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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 03-Jun-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248239129por 

Artigos

O corpo criança na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental

Gisele Brandelero Camargo1 
http://orcid.org/0000-0003-3983-2966

Marynelma Camargo Garanhani2 
http://orcid.org/0000-0002-3975-7137

1- Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil. Contato: gbcamargo@uepg.br

2- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Contato: marynelmagaranhani@gmail.com


Resumo

Com base interpretativa e cunho etnográfico, realizou-se uma pesquisa para compreender como é a experiência de travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, do ponto de vista das crianças. E com esse cenário trouxemos, para este texto, reflexões sobre o corpo criança. Para isso, ancorada em estudos da Sociologia da Infância e motivada pela pergunta problema de pesquisa (como é a experiência de travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, do ponto de vista das crianças?), a produção de dados considerou as expressões de seis crianças em dois contextos escolares: uma escola de educação infantil e outra de anos iniciais do ensino fundamental, no município de Ponta Grossa, no Paraná, no período de agosto de 2018 a julho de 2019. Por meio da inserção das pesquisadoras no grupo de crianças, com observações participantes, entrevistas e visitas monitoradas, buscou-se uma interlocução adequada às suas falas, compreendendo que elas ultrapassam o uso exclusivo da linguagem verbal ou escrita, abrangendo os movimentos do seu corpo e sua gestualidade. Os dados, emergidos das falas das crianças, geraram dois temas de análise: diferenças e estratégias. Esses se desdobraram nos seguintes eixos de análise: a) as rotinas e os espaços; b) as práticas escolares; e c) as regras. As análises permitiram refletir sobre o corpo criança, a potência de seus movimentos e gestualidades como uma maneira válida de a criança ser e estar no mundo, produzindo cultura, interpretando e se relacionando, moldando e influenciando os constructos sociais em que estão inseridas.

Palavras-Chave: Corpo criança; Travessia; Pesquisa com crianças; Anos iniciais do ensino fundamental

Abstract

With an interpretive and ethnographic basis, we carried out a research to understand what the experience of crossing from early childhood education to the early grades of elementary school is like, from the children’s point of view. And with this scenario, we bring in this text, reflections on the child body. For this, anchored in studies of the Sociology of Childhood, and motivated by the research problem-question (What is the experience of crossing from early childhood education to the early grades of elementary school like, from the children’s point of view?), the production of data considered the expressions of six children in two school contexts: a school of early childhood education and another of the early grades of elementary school, in the city of Ponta Grossa, Paraná, Brazil, from August 2018 to July 2019. Through the insertion of the researchers in the group of children, with participant observations, interviews and monitored visits, we sought an adequate interlocution to their speeches, understanding that they go beyond the exclusive use of verbal or written language, covering the movements of their body and their gestures. The data, emerging from the children’s speech, generated two themes for analysis: differences and strategies. These unfolded in the following axes of analysis: a) routines and spaces; b) school practices; and c) rules. The analyzes allowed us to reflect on the child’s body, the power of its movements and gestures as a valid way for the child to be in the world and belong to it, producing culture, interpreting and relating, shaping and influencing the social constructs in which they are inserted.

Key words: Child body; Crossing; Research with children; Early grades of elementary school

Introdução

[…] no meio da travessia, mesmo o solo lhe falta, acabam os domínios. Então o corpo voa e esquece o que é sólido, não mais na expectativa das descobertas estáveis, mas como instalando-se para sempre em sua vida estrangeira: braços e pernas entram numa fraca e fluída portância, a pele se adapta ao ambiente turbulento, pára a vertigem da cabeça porque doravante ela só pode contar com seu próprio suporte; sob pena de afogar-se, ganha confiança na braçada lenta […]. ( SERRES, 1993 , p. 12).

Ao sair, partir para outro lugar, o corpo experiencia a turbulência do rio, o cheiro do vento, o frescor da água, o calor do esforço que o nado no caos do entre lugar proporciona e, com isso, reinterpreta seus movimentos, ressignifica seus sentidos e se modifica. Serres (1993) alude à travessia de um rio impetuoso em toda transição que nos sucede, culminada no esforço do corpo em experienciar as sensações que a ação de atravessar nos impele. Para ele “o corpo que atravessa aprende certamente um segundo mundo, aquele para o qual se dirige, onde se fala outra língua. Mas, ele se inicia sobretudo num terceiro, pelo qual transita” ( SERRES, 1993 , p. 12). A experiência de atravessar é individual, intransferível, particular e se mostra no corpo, ou seja, “soa […] a corpo, isto é, a sensibilidade, a tato e a pele, a voz e a ouvido, a olhar, a sabor e a odor, a prazer e a sofrimento, a carícia e a ferida, a mortalidade” ( LARROSA, 2011 , p. 24).

Atravessar, nesse sentido, é mais abrangente do que transitar, pois implica considerar a sensibilidade corporal no processo de passagem de um lugar para o outro, de uma situação para a outra, de um nível ao outro. Não é simplesmente passar de uma situação para outra, mas interpretar os sentidos que o corpo encontra para o significado da passagem. Nesse cenário, apresentamos neste texto a pesquisa que realizamos para compreender como é a experiência de travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, do ponto de vista das crianças3 .

Tal pesquisa, motivada pela pergunta problema de pesquisa (como é a experiência de travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, do ponto de vista das crianças?), ocorreu em dois contextos escolares: um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI: margem inicial do estudo – MI) e uma escola de anos iniciais do ensino fundamental (Escola: margem final – MF), no município de Ponta Grossa, no Paraná.

Com a pesquisa de base interpretativa e cunho etnográfico com crianças, nos inserimos em uma turma de finalistas da educação infantil (MI), no período de agosto a dezembro de 2018, no CMEI. Acompanhamos essas crianças na travessia para o primeiro ano do ensino fundamental (MF) em todas as segundas, terças e quartas-feiras letivas do período de fevereiro a julho de 2019, na escola adjacente ao CMEI. Dessa forma, o período da pesquisa compreendeu os meses de agosto a setembro de 2018 e fevereiro a julho de 2019. Nesse período, buscamos nos aproximar das crianças, estabelecendo com elas uma relação de confiança e partilha do cotidiano escolar. Um acerto entre as equipes gestoras do CMEI e da Escola foi feito no início da pesquisa, para possibilitar que as crianças ficassem juntas na turma do primeiro ano da MF. Considerando que a Escola tinha três turmas de primeiro ano em 2019, esse acordo favoreceu o acompanhamento das crianças nas rotinas da sala de aula.

Quando nos inserimos na MI, convivemos com uma turma composta por 26 crianças. Com todas elas, experienciamos a última etapa da educação infantil. Todavia, seis crianças demonstravam maior interesse em produzir dados para a pesquisa. Elas nos procuravam mais que as outras. Expressavam suas percepções e reflexões sobre a escola e, por isso, nos traziam para perto em diversas situações. Elas se tornaram os sujeitos produtores de dados desta investigação.

Ao buscar uma relação próxima com as crianças, pautada na condição de que nossa postura não era de controle, nem de domínio, nem de ensino, mas de pesquisadoras curiosas para conhecer seus pontos de vista, utilizamos alguns instrumentos de produção de dados que nos aproximaram delas e de suas formas particulares de interpretação do contexto4 em que estavam inseridas. Assim, por meio das observações participantes das crianças em suas rotinas, entrevistas individuais e coletivas e visitas monitoradas5 , buscamos uma interlocução adequada às suas falas, compreendendo que elas ultrapassam a linguagem verbal, abrangendo os movimentos do seu corpo e sua gestualidade. Por compreender, como Le Breton (2007 , p. 7), que “antes de qualquer coisa, a existência é corporal”, pressupomos que a evidência da existência humana é legitimada pelos movimentos do corpo que se transformam e transformam um determinado espaço e tempo por meio de movimentos e gestos, traduzidos nas linguagens e expressões que pautam nossas relações sociais. Dessa forma, a criança compreende, interpreta, cria cultura, se relaciona em seu universo social a partir do seu corpo em movimento.

Para inserção e aproximação com as crianças admitimos que nossa postura de pesquisadoras ganhou as nuances do conceito menos-adulto ( MANDELL, 2003 ), que é definido como

[…] membro do grupo que suspende as noções adultas de superioridade cognitiva, social e intelectual e minimiza as diferenças físicas, defendendo que os pesquisadores adultos sigam de perto os modos das crianças e interajam com as crianças dentro de sua perspectiva. Atingir um bom nível de envolvimento com crianças pequenas é possível através da partilha do objeto social. Por meio da manipulação conjunta de objetos, as crianças e o pesquisador consideram um ao outro e criam um significado social. Agindo com as crianças na sua perspectiva, os adultos ganham uma compreensão das ações das crianças. ( MANDELL, 2003 , p. 58, tradução nossa)6 .

Assim, na semântica dessa travessia, o corpo e suas diferenças, na condição de menos-adulto, não foi a causa de uma relação de controle ou poder sobre as crianças durante o exercício do papel de pesquisadoras. Ao contrário, nos aproximamos delas a partir de movimentos e gestualidades que traduziam nosso interesse em fazer parte do grupo, como adultos que somos, mas colocando-nos no lugar de compartilhamento com as crianças em suas atividades e estratégias de ação no contexto escolar. O corpo se tornou o eixo produtor dos significados e sentidos das “ações que teceram a trama da vida cotidiana, desde as mais simples e menos concretas até aquelas que ocorrem na cena pública” ( BUSS-SIMÃO et al ., 2010 , p. 153).

Após a produção dos dados, codificamos os temas que emergiram das falas das crianças por meio da triangulação ( MINAYO, 2010 ) e elencamos os eixos estruturadores da análise. Assim, diferenças e estratégias constituíram os eixos de análise e neles foram entrelaçados os temas pinçados das falas das crianças que se organizaram em: a) as rotinas e espaços; b) as práticas escolares; e c) as regras. Observando os eixos estruturadores que perpassam esses temas de análise pudemos ver revelados os significados e sentidos atribuídos pelas crianças à sua travessia.

Nas falas das crianças, ainda foi possível verificar algumas sugestões para a (re)organização da escola da MF. As proposições feitas por elas apontaram aspectos que podem compor a cultura da escola da criança; os ritos e costumes diferentes dos que lá foram encontrados. Essa organização dos dados gerou um desenho de análise, conforme nos mostra a Figura 1 .

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Figura 1 Desenho de análise dos dados da pesquisa 

Com essa organização e a partir da triangulação como método de análise dos dados foi possível ver revelados os significados e sentidos atribuídos pelas crianças à sua travessia.

Isto é, com o corpo em movimento (livre ou reprimido), com suas gestualidades, as crianças revelaram suas interpretações de mundo, dos costumes e rotinas das escolas e das relações que ensejaram nesses contextos, criaram estratégias de enfrentamento dos constrangimentos e refletiram sobre suas culturas, agindo conscientemente nesse universo social.

Em síntese, a pesquisa nos levou e (re) afirmou a apropriação e uso do conceito corpo criança 7 , neste e em outros estudos que estamos realizando, por visualizar e compreender a potência e protagonismo da criança na gestualidade do seu corpo em movimento.

Assim, subsidiadas pela perspectiva que Le Breton (2007 , p. 7) propõe sobre a condição corporal da experiência humana, em que “o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída”, e aliada à compreensão de que “a criança usa seu corpo como uma totalidade” ( MERLEAU-PONTY, 2006 , p. 183), propomos o entendimento de que a criança apresenta características e especificidades corporais próprias na relação com o mundo, uma condição que a constitui criança . E o corpo, como um conjunto de dimensões física, afetiva, histórica e social ( GARANHANI, 2008 ), na condição criança, expressa codificações não tão marcadas e/ou em construção, que o constitui corpo criança. Portanto, a criança é corpo e o corpo é criança nas suas diferentes expressões e comunicações. É o corpo criança que sente, pensa, interpreta, age, se relaciona, vive. E por ser um corpo diferente do corpo adulto ou do corpo idoso, por ter características particulares e por ser menos afetado pelas codificações sociais, é denominado como corpo criança.

Com esse entendimento, o corpo criança no contexto da travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental será o foco de nossa discussão neste texto.

O corpo criança na perspectiva da sociologia da infância

Segundo James, Jenks e Prout (1999 , p. 208) “há uma falta de clareza a respeito do status do corpo em boa parte do trabalho nas novas abordagens sociológicas da infância”. Do ponto de vista das ciências sociais, movidos pela indagação sobre o que é o corpo, algumas explicações foram sendo construídas, como as fundacionalistas e antifundacionalistas.

Os fundacionalistas explicam que “o corpo é um ente real, material, que não é redutível aos muitos diferentes arcabouços de significados encontrados em diversas culturas […]” ( JAMES; JENKS; PROUT, 1999 , p. 210). Sendo defendido como um ente biológico, cujo funcionamento independe das relações sociais, o corpo, para os fundacionalistas, deve ser estudado pelos sociólogos, a partir de como é “interpretado e experimentado por diferentes protagonistas em diferentes contextos sociais e culturais” (p. 211). De acordo com os autores, esse enfoque exclui as investigações sobre o corpo nas relações sociais e culturais.

Os antifundacionalistas, ao contrário, “raciocinam de modo absolutamente idealista: que não existe corpo material algum, havendo apenas nossas percepções dele, que são moldadas por circunstâncias sociais” ( JAMES; JENKS; PROUT, 1999 , p. 211). A partir dessa perspectiva os sociólogos devem analisar as representações sociais do corpo.

Para esses autores, ambas as explicações “espelham o duplo reducionismo […] e envolvem pressupostos ontológicos e epistemológicos contraditórios de todo nível” ( JAMES; JENKS; PROUT, 1999 , p. 210). Isso nos levou a buscar outras perspectivas para interpretar o corpo criança.

Na tentativa de superar as concepções dualistas do corpo, surgem no contexto pós-revolução industrial estudos, como o de Merleau-Ponty (1968)8 , que valorizam o corpo como lócus de uma experiência subjetiva do ser humano e inclui “tanto uma apreciação da importância da corporificação quanto do papel ativo das crianças, assimilando e construindo seu mundo social por meio dessa corporificação” ( JAMES; JENKS; PROUT, 1999 , p. 227).

Nesse sentido, Merleau-Ponty (2011 , p. 257) afirma que “o uso que um homem fará de seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto ser simplesmente biológico”. Isto é, nossa percepção, fala, pensamento, e sentimento só ocorrem porque somos um corpo encarnado e contextualizado.

Ao encontro disso, Le Breton (2007) explica que há modelos de sociedade que são comunitárias e diferem de modelos individualistas, no que diz respeito à compreensão do corpo. Em suas palavras:

Em sociedades que permanecem relativamente tradicionais e comunitárias, o ‘corpo’ é o elemento de ligação da energia coletiva e, através dele, cada homem é incluído no seio do grupo. Ao contrário, em sociedades individualistas, o corpo é o elemento que interrompe, o elemento que marca os limites da pessoa, isto é, lá onde começa e acaba a presença do indivíduo. ( LE BRETON, 2007 , p. 30).

Com isso, as sociedades comunitárias demarcam o corpo com elementos indissociáveis, em que não há divisão entre o pensamento e o ente físico. Isto é, nesses contextos, o corpo é pensamento, sentimento, ação, relação. Corpo é sujeito, ou “o homem e o corpo são indissociáveis e, nas representações coletivas, os componentes da carne são misturados ao cosmo, a natureza, aos outros”. ( LE BRETON, 2007 , p. 30).

Corroborando com isso, Larrosa (2002) explica que a experiência é o que nos acontece, ou o que acontece no corpo, no ser total. Por essa perspectiva, o corpo não é dissociado da mente, nem a ela subjugada. Mas é pelo corpo que ocorre o processo de autorregulação dos aspectos físico, emocional, intelectual e das relações sociais.

Nesse cenário, indagamos: o que, no sujeito, é capaz de pensar? Quais elementos do ser são hábeis para sentir? Embora a discussão perpasse o entendimento sobre o abstrato (pensamento e sentimento), a resposta é corpo. É o corpo que pensa e sente. Esse corpo, como ser total, indissociável, sujeito que vive de forma singular suas relações com a natureza, com os sujeitos ao seu entorno, com seu contexto micro e macrossocial. Dessa forma, interessou-nos esse conceito corpo criança, para defender que o corpo da criança, na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, é o lugar da sua experiência, tanto quanto é o lugar das suas interpretações e ações sociais. Assim, o corpo criança é a maneira como as crianças experienciam, interpretam suas realidades, compreendem os constructos sociais, constroem culturas, se regulam e se relacionam em sua vida social.

As crianças, por não terem acessado algumas regulações sociais (ou por não terem sido tão alteradas pelos códigos sociais), expõem seus corpos de maneira potente e protagonista no meio em que vivem, já que as “etiquetas de uso do corpo [que] regem as interações” ( LE BRETON, 2007 , p. 74) podem se consolidar somente no início da vida adulta. De acordo com James, Jenks e Prout (1999 , p. 224-225),

O que distingue a criança do adulto é entendido como a prática e o desempenho bem-sucedidos de um controle internalizado, até mesmo inconsciente, sobre o corpo e as suas funções. Isto significa, por tanto, que criancinhas que ainda não aprenderam as técnicas específicas (e historicamente variáveis) de controle corporal são incivilizadas em termos culturais.

Podemos interpretar que a incivilidade da criança, termo utilizado por James, Jenks e Prout (1999) , faz com que elas sejam capazes de incorporar e agir em seus universos de forma potente, criativa, intrépida e protagonista, pois foram pouco alteradas pelos códigos de conduta social.

As crianças são sujeitos potentes na interpretação e na ação, em suas escolas. As experiências das crianças, na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental, observadas na investigação pela gestualidade do seu corpo em movimento, nos fizeram repensar as rotinas, as práticas, as regras e os costumes escolares instituídos pelos adultos. Suas falas, movimentos e gestualidades colocaram em evidência que as culturas das escolas precisam legitimar o corpo criança, pois ele representa o sujeito em todas as suas instâncias, sejam elas física, cognitiva, emocional, social, cultural, entre outras.

O corpo criança na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental

Nos contextos particulares que as duas escolas apresentaram nesta pesquisa, concentramos esforços para compreender as experiências das crianças nas rotinas e espaços de suas escolas, com as práticas escolares vivenciadas e com as regras contidas nos dois ambientes. Suas diferentes falas (inclusive a não oralidade), transpareceram suas capacidades conscientes de observação das diferenças entre suas escolas, de elaboração de estratégias para suas experiências e de indicação de proposições para compor as rotinas escolares.

Na análise do tema “rotinas e espaços escolares”, evidenciamos as falas das crianças e a indicação que elas fizeram das diferenças de alguns aspectos de suas escolas. Elementos que compuseram os rituais das suas instituições escolares e demarcaram a forma como são pensadas e conduzidas as relações em seus interiores.

As cores menos pujantes na escola de anos iniciais do ensino fundamental, interpretadas como desencanto com o espaço escolar; o tamanho inadequado do mobiliário que compõe as salas de aula e a decoração desse ambiente, traduzidos como uma forma de controle da movimentação do corpo criança; o tempo e o espaço reduzido para brincar submetidos à primazia dos conteúdos curriculares da alfabetização e letramento; os cuidados com a alimentação e descanso, trazidos para refletir o tempo de permanência na escola de anos iniciais do ensino fundamental. Esses foram os elementos que as crianças elencaram e deram sentido, identificando como diferentes dos vivenciados na escola de educação infantil.

Essas diferenças experienciadas pelas crianças, e que se expressavam na movimentação do corpo, levaram à ruptura da identidade que possuíam na escola de educação infantil e levaram à elaboração de uma nova, ajustada aos elementos da atual escola. Corroborando isso, James, Jenks e Prout (1999 , p. 220) afirmam que “o corpo é na infância um recurso essencial à aquisição e ruptura da identidade devido à sua materialidade instável”. Esse corpo instável se modificou ao fazer a travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental.

Ao chegar na escola do primeiro ano do ensino fundamental, as crianças fizeram a leitura dos seus ditames culturais, se adequaram a eles e deixaram lá suas marcas. Assim, a nova identidade das crianças, construída pela influência das suas experiências corporais no contexto da escola de anos iniciais do ensino fundamental, no contato com os rituais e costumes dessa escola, em contraposição aos da escola de educação infantil, nos remete à reflexão sobre o modo como nós, gestores educacionais, professores, órgãos públicos responsáveis pela escolarização de crianças, pesquisadores e intelectuais da educação, temos pensado a escola para as crianças.

Se o corpo é “modelado pela sociedade por meio de hábitos sociais como […] regimes disciplinares, e por processos simbólicos que fornecem interpretações para o corpo” ( JAMES; JENKS; PROUT, 1999 , p. 224), devemos nos questionar que corpo criança, enquanto existência biopsicossocial, estamos formando em nossas instituições escolares.

Na medida em que os adultos da escola se preocupam em deter o controle e o poder sobre os corpos que lá estão, as crianças criam maneiras de enfrentar essas situações de controle, como foi possível observar nas estratégias que elas desenvolveram para diversificar a rotina escolar de anos iniciais do ensino fundamental, fazendo da lixeira da sala de aula um ponto de encontro, de conversa e risos; e para ampliar os espaços de brincar, correr e se movimentar, simulando a necessidade de ir ao banheiro.

Na reflexão sobre o tema “práticas escolares”, as crianças identificaram que há, na escola de anos iniciais do ensino fundamental, a diminuição do tempo e do espaço da brincadeira em relação às práticas da escola de educação infantil, mas revelaram também que, por estarem crescidas e frequentarem a escola das crianças grandes, o ato de brincar foi ressignificado. Assim, o que pensamos que seria uma frustração para elas na travessia de um segmento para o outro foi manifestado como uma coisa boa. As crianças, surpreendentemente, indicaram que as novas formas de brincar, viáveis na escola do primeiro ano do ensino fundamental, estavam condizentes com suas expectativas para essa etapa de suas vidas. Isso não porque os adultos organizaram brincadeiras adequadas às crianças crescidas, mas porque em seus potenciais criativos, as crianças criaram condições para explorar seus movimentos e gestualidades no contratempo das tarefas obrigatórias e da imposição das normas. Como quando se esquivavam da professora no recreio para permanecer mais um tempo colhendo frutinhas ou ainda quando, na sala de aula, fingiam ter concluído a atividade para que seu grupo não sofresse punições.

Os meninos revelaram com suas falas o quanto seus movimentos corporais são expansíveis e orientam seu comprometimento com o processo de aprendizagem na escola. Diferentemente das meninas deste estudo, que revelaram que em suas estratégias preferiam brincadeiras mais introvertidas e buscavam o treino do traçado das letras em casa a fim de obter sucesso nas atividades propostas na escola.

Percebemos com isso que as meninas tendem a agir com movimentos e gestualidade mais contidos em relação aos meninos. Embora também subvertam as regras no contexto escolar, são mais discretas que os meninos. Acreditamos que essa conformação corporal não está relacionada somente à questão de gênero e de classe social, mas especialmente à questão de geração enquanto categoria social ( QVORTRUP, 2010 ).

Para Qvortrup (2010) , as crianças são sujeitos de uma categoria geracional: a Infância. E estão sujeitas aos mesmos parâmetros sociais (econômicos, tecnológicos, culturais, políticos, entre outros) que as demais categorias. Entretanto,

[…] as categorias geracionais não sofrem ou lidam com o impacto desses parâmetros da mesma maneira. Elas estão em posições diferentes na ordem social. Meios, recursos, influência e poder estão distribuídos de maneira diferente entre as categorias, cujas habilidades para enfrentar os desafios externos consequentemente variam. ( QVORTRUP, 2010 , p. 638).

Corroborando Qvortrup (2010) , compreendemos que, apesar de as discussões sobre a agência da criança terem avançado, a infância ainda tem sido subordinada às demais categorias geracionais. Trata-se de uma subordinação atrelada não somente ao fator do cuidado com as crianças, mas à ideia pejorativa de sua incompletude. A estatura, o peso, as dimensões corporais, e a lógica própria são características que levam a esse pensamento enganoso de que a criança é um sujeito incompleto (ou um sujeito em devir), que só estará pleno quando atingir a adultez. Pensamento que necessita ser alterado, pois somos todos nós, crianças, jovens, adultos e velhos, sujeitos incompletos do ponto de vista de que temos sempre algo a alcançar, evoluir e desenvolver. Dessa forma, a escola, como lócus da experiência escolar, precisa ser o lugar em que se propaga a ideia de que, apesar das diferenças geracionais (de gênero e de classe social) e dos diferentes níveis de desenvolvimento, estamos todos no mesmo caminho da evolução humana e devemos compartilhar esse trajeto com alteridade.

As crianças demonstraram ser capazes de pensar seus processos de escolarização ao identificarem as diferenças das práticas escolares nas duas escolas e ao criarem estratégias de participação pautadas nos seus movimentos e gestualidades, envolvendo a brincadeira nesses contextos, pois entenderam que a aprendizagem se faz no corpo, ou seja, está baseada na experiência corporal.

Na análise das regras escolares, as crianças se mostraram hábeis em identificar as diferenças entre os dois ambientes. Elas perceberam que as regras e normas continham ênfase na regulação e controle dos seus movimentos e suas gestualidades.

É sabido que, tanto na escola de educação infantil quanto na dos anos iniciais do ensino fundamental, as regras e normas estão instituídas com a prerrogativa da organização do convívio coletivo. Todavia, na escola de educação infantil, as crianças não davam ênfase às retaliações que lhes impunham por não cumpri-las. Ao contrário da escola de anos iniciais do ensino fundamental, em que as punições para os desobedientes e transgressores estavam sempre relacionadas à privação dos movimentos corporais que a brincadeira poderia proporcionar durante o recreio, o que causava constrangimentos às crianças, como foi possível observar em suas falas.

Assim, entendemos que as regras e normas na escola de anos iniciais do ensino fundamental estavam instituídas para preservar a instituição (seus mobiliários, seus rituais, o currículo), e não as crianças. Isso foi observado nas falas delas ao relatarem a ordem recebida constantemente para se sentarem e se calarem. Ambos os comandos denotam o poder de controle dos adultos sobre as crianças e o enquadramento dos seus corpos nas culturas da escola, que são ancorados no entendimento da cisão entre o corpo e o pensamento. Isto é, a regra pressupõe que ficar sentado e calado, conter os movimentos dos seus corpos, suas falas e gestualidades, é necessário para que sua mente possa aprender. Esse dualismo em que o corpo humano é um ente separado da mente – como afirmavam os fundacionalistas citados por James, Jenks e Prout (1999) –, tem sido refutado por teorias que compreendem o corpo enquanto experiência do sujeito em âmbitos mais abrangentes ( LE BRETON, 2007 ; MERLEAU-PONTY, 2006 ). Entretanto, há muitas instituições, em diversas instâncias sociais, que ainda o empregam em suas organizações, como é o caso dessa escola, por exemplo.

As crianças transgrediram as regras com diversas estratégias genuínas, como quando brincavam de se esconder da professora, rastejando por debaixo das cadeiras, ou quando forjavam demonstrações de afeto para evitar as broncas por sua desobediência. Em todas as estratégias criadas por elas está a demonstração de que são sujeitos emancipados e competentes para a experiência na escola.

As proposições feitas pelas crianças revelaram suas capacidades de ler e interpretar o universo em que estão inseridas. Quando, de maneira ávida e criativa, propuseram que os elementos da brincadeira e do faz de conta fossem enfatizados nas rotinas e espaços, práticas e regras escolares da escola do primeiro ano do ensino fundamental, indicando que desejavam ser validadas em suas diferentes formas de expressões e na lógica particular da infância, revelaram que são competentes em realizar a reprodução interpretativa9 no contexto em que vivem. Da mesma maneira, quando sugeriram que na escola do primeiro ano do ensino fundamental fossem ampliadas as atividades que relacionam o aprender e o brincar, me ensinaram a observar o processo de escolarização por outros ângulos, retirando os adultos do centro, para colocá-los lado a lado com as crianças e suas culturas.

A sugestão de um dos sujeitos da pesquisa se permitir tudo o que as crianças quisessem fazer no contexto escolar, revela um entendimento de que desejava ter mais poder nesse contexto. O riso após a proposição, todavia, revelou que conhecia as finalidades e as rotinas da escola e, por isso, considerava inviável ser permitido fazer tudo o que as crianças desejassem. A questão fica para ser pensada pelos adultos que estão envolvidos no processo de escolarização: será possível uma escola que combine o que é necessário, do ponto de vista dos adultos, ao que é agradável, do ponto de vista das crianças? Talvez a resposta para essa questão esteja relacionada ao entendimento do corpo enquanto experiência do sujeito no contexto da Pedagogia da Infância10 .

O que ficou evidente neste estudo, é que a experiência da criança na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental ocorre no e por meio do corpo criança. Essa experiência é carregada de significados e sentidos singulares, pois as crianças são sujeitos competentes e hábeis na leitura e intervenção do contexto escolar.

Algumas considerações finais sobre o estudo

Ao corroborar os estudiosos da Sociologia da infância e Pedagogia da infância, acreditamos que nossas escolas carecem de uma

pedagogia que se volte para os processos de constituição das crianças como seres humanos concretos e reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais, os quais são também constitutivos de suas infâncias. ( ROCHA; LESSA; BUSS-SIMÃO, 2016 , p. 35).

Para isso, a diluição das fronteiras disciplinares, nomeadamente estudos da biologia, psicologia, antropologia, sociologia, entre outras, acerca da criança é uma das estratégias no fomento de novas práticas escolares.

Ao considerar a criança como sujeito competente e criativo, que participa, interpreta a realidade em que está inserida e a influencia, compreendemos que ela deve ser colocada junto com os adultos no processo de organização da escola, num patamar de compartilhamento de tomada de decisões e ações. Isto é, o corpo criança e o corpo adulto podem partilhar a gerência do processo de escolarização. A Pedagogia da infância, enquanto área que “emerge de uma acumulação científica da área da educação que passa a criticar a reprodução de modelos educativos reducionistas e conservadores de educação/ensino, produção/transmissão de conhecimentos, vida coletiva/sala de aula e crianças/alunos” ( BARBOSA, 2010 , p. 2), pode ser um solo útil para legitimar as culturas infantis e o corpo criança, validando a participação delas no compartilhamento da tomada de decisões do contexto escolar.

As experiências das crianças na travessia da educação infantil para os anos iniciais do ensino fundamental incentivaram a reflexão de que nós, adultos, estudiosos das infâncias, ainda temos muito que aprender. Os modos de organização das escolas, as suas práticas escolares, rotinas e espaços, regras e normas, necessitam de reestruturação, levando em conta o que as crianças falam, seus movimentos e gestos em seus contextos de educação. Esse é um movimento exclusivo de cada instituição escolar, que parte da “desconstrução de muitas bases teóricas com que as crianças foram sistematicamente tematizadas nas ciências sociais” ( SARMENTO, 2005 , p. 374), para considerar suas diferentes formas de convívio, de interação e de decisão nesse ambiente.

Se assumirmos que o corpo em movimento é uma das maneiras válidas da criança ser e estar no mundo, se alterarmos o entendimento sobre a forma como elas produzem cultura, interpretam o mundo, se relacionam, se moldam e influenciam os constructos sociais, estaremos mais próximos de transformar internamente o conceito de infância e/ou infâncias e, consequentemente, alterar nossa perspectiva no processo pedagógico, invertendo a centralidade do processo de escolarização.

Para alterarmos uma formulação conceitual, devemos passar por um processo de transformação interior, gerenciado, dentre outros, pelos acontecimentos evolutivos, sócio-históricos, que vão do conhecimento ao convencimento, confirmando ou refutando o que já estava postulado em nós intrinsecamente. Assim, a reflexão que esse estudo propõe pode favorecer o processo de transformação e ressignificação das infâncias nos contextos escolares. Todavia, sabemos que esse processo de transformação é uma experiência ( LARROSA, 2011 , 2014 ) individual e intransferível, de modo que nossa pretensão é incentivar que mais pessoas se dediquem aos estudos das infâncias pelo ponto de vista das crianças.

Além disso, gostaríamos que esse estudo contribuísse com a superação do dualismo corpo e pensamento que (ainda) vigora no imaginário coletivo da escola e no senso comum daqueles que dela participam, e incentivasse o entendimento de que a experiência se faz e imprime no corpo, enquanto sujeito inteiro e singular.

Valorizar o corpo criança em sua potência, e empoderar as crianças como sujeitos que compartilham decisões e ações no contexto escolar são ações que contribuem para que esse se torne um lugar em que se mesclam os saberes, as aprendizagens, as relações sociais, as tramas da escola ( SERRES, 1993 ). Que essas tramas, ressignificadas pelas crianças na experiência da travessia, afetem os adultos da escola e culminem numa relação de compartilhamento de ações e decisões no ambiente escolar, em que o corpo criança tenha assegurado, em toda sua potência e protagonismo, seu direito de agir conscientemente.

Enfim, que as tramas da escola, em seus pontos de encontro, favoreçam a compreensão de que somos todos aprendizes, prestes a conhecer o que as travessias podem nos ensinar.

Referências

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3- Acreditamos que o sentido da experiência do corpo criança, na transição que um segmento escolar para o outro oportuniza, é o que caracteriza a novidade deste estudo, em meio a tantos outros já consolidados nessa temática, como: Neves (2010) ; Nogueira (2011) ; Marcondes (2012) ; Fernandes (2014) ; e Raniro (2016) .

4- Graue e Walsh (2003 , p. 25) explicam que contexto é uma unidade da cultura, “um espaço e um tempo cultural e historicamente situado, um aqui e agora específico. É o elo de união entre as categorias dos acontecimentos macro-sociais e micro-sociais”.

5- A visita monitorada “consiste na visitação com apresentação oral, conduzida pelas crianças participantes da pesquisa, aos espaços investigados. Durante essa apresentação eles narram os espaços e, ao mesmo tempo, falam livremente sobre eles. Muitas vezes essas falas suscitam lembranças, desejos, sentimentos que são expressos pelas crianças e que, dependendo do objetivo da pesquisa, poderão ser uma importante fonte de dados.” ( MARTINS; GARANHANI, 2011 , p. 45).

6- “[…] as a membership role which suspends adult notions of cognitive, social, and intellectual superiority and minimizes physical differences by advocating that adult researchers closely follow children’s ways and interact with children within their perspective. Achieving a close involvement with small children is accomplished by sharing social object. Through joint manipulation of objects, children and least-adult researcher take each other into account and create social meaning. By acting with children in their perspective, adults gain an understanding of children’s actions.” ( MANDELL, 2003 , p. 58).

7- O conceito de corpo criança está sendo construído pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Educamovimento – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil da Universidade Federal do Paraná (Nepie/UFPR), com a prerrogativa de revelar e respeitar especificidades e características que o corpo da criança apresenta. Entendemos que esse conceito é desenvolvido por outros autores, nomeadamente da filosofia, como Deleuze e Guattari (1996) , e explicitam o corpo criança como uma potência de ação e transformação da realidade, por meio do corpo sem órgãos e do devir criança. Nossa perspectiva se diferencia dela pela ênfase que atribuímos ao corpo criança enquanto sujeito social competente e criador de culturas.

8- Consideramos importante a expressão fenomenológica do autor para o entendimento sobre o corpo. Apesar disso, não pretendemos aprofundar seus pressupostos teóricos, mas concordar com o aspecto de que “o corpo é a forma escondida do ser próprio ou, reciprocamente, que a existência pessoal é a retomada e manifestação de um ser em situação”. ( MERLEAU-PONTY, 2011 , p. 229).

9- Reprodução interpretativa é um conceito desenvolvido por Corsaro (2011) . Esse conceito propõe que as crianças não se limitam a reproduzir ou imitar seus pares e os sujeitos sociais, mas são competentes para produzir culturas.

10- “A denominação Pedagogia da Infância ou da Educação Infantil foi formulada a partir do reconhecimento do nascimento de uma área, ou subárea da Educação, que se vinha preocupando com instâncias educativas específicas, diferentes e anteriores à escola, mas não só. A acumulação destes estudos também apresentava uma marca peculiar, ao tomar como objeto de preocupação a infância e os processos educativos voltados para ela, de forma diferente daquelas tradicionalmente consolidadas nas teorias educacionais, ou seja, contestando criticamente as Pedagogias da criança, cimentadas nas teorias educacionais liberais do século XX” ( ROCHA; LESSA; BUSS-SIMÃO, 2016 , p. 34).

Recebido: 04 de Junho de 2020; Recebido: 25 de Agosto de 2020; Aceito: 12 de Novembro de 2020

Gisele Brandelero Camargo é doutora em educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora adjunta da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (Nepie/UFPR) – Educamovimento, e líder do Grupo de Estudos das Crianças, Cultura e Educação (GEICE/UEPG).

Marynelma Camargo Garanhani é doutora em educação e professora de mestrado e doutorado em educação da UFPR, na linha de pesquisa “Linguagem, Corpo e Estética na Educação” (Licores). É líder do Nepie/UFPR (CNPQ), em que coordena o Grupo de Pesquisa Educamovimento (Nepie/UFPR).

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