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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 27-Set-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248245243por 

Artigos

Os saberes da complexidade e as práticas pedagógicas

Mônica Aparecida Rodrigues Luppi1 
http://orcid.org/0000-0001-9957-4589

Marilda Aparecida Behrens2 
http://orcid.org/0000-0002-3446-2321

Edna Liz Prigol2 
http://orcid.org/0000-0002-7449-6622

1- Universidade Estadual de Londrina. Londrina, Paraná, Brasil. Contato:monica@uel.br

2- Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. Contato: marildaab@gmail.com; prigoledna@gmail.com


Resumo

Este estudo trata de uma pesquisa realizada com docentes brasileiros e portugueses, constituída por um curso on-line, cuja finalidade era oferecer uma proposta de formação continuada, que integrasse os professores da educação básica, do ensino superior e da pós-graduação, embasando-se nos “Sete saberes necessários à educação do futuro”. Para tanto, enfocou-se nos saberes que tratam das “cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”, na perspectiva de Edgar Morin. O problema que norteou a investigação buscou analisar as percepções dos participantes do curso quanto à influência da prática pedagógica, da metodologia e da contribuição do saber proposto para a transformação da ação docente. A pesquisa teve abordagem qualitativa, do tipo pesquisa-ação, os dados foram submetidos à análise de conteúdo, com auxílio do programa IBM SPSS Statistics. Os resultados indicaram a incidência de reflexões sobre a necessidade de se considerar uma proposta de reforma do pensamento, no campo da educação, que supere a fragmentação do conhecimento. Sobre o engajamento dos alunos nas atividades propostas pelo professor em aula, foi percebida a valorização da interdisciplinaridade, da colaboração, da cooperação, do trabalho coletivo, do papel de mediação e a influência dos aspectos psicológicos com relação ao interesse e à motivação para aprender. Por fim, foi considerada a necessidade da superação de pensamentos deterministas, possibilitando, assim, a compreensão de que os conhecimentos estão sujeitos a erros e ilusões, inclusive no campo da educação, e que a expansão do pensamento humano pode favorecer a busca por soluções aos problemas educacionais.

Palavras-Chave: Complexidade; Sete saberes; Prática pedagógica

Abstract

This study deals with a research conducted with Brazilian and Portuguese teachers through an online course that aimed to design a continuing education approach that integrated basic, undergraduate and graduate education teachers, based on the “Seven Complex Lessons in Education for the Future.” To this end, it focused on the “lesson” that deals with error and illusion, from Edgar Morin’s perspective. The problem that guided the investigation sought to analyze participants’ perceptions about the influence of pedagogical practice, methodology and the proposed learning on a transformation in teaching. The research used a qualitative, action-research approach, and the data was submitted to content analysis using the IBMS Statistics program. Results indicated the occurrence of reflections about the need to consider a thought-reform approach to education, one that overcomes the fragmentation of knowledge. About student engagement in activities proposed by the teacher in class, participants were found to value interdisciplinarity, collaboration, collective work, and the mediation role, and to recognize the influence of psychological aspects on students’ interest in and motivation for learning. Finally, the need to overcome determinist thoughts was considered, thus allowing participants to understand that knowledge is subject to errors and illusions also in education, and that expanding human thought can help in the search for solutions to educational problems.

Key words: Complexity; Seven complex lessons; Pedagogical practice

Introdução

O presente estudo faz parte de uma pesquisa em rede com universidades brasileiras e portuguesas que se ocupou da criação, elaboração e oferta de um curso para formação de professores, disponibilizado na modalidade a distância, para ser acompanhado on-line, com o objetivo de disseminar a discussão em torno do pensamento complexo. Destacou-se na pesquisa a perspectiva de Morin (2001), em especial por meio do livro Os sete saberes necessários à educação do futuro. Essa obra de referência apresenta capítulos denominados pelo autor como: (i) as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; (ii) os princípios do conhecimento pertinente; (iii) ensinar a condição humana; (iv) ensinar a identidade terrena; (v) enfrentar as incertezas; (vi) ensinar a compreensão e a ética do gênero humano.

O curso ofertado on-line foi dividido em sete módulos, cada qual oferecendo conhecimentos e espaços de estudo, reflexão e discussão sobre um dos saberes apresentados no referido livro. Este artigo apresenta a síntese das análises referentes ao primeiro saber e busca analisar as percepções dos professores participantes quanto à influência dos saberes propostos por Morin (2001), em especial o saber sobre “as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”, e a influência deste na prática pedagógica. Para essa investigação buscou-se (i) sistematizar as informações fornecidas pelos professores participantes nos espaços dos fóruns; (ii) estabelecer categorias, códigos e unidades de análise classificando as contribuições fornecidas pelos professores participantes e (iii) identificar a percepção dos professores quanto às contribuições do estudo para a transformação da prática pedagógica.

Os estudos em torno do pensamento complexo desenvolvidos por Morin (2001) compreendem a necessidade da educação escolar encontrar os caminhos para a superação da transmissão dos conteúdos, da fragmentação do conhecimento e, nesse movimento de transformação, busca educar para a humanização, para cidadania responsável, para construção de uma civilização planetária, baseada na fraternidade, no comprometimento de uns com os outros, no acolhimento e inclusão dos marginalizados, entre outros desafios. Trata-se de uma educação para a vida e, para tanto, torna-se urgente e necessário que ocorra uma mudança paradigmática, que exige momentos de reflexão e partilha, bem como, a criação de espaços de discussão, conhecimento, formação e troca de experiências.

A partir dessa visão de formação compartilhada foi oferecido o curso on-line, anteriormente mencionado, com a intenção de subsidiar uma possível mudança paradigmática na docência que pudesse superar a visão conservadora e acolher o pensamento de complexidade proposto por Morin (2001).

Temáticas pertinentes envolvidas no processo formativo continuado

Embora o livro proposto para o estudo seja direcionado a educadores e discorra sobre a validade de saberes necessários ao futuro da educação, Morin (2001), de imediato, salienta que não se trata de um guia, ou seja, não são disponibilizadas receitas ou modelos, mas sim fundamentos que devem permear e se entrelaçar aos conteúdos ensinados na escola.

Recorrendo ao dicionário de Koogan e Houaiss (1999, p. 1424), o termo “saber” equivale a “[...] conhecer, ser informado ou ter conhecimento de; soma de conhecimentos, cultura, erudição”. A forma de oferta livre e voluntária do curso parece atender à essência do conceito de saber, afinal ao oferecer o conteúdo e o espaço de discussão nos fóruns, com possibilidades variadas de acesso, interação entre os participantes, contato com a informação e com os conhecimentos compartilhados em torno das reflexões, mostra-se um caminho que pode iniciar uma mudança paradigmática, mobilizando os docentes e buscando despertar o interesse pelo novo.

Essa necessidade de transformação, que a teoria do pensamento complexo propõe, exige a compreensão da condição humana e da identidade terrena, ideias que foram propostas por Morin (2001). Foi nesse sentido que os conhecimentos em torno da transdisciplinaridade foram se desenvolvendo. O termo surgiu em torno de 1960, de acordo com Nicolescu (1999, p. 11) o conceito foi surgindo “[...] nos trabalhos de pesquisadores diferentes como: Jean Piaget, Edgar Morin, Eric Jantsch e muitos outros”. Morin (2001) esclarece que sua invenção rompeu com os limites estabelecidos pelas disciplinas.

O significado do termo transdisciplinaridade transpassa as ideais de pluridisciplinaridade e interdisciplinaridade que, para Nicolescu (1999), ambos mantêm a ideia de separação, seja pela especificidade metodológica ou pelo pertencimento do objeto a determinada disciplina. Pelos caminhos da ciência essa abordagem procura conscientizar o indivíduo da necessidade de assumir seu papel na vida planetária e compreender as consequências de suas atitudes e decisões. O interessante dessa nova construção paradigmática é que ela traz consigo a possibilidade de recomeço, de integração e de coletividade, mais ainda, por meio de comprovações científicas e argumentos sólidos, fundamenta os conhecimentos do campo da Educação.

Para encontrar caminhos na ciência da educação para a superação da fragmentação e da valorização do aspecto transdisciplinar do conhecimento, Morin (2001) indica a necessidade de reflexão sobre os saberes que podem influenciar os processos educativos vivenciados por professores e estudantes. Por isso, nesse curso buscou-se possibilitar a aprendizagem, com foco na formação, de forma que o conteúdo fosse reconhecido como significativo para os participantes e considerado aplicável à realidade de suas práticas pedagógicas.

O saber que abrange a possibilidade do erro e da ilusão presentes nos processos de desenvolvimento do conhecimento, segundo Morin (2001), sempre acompanhou as descobertas realizadas pelo homem. Ainda, de acordo com o autor, não foram raras as vezes em que a humanidade errou e se iludiu com suas descobertas e convicções, em relação ao entendimento de homem, de sociedade e do mundo que a cerca.

O problema da humanidade está justamente no reconhecimento da presença da incerteza, particularmente quando se trata do desenvolvimento do conhecimento, conforme defende Morin (2001) em seus estudos. Para o autor, está entre as funções da Educação ensinar que, historicamente, por vezes, a ciência, as concepções, as ideologias, os princípios, foram determinados por erros e ilusões e que estamos suscetíveis a isso o tempo todo. Considerando o princípio desse saber, muitas questões poderiam ser superadas, no que se refere a compreender, a ser, a fazer, a viver junto e a conviver, aprendizagens essas indispensáveis, propostas no relatório de Delors (1998).

Entre os aspectos que corroboram para que ocorra o erro e a ilusão, no entendimento de Morin (2001), está o fato de que a inteligência não pode ser separada da afetividade e que as emoções interferem no comportamento de raciocinar. Pensando dessa forma, Morin (2015b, p. 99) se “[...] surpreendente que a educação, que visa a comunicação, seja cega a respeito do que é o conhecimento humano, seus dispositivos, suas fraquezas, suas dificuldades, suas propensões ao erro e à ilusão e de modo algum se preocupe em fazer conhecer o conhecer”. Nesse sentido, é possível dizer que, na perspectiva de Morin (2015b), o estudo do ensino desses aspectos deveria fazer parte da formação dos professores.

Da mesma forma, a educação deveria necessariamente iniciar seus processos pelo “[...] conhecimento do conhecimento que serviria de preparação para o enfrentamento dos riscos permanentes, que não cessam de parasitar a mente humana” (MORIN, 2015b, p. 100). Nesse percurso de conhecer o conhecer, Morin (2001) se refere à possibilidade do inesperado e apresenta alguns aspectos que influenciam a construção do conhecimento e podem interferir na transmissão da informação: os erros mentais, intelectuais, da razão e as cegueiras paradigmáticas.

Para compreender como se processa o conhecimento é interessante conhecer a percepção dos professores com relação às suas práticas pedagógicas, suas decisões metodológicas, sua interpretação sobre o contexto educacional, seu entendimento profissional.

Inclusive, constantemente estudiosos do campo da educação dedicam tempo e espaço em seus trabalhos para falar sobre o valor da pesquisa no processo de formação dos professores e alertam que a superação dos problemas educacionais, entre outros aspectos, passa pelo compartilhamento das informações e pelo debate sobre as experiências. Esses autores, como Imbernón (2009), Demo (2009), Pimenta (2011) Morin (2015a, 2015b, 2015c) e tantos outros, destacam a necessidade de compartilhar as experiências, compreensões e percepções dos docentes diante das situações educacionais do cotidiano. Para Pimenta (2011):

Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente importantes, tais como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está configurada teoricamente. Essa vasta e complexa produção tende a ficar perdida, diluída e no nível do senso comum. (PIMENTA, 2011, p. 68).

Para apresentar a percepção dos professores com relação ao saber, que trata das cegueiras do conhecimento, considerando princípios da teoria da complexidade, relatou-se o caminho metodológico utilizado para refletir sobre as contribuições dos participantes do curso, no que tange ao entendimento do conteúdo e à aplicabilidade dele às suas práticas pedagógicas.

O caminho metodológico

A pesquisa qualitativa buscou captar, no processo de investigação, as percepções dos professores envolvidos na formação on-line, acerca dos “sete saberes necessários para educação do futuro”, em especial, sobre o primeiro saber proposto por Morin (2001), “as cegueiras do conhecimento: os erros e ilusões” e sua influência na mudança paradigmática possível nas práticas de ação docente. Contou-se com a participação de quatro coordenadores pesquisadores: dois brasileiros e dois portugueses; bem como quatro doutores, oito mestrandos e doutorandos envolvidos no grupo de estudos. A formação continuada on-line foi aberta para a comunidade por convite virtual e envolveu 51 professores participantes inscritos no curso, que atuam em diferentes níveis de ensino. Desse grupo de 51 professores, 48 eram brasileiros e 3 eram portugueses.

Na pesquisa qualitativa elegeu-se o tipo pesquisa-ação, pois, segundo Thiollent (2011) é possível agregar diferentes métodos ou estratégias para estabelecer uma estrutura coletiva para a captação das informações. Desta forma, optou-se pela pesquisa-ação, na qual os sujeitos que investigam estão inseridos no meio em que o objeto é observado e analisado. Os membros do grupo de estudos da pesquisa se envolveram desde a elaboração e organização dos materiais, recursos e conteúdos trabalhados, até o acompanhamento e participação dos encontros virtuais, assumindo papéis diferenciados nas tutorias, na estruturação e nas adequações que se mostraram necessárias, bem como contribuíram no levantamento das percepções registradas pelos professores envolvidos.

Todos os pesquisadores envolvidos permaneceram integrados, compartilhando suas percepções nos espaços para comunicação on-line, de forma assíncrona, ou seja, não necessariamente no mesmo momento, mas conforme a disponibilidade do participante inscrito. Foi uma ação conjunta, de organização, acompanhamento e desenvolvimento das atividades ofertadas em rede, na qual o grupo de estudos ensinou e aprendeu por meio das intervenções no processo investigativo.

Para a coleta de dados utilizou-se a base de dados da netnografia virtual, considerando que os participantes puderam registar suas ideias por meio da web, dialogar com seus pares, constituindo assim o corpus de dados desta pesquisa. O tratamento dos dados foi elaborado por meio da análise de conteúdo, com base nos estudos de Bardin (2016) e com o apoio do programa IBM SPSS Statistics, utilizando a estatística básica para possibilitar o levantamento da dimensão do índice de frequência e incidência de informações que demonstraram ser de maior ou menor relevância, ao serem mencionadas pelos professores, no espaço do fórum.

O percurso da pré-análise passou pela leitura dos registros nos espaços criados no ambiente on-line do curso, como primeira etapa da análise de conteúdo proposta por Bardin (2016), organizados no formato de fóruns, sendo eles: socialização e apresentação; estudo de caso; ponto de partida; a prática na prática; e pensamento complexo na prática pedagógica. Esses espaços foram criados com o objetivo de possibilitar a integração e a interação entre os participantes e mediadores. Os registros das contribuições foram considerados o universo de documentos reunidos para análise (BARDIN, 2016).

A leitura flutuante possibilitou a identificação de informações no fórum, lugar em que foram reunidas as contribuições oferecidas pelos professores participantes, durante as comunicações realizadas em torno das questões propostas para instigar a reflexão sobre os conhecimentos, as experiências e as influências de um possível começo da mudança paradigmática na docência.

A opção por trabalhar dessa forma se deu, com base em Bardin (2016), por mostrar-se um procedimento coerente quando se pretende captar, a partir do registro da percepção dos professores, as características que definem as atitudes, os valores e outros aspectos de ordem comportamental ou cognitiva. Já a utilização do programa IBM SPSS Statistics contribuiu para possibilitar maior rigor e precisão na contagem e estabelecimento de percentuais de frequência e incidência da informação contida nas respostas, com isso a análise qualitativa considerou a dimensão de atenção dispensada pelos professores aos aspectos propostos, por meio das questões reflexivas.

As respostas foram examinadas considerando as reflexões registradas pelos professores participantes sobre sua própria prática à luz da teoria, conforme as análises das respostas apresentadas. Os relatos mostraram que dos 51 inscritos no curso, 36 profissionais falaram sobre cinco diferentes tipos de expectativas, com relação a participar no Curso, sendo elas: a aprendizagem dos conteúdos propostos; a utilização dos conhecimentos na carreira; o compartilhamento de conhecimentos e experiências; a possibilidade de conhecer propostas inovadoras, e as reflexões sobre a melhoria das práticas pedagógicas, de forma que pudessem contribuir com a aprendizagem dos alunos.

As contribuições apresentadas no fórum foram distribuídas em uma planilha eletrônica (excel), primeiramente inserindo os códigos dos professores3, conforme o tipo de expectativa mencionada. Por fim, os dados foram lançados no programa IBM SPSS Statistics, que organiza as informações automaticamente em formato de tabela (Tabela 1). A primeira linha indica os cinco tipos de expectativas, a segunda linha aponta o número (N) considerado válido de professores que fizeram menção ao tipo de informação indicada em cada coluna, e a terceira linha mostra o número de professores que não fizeram nenhum tipo de menção, ou seja, não se pronunciaram quanto a esse aspecto.

Tabela 1 Expectativas com relação a participação no curso 

  Aprender Carreira Compartilhar Propostas Inovadoras Prática pedagógica
N Válido 31 2 14 7 13
Ausente 20 49 37 44 38

Fonte: Dados da pesquisa.

A Tabela 1 mostra que houve a incidência das expectativas apontadas pelos profissionais e a frequência com que foram mencionadas no grupo, a partir dos dados submetidos ao programa da IBM SPSS Statistics, versão 22. Sendo assim, 31 deles, ou seja, 60,8% indicaram como expectativa sobre a participação no curso: “aprender sobre o conteúdo proposto”, 2 (3,9%) pensaram em “aprimorar os conhecimentos em torno da carreira docente”, 14 (27,5 %) cursaram para “aproveitar a oportunidade de compartilhar conhecimentos”, 7 (13,7%) deles para “conhecer uma proposta inovadora e 13 (25,5%) para refletir sobre as práticas pedagógicas”. Dos 51 inscritos, 15 deles não se pronunciaram. Dentre as expectativas com relação ao curso, o professor PP10 se referiu a “aprimorar conhecimento” e PP15 disse que: “Acredito que a formação continuada é uma possibilidade de refletir sobre a nossa prática. O objetivo em realizar este curso é buscar fundamentos teóricos para esta reflexão e ação na escola”.

Entre as expectativas dos professores, apresentou-se a percepção de que o curso proposto poderia lhes proporcionar aprendizagem com relação ao trabalho na docência, seja no que se refere aos conteúdos, às práticas pedagógicas e/ou à possibilidade de compartilhar experiências e conhecimentos. Durante o processo de formação, por meio do acesso ao conteúdo e da participação nas discussões propostas, os participantes ofereceram algumas contribuições quanto às suas percepções de como aplicar os conhecimentos à sua própria prática pedagógica.

Compreensão do conteúdo aplicado à prática pedagógica

As unidades de registro são representadas por palavras, frases ou trechos, que são selecionados para serem analisados, eles significam, para Bardin (2016), “o que” e “como” se conta, em termos de verificação da incidência e da frequência dos dados da investigação, ou seja, é preciso definir a regra de enumeração. Portanto, as categorias: “prática pedagógica, metodologias de ensino e fatores” foram estabelecidas a partir de termos utilizados no enunciado elaborado para propor as três questões reflexivas, no Módulo I, sobre o 1º saber: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão, de Morin (2001). As questões foram: “1ª) Como o texto poderia ajudar os professores a refletir e transformar a sua “prática pedagógica?”; “2ª) De que forma a metodologia utilizada pelo professor influencia o interesse dos alunos no envolvimento com as atividades propostas e que ações o professor poderia realizar para fortalecer o engajamento durante as aulas?”; “3ª) Que fatores envolvem a prática pedagógica e podem ser trabalhados para que o professor consiga desenvolver as atividades de aula, contando com a participação ativa e interessada dos alunos?”.

As subcategorias foram criadas a partir da leitura das contribuições dos professores participantes sobre suas percepções com relação aos aspectos investigados nas questões reflexivas. Toda a contribuição ou frase escrita pelo professor foi dividida e considerada uma unidade de análise. Desta forma, quando a frase expressava um sentido teórico, era associada à categoria das práticas pedagógicas, e a ela foi atribuído como código a letra (A); quando indicava uma percepção sobre aspectos técnicos da docência, era agrupada na categoria metodológica (B); e quando se tratava de uma questão humana, era associada à categoria fatores (C) que, na percepção dos professores, poderiam influenciar o envolvimento e o engajamento dos alunos em aula. Esse é um procedimento considerado, na perspectiva de Bardin (2016), e essa opção de análise se deu considerando que o enunciado se referia a pontos específicos da ação docente e as contribuições solicitadas deveriam tomar por base informações fundamentadas no conteúdo proposto.

A categoria denominada prática pedagógica foi representada pela letra (A) no Quadro 1, e criada reunindo informações condizentes com a definição do Thesaurus brasileiro da educação:

Quadro 1 Categorias para análise dos dados 

(A) Prática Pedagógica (B) Metodologia de Ensino (C) Fatores
  • A1 Perspectiva teórica

  • A2 Perspectiva política

  • A3 Responsabilidade Social papel do professor responsabilidade profissional (ética); valorização da profissão

  • A4 Nível e Modalidade

  • A5 Proposta e Política Pedagógica

  • A6 Planejamento Contextualização

  • A7 Autonomia, Cooperação e Coletividade.

  • B1 Sistematização

  • B2 Racionalização e objetivos

  • B3 Métodos

  • B4 Técnicas

  • B5 Recursos

  • B6 Atitude

  • B7 Tecnologias.

C1 Psicológicos.

Fonte: Dados da pesquisa.

[...] elaboração da proposta pedagógica definida e conhecida por toda a comunidade escolar, o planejamento didático pedagógico, a contextualização da ação educativa, a variedade de estratégias e de recursos de ensino-aprendizagem, o incentivo à autonomia e ao trabalho coletivo [...]. (BRASIL, 2019, p. 1).

Sendo assim, o foco dessa categoria foi priorizar menções ao trabalho coletivo, comum a todos os professores da instituição. Os termos retirados das unidades de análise formam as subcategorias que foram enumeradas de um a sete, no Quadro 1, junto à expressão que indica o sentido da informação, sendo: A1. perspectiva teórica; A2. perspectivas políticas; A3. responsabilidade social, papel do professor, responsabilidade profissional ética e valorização da profissão; A4. nível e modalidade de ensino; A5. proposta e política pedagógica; A6. planejamento e contextualização; e A7. autonomia, cooperação e coletividade.

A categoria metodologia de ensino representada pela letra (B), no Quadro 1, refere-se aos processos estabelecidos pelos professores, no sentido de contribuir para a aprendizagem dos alunos, não necessariamente como uma política institucional, podendo ser até uma iniciativa individualizada do docente, tem a ver com a ação de ensinar e considera a definição apresentada por Duarte (1986, p. 119):

Sistematização e racionalização do ensino, mediante métodos e técnicas de que se vale o professor para intervir no comportamento do educando, orientando-lhe a aprendizagem. Parte da teoria do ensino que estuda os recursos mais eficientes na direção da aprendizagem, para que determinados objetivos sejam alcançados.

A coluna que relaciona as metodologias de ensino, apresenta as unidades de resposta que foram associadas aos números de um a sete, sendo: B1. Sistematização; B2. Racionalização e objetivos; B3. Métodos; B4. Técnicas; B5. Recursos; B6. Atitude; e B7. Tecnologias.

Já no caso da categoria fatores, as associações estabelecidas na análise dos dados passam pelas contribuições dos professores que abordam questões diretamente articuladas ao desenvolvimento dos alunos, ou seja, referem-se à aprendizagem. Para chegar a esse entendimento, o primeiro passo foi buscar o significado para o termo “fator”, para Koogan e Houaiss (1999, p. 684) tal termo representa o “[...] elemento que concorre ou contribui para se chegar a um resultado [...]”. Posteriormente, o termo fatores foi associado à aprendizagem decorrente de aspectos biopsíquicos (físicos, psicológicos ou biológicos) e socioculturais, que segundo Duarte (1986, p. 14), “[...] se refletem na aprendizagem dos alunos e estão ligados a determinantes que podem ser hereditários (carga genética) ou decorrentes de questões de ordem nutricional”. Os fatores socioculturais tratam dos relacionamentos entre as pessoas e o meio em que convivem.

A partir das percepções dos professores, foi criada a categoria fatores, representada pela letra (C), no Quadro 1, com apenas uma subcategoria, que se refere aos aspectos psicológicos e suas relações: família, ambiente, cultura, amigos, comunidade e classe social, que, na percepção dos professores, poderiam influenciar a aprendizagem dos alunos.

Os termos retirados das questões reflexivas, que representam as categorias, estabelecem relações entre conceitos que constituem a área de conhecimentos da educação, por isso, articulam-se entre si, diferenciando-se por uma linha tênue. Por isso, considerando que são questões abertas, a criação de rótulos e códigos, segundo Bardin (2016), pode evitar dúvidas durante o processo de classificação e favorecer a verificação das frequências e da incidência de respostas.

Para construir suas respostas, por vezes, os professores complementavam suas ideias com citações diretas do texto disponibilizado ou de outros autores, com palavras soltas, apenas concordando ou discordando da colocação dos colegas ou fazendo considerações pessoais, como, por exemplo:

O que vemos em muitos locais de ensino que os educandos são forçados a adquirem os conhecimentos que são impostos, não podem vivenciá-los de outras maneiras que seriam mais prazerosas e consequentemente mais receptivas por parte da grande massa estudantil. (PP26. grifo nosso).

Os trechos, com essas características de informação foram codificados para serem identificados, mas não foram considerados válidos em termos de resposta, por não se aplicarem à proposta da questão reflexiva, condição necessária para levantamento.

Os códigos dos professores, das categorias/subcategorias e aplicados às unidades de análise foram organizados em planilha eletrônica (excel) e transportados para o programa IBM SPSS Statistics, para verificação da incidência da informação na fala dos participantes e da frequência do sentido da contribuição, mencionado pelo grupo.

Os dados foram organizados automaticamente pelo programa IBM SPSS Statistics e estão representados na Tabela 2. A primeira linha estabelece as informações pertinentes a cada coluna. A primeira coluna refere-se aos códigos criados para as categorias mais abrangentes: práticas pedagógicas (A); metodologias de ensino (B); e fatores (C). A segunda coluna (N) indica o número de unidades de análise que foram criadas a partir do registro dos professores no espaço do fórum. A terceira coluna transforma a quantidade de informações em percentuais (%) de resposta. A quarta e última coluna indica o percentual das respostas válidas. Isso quer dizer que nem toda unidade de resposta do professor foi considerada como válida, no sentido de contribuir com sugestões de informações para indicar a influência das práticas pedagógicas, das metodologias e dos fatores que influenciam a aprendizagem dos alunos e oferecer contribuições, com base nas leituras, de ideias possíveis para transformar as práticas por eles desenvolvidas, que era o propósito das questões reflexivas durante a ocorrência do fórum.

Tabela 2 Frequência de respostas por categoria 

Código N % % válida
(A) 257 67,3 80,8
(B) 57 14,9 17,9
(C) 4 1,0 1,3
Total 318 83,2 100,0
Sem resposta 64 16,8  
Total 382 100,0  

Fonte: Dados da pesquisa.

A segunda linha da Tabela 2, com as informações sobre a categoria das práticas pedagógicas (A), mostra que foram reunidas 257 contribuições, ou seja, 67,3% de tudo que os professores escreveram se encaixa nessa categoria e esse foi também o maior percentual de respostas. Essas unidades tratam basicamente da compreensão teórica da ação docente. Na terceira linha sobre as metodologias (B) foram relacionadas 57 menções realizadas em torno de exemplos práticos de propostas, com foco em metodologias de ensino, esse valor representa 14,9%. Na quarta linha (C) ocorreram quatro inferências sobre fatores que influenciam a aprendizagem dos alunos, sendo 1% de itens contidos na letra C.

A quinta linha, da Tabela 2, se refere a um total de 318 unidades de análise, 83,2% consideradas respostas válidas, pois receberam os códigos das categorias e respectivas subcategorias. Significa dizer que, de 100% das participações, 80,8% foram frases ou ideias consideradas válidas para análise.

A sexta linha, da Tabela 2, rotulada pelo programa como: Sem resposta, indica 64 unidades que não foram codificadas, por não serem consideradas válidas. Elas demonstraram ser registros de citações diretas ao texto de Morin (2001), opiniões ou considerações pessoais não relacionadas aos questionamentos propostos nas questões reflexivas do fórum. Elas somam 16,8% das informações registradas.

A sétima linha, da Tabela 2, indica um total de 382 unidades de resposta, somadas as unidades de análise (frases completas) válidas e não válidas.

Essa organização que permite associar a participação dos professores, também em valores numéricos quantitativos, contribui para trazer certa clareza sobre o foco de atenção dos professores no momento das respostas. Não significa dizer que não estão preocupados com as demais categorias, mas que naquele momento de participação, o debate que lhes pareceu mais apropriado foi em torno das questões teóricas, ou seja, sobre os itens mencionados na categoria das práticas pedagógicas.

A Tabela 3 aponta a incidência e a frequência com que as unidades de análise se associaram às categorias e suas respectivas subcategorias, segundo o tratamento dos dados realizado pelo programa IBM SPSS Statistics. A primeira coluna indica os códigos das categorias e suas subcategorias apresentadas anteriormente, no texto. A segunda coluna (N) aponta o número de unidades válidas expressas pelos professores participantes. A terceira coluna representa os valores em percentuais (%). A quarta e última coluna mostra o percentual de respostas válidas.

Tabela 3 Incidência e frequências das respostas nas categorias e subcategorias 

Código N % % válida
(A1) 97 25,4 30,5
(A2) 3 0,8 0,9
(A3) 56 14,7 17,6
(A4) 5 1,3 1,6
(A5) 2 0,5 0,6
(A6) 48 12,6 15,1
(A7) 46 12,0 14,5
(B1) 6 1,6 1,9
(B2) 2 0,5 0,6
(B3) 10 2,6 3,1
(B4) 3 0,8 0,9
(B5) 3 0,8 0,9
(B6) 30 7,9 9,4
(B7) 3 0,8 0,9
(C1) 4 1,0 1,3
Total 318 83,2 100,0
Sem resposta 64 16,8  
Total 382 100,0  

Fonte: Dados da pesquisa.

A categoria (A) reuniu itens abordados na questão que procurava investigar como o conteúdo disponibilizado, por meio dos materiais, poderia ajudar os professores a refletir e transformar suas próprias práticas pedagógicas. Nessa categoria, o item A1 foi mencionado 97 vezes, o que representa 25,4%, ou seja, o maior índice de todos os comentários emitidos. As respostas foram semelhantes às do professor PP02, dizendo que “[...] a principal referência que a leitura do livro me trouxe foi a reflexão de que nada é determinado, mas que o conhecimento é construído coletivamente, por meio de uma prática dialógica, interessada e participativa”. As contribuições demonstraram que os professores concordaram com Morin (2001) quando o autor diz que todo conhecimento pode e deve ser revisto e revisitado, assim como o diálogo precisa estar aberto para esse fim.

O item A2, sobre perspectiva política, foi mencionado por um único professor (PP02), o que representou 0,8%, apresentando os seguintes questionamentos: “Como politizar nossos alunos para uma democracia mais justa? Que tipo de cidadão eu estou ajudando a formar?”.

O item A3, com 14,7%, reuniu abordagens dos professores quanto à profissionalização docente e foram mencionadas questões sobre responsabilidade social e profissional, sobre o papel do professor e sua valorização, conforme as falas apontam no Quadro 2:

Quadro 2 Aspectos abordados na subcategoria A3 sobre profissionalização docente 

Aspecto abordado Participante Contribuição
Responsabilidade social PP26 [...] apresentar essas soluções do mundo moderno, tecnológico, de como que ele/ela possa se modificar, pois “pregamos” que os estudantes são o “futuro” do país, será que estamos ensinando a eles a construírem um futuro desejável, melhor, sustentável? (grifo nosso).
Papel do professor PP08 Um fator que acredito que ajudaria os alunos a participarem das atividades é fazer com que acreditem na sua própria capacidade de aprender.
Responsabilidade profissional (ética) PP20 Refletir sobre a maneira de como estamos ensinando e qual o motivo de tantos alunos estarem desmotivados é o primeiro passo para a mudança.
Valorização da profissão PP13 É preciso reconhecimento dessa profissão. Infelizmente não estamos em épocas que possamos nos orgulhar, porque os padrões estão quebrados, os professores em sua maioria estão trabalhando em mais de três escolas, quatro, cinco ou até sete escolas.

Fonte: Dados da pesquisa.

O item A4 reúne 1,3% das menções que se referem ao nível de ensino, quando o professor PP21 demonstra certa preocupação dizendo: “[...] visto que a geração atual de pequenos é extremamente rápida e ágil no pensar e no fazer [...]”, e trata da modalidade quando PP19 diz que “[...] utilizando-se sempre das mesmas práticas, o professor se sente seguro, mas não analisa a realidade da sua sala de aula. Tem a ilusão que atenderá os objetivos”.

O item A5 agrupa 0,5% das falas sobre a proposta e política pedagógica, como nas participações de PP13, quando diz: “[...] ele precisa se sentir autônomo para propor projetos e ações inovadoras que respondam às suas necessidades didáticas e de aprendizagem para seus estudantes”, e PP32, que absorveu e consolidou a ideia principal da oferta do curso ao registrar que “[...] após o estudo desse primeiro capítulo, algumas colocações me fizeram refletir sobre o meu fazer pedagógico”.

O item A6, com 12,6%, reúne respostas sobre planejamento. Para o professor PP02 é importante “[...] planejar e elaborar uma aula em função do aluno”, para PP15 “[...] é importante fazer com que o aluno se sinta inserido nessas práticas”. No quesito contextualização, PP30 afirma que “[...] portanto, a prática pedagógica deve estar sempre em mudanças de acordo com novas metodologias e propostas de atividades variadas, através das experiências vividas pelos discentes na realidade que o cerca e na visão de mundo em que estão inseridos socialmente”.

O item A7 indicou 12% das abordagens sobre autonomia, cooperação e coletividade, exemplificadas pelas falas de PP13, que indica que “[...] o professor precisa de uma equipe pedagógica para ajudar a formar seu currículo, em diálogo com o projeto pedagógico da escola”. E também, nas visões de PP19, de que “[...] professor e aluno podem partilhar da mesma experiência e enriquecer o processo de ensino e aprendizagem”, e de PP32, que compreende que “[...] o aluno tem que ser considerado em sua multidimensionalidade para então dar-se início ao processo ensino aprendizagem, onde professores e alunos juntos constroem conhecimento”.

Analisando as percepções dos participantes que se encaixam nas categorias, é possível perceber que cada item faz parte de um todo que se complementa, como preconiza a teoria do pensamento complexo. Assim, a categoria das práticas pedagógicas agrupou percepções que fazem referência ao planejamento de propostas educacionais gerais, que deveriam ser conhecidas por toda a comunidade escolar, pensando no entendimento e trabalho coletivo. Por meio delas foi possível perceber que os professores compreenderam que a teoria propõe uma reforma do pensamento, considerada necessária por Morin (2001), que demostra em seus estudos não acreditar que a escola do século XXI ofereça a educação adequada para a realidade social que se apresenta.

Realizando aqui uma última análise, sobre as contribuições dos 51 participantes, a respeito do intuito de Morin (2001) ao escrever o capítulo de seu livro sobre as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão, foi possível verificar que 27 deles expressaram diferentes percepções com relação ao contato com o conteúdo, os outros 24 não fizeram menção direta ao assunto, apenas foram oferecendo contribuições semelhantes àquelas que já foram relatadas durante o artigo. Sendo assim, o conceito mencionado com maior frequência foi o referente ao erro: nove participantes o relacionaram à aprendizagem do aluno, no sentido de representar uma informação que pode contribuir para a melhoria da aprendizagem; cinco deles pensaram na necessidade do professor refletir sobre seus próprios erros, quando cometidos em aula; outros cinco se referiram ao erro comportamental praticado de maneira geral nas relações humanas; sete participantes falaram sobre o conhecimento estar ameaçado pelo erro e ilusão, como sugere o próprio título do capítulo; e dois professores associaram o conteúdo estudado e o conceito em questão ao sentido de superar concepções tradicionais dos conhecimentos sobre as práticas pedagógicas. Nos textos de Morin (2001), aparentemente as reflexões abrangem os conhecimentos científicos e filosóficos, sistematizados e configurados nas diversas teorias elaboradas no decorrer da história da humanidade. No entanto, foi possível perceber que os professores associaram ao entendimento do texto, o repensar de suas ações mesmo quando não se referem a questões de cunho científico ou filosófico.

No capítulo do livro, de que trata esse Módulo do Curso, é possível compreender que, no entendimento de Morin (2001), a educação é responsável pela comunicação do conhecimento, que é incorporado à vida humana por meio das ferramentas disponíveis em cada momento histórico. Por isso, precisa ser revisto a todo o momento e revisitado a cada descoberta. O autor compreende que manter essa postura de abertura para o novo é uma atitude de lucidez e sugere que o ensino precisa aprender sobre “[...] características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e de suas modalidades, das disposições, tanto psíquicas como culturais, que fazem com que ele incorra nos riscos do erro ou da ilusão” (MORIN, 2015b, p. 100). Essa aprendizagem precisa de estratégias e isso leva à identificação das percepções dos professores, quanto ao aspecto das metodologias de ensino.

A categoria das metodologias de ensino (B) teve as respostas agrupadas em sete itens, sendo que B1 obteve 1,6% de menções relacionadas à sistematização, com entendimentos como o apresentado pelo professor PP05: “Penso que sempre é frutífero partir do que os alunos sabem para o que eles ainda não sabem” (grifos nosso). No item B2 foram obtidos 0,5% de menções sobre racionalização e objetivos, com falas como esta do participante PP42: “[...] Reconhecer que na prática pedagógica e na seleção dos conteúdos, o professor deverá se entender como mediador do conhecimento e que, também, considerará as limitações e as contingências do saber”. No item B3, 2,6% das respostas falaram sobre os métodos, os participantes PP06 e PP12 sugerem, respectivamente, a necessidade de: “[...] utilizar uma metodologia que envolva o aluno, que não o considere uma tábula rasa, possibilitando que os alunos desenvolvam sua racionalidade” (grifo nosso) e “[...] incluir os seus estudantes no processo de ensino e aprendizagem, deve haver trocas de experiências e conhecimentos, usar problematização, pesquisa, estudos de caso, também entre os pares”. No item B4, com 0,8% de respostas sobre técnicas, o professor PP47 indica que “a partir dessa discussão, o professor poderia propor um tema e fazer com que os próprios alunos pesquisassem o que já se sabe sobre o assunto; propor um debate, para que os grupos fizessem questionamentos e assim mostrar que o conhecimento não é imutável; que os erros também fazem parte do descobrir” (grifo nosso).

Continuando ainda na categoria sobre metodologias de ensino B5, com 0,8% de menções sobre recursos, o professor PP40 fala: “A importância da fantasia e do imaginário no ser humano é inimaginável, então acredito que teríamos que trabalhar esse imaginário dos alunos fazendo com que possamos usar o lúdico e o real de uma forma diferente e inovadora”. O item B6, com 7,9% de respostas, reúne o maior índice da categoria e trata de questões ligadas à atitude do professor, dois exemplos são as falas de PP02: “A forma como trabalhamos com os alunos pode influenciar e muito no processo de ensino e aprendizagem”, e de PP26: “Enquanto educador acredito na boa relação que devo estabelecer com meus educandos, despertar o afeto e aproximá-los do mundo real, com seus problemas, facilidades e as dificuldades”. No último item, B7, com 0,8% de menções sobre as tecnologias, os professores acreditam em “Explorar o uso das tecnologias em sala de aula, com especial atenção ao celular, explorando as ferramentas pedagógicas muitas vezes desconhecidas pelos alunos em atividades escolares” (PP09), e que “Um exemplo, é usar a tecnologia a favor da aprendizagem em sala de aula, assim, facilitando essa interação aluno-professor e deixando a aprendizagem mais prazerosa” (PP24).

Ao analisar as percepções dos professores, nessa categoria, foi possível perceber menções: (i) às atividades interdisciplinares; (ii) ao uso de novas técnicas; (iii) à busca pelo interesse, participação e envolvimento dos alunos; (iv) ao papel do professor como mediador; (vi) às ações de colaboração e cooperação entre alunos e deles com o professor; (vii) ao trabalho coletivo, ao considerar, em termos metodológicos, situações presentes no contexto social em que o aluno vive; (viii) à inserção das tecnologias como recurso pedagógico; (ix) à valorização do diálogo, entre outras sugestões citadas, quando descrito o fórum.

Para Morin (2015b), a reforma do pensamento passa pela transdisciplinaridade, pela superação da fragmentação dos conhecimentos, pelo entendimento da Ecologia, das Ciências da Terra e da Cosmologia, e ainda, para o autor, somos seres planetários e precisaremos desenvolver essa consciência civilizatória. Precisa-se aprender sobre solidariedade e responsabilidade pela experiência vivida e o caminho é conhecer como se dá o conhecimento.

A terceira pergunta investigou os fatores (C) que envolvem a prática pedagógica e podem ser trabalhados para que o professor consiga desenvolver as atividades de aula, contando com a participação ativa e interessada dos alunos.

Essa terceira categoria (C) investigou os fatores mencionados pelos professores, as menções a ela representaram 1% do total, das 318 unidades de análise, consideradas válidas. A única subcategoria criada foi (C1), que se refere aos fatores psicológicos, como pode ser percebido nas participações de PP02 “Tomando por base o texto de estudo, é importante que estejamos muito atentos aos interesses e conhecimentos de seus alunos”, de PP06 “[...] os alunos, ainda que por vezes de maneira inconsciente, percebem a inconsistência e podem ficar desmotivados”, de PP20 “Sabemos o quanto é difícil hoje em dia vencer; o conteúdo imposto pela sistema educacional, a falta de estrutura familiar, escolas precárias sem o mínimo de estrutura física para um ensino adequado, alunos sem motivação alguma [...] E aí o efeito dominó, alunos desmotivados e sem a mínima vontade de estar numa sala de aula”. E de PP49 “As crianças e jovens que estão na escola pensam de uma forma radicalmente diferente da forma de pensar do professor e o desafio está no diálogo e na relação entre estas duas formas de pensar”. O posicionamento dos professores, nesse fórum, a princípio, transmitiu preocupações com relação ao interesse e à motivação para aprender e ao relacionamento do estudante com o professor.

Em função da pergunta sobre os fatores, também nesse fórum, imaginava-se que seria natural que os professores mencionassem as influências biológicas, psíquicas e socioculturais e assim oferecessem propostas para transformar as práticas relacionadas à condição de aprendizagem dos alunos. No entanto, foi a categoria que recebeu o menor índice de atenção. Muito se falou em discussões teóricas sobre o tipo de entendimento da concepção necessária às práticas pedagógicas, foram sugeridas alternativas metodológicas, mas foi identificado 1% de menções à dimensão psicológica, não se falou de aspectos biológicos, físicos, socioculturais e suas relações na família, ambiente, cultura, amigos, comunidade e classe social. Talvez, não por coincidência, a teoria indique a necessidade de uma reforma do pensamento, que precisará ultrapassar os aspectos teóricos e expressar-se na prática da ação docente dos professores, com estratégias cognitivas que levem alunos e educadores a superar a educação de que dispõem hoje.

Pensar a complexidade aplicada à educação significa desvendar a natureza do conhecimento humano pelo estudo da forma como ele se expressa, seja na dimensão cultural, social, científica ou filosófica e entender como se dá esse processamento no cérebro, na mente e nos sentidos, para Morin (2001, p. 33), “o dever principal da educação é armar cada um para o combate vital para a lucidez”, esse é o caminho para enfrentar os erros e as ilusões mentais, intelectuais, da razão e aqueles provocados pelas cegueiras paradigmáticas. Assim, seria possível permitir a compreensão de forma lúcida.

Ao tratar dessa proposta, no âmbito da Educação, Morin (2015b) sugere que essa reforma se dê em todos os níveis de ensino e que se encontre uma alternativa para a formação dos próprios educadores, de forma que eles rompam com as barreiras disciplinares, buscando uma cultura, que o autor chama de autêntica, que religue os “[...] conhecimentos cosmológicos, físicos, biológicos e as Humanidades” (MORIN, 2015, p. 121).

O estudo mostrou que os professores participantes do curso perceberam como contribuição do conteúdo para a transformação da prática pedagógica a necessidade de considerar uma proposta de reforma do pensamento, no campo da educação, que supere a fragmentação do conhecimento. Ao tratar do engajamento dos alunos nas atividades propostas em aula, pelo professor, o grupo mencionou a importância da interdisciplinaridade, da colaboração, da cooperação, do trabalho coletivo, do papel de mediação e a influência dos aspectos psicológicos com relação ao interesse e à motivação para aprender.

Considerações finais

Compreender a teoria do pensamento complexo exige um exercício permanente de revisão dos cursos de formação, religando diferentes áreas, tais como filosofia, história, sociologia, biologia, psicologia, política e outras que compõem as estruturas curriculares. Desta forma, deve-se buscar a superação da fragmentação e o enfrentamento dos possíveis erros e ilusões que levam os seres humanos à cegueira do conhecimento.

O estudo da teoria da complexidade, em especial, sobre “os sete saberes necessários para a educação do futuro”, de Morin (2001), possibilitou a compreensão da urgência de inserção do conhecimento transdisciplinar nos processos educativos, porque exige uma mudança paradigmática que se mostra lenta frente aos problemas da sociedade, da natureza e da vida no planeta.

Considerando que a educação seja mesmo responsável pela comunicação do conhecimento, a velocidade com que os avanços da tecnologia e da informação se enredam, invadem e se misturam em meio às relações sociais, impõe um desafio cada vez maior para os profissionais da educação, no sentido de acompanhar essas transformações e atender às exigências de proporcionar ambientes educativos que possibilitem aos estudantes as aprendizagens relacionadas à formação integral do ser humano e, também, à sua relação com o(s) outro(s), com o ambiente e com o planeta.

O estudo também levou a refletir que pensamentos arraigados em concepções deterministas, que não permitam a reflexão sobre possíveis erros e ilusões presentes nos processos de desenvolvimento e no próprio conhecimento, podem impedir a expansão do pensamento humano para a solução dos problemas sociais. No âmbito educacional, o acolhimento da visão da complexidade pode ajudar a romper essa barreira da visão fragmentada e simplificadora, que tem caraterizado a docência nos diferentes níveis de ensino. Para tanto, há urgência de percorrer caminhos na busca de educar para a humanização, para a formação de pessoas que considerem a necessidade de desenvolver a cidadania responsável, para a construção de uma civilização planetária baseada na fraternidade, no comprometimento de uns com os outros, no acolhimento de inclusão dos marginalizados, entre outros desafios. Trata-se de uma educação para a vida, sendo assim, torna-se imprescindível e necessário que ocorra uma urgente mudança paradigmática, que considere os possíveis erros e ilusões propostos ao longo da história da humanidade e, assim, construir uma sociedade mais humana, fraterna e solidária.

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3- Para codificação das contribuições oferecidas pelos professores, foram estabelecidos como códigos as letras PP (Professor Participante) seguidas de números sequenciais de 1 a 51.

Recebido: 04 de Novembro de 2020; Revisado: 17 de Março de 2021; Aceito: 02 de Agosto de 2021

Mônica Aparecida Rodrigues Luppi é pedagoga pelo Centro de Estudos Superiores de Londrina (Cesulon), especialista em avaliação pelo Instituto de Educação Superior de Brasília – Universidade de Brasília (IESB/UnB) e em docências do Ensino Superior pela Faculdade Assis Gurgacz (FAG). É mestre em educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). É pesquisadora no Grupo: Paradigmas Educacionais (PEFOP/PUC/PR). É docente no curso de pedagogia da UEL.

Marilda Aparecida Behrens é pedagoga pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). É professora na graduação em pedagogia e pós-graduação em educação na PUC/PR. É pós-doutorado em educação na Universidade do Porto e Coordenadora do grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação de Professores (PEFOP).

Edna Liz Prigol é graduada em pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná. É mestre e doutora em educação pela PUC/PR. É bolsista de estágio pós-doutoral CAPES e pesquisadora no Grupo PEFOP-PUC/PR e no Grupo de Estudos e Pesquisa Pedagogia, Complexidade e Educação (GEPEPECOE) -UFPR.

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