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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 13-Set-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248242904por 

Artigos

Antologia de um currículo: notas esquizoanalíticas para cartografar narrativas seriadas

1- Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Contato: evanilsongurgel@gmail.com

2- Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil. Contato: marlecio@ce.ufpb.br


Resumo

O presente artigo, inspirado pelas linhas de força das filosofias da diferença de Gilles Deleuze e Félix Guattari, tem como objetivo explorar algumas notas esquizoanalíticas para a cartografia de um currículo de um artefato cultural. A partir das contribuições das teorias pós-críticas e suas conexões com o campo dos estudos culturais, compreendemos as narrativas seriadas como um currículo. O texto opera, em sua estilística, por meio de uma elaboração (auto)ficcional, trazendo takes narrados pelo Cartógrafo, personagem que apresenta algumas notas metodológicas da nossa investigação cartográfica a partir de fragmentos de suas memórias. O argumento explorado neste texto é o de que as linhas constitutivas do currículo das narrativas seriadas têm apresentado uma multiplicidade que o faz ser compreendido como um “currículo antológico”, permitindo visualizar as suas regiões de controle, derivadas do aparelho de Estado, e as suas zonas de contágios, próprias das máquinas de guerra. Nesse sentido, o “currículo antológico” é produzido no embate entre as linhas duras, as linhas flexíveis e as linhas de fuga que o compõem. Concluímos que o que está em jogo nesse artefato são as distintas maneiras com que nos tornamos nós mesmos, as diferentes posições de sujeito que assumimos ao longo da vida. Nesse sentido, apostamos que o currículo das narrativas seriadas, ao acionar linhas de fuga, abre espaços para outras saídas, proporcionando raciocínios menos normativos para os sujeitos atravessados por dissidências de gênero e de sexualidade.

Palavras-Chave: Currículo; Cartografia; Narrativas seriadas; Estudos culturais; Filosofias da diferença

Abstract

Inspired by the lines of force of Gilles Deleuze and Félix Guattari’s philosophies of difference, this article explores some schizoanalytical notes for the cartography of a curriculum of a cultural artifact. From the contributions of post-critical theories and their connections with the field of cultural studies, we understand serialized narratives as a curriculum. The text operates, in its stylistics, through an (auto)-fictional elaboration, bringing takes narrated by the Mapmaker, a character who presents some methodological notes of our cartographic investigation from fragments of his memories. The argument explored is that the constitutive lines of the curriculum of serialized narratives have presented a multiplicity that makes it understandable as an “anthological curriculum,” allowing us to visualize its control regions, derived from the state apparatus, and its contagion zones, typical of war machines. In this sense, the “anthological curriculum” is produced in the clash between the hard, flexible, and escape lines that compose it. Our conclusion is that the different ways in which we become ourselves and the different subject positions we assume throughout life are at stake in this artifact. Thus, we believe that the serialized narrative curriculum, by triggering lines of escape, opens spaces for other exits, providing less normative reasoning for subjects crossed by gender and sexuality dissidences.

Key words: Curriculum; Cartography; Serialized narratives; Cultural studies; Philosophies of difference

O garoto que corre

É 2005, alguma manhã de domingo. O relógio da pequena igrejinha do interior, aquela cujas paredes amareladas descascavam sob o sol, anuncia o término de mais uma escola dominical. Um garoto atravessa o pátio da igreja, agora repleto de transeuntes que se abraçam calorosamente em meio ao já insuportável clima ressequido de verão. Ele percorre cada um dos indivíduos em uma espécie de labirinto, como se cada uma daquelas pessoas representassem um desafio a ser cumprido, um enigma a ser respondido, um nível a ser conquistado. Ao atravessar o último conhecido, dispara por ruelas sem asfalto. A areia atravessa suas sandálias e a sensação é como brasa quente sob seus pés, arrancando o suor da testa, que recai sobre suas têmporas, aninhando-se em uma penugem que começava a crescer levemente acima dos seus lábios – a puberdade parecia, enfim, se aproximar. Esbaforido, o garoto abre o portão da casa, atropelando-se em suas pernas trêmulas de cansaço. Olha o relógio e percebe que, dada aquela posição incomum dos ponteiros, é possível que tenha perdido alguns minutos. A escola dominical se alongara em demasia neste domingo? Ou seria culpa das suas pernas teimosas que insistiam em não ultrapassar os limites biológicos do seu corpo sedentário? São alguns dos pensamentos que surgem enquanto ele toma o controle remoto em mãos e liga sua televisão. Percebe, para seu alívio, que ainda está em tempo. A imagem chuvisca, denunciando que talvez a antena esteja em vias de pifar. Seu coração parece querer saltar pela boca. Seria em decorrência da corrida? Ou pelas emoções que aquele artefato provocava semanalmente? O episódio, enfim, começa. A partir daí, nem ele saberia explicar aquilo que acontecia todos os domingos. É como se o seu quarto por inteiro implodisse, como se em um milésimo de segundo tudo fosse aos ares – porta, janela, cama, ele mesmo fosse junto. Tudo isso embalado pela velha canção que já estava gravada em sua mente: “Califórnia, aqui vamos nós, exatamente de onde começamos” (CALIFORNIA, 2002, tradução nossa)3. A cada domingo após o seu retorno da igreja, o garoto era teletransportado para outro mundo. Naquele exato momento, durante aquela breve hora, sentado em frente à televisão, o garoto sonhava com outras realidades que, naquele instante, lhe pareciam absolutamente impossíveis, inacessíveis.

A imagem profana de um garoto arredio que foge do templo para habitar em um currículo que lhe apresenta outras formas de vivenciar seus desejos pareceu-nos, desde o início, emblemática. É preciso confessar, entretanto, que tal percepção é causada muito menos por esse fragmento fazer parte do repertório de memórias de juventude de um dos autores deste texto, e se deve mais por entendermos que, em se tratando de endereçamentos generificados4, os artefatos culturais podem propiciar raciocínios menos normativos para sujeitos atravessados por dissidências em suas marcas de gênero. Tais dissidências são modos de (re)existências que solapam o marco heterossexualizante e sua matriz fundante correlata (BUTLER, 2016), em virtude da sua ininteligibilidade diante dos enquadramentos epistemológicos que nomeiam o que é normal e o que é anormal, o que é vivível e o que é não vivível (BUTLER, 2017, 2019). O garoto que corre é apenas um entre tantos outros sujeitos que estão por aí, se refugiando sob os escombros de um currículo hospedeiro, que sonham junto aos protagonistas dessas narrativas e que com eles/as traçam linhas de fuga para resistir contra as normas que incidem sobre seus corpos.

Assumimos, portanto, a perspectiva do currículo como um artefato que excede as limitações impostas pelos esquemas escolares, pela carga horária disciplinar e pelas atribuições dadas pelos/as profissionais da educação regulamentados/as. Em outras palavras, o currículo pode ser um texto de poder que ultrapassa os muros das escolas, produzido pelos diversos artefatos culturais que consumimos de modo supostamente despretensioso (PARAÍSO, 2010, 2015; SILVA, 2010, 2016), que resultam de um processo de construção e vinculação de significados culturais a diferentes objetos constituídos material e simbolicamente em uma cultura (CAMOZZATO, 2018). Essa concepção é inspirada pelos Estudos Culturais, um campo teórico-político que toma por objeto “qualquer artefato que possa ser considerado cultural” (PARAÍSO, 2001b, p. 69), a exemplo das narrativas seriadas que aqui investigamos, considerando sua possibilidade de nos ensinar “comportamentos, procedimentos, hábitos, valores e atitudes, considerados adequados e desejáveis” (PARAÍSO, 2001a, p. 144). Passamos a problematizar o currículo das narrativas seriadas como um campo híbrido que acopla discursos, imagens, experiências, saberes e raciocínios, de modo a fabular subjetividades generificadas5. E ao eleger não apenas quais, mas também como determinados modos de vida são apresentados, tal currículo dá provas da sua capacidade de qualificar a vivibilidade de modos de existência, ao ponto dos sujeitos por ele interpelados terem suas vidas garantidas ou aniquiladas (BUTLER, 2017, 2019).

Insuflar um relato tão pessoal é dotá-lo de uma certa contramemória, um registro que não serve para nada além de arrastar outras linhas que tornem opaco aquilo que se passou. Porque “nada passará pela lembrança, tudo aconteceu nas linhas, entre as linhas” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 89). Não queremos correr o risco de fazer um decalque, nem pretendemos trazer a memória como estatuto do verdadeiro, mas antes inculcar acontecimentos a ela e ceder qualquer status ontológico em prol da aliança com devires. Sempre o devir, jamais o porvir, jamais um futuro estável com reflexos do que se passou. Geografar, percorrer, arrastar, ir ao encontro de algo novo. O exercício proposto ao iniciar este artigo é inspirado nos jogos de forças ambivalentes entre real e ficção e, ancorado fortemente pelos escritos de Michel Foucault (2017), visibiliza que, se há alguma desconfiança no que concerne à ficção, é que ela não para nunca de aborrecer a verdade, de encurralá-la no ponto em que ela parecia mais inquestionável. Real e ficcional são linhas de natureza distintas, mas que, ao se conjugarem, torna-se quase impossível discriminá-las.

Recorremos a esse momento em específico como uma provocação destinada não apenas à já falida pretensão de distinguir realidades de ficcionalidades – tampouco desejamos retornar a uma discussão já realizada em outros momentos (GURGEL; MAKNAMARA, 2017). Mas trata-se, aqui especificamente, de um modo epistemo/político de trazer para as pesquisas em educação outros modos de ver e de entender a vida que pulsa, os currículos que investigamos, os discursos que nos produzem e nos constrangem, as ciências a que recorremos para validar nossas pesquisas e as metodologias que inventamos para dar conta dos objetos que perscrutamos. Nesse sentido, o garoto que corre leva aos limites da indiscernibilidade o que é real e o que não é, pois ainda que seja fruto de uma memória do que se passou, está aliançado ao próprio currículo que o transfigurou. Já não nos importa atribuir-lhe uma realidade estável; somos multidões de garotos e garotas que correm, afugentando-nos das ruínas dos currículos mortificadores e fantasiando com currículos outros que nos contagiem com suas paixões alegres.

Neste texto dividido em quatro takes, apresentamos o nosso arsenal de condução investigativa de um currículo produzido a partir dos encontros com as teorias pós-críticas e com as filosofias da diferença, e inspirado no procedimento cartográfico de Gilles Deleuze e Félix Guattari. O argumento explorado é o de que as linhas constitutivas do currículo das narrativas seriadas têm apresentado uma multiplicidade que o faz ser compreendido como um currículo antológico, permitindo visualizar suas regiões de controle, derivadas do aparelho de Estado, e suas zonas de contágios, próprias das máquinas de guerra. Nesse sentido, o currículo antológico é produzido no embate entre as linhas duras, as linhas flexíveis e as linhas de fuga que o compõem.

Todo esse processo é narrado por um personagem que criamos, o Cartógrafo da pesquisa. Trata-se de uma elaboração (auto)ficcional, levando em conta aquilo que Saer (2012) aponta como o caráter eminentemente complexo na situação da produção fictícia. Nesse sentido, compartilhamos de suas inquietações em torno daquele “tratamento limitado ao verificável”, que imputa em uma “redução abusiva e um empobrecimento” (SAER, 2012, p. 3) que não são alheios aos nossos procedimentos metodológicos quando sancionados por uma ordem da veridicção (FOUCAULT, 2017). Não se trata tanto de esquivar-nos por completo de certa rigidez imposta pelas “regras do jogo”, mas de compreender todos esses processos como disputas próprias ao campo que tateamos, e a inerente importância de multiplicarmos os significados a partir de um empreendimento que se abra às possibilidades ficcionais. Desse modo, o Cartógrafo é tanto um “eu” que escreve e partilha suas memórias, quanto um “nós” que submergem esses fragmentos para tratá-los a partir das possibilidades de escrita que devolvem ao campo curricular aquilo que tomamos de empréstimo das suas teorizações pós-críticas: propriedades infinitas de criação e composição; um afastamento das essências, das metanarrativas, da transcendência; a multiplicação das linhas de forças, das disputas; enfim, as lutas pela imposição de outros significados (MEYER; PARAÍSO, 2014).

O primeiro take deste artigo é intitulado “‘Talvez eu me sinta mais confortável no caos’: ruídos e ritornelo”. Nele, o Cartógrafo narra o processo em que elege a cartografia como procedimento metodológico para uma pesquisa com currículo. Em seguida, no take “Experimentando um procedimento cartográfico”, o nosso protagonista evidencia a esquizoanálise oriunda da escrita conjunta de Deleuze e Guattari, e mostra as linhas de conexão dessa prática analítica para a composição do seu modo investigativo. No take “Uma antologia do currículo”, somos apresentados/as às regiões distintas que compõem o mapa do currículo das narrativas seriadas, compreendido aqui como um currículo antológico. Por sua vez, no take “E a vida passa por entre as linhas” o Cartógrafo aponta a tipologia das linhas cartografadas no currículo em questão: linhas duras, linhas maleáveis, linhas de fuga. Concluímos com o tópico “Um fim… ou um meio?”, tecendo algumas considerações sobre a nossa experimentação cartográfica e argumentando que o que está em jogo nesse artefato são as distintas maneiras como nos tornamos nós mesmos, as diferentes posições de sujeito que assumimos ao longo da vida. Nesse sentido, apostamos que o currículo das narrativas seriadas, ao acionar linhas de fuga, abre espaços para outras saídas e disponibilizam saberes que não imputam em ordenamentos, conformações, e normatizações para sujeitos dissidentes de gêneros e de sexualidades.

TAKE I. “Talvez eu me sinta mais confortável no caos”: ruídos e ritornelo

Os tique-taques dos ponteiros do relógio na parede do seu quarto denunciavam, para seu desespero, que as horas iam atropelando umas às outras. O tempo se apressava. Seu celular vibrava com as notificações de redes sociais que teimavam em tirar sua atenção. Brrrrriiiimmmm. Do lado de fora era possível ouvir uma sinfonia animalesca, que reunia em uma mesma toada o silvo de pássaros cantando ao redor de sua janela, o zumbido incessante de um grilo que se apresentava próximo ao seu quarto e os latidos dos cachorros dos vizinhos. Havia uma estranha harmonia naquele barulho ensurdecedor, como se a própria natureza tratasse de encontrar um timbre, de modular um sibilo, de afinar os tons… Tec-tec-tec-tec-tec. As teclas do seu notebook também tentavam encontrar um equilíbrio naquele caos acompanhando a melodia dessa orquestra. “Todas as coisas cantam”, pensou o Cartógrafo. Cansado de ouvir aquela cacofonia, lançou-se na produção de uma playlist para ouvir enquanto realizava as escolhas procedimentais relacionadas à sua prática investigativa. Imediatamente uma canção brotou em seus fones de ouvido, justo quando ele se percebia cheio de incertezas e dúvidas sobre qual deveria ser a metodologia empregada em sua pesquisa. A canção soava como um canto religioso, um hino embalado pela voz concomitantemente doce e enérgica de uma feiticeira pagã. O cântico funcionou como um diapasão, afinando seus instrumentos metodológicos a partir de suas vibrações. St. Jude6, título da canção em alusão ao santo católico das causas impossíveis, anunciava de modo libertador a possibilidade de resolução ao que tanto inquietava seu processo de escrita: “São Judas Tadeu, talvez eu me sinta mais confortável no caos…” (ST. JUDE, 2015, tradução nossa).

Sensibilizando os ouvidos para uma escuta atenta ao que Deleuze e Guattari tinham a lhe dizer, o Cartógrafo revisitou suas obras e chegou a um trecho que parecia rimar com a canção que ouvia: “Lançamo-nos, arriscamos uma improvisação. Mas improvisação é ir ao encontro do Mundo, ou confundir-se com ele. Saímos de casa no fio de uma cançãozinha” (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 123). Improvisar no caos, debandar em meio ao mundo, confundir-se nos trajetos que efetua, desterritorializar aos passos de uma canção que nos contagia… O próprio Deleuze (1996) já havia dito em uma certa ocasião que “a música é a história dos devires e a potência do devir”7. O Cartógrafo repetiu algumas vezes a frase da canção que ouvia: “talvez eu me sinta mais confortável no caos…” (ST. JUDE, 2015, tradução nossa), que funcionou como um ritornelo que passou a acompanhá-lo nesse momento de inquietude.

O ritornelo é algo que está intimamente ligado ao território, seja a sua saída ou a sua entrada; seja se retornamos ao nosso território conhecido, ou se nos desterritorializamos em busca de outros territórios (DELEUZE, 1996). Para o Cartógrafo, o território que se avistava nos horizontes da sua investigação não era nenhuma novidade, uma vez que ele já havia se aventurado por entre essas zonas durante seu percurso no mestrado (GURGEL, 2018). Porém, retornar a um território é sempre de algum modo diferi-lo, uma vez que jamais retornamos os mesmos. O Cartógrafo decidiu reterritorializar o espaço que ele havia deixado brevemente por acreditar ser necessário cavar possibilidades para expandi-lo, para consolidá-lo, para sair por aí e arriscar, encontrar o novo. O ritornelo não é apenas passagem, fuga de um território, pois implica também retornos, um “voltar para casa”, ainda que nunca se volte para o mesmo território (PARAÍSO, 2019). Nesse sentido, o ritornelo aponta tanto as fugas, quanto os retornos: quando foge, desterritorializa em outro lugar possível; quando retorna, reterritorializa aquele lugar que já não é mais o mesmo desde a sua evasão. É por meio dessa geocanção que deixamos nossas casas sem que para isso nos tornemos apátridas; é por essa musicalidade que podemos usufruir de um lar em cada ponto do mundo, assim como o pássaro que canta para demarcar seu território.

O cartógrafo aprendeu com Deleuze e Guattari (2012b, p. 124) que o ritornelo “sempre leva a terra consigo”, uma vez que ele “é territorial, um agenciamento territorial”. Trata-se, portanto, de “todo conjunto de matérias de expressão que traça um território, e que se desenvolve em motivos territoriais, em paisagens territoriais” (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 139). Nesse sentido, é preciso som para deixar um território, assim como para chegar a outro: o canto de um pássaro buscando o território para criar o seu ninho, um bebê que chora para encontrar o seio da sua mãe, o/a pesquisador/a que se lança no coração do mundo em busca de uma terra fértil para o artefato que ele pesquisa… Um canto, um grito, um uivo. Todo animal canta, todo animal re/des/territorializa.

“Mais uma conversa sem destino, mais uma batalha que não foi vencida”, era o que a canção agora lhe alertava, enquanto os pensamentos do Cartógrafo fervilhavam. O que ele poderia construir empiricamente em uma investigação em que todas as cartas já foram dadas, restando-lhe apenas coletar as informações para o fechamento de um relatório ou a escrita de um documento que oficializasse sua obtenção de grau? Qual seria seu papel enquanto pesquisador na formulação de uma tese que, antes mesmo de ser pensada e argumentada, já teria o seu grand finale consolidado? E, mais do que isso, quanto de paixão poderia ser investida em um percurso que ele já saberia de antemão exatamente cada passo a ser dado, sob os riscos de modificar os propósitos já estabelecidos caso permitisse encantar-se por outros caminhos? A melodia seguia: “Eu estou aprendendo, por isso estou indo. Mesmo que eu esteja lamentando, estou tentando encontrar um sentido. Deixe que a perda revele”. O Cartógrafo viu-se em um misto de excitação e redescoberta com a última frase. “Deixe que a perda revele…”. O cântico parecia lhe advertir: deixe que a perda de uma suposta originalidade em seu método de pesquisa revele outros caminhos (im)possíveis! Retorne ao seu território de criações! Reterritorialize! Afinal, a originalidade da pesquisa está imbricada na originalidade do nosso olhar diante do artefato e do modo como iremos investigá-lo. É preciso criar, compor outros raciocínios que façam sentido para o modo de condução investigativa, entendendo por “método”, “metodologia” ou “modo” não um estado fixo e inabalável, mas um registro móvel e em constante transformação e que só é definido a partir das relações que estabelecemos com ele.

TAKE II. Experimentando um procedimento cartográfico

Esquizoanálise. Rizomática. Pragmática. Micropolítica. Filosofia das Multiplicidades. Estratoanálise. Qualquer que seja o nome dado a esse modo de operar com as linhas, é preciso considerar que a cartografia é uma prática investigativa dos encontros. Para Deleuze e Parnet (1998, p. 6), “encontrar é achar, é capturar, é roubar; um encontro é talvez a mesma coisa que um devir ou núpcias”. Há muitos encontros em um modo investigativo cartográfico e todos eles se efetuam no imprevisível: encontros com territórios que se modificam ao gosto da pesquisa; encontros com outras formas de saber que nos propiciam novos olhares e, consequentemente, atualizam nossos modos de enxergar os artefatos que investigamos; encontros com sensações de todas as ordens, disparando afetos e perceptos. São encontros com “movimentos, ideias, acontecimentos, entidades” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 6), que dão conta de geografar territórios ao mesmo tempo que outros se dissolvem para ceder espaço ao novo, ao inusitado, aos devires.

Para compor a noção de cartografia, Deleuze e Guattari (2011) roubam da botânica a imagem do rizoma, esse emaranhado de linhas que não possuem forma correlata nem hierarquia, que remetem umas às outras de modo difuso, agindo com velocidades variadas e capazes de modificar sua forma a partir das suas peculiaridades. Cansados das “raízes arbóreas” do pensamento moderno, cuja rigidez metodológica recortaria as possibilidades do ato de pesquisar por meio de suas metas fixas e já estabelecidas a priori, Deleuze e Guattari inauguraram um modo de investigação: operar por meio das linhas, esses “elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos, podendo apenas marcar caminhos e movimentos, com coeficientes de sorte e de perigo”, de modo a fazer uma análise “das linhas, dos espaços, dos devires” (DELEUZE, 2013, p. 47-48). Se a cartografia pode ser compreendida como uma tecnologia capaz de reconsiderar as significações dominantes (GUATTARI, 1988), tal modo investigativo põe em suspeita a rigidez não em nome de uma suposta “desorganização” iminente, mas sim com o objetivo de evidenciar, dentro do próprio caos, o que comporta de movimentos, de encontros e fugas, de linhas que cria e que toma de empréstimo.

Não há promessas de frutos no rizoma. Qualquer pesquisa que se vale de uma movimentação esquizoanalítica não se propõe a buscar um fim em si mesma, tampouco reivindica os resultados como finalização do processo investigativo. Afinal, o rizoma é contra os sistemas centrados, ao que supõe ser preestabelecido, hierárquico. Melhor definindo, o rizoma é uma circulação de estados (DELEUZE; GUATTARI, 2011), nos fazendo abdicar de uma suposta linearidade da pesquisa, que iria de um ponto a outro, sem interrupções ou abalos. Em outras palavras, o rizoma é um sistema a-centrado que nos impede de seguir o já conhecido “caminho das pedras”, aquele que nos jogaria em uma estrada predestinada, conhecida e imutável. Renunciando a um ponto seguro, lançamo-nos aos riscos de uma prática analítica que se modifica constantemente, à medida que vai ampliando suas conexões, ligando-se a outros pontos, conjugando outros fluxos. Nesse aspecto, passamos a agir por “variação, expansão, conquista, captura, picada” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 43), turbilhonando com outros possíveis artefatos aqueles que investigamos.

Se podemos afirmar que uma cartografia é um processo investigativo sempre em aberto, é porque ela é diferença em si, porque ela recusa “toda ideia de fatalidade decalcada” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 30). Mais do que isso, porque, em se tratando de uma pesquisa em currículo, é preciso relembrar que toda experiência educacional é, por excelência, “incrivelmente bagunçada, imprevisível, imensurável, impossível de conter, parcialmente incoerente e impossível de ser inteiramente conhecida” (MILLER, 2014, p. 2061). Levando isso em conta, a cartografia dificilmente seria considerada como um método de pesquisa no sentido mais rígido do termo, posto que ela é irreprodutível. Trazer a esquizoanálise para a condução investigativa é desafiar os limites do pensamento moderno que moldou boa parte da produção científica contemporânea e que produziu um ideário de qual seria a postura adequada do/a pesquisador/a nesse processo. Logo, acoplar esse aparato de improvisações que deriva das possíveis conexões entre pesquisa cartográfica e currículo permite-nos pôr em questão aquilo que os empreendimentos teóricos que subsidiam nossas investigações têm autorizado ou não como adequados. E diante dessa elegibilidade, interrogamos os fundamentos que somos obrigados/as a tomar como universais, como um convite a “pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, explorando o que pode ser mudado, no seu próprio pensamento, através de um exercício de um saber que lhe é estranho” (FOUCAULT, 1994, p. 15).

Sim, há quem esteja cansado/a da árvore, das raízes e do decalque, desse movimento retilíneo uniforme das pesquisas científicas arborescentes. Ao se lançar por aí no mundo, fissurando aquilo que parecia mais impenetrável (o pensamento moderno), a deambulação cartográfica permite romper com a uniformidade no pesquisar, se ancora na multiplicidade do fazer e concede ao Cartógrafo a possibilidade de trilhar entre espaços que até então pareciam inadequados. Pouco lhe importa o bioma ou o clima, a língua materna ou a cultura, os hábitos ou os valores; importa mesmo as linhas que compõem cada um desses elementos e o que eles propiciam de conexões, de aberturas e de saídas, em sua “experimentação ancorada no real” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 21).

Um empreendimento cartográfico, qualquer que seja ele, não pode ser reaplicado novamente. Afinal, o rizoma não é objeto de reprodução, estando mais para uma memória curta ou mesmo uma antimemória (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Diferentemente do decalque, que é reprodutível ao infinito, o mapa é antigenealógico, é inconsumível, não possui referente, pois quando supomos que é um, ele já se transformou em dois. Possibilidades que emergem do rizoma, que não permite ser justificado nem por modelos estruturais, nem por eixos genéticos, estranhando qualquer tentativa de reprodução ou cópia. Cartografar é participar de um processo movediço, instável, que demanda um procedimento de criação ininterrupta, um “estar” no processo: tornar-se um/a pesquisador/a implicado/a, compor junto ao cenário que investiga, juntando os pedaços para dar sentido ao turbilhão de acontecimentos. Cartografar é correr no mundo por entre multidões e desertos, embrenhando-se em suas tocas e múltiplas entradas e saídas, testemunhando o impossível. É voltar e dizer o que viu e o que sentiu, tentando traduzir em palavras as imagens de um mapa que já se desfez, que já se transformou em outra coisa. A cartografia se configura, portanto, como um procedimento caótico, um empreendimento babélico. É caótico porque perturba e desestabiliza: saberes, impressões, intuições, percepções, hipóteses; porque se torna uma potência criativa e criadora que movimenta, que suscita devires. Babélico porque possíbilita ouvir vozes distintas, compor com saberes díspares, experimentar com campos heterogêneos, acoplar objetos aparentemente imiscíveis.

A palavra de ordem para o modo cartográfico de investigar currículos é o de experimentação. Experimentar no agir em nosso modus operandi, recriando processos múltiplos e compondo com métodos variados. Experimentar com os corpos, com os gêneros e com as sexualidades, e, consequentemente, com os mundos que se criam a partir desses encontros que nos afetam. Experimentar com a linguagem, entendendo-a não como “um meio ou instrumento externo em que despejo um eu e onde vislumbro um reflexo desse eu” (BUTLER, 2016, p. 207), mas como um lócus performativo que efetivamente constitui os sujeitos. Experimentar com o pensamento, demolindo o que se diz uno a partir da subtração do único, escrever “n-1” em prol da diferença, da multiplicidade, daquilo que faz o currículo gaguejar: e… e… e… (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Experimentar com aquilo que pretensamente nomeamos por “realidade”, sabendo que ela assume muitas formas possíveis, tantas forem possibilitadas a partir dos nossos discursos. Experimentar com a arte, para que seja possível liberar a vida que é aprisionada pelos homens, posto que “não há arte que não seja liberação de uma força de vida, não há arte da morte” (DELEUZE, 1996, grifos nossos). Experimentar com os artefatos que nos são presumidamente conhecidos, tornando-nos estrangeiros naquilo que nos soa tão trivial. E, para não finalizar, visto que não há predomínio de inícios e fins em uma cartografia, experimentar um currículo que coincida com a vida (PARAÍSO, 2015).

TAKE III. Uma antologia do currículo

Em sua errância, andarilhando pelas diversas linhas que constituem o artefato que investiga, o Cartógrafo observa atentamente o soerguimento de regiões distintas no mapa produzido pelo currículo das narrativas seriadas. Nos encontros engendrados pelas filosofias da diferença e pela esquizoanálise, ele passa a visualizar as regiões de controle desse artefato, derivadas do aparelho de Estado, bem como as suas zonas de contágios, próprias das máquinas de guerra. Para Deleuze e Guattari (2012c), uma “máquina de guerra” é um agenciamento derivado de linhas de fuga, e pouco tem a ver com a “guerra” tal como a compreendemos – esta, por sua vez, é a forma como o aparelho de Estado se apropria localmente de uma máquina de guerra que a princípio não lhe pertence. O caráter bélico de uma máquina de guerra está precisamente no alisamento dos territórios que ela compõe ou que ela ocupa e prolifera (DELEUZE, 2013). Sendo um artefato nômade, “como a multiplicidade pura e sem medida, a malta, irrupção do efêmero e potência da metamorfose” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 13), a máquina de guerra abala os modelos impostos pelo aparelho estatal, que por sua vez persegue-a e tenta a todo custo capturá-la. O aparelho de Estado, no entanto, remete a uma ideia de soberania, de uma forma estatal que tanto inspira como estria a imagem do pensamento, com as suas cópias e reproduções subordinadas “a um modelo do Verdadeiro, do Justo ou do Direito” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 49), cobiçando a universalidade. Trata-se de um aparelho de captura, cuja função é controlar o nomadismo inerente às máquinas de guerra, dominar os seus fluxos, traduzindo-os para direções predeterminadas, movimentos limitados, cooptação dos devires. Em suma, o aparelho de Estado anseia por estriar o espaço liso, controlando tudo aquilo que ameace invadi-lo ou transbordá-lo (DELEUZE; GUATTARI, 2012c).

Quando o Cartógrafo passa a experimentar o currículo das narrativas seriadas em uma investigação cartográfica, ele passa a presumi-lo de diferentes modos, a partir da natureza das linhas que o constituem. Ele atenta que há aquelas linhas do currículo que derivam do aparelho de Estado; são constitutivos de espaços estriados, sobrecodificados, hierarquizados. Essas linhas se apropriam de uma ciência régia, submetida a um “buraco negro central que lhe retira toda a capacidade heurística e deambulatória” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 20). O objetivo da ciência régia intrínseca ao aparelhamento estatal é o de fixar, sedentarizar as potências, determinar condutos para bloquear a passagem dos fluxos, reproduzir. Sim, reproduzir: regular, identificar, normatizar. O aparelho de Estado constitui “a forma de interioridade que tomamos habitualmente por modelo, ou segundo a qual temos o hábito de pensar” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 15-16).

Quando narrativas seriadas se apresentam em sua interface de aparelho de Estado, suas linhas coagem, limitam, e seu território estriado não é capaz de comportar linhas de fuga, visto que sua preocupação é a de conservar. Nesse sentido, o Cartógrafo passou a refletir acerca daqueles exemplares de narrativas que acompanhou ao longo dos últimos anos. Tais narrativas, a partir de determinados enquadramentos epistemológicos, tanto reconhecem como também qualificam certos modos de vida (BUTLER, 2017). Afinal, se “as normas que determinam quem é e quem não é humano nos chegam sob uma forma visual” (BUTLER, 2017, p. 18), o artefato das narrativas seriadas pode contribuir para a determinação da vivibilidade dos sujeitos, isto é, ajudam a compor vidas como “vivíveis”, e, consequentemente outras que fogem às normas como “morríveis”, existências cujo “estatuto legal e político é suspenso” (BUTLER, 2019, p. 7). Consequentemente, tais narrativas passam a funcionar como “molduras” e é por meio das suas imagens que nós “apreendemos, ou, na verdade, não conseguimos apreender a vida dos outros como perdida ou lesada” tornando-se, portanto, “operações de poder” (BUTLER, 2017, p. 14). Essas linhas, ao conservar modelos e reproduzir normas generificadas, ensinam modos segmentados de ser e estar no mundo, controlam os nossos corpos e qualificam os sujeitos com marcas de gênero.

Por outro lado, haveria espaços para um currículo funcionar segundo a lógica de uma máquina de guerra? Não foi uma tarefa fácil para o Cartógrafo vislumbrar isso, dada a fugacidade das máquinas de guerra e nossa inclinação para pensar a partir dos modelos que procedem do aparelho de Estado. Então, deriva para o Cartógrafo a força de fazer do próprio pensamento uma máquina de guerra, operando a partir do pensamento do fora, desvencilhando-se daquilo que captura e conforma. Ao invés de agir por reprodução, proceder por revezamentos, intermezzi, relances, no exercício de um pensamento deambulatório, como as maltas e as matilhas; afinal, “todo pensamento já é uma tribo, o contrário de um Estado” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 49). A máquina de guerra não apresenta modelos, visto que é resistente à captura e, tão logo perceba estar demasiadamente vistosa ao aparelho de Estado, se metamorfoseia em outra, fazendo com que ela exista “nas suas próprias metamorfoses” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 25). Currículos como máquinas de guerra são produtores de espaços lisos, abertos, turbilhonares; projetam-se em um saber abstrato, a ciência nômade, que em tudo se difere daquele saber régio em que o aparelho de Estado é embasado. Trata-se de um “devir e de heterogeneidade que se opõe ao estável, ao eterno, ao idêntico, ao constante” (DELEUZE; GUATTARI, 2012c, p. 26), que a todo tempo é inibida ou proibida pelas imposições da ciência régia. Indo contra todas as coordenadas de um aparelho de Estado que pretende limitar seus espaços e hierarquizá-la, a máquina de guerra é itinerante, percorre caminhos para além daqueles traçados previamente pelo aparelhamento estatal. Uma máquina de guerra é da ordem da tribo, da matilha, do que foge e escapa sem parar. Portanto, narrativas seriadas que se apresentam como máquinas de guerra são capazes de acionar linhas de fuga, precipitações que nos convocam a deformar os modelos predeterminados a partir de brechas e fissuras, permitindo-nos fabular outros modos de existência. São precisamente essas narrativas que proporcionam experiências menos normativas aos sujeitos de sexualidades dissidentes ou que escapam aos raciocínios generificados, a exemplo daquela vivenciada pelo garoto que corre no início do artigo. Narrativas essas que, ao ativar uma “potência de criação”, movimentam, desterritorializam, desconfi(n)am a vida dos lugares cativos em que ela é aprisionada.

Em se tratando de um mapa aberto, composto por diferentes linhas e capaz de receber modificações ao longo do seu percurso de criação (DELEUZE; GUATTARI, 2011), o procedimento esquizoanalítico dá provas do caráter ambivalente do currículo das narrativas seriadas ao apontar que as marcas que generificam os sujeitos não podem ser limitadas a um modelo único e estável. Afinal, a despeito de “todos os poderes que fazem o controle, demarcam as áreas e opinam sobre como evitar a desorganização em um currículo e que demandam sua formatação, tudo vaza e escapa” (PARAÍSO, 2010, p. 588). Se um currículo pode operar, ainda que não simultaneamente, segundo a lógica do aparelho de Estado e da máquina de guerra, é porque ele se vê apanhado por um confronto: por um lado, uma máquina de guerra “que o alimenta e o inspira”, por outro, um aparelho de Estado, “que lhe impõe uma ordem das razões” (DELEUZE; GUATTARI, 2012b, p. 28). Sim, há espaços estriados e totalizadores nesse currículo, cujos limites estáticos amalgamam identidades fixas, saberes normativos, raciocínios binários. Porém, há também espaços lisos que comportam dissidências e que inventam linhas de fuga para os/as itinerantes que perambulam nesse território. Portanto, evidenciar quais são as linhas constitutivas desse currículo e como elas operam distintamente na fabulação de subjetividades generificadas é o que o condiciona como um currículo antológico.

Por currículo antológico compreendemos a capacidade desse currículo de se manifestar como um artefato capaz de hibridizar saberes distintos em um mesmo repositório, de modo a nos apresentar toda uma sorte de modelos de sociabilidade, afetividade, valores a serem praticados etc. Tais elementos podem tanto se aproximar quanto divergir entre si, possibilitando uma atualização nas formas diferenciais de nos constituirmos como homens e mulheres de variados tipos. É nesse aspecto que podemos ver no currículo das narrativas seriadas, por exemplo, a emergência de uma “masculinidade difícil”8 na figura do mafioso Tony Soprano, protagonista de The Sopranos, que em uma cena emblemática, ao ser interpelado por sua terapeuta acerca da obrigatoriedade de fazer um exame de próstata, responde-lhe bravamente: “eu não deixo ninguém ao menos apontar o dedo na minha cara!”. Concomitantemente, tal currículo dá provas do seu caráter antológico ao traçar linhas de fissura na composição de outros modos de ser relativamente ao masculino, como aquele circunscrito pelo subtexto homoerótico das narrativas seriadas Hannibal e Sherlock. Em ambas as narrativas, embora os “casais” de protagonistas sejam apresentados ao público como um relacionamento amigável, eles dissimuladamente denotam um interesse ambíguo que parece ir além do mero fascínio profissional.

Entretanto, esse fenômeno não ocorre apenas em um modo relacional entre masculinidades e feminilidades, como se as distinções dos sujeitos marcados pelo gênero só fossem possíveis de serem analisadas à luz das diferenças entre homens e mulheres (SCOTT, 1995). O currículo antológico das narrativas seriadas produz uma verdadeira constelação de subjetividades generificadas, seja relativamente ao masculino, seja ao feminino, cujas possibilidades heterogêneas evidenciam que não há qualquer coerência ou estabilidade no que ele investe em termos de alcance a um público específico. Em outras palavras, um currículo é antológico quando ele exibe os seus pontos de coerência – isto é, os discursos que o atravessam de modo semelhante –, sem se furtar a fazer ver os seus pontos de dispersão – aquilo que faz com que ele jamais se esgote em suas possibilidades de subverter a própria lógica que parecia o constituir como tal.

TAKE IV. E a vida passa por entre as linhas

Adentrar um território conhecido resguarda tantos perigos quanto invadir zonas inexploradas. Os riscos presumidos em deixar-se levar pelas garantias provocadas pela sensação de estar em casa ao eleger um artefato que consome há mais de uma década foram altos para o Cartógrafo, o que o levou a um primeiro passo em seu processo esquizoanalítico: não mais chegar ao objeto de investigação, mas sim distanciar-se dele. Havia chegado o momento do seu devir-estrangeiro, a necessidade de “cavar uma língua estrangeira na própria língua e levar toda linguagem a uma espécie de limite musical” (DELEUZE, 1996). Aqui, não se trata mais de pensar “é isso e não aquilo”, mas sim “por que isso e não aquilo?”, “como isso funciona e como aquilo também pode funcionar?”.

Em vez de interrogar o que um currículo é ou o que ele representa, o rizoma suscita outros questionamentos, dá a ver outros caminhos. Por não se esposar em filiações, não ser valorizado por estruturas ou eixos derivativos, o rizoma é o intempestivo que transforma todo ser em conjunção e… e… e…. Buscar o que é em um currículo seria produzir raízes, recair nos velhos procedimentos arborescentes, decalcar. Mais produtivo é identificar quais são os tipos de linhas que comportam esse mesmo currículo, pôr em questionamento seu funcionamento, quais conexões são estabelecidas com outros objetos. Tal geografia do olhar impõe uma experimentação com aquilo que constitui os currículos, os objetos, as coisas, nós mesmos: as linhas, “os meridianos, geodésias, trópicos, fusos, que não seguem o mesmo ritmo e não tem a mesma natureza” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 83). Das linhas possíveis de serem cartografadas no currículo das narrativas seriadas, destacam-se as linhas de segmentaridade dura ou de corte molar; as linhas de segmentação maleável ou de fissura molecular; e as linhas de fuga ou de ruptura.

As linhas de segmentaridade dura ou de corte molar existem para cada um e cada uma de nós. São linhas determinadas, planejadas, em que “tem-se um porvir, não um devir” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 71). Elas são próprias dos indivíduos porque a nossa própria vida “não para de se engajar em uma segmentaridade cada vez mais dura e ressecada” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 77), porque a todo tempo estamos sendo estratificados em polos duais estabilizados socialmente e sobrecodificados pelo Estado. Trata-se de segmentos bem determinados, binarismos irredutíveis de classe social (rico ou pobre), gênero (homem ou mulher), raça (branco ou negro), orientação sexual (heterossexual ou homossexual), estado civil (casado ou solteiro), familiar (pai ou mãe, filho ou filha), entre outros. São linhas que afinam, conjugam, segmentos que passam presumidamente de um para outro: Sou Criança, torno-me Mulher. Sou Mulher, torno-me Esposa. Sou Esposa, torno-me Mãe. São essas linhas que regem as grandes metanarrativas, que delimitam os papéis sociais que nos são atribuídos coercitivamente, que amparam os raciocínios rígidos que nos normatizam e que buscam manter a coerência dos nossos corpos em relação aos gêneros que nos são impostos. São linhas que gritam palavras de ordem, arborescências seguras que delimitam exatamente quais serão as nossas possibilidades diante daquilo que nos formata.

Essas linhas constituem, por exemplo, os já mencionados homens difíceis das narrativas seriadas, aqueles protagonistas masculinos considerados como “criaturas infelizes, moralmente incorretas, complicadas, profundamente humanas” (MARTIN, 2014, p. 21). Independentemente do enredo principal, da profissão exercida pelo protagonista ou das particularidades que constituem suas personalidades, tais narrativas recusam quaisquer atributos que discordem daquilo que está instituído, salvaguardado, normatizado, que escapem das dicotomias e binarismos. Operando a partir de estratos que remetem às operações de poder, as linhas de segmentaridade nessas narrativas não são feitas “para perturbar nem para dispersar, mas ao contrário: para garantir e controlar a identidade de cada instância, incluindo-se aí a identidade pessoal” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 73).

Já as linhas de segmentação maleável/fissura molecular são como “quanta de desterritorialização”, linhas flexíveis, “partículas que escapam dessas classes, desses sexos, dessas pessoas” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 74-75). São linhas que fazem tremer e racham o corte molar, que fissuram as segmentaridades duras. Em vez dos grandes cortes determinados previamente, as linhas maleáveis possuem “impulsos […] na imanência de um rizoma” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 72), são como fendas, pequenos buracos por onde o rizoma perpassa e desestabiliza as identidades fixas. Se as linhas duras impõem uma ordem binária irredutível, as linhas maleáveis denotam algum pacote de desestratificação, ainda que não seja absoluta; permitem suscitar os devires, multiplicar os significados. Essas linhas são possíveis de vislumbrar na composição da narrativa seriada The good wife. Embora à primeira vista o qualificativo de a boa esposa da sua protagonista possa sugerir justamente a estabilização proposta pelas linhas duras, tal artefato abala várias das noções atribuídas ao feminino: mesmo com dois filhos adolescentes em casa, Alicia retorna ao seu ofício de advogada após a prisão do seu marido e torna-se “chefe do lar”; vê-se em um jogo de sedução com seu antigo namorado da época da faculdade, ainda que continue legalmente casada; e em diversos momentos da narrativa se utiliza da posição de boa esposa a seu favor, quando, por exemplo, decide concorrer em um pleito e se vale da imagem matrimonial para angariar votos da parcela mais conservadora do eleitorado. Ainda que Alicia não rompa efetivamente com o modelo de esposa, ela é uma lembrança que as linhas que confluem na produção dos significados atrelados a gênero podem desmantelá-lo precisamente no ponto em que ele parecia mais sólido.

As linhas de fuga, por sua vez, são linhas que rompem por completo com os modelos estratificados, que despojam o eu de toda tentativa de cristalização, denotam uma desterritorialização absoluta, uma explosão das duas linhas segmentares anteriores. São linhas imprevisíveis, fictícias, que urgem serem criadas, fazendo fugir “todo um sistema como se arrebenta tubos. Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 47). Mas não se foge do mundo, antes faz-se o mundo fugir, estourando canos, liberando forças ativas, atualizando modos de vida. São essas linhas traçadas, por exemplo, pela narrativa seriada One Mississippi. No referido artefato somos apresentados/as a Tig Notaro, uma mulher lésbica de meia idade que mobiliza um processo de desterritorialização das linhas de segmentaridade relativas ao feminino, visível nas diferentes maneiras como ela se comporta em diferentes fases ao longo da vida. A partir de uma reapropriação do próprio diante dos saberes generificados que constituem a feminilidade hegemônica, Tig escoa em uma linha de fuga, efetuando outros agenciamentos menos normativos. Trata-se de um corpo cambiante, transgressor, que nos instiga a conhecer outros modos menos rígidos de vivenciarmos nossas expressões de gênero e de sexualidade.

É nesse emaranhado de linhas de um jogo cartográfico que a vida se des/re/faz. E engana-se quem supõe que essas linhas estariam dissociadas umas das outras; “as três linhas não param de se misturar […], elas se transformam e podem mesmo penetrar uma na outra” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 77). O Cartógrafo tudo registra, a ele nada passa incólume. Cada som, cada imagem, cada percepto e afeto, cada movimento, tudo está sujeito ao seu olhar stalker, obstinado. Ele se encolhe por detrás de arbustos e observa a vida acontecer. Mimetiza-se com o artefato que persegue, quase como se ele próprio fizesse parte do mapa. E por que não faria? Ora, nós “vemos, falamos, pensamos nesta ou naquela escala e segundo determinada linha que pode ou não se conjugar com a do outro, mesmo se o outro é ainda eu mesmo” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 82, grifo nosso). A esquizoanálise nos convida a inventar outras formas de pensar, a criar outros modos de investigar, de re/existir em um mundo em que com/pomos. Se o Cartógrafo se metamorfoseia naquilo que cartografa, é na tentativa de não sucumbir à realidade, de inventar novos modos de vida. Afinal, nos rastros de uma cartografia nós sempre traçamos “linhas, linhas de escrita, e a vida passa entre as linhas” (DELEUZE; GUATTARI, 2012a, p. 81-82).

Um fim… ou um meio?

É bastante comum que o final de uma determinada narrativa seriada seja algo controverso. Para muitos/as espectadores/as, o derradeiro episódio costuma sintetizar a experiência como um todo, para o bem ou para o mal. Com isso, parece ser muito difícil para os/as envolvidos/as com uma narrativa seriada concluí-la de modo a agradar a todos/as; são muitos elementos que orbitam a finalização de um enredo, são muitos os desejos e anseios por parte do público, quereres que por vezes são completamente opostos. Pensamos, com isso, que finalizar é sempre um risco, seja em narrativas seriadas, seja em uma pesquisa cartográfica com currículos. Fechar-se em um pretenso epílogo, como quem tomaria a última palavra e apresentaria aos seus pares os resultados obtidos em uma investigação, em nada conciliaria com a esquizoanálise aqui empregada. Uma pesquisa cartográfica vigora no improviso, não advoga por inícios e finais bem delimitados, pois o seu interesse é sempre pelo meio, pelo intermezzo, pelo rizoma, pelo espaço em que as coisas adquirem velocidade (DELEUZE; GUATTARI, 2011).

Talvez o exercício derradeiro do Cartógrafo esteja mais para um hiatus – termo utilizado no campo audiovisual para demarcar o período entre as safras das temporadas das narrativas seriadas. Um espaço intervalar, próprio de uma cartografia: movimentação, deambulação, experimentação incessante, ainda que pareça ser um período de pausas. Na falta de um melhor desfecho, o Cartógrafo fabula seus próprios finais em aberto: quais espaços estriados de controle e espaços lisos de contágios o aguardam no exercício dessa cartografia? Quais linhas ele poderá compor nesse território tão intempestivo? Quais serão prolongadas, retomadas, interrompidas? Que subjetividades generificadas são demandadas a partir dessas linhas? E que afetos esse currículo pode disparar? Cenas dos próximos capítulos…

Entretanto, ao experimentar algumas trilhas esquizoanalíticas para a composição de um modo cartográfico, o Cartógrafo antecipa algumas linhas de forças possíveis na mobilização entre currículo, narrativas seriadas e subjetividades. Dá conta de uma tipologia constitutiva desse currículo que considera antológico – as linhas duras, segmentadas, identitárias, na figura da “masculinidade difícil” de determinados personagens de narrativas seriadas da contemporaneidade, a exemplo do protagonista de The Sopranos; as linhas de fissuras, flexíveis, na imagem de uma boa esposa que torce algumas das expectativas que pairam sobre a feminilidade hegemônica, sem necessariamente rompê-las em definitivo; e as linhas de fuga, aquelas que escapam dos estratos dos agenciamentos de poder e que podem ser vistas na composição da protagonista de One Mississippi.

Nesse processo de imersão cartográfica, a figura do Cartógrafo e a imagem do garoto que corre se cruzam, produzindo uma espécie de dobra. Isso porque, ao experimentar com o currículo das narrativas seriadas, o Cartógrafo passa a assumir que o que está em jogo neste artefato são as distintas maneiras pelas quais nos tornamos nós mesmos, os modos pelos quais assumimos diferentes posições de sujeito ao longo de nossas vidas. Inspirado por Paraíso (2010), quando afirma que a vida de muitos e de muitas dependem do currículo, o Cartógrafo retorna à sua posição de garoto fugidio, aquele sujeito que corria para habitar nos interstícios de um currículo que lhe suscitasse outros possíveis, que lhe proporcionasse aberturas para outros modos de viver. Retorno a esse repleto de afirmação de vida. Um retorno que demonstra como a cartografia pode ser um modo de enfrentamento às formas, de trair aquilo que tantas vezes foi posto como ideal ou exato, de burlar os fluxos que estabilizam e formatam. Cartografar é vazar em caminhos insuspeitados, é rasgar-se em territórios investigativos em mapas arredios, é chegar ao topo de um questionamento só para perceber que dali já não há mais nenhuma resposta possível e gritar tantas outras mais. É cavar as entranhas de um artefato sobre o qual nos debruçamos para esmiuçá-lo e fazê-lo rir. Rir! Rir de toda lógica moderna, gargalhar de todo padecimento diante da pretensão modernista de como deveríamos realizar as nossas pesquisas. Pôr-se louca, desvairada. Cartografar é atravessar-se de linhas de todas as naturezas, conjugar fluxos de ordens variadas. É dar uma rasteira no aparelho de Estado, no general, no Édipo, nos currículos base, nos experts, no que está cristalizado, salvaguardado, difundido, bem representado. Cartografar é multiplicar, é acolher outros modos de inquirir sobre um determinado artefato, mas sem a pretensão de domesticá-lo.

O Cartógrafo acredita que currículo, sendo um espaço de formas e de forças (PARAÍSO, 2015), pode sim gestar possibilidades, pode sim desestabilizar aquilo que oprime, pode sim investir na abertura dos corpos condicionados a já não mais sentir, pode sim inflar movimentos que desbloqueiem os fluxos. Um currículo pode muita coisa, ele pode tudo! Nesse sentido, o currículo das narrativas seriadas pode bem servir de abrigo, ser uma toca, um covil. Pode abrir os poros aos afetos, alisar um território estriado, nos fazer encontrar um modo, um jeito, uma saída para o que atemoriza. Pode suscitar bons encontros. O garoto que corre estava cercado de currículos que o assombravam, que reprimiam suas paixões alegres. Mas ao recorrer ao currículo das narrativas seriadas, como em um bom encontro com esse currículo-sonho, pode enfim desbravar territórios inauditos. Isso porque o currículo das narrativas seriadas, ao acionar linhas de fuga, abre espaços para outras saídas, experimentando a partir de outras linguagens, compondo com gramáticas menores, rasteiras, desterritorializadas. Nesse sentido, disponibilizam saberes que não imputam ordenamentos, conformações, normatizações para os sujeitos atravessados por dissidências em suas marcas de gênero e sexualidades. É nesse sentido que o Cartógrafo finaliza este texto com a imagem do garoto que corre: para, assim como ele, também vazar outros itinerários em uma pesquisa em educação, conquistando outros espaços e multiplicando a diferença no currículo.

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3- California, canção da banda norte-americana Phantom Planet. Essa música está na abertura da narrativa seriada The OC.

4- A noção de endereçamentos generificados, inspirada no conceito de modos de endereçamento da teórica Elizabeth Ellsworth (2001), nos possibilita perscrutar os diferentes modos como nos constituímos em homens e mulheres de determinados tipos a partir dos pressupostos que os artefatos culturais constroem acerca de quem seria seu público.

5- Inspirados pelos escritos de Judith Butler (2016) e de Michel Foucault (2017), ao grafarmos subjetividades generificadas estamos nos referindo às distintas posições de sujeito a serem ocupadas por homens e mulheres, os/as quais são instados/as a serem de determinados modos e a se comportarem de determinadas formas a partir dos discursos que os dobram como sujeitos marcados por gênero.

6- Canção da banda inglesa Florence and the Machine, presente no álbum How big, how blue, how beautiful.

7- “O Abecedário de Gilles Deleuze”, uma série de entrevistas feita por Claire Parnet e filmada entre 1988 e 1989, com o acordo de que só seria exibida após a morte do filósofo. O programa foi divulgado no Brasil pela TV Escola, Ministério da Educação. Para referenciar os ditos do filósofo nessas entrevistas, utilizamos (DELEUZE, 1996) sem numeração de páginas, uma vez que se trata de um material audiovisual.

8- Aqui nos referimos à categorização de homens difíceis, discutida no campo audiovisual para demarcar os protagonistas masculinos anti-heroicos que despontaram nas narrativas seriadas a partir da emergência de The Sopranos, no início dos anos 2000 (MARTIN, 2014).

Recebido: 28 de Agosto de 2020; Revisado: 20 de Outubro de 2020; Aceito: 10 de Fevereiro de 2021

Evanilson Gurgel é doutor em educação (2022) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em educação (2018) e licenciado em ciências biológicas (2014) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É integrante do grupo ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/CNPq.

Marlécio Maknamara é docente do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA, doutor em educação (2011) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em educação (2005) pela UFPB. É líder do grupo ESCRE(VI)VER: Grupo de Estudos e Pesquisas com Narrativas em Educação/CNPq.

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