno), não sendo necessário, de início, a escolha da habilitação que pretende seguir.

Descrevendo o perfil dos cursos analisados em sua tese, Mendonça (2013) afirma que a entrada única para duas habilitações é o que ocorre na maioria dos cursos de geografia do país e aponta os possíveis limites desse modo de conceber a formação do professor: “Isso dificulta uma formação com identidade própria, incentivando uma profissionalidade docente planejada desde o início do curso, articulando uma formação sólida” (MENDONÇA, 2013, p. 131).

No caso específico analisado, para aqueles que pretendem exercer o magistério, de acordo com a proposta pedagógica do curso de licenciatura em geografia da UEL, em vigor desde 2019, em sua seção 11.1.4, estabelece que “na renovação de matrícula para o segundo semestre o estudante deverá fazer opção pela Habilitação: Licenciatura”. Essa regra existe em razão da referida “entrada única”, a ABI para as duas habilitações (bacharelado/licenciatura). Na proposta curricular que vigorou na licenciatura em geografia da UEL até 2018, por exemplo, havia um resquício do antigo modelo “3+1” (três anos de formação na ciência específica, geografia; um ano de disciplinas e experiência de estágio no campo da educação), contudo num formato um pouco mais equilibrado, o “2+2”, no qual se constata a mesma limitação apontada em Mendonça (2013), a dificuldade de uma formação profissional com identidade própria desde o início do processo. Entretanto, houve essa adequação na nova proposta, mantendo a ABI, porém apresentado a escolha da habilitação desde o primeiro ano do curso, possibilitando o contato do acadêmico com as disciplinas do eixo profissionalizante durante os quatro anos de sua formação.

Assim, concluímos a primeira seção em que apresentamos certos pontos do currículo analisado que aparentemente expressam contradições em relação ao solicitado pela resolução. Na segunda seção, nossa intenção é argumentar mais especificamente sobre a questão da área básica de ingresso e a dualidade formativa, um antigo impasse sobre a concepção dos cursos de licenciatura em geografia no país.

Idealismo e dicotomias como possibilidade formativa

A partir daqui discutiremos especificamente o dilema apresentado no plano aparente e que se relaciona com a essência de muitos cursos de formação de professores de geografia no Brasil, que se refere à dualidade da formação e à hibridez dos cursos. Essa questão, que diz respeito à identidade de cursos de licenciatura ou de bacharelado, já vem sendo discutida desde o início dos anos de 1980 e, como se viu pela análise apresentada anteriormente, ainda não foi superada plenamente.

Assim, trazemos a argumentação do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira e seu posicionamento contrário à nova concepção para licenciaturas, quando se iniciam no Brasil as primeiras experiências de cursos no qual o ingresso é na habilitação específica. Em 1984, Oliveira (1993) publicava um trabalho na revista Orientação, nº 5, do Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, criticando a presente tendência nos cursos de geografia da época, alegando que:

Esta divisão cria entre nós uma falsa dualidade entre professor e o pesquisador, que tem sido a bandeira de geógrafos que pleiteiam a separação entre os cursos de graduação para a formação de professores (licenciatura) e os para a formação de pesquisadores (os “profissionais geógrafos”), que hoje têm grande parte de sua prática limitada pelos aparelhos de planejamento do Estado. (OLIVEIRA, 1993, p. 29).

Dessa forma, não acreditando na dualidade e defendendo a manutenção do modelo de formação vigente (a entrada única e o “3+1”), o autor argumentava que esta “bandeira de divisão dos cursos” só poderia contribuir para o empobrecimento ainda maior da geografia e para a “morte natural” de seu ensino. Porém, evidencia-se uma contradição no entendimento do autor quando o próprio distingue os ofícios dos profissionais geógrafos e dos professores – o primeiro é dado ao planejamento. Portanto há, sim, duas funções, dois “entes” distintos que exigem habilidades específicas, trabalhadas em cursos específicos.

Todavia, pesquisas indicam que é difícil objetivar a contento, em uma habilitação específica de licenciatura, como observado também por Souza (2009), Lopes (2010), Martins (2010) e Mendonça (2013), um curso “híbrido” formando integralmente o geógrafo e o educador. No entanto, essa é a premissa encontrada na proposta pedagógica curricular da licenciatura em geografia da UEL, que em sua seção 9.1 (“Objetivo geral”), estabelece que “O Curso de Geografia […] deverá possibilitar a formação integral do geógrafo e do educador […]” (UEL, 2009, p. 2). Referindo-se à habilitação de licenciatura, percebe-se em tal premissa um equívoco. Podemos considerá-la um idealismo, uma abstração. As normativas no campo da formação de professores exigem que os projetos pedagógicos de cursos de licenciatura garantam a constituição das capacidades objetivadas na educação básica, o que concretamente, convenhamos, já é muito.

Contudo, seguindo a mesma linha de Oliveira (1993), Calai (2013), intelectual referência na formação de professores de geografia, defendia, em 1999, a formação do “geógrafo educador”. Esse parece ser o parâmetro adotado na proposta pedagógica analisada. A autora argumenta que a formação do geógrafo deve contemplar duas perspectivas que não se colocam hierarquicamente. Existe para o profissional formado em geografia, segundo Calai (2013), a “função técnica” e a “função social”, sendo que neste encargo estaria a atividade da docência exercida pelo geógrafo. Para a autora:

[…] não há sentido em uma dicotomização entre o bacharel e o licenciado: os dois são um só e, como tal, devem ter a mesma importância quanto aos aspectos de formação, à estruturação e aos conteúdos desenvolvidos. (CALAI, 2013, p. 106).

Este idealismo não se verifica na realidade, na qual essa dualidade é bastante presente. O interessante é que não foi possível encontrar a “função social” descrita por Calai (2013), e defendida por outros acadêmicos, em nenhum local, como no site oficial da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e tão pouco na Lei nº 6.664/1979, que regulamenta a profissão de geógrafo. Na página da notável associação está descrito que:

Para tornar-se um profissional da Geografia (magistério ou técnico) é necessário possuir algumas aptidões, tais como: capacidade de ler e interpretar variados documentos (paisagens, fotografias, imagens de radar, cenas orbitais, mapas, gráficos, tabelas, textos); raciocínio analítico e sintético; mentalidade científica; desejo de ser útil à sociedade; gosto e disponibilidade para os trabalhos de campo; sensibilidade para as questões relacionadas aos processos de produção do espaço (questões ambientais, sociais, econômicas, políticas e culturais). (AGB, 2020).

Todas as aptidões são, pois, imprescindíveis ao professor de geografia. Contudo, mesmo o excerto mencionando o magistério (e longe de atribuí-lo como “a função social” da profissão), a referida associação não preconiza como aptidões do profissional da geografia, por exemplo, o planejamento e a execução de atividades educacionais nos espaços formativos. Não, essa é uma aptidão específica do professor!

Assim, diante das explicações desse excerto, estamos convencidos e, assim como Lopes (2010), acreditamos que é um equívoco pretender a formação integral do geógrafo e do educador. Isso porque se corre o risco de um vir em detrimento de outro, pois, para o autor, “por gozar de maior status e prestígio, a formação do bacharel usufrui de melhores condições para se efetivar e a formação do professor fica secundarizada e inferiorizada” (LOPES, 2010, p. 76).

O curso em questão (de licenciatura) reconhece que busca a capacitação, mediante formação única, para o exercício em duas vertentes profissionais. Entretanto, além do limite apresentado por Lopes (2010), é possível que, como observado em outra pesquisa, os docentes voltados para o bacharel “não considerem como sua tarefa a formação docente, transferindo para as disciplinas da área da Educação esse papel” (MENDONÇA, 2013, p. 149). Nesse sentido, Lopes (2010) argumentava também que a organização curricular e administrativa das instituições formadoras estabeleceu a dicotomia “formação do licenciado em geografia” e formação do “geógrafo bacharel”, e baseia sua crítica em outros dois intelectuais peritos no assunto, José William Vesentini e Antônio Carlos R. de Moraes, para afirmar que “embora o destino da maioria dos egressos desses cursos continue sendo a sala de aula, a meta departamental, é na maioria dos casos, a formação do bacharel” (LOPES, 2010, p. 76).

Um exemplo desse problema se observa quando da elaboração de um evento científico, um ciclo de debates etc., se prima, para a maioria dos docentes, em trazer um palestrante perito em algum tema da geografia a ser estudado e discutido junto aos acadêmicos, e não se propõem espaços extracurriculares com o objetivo de se discutir a educação.

Assim, abordamos aqui esses aspectos importantes que sobressaem na análise da categoria “aparência”, que podem até mesmo manifestar, como vimos, ideias abstratas. A aparência, ou seja, os documentos, a descrição de objetivos e conteúdos a serem abordados, é uma perspectiva interessante de ser analisada pois ela está diretamente relacionada à categoria essência, aquela experiência real da formação do professor, a objetivação na relação entre formadores e acadêmicos no processo concreto de mediação. Sendo assim, uma revela a outra, uma vez que, em certos casos, conhecendo a aparência, pode-se reconhecer a essência.

Considerações finais

Compreende-se plenamente que em todas as propostas de formação, principalmente num curso de um período de quatro anos, considerando sua estrutura e condições, sempre existirão limitações de tempo para se formar o profissional que, no caso do magistério, terá de dominar conteúdos, conhecer metodologias e desenvolver consciência política.

Entretanto, nosso esforço reconheceu certo abstencionismo do eixo ético-político da formação do professor. Nossa análise verificou a normativa e a proposta pedagógica, identificando contradições e evidenciando possíveis fragilidades no processo formativo do professor de geografia. Mesmo respeitando as exigências legais de distribuição de carga horária nos eixos formativos do currículo, constata-se pelas disciplinas e ementas do eixo profissionalizante o pouco espaço destinado a discutir algumas questões imprescindíveis ao docente.

Reiteramos que a licenciatura é um curso que necessariamente precisa de identidade e espaço para o acadêmico se fundamentar nas bases teórico-filosóficas da educação, formando o entendimento de suas concepções com base em contextos históricos e sociais. Tais aspectos teóricos, além de ampliar a visão de mundo e a capacidade intelectual, possibilitam o desenvolvimento da capacidade crítica do sujeito e, posteriormente, a possível existência de um docente emancipado.

Assim, pondera-se o esforço de repensar as disciplinas e suas temáticas para evitar cair no pragmatismo e no utilitarismo, fazendo com que a proposta para a formação profissional sempre prenda-se à instrumentalização técnica. Ao plano aparente, observando apenas a descrição dos conteúdos no documento oficial, é possível afirmar que o que ocorre na essência é uma tentativa de ser objetivo, restrito ao utilitário. Por outro lado, se a perspectiva ético-política é buscada na essência, se é necessariamente mediada na sala de aula, recomenda-se que ela deva estar evidentemente descrita no plano da proposta pedagógica, evitando, assim, leituras e opiniões equivocadas referentes às características qualitativas do curso.

Enfim, reconhecemos que a objetivação de um currículo é uma ação política. Esse com certeza sempre foi e continuará sendo um dilema presente nas propostas curriculares em todos os níveis da educação: o currículo pensado e o currículo proposto. Mendonça (2013) apoia-se em outro autor para argumentar que, nos departamentos, a construção do projeto curricular do curso é sempre “produto dinâmico de lutas contínuas entre grupos dominantes e dominados, fruto de acordos, conflitos, concessões e alianças” (LOPES, 1999, p. 86 apudMENDONÇA, 2013, p. 132). Essa perplexidade também é possivelmente a causa em nosso objeto, da pequena “desfiguração” da proposta estabelecida na Resolução nº 02/2015. Assim, para superar possíveis fragilidades que surgiram no plano aparente do objeto em questão, é necessário um esforço no âmbito da experiência real da mediação de certos intentos, reconhecendo que a aparência precisa ser bem-elucidada, pois, em muitos momentos, elas revelam ao observador a essência do concreto.

Referências

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2- Como explica Konder (1998), a dialética enquanto método analítico surge na Grécia antiga com Heráclito de Éfeso (século V a. C.), o primeiro a argumentar sobre o fato de que tudo existe em constante mudança, sendo o conflito o senhor de todas as coisas. Em seu esforço por entender as contradições presentes na realidade por meio da compreensão dialética, no século XIX, o pensador alemão Friedrich Hegel (1770-1831) conceituou três categorias de sua proposta de análise do movimento, que são: a tese, a antítese e a síntese.

3- Cf. Edital nº 017/2013, “que estabelece as instruções especiais para a realização do concurso público de provas e títulos para provimento no cargo de professor, nas disciplinas da matriz curricular e pedagogo, do quadro próprio do magistério, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED/PR”. Disponível em: https://www.pucpr.br/processo-seletivo-concursos/concurso-publico-do-quadro-proprio-do-magisterio-do-estado-do-parana-edital-seap-n-o-0172013/. Acesso em: 16 maio 2018.

4- Cf. ementa da disciplina descrita no Processo UEL/CEPE/CA, nº 9677.2017.37.

5- Cf. seção 10.3 “Perfil do licenciado em geografia”.

6- A teoria histórico-cultural tem suas origens nos estudos de Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934).

7- Cf. Resolução CEPE nº 044/2017.

Recebido: 02 de Abril de 2020; Revisado: 29 de Abril de 2020; Aceito: 30 de Junho de 2020

Adriana Regina de Jesus Santos é doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e líder do Grupo de Pesquisa pelo CNPq: Currículo, Formação e Trabalho Docente.

José Alexandre Gonçalves é mestre em educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), professor da rede estadual de educação do estado do Paraná e integrante do Grupo de Pesquisa pelo CNPq: Currículo, Formação e Trabalho Docente.

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