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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 27-Set-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248245486 

Artigos

Aprender a ser reinadeiro no cotidiano do Quilombo da Irmandade do Rosário de Justinópolis

Learning to be a Reinadeiro in the daily life of the Quilombo da Irmandade do Rosário of Justinópolis

Sônia Cristina de Assis1 
http://orcid.org/0000-0001-6892-3686

José Alfredo Oliveira Debortoli2 
http://orcid.org/0000-0001-5277-0523

Genesco Alves De Sousa1 
http://orcid.org/0000-0001-6094-6891

1- Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Contatos: sonia.cristina@uemg.br; genesco.sousa@uemg.br

2- Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Contato: dbortoli@eeffto.ufmg.br


Resumo

A proposta de apresentar os processos de aprendizagem por meio das práticas cotidianas do Reinado Mineiro perpassa por ampliar uma compreensão sobre as inúmeras maneiras de aprendizagem. Partindo dessa perspectiva, o envolvimento na prática nos remete a descrever e buscar compreender como se constitui o tornar-se reinadeiro, sobretudo pela musicalidade das crianças e dos jovens do Reinado. No Quilombo da Irmandade do Rosário de Justinópolis/MG encontramos uma estética desenhada nas danças, nos cantos e nas indumentárias que se diversificam nas diversas práticas existentes, como os tambores sagrados do Candombe, a Irmandade do Rosário, a Caravana de Santos Reis, as Pastorinhas, a Capoeira Angola, o Arraial Pé de Cana e o mais recente Coral Vozes de Campanhã. Neste território a aprendizagem está presente na atividade da vida social, um aprender diretamente relacionado à aquisição de habilidades, nas relações situadas, em contextos e cotidianos, sendo apresentadas no/com mundo vivido, território onde o conhecimento é construído, sentido e percebido. Para essas reflexões dialogamos com a “Teoria Social da Prática” de Jean Lave (1996), que reivindica uma abordagem relacional e cujo princípio fundamental é não separar as pessoas de suas vidas cotidianas, reafirmando que aprender é indissociável do cotidiano e da vida das pessoas.

Palavras-Chave: Aprendizagem; Quilombo de Justinópolis; Habilidades; Cotidiano

Abstract

The proposal of showcasing the learning processes through the daily practices of Reinado Mineiro is to expand an understanding of the numerous ways of learning. From this perspective, being involved in the daily practices leads us to describe and seek to understand how to become a Reinadeiro, especially through the musicality of Reinado’s children and youth. In the Quilombo da Irmandade do Rosário of Justinópolis/MG we find aesthetics designed in the dances, songs, and costumes that diversify in the various existing practices, such as the sacred drums of Candombe, the Irmandade do Rosário, the Caravana de Santos Reis, the Pastorinhas, the Capoeira Angola, the Arraial Pé de Cana, and the most recent Coral Vozes de Campanhã. In this territory, learning is present in the social life activities that are directly related to the acquisition of skills, to its relationships, contexts, and daily life which are shown in/with the day-to-day world, the territory where knowledge is built, felt and perceived. For these reflections we dialogue with Jean Lave’s “Social Theory of Practice” (1996), which claims a relational approach and whose fundamental principle is not to separate people from their daily lives, reaffirming that learning is inseparable from daily life and people’s lives.

Key words: Learning; Justinópolis Quilombo; Skills; Daily life

Introdução

A proposta deste artigo é apresentar nossa aproximação e envolvimento em alguns dos processos de aprendizagem de aspectos e, até mesmo, modos de ser reinadeiros, compartilhados no cotidiano do Quilombo da Irmandade do Rosário de Justinópolis/MG/Brasil. Como ponto de partida, entendemos ser importante posicionarmo-nos tanto metodologicamente, tomando como pressuposto um exercício de compreensão dialógico e relacional, quanto teoricamente, fundamentados na abordagem da Aprendizagem Situada (LAVE; WENGER, 1991) e na Etnografia Crítica da Prática (LAVE, 2011).

Jean Lave3 é antropóloga e professora na Universidade da Califórnia, em Berkeley, tendo iniciado seus estudos etnográficos na década de 1970, na Libéria, África Ocidental, com os alfaiates Vai e Gola. Como destaca, em um artigo publicado na revista Horizontes Antropológicos (LAVE, 2015, p. 39 - 40), as indagações iniciais traziam como questão central: como aprendizes aprendiam a ser alfaiates? As “ferramentas conceituais” disponíveis da psicologia cognitiva clássica, que tomam a aprendizagem como uma atividade mental individual de internalização de conhecimentos transmitidos de uma mente para outra, não se mostravam suficientes para compreender como as pessoas aprendem dentro de situações culturais complexas, nas quais não havia uma relação objetivada de ensino-aprendizagem.

Jean Lave, em parceria com Etienne Wenger (LAVE; WENGER, 1991), propõe as noções de aprendizagem situada e participação periférica legitimada para enfatizar a compreensão de que toda atividade/aprendizagem é constituída nas relações entre pessoas, contextos e práticas. Por isso, compreender como as pessoas aprendem, demandava apreender transformações na prática e da prática, em um processo de aprendizagem corporificado e situado.

Em um primeiro momento, além das noções de aprendizagem situada e participação periférica legítima, a noção de Comunidade de Prática4 (LAVE; WENGER, 1991) se tornou fundamental para dar transparência às relações de aprendizagem que emergiam dos processos sociais. Posteriormente, a noção de “Contexto” ganha maior relevância, até definir-se a centralidade na noção de “Cotidiano” (LAVE; PACKER, 2011). Como uma “Teoria Social da Prática”, reivindica uma abordagem relacional cujo princípio fundamental é não separar as pessoas de suas vidas cotidianas.

Jean Lave (1996) afirma que a importância da noção de aprendizagem decorre da ênfase na centralidade analítica das relações sociais que possibilitam uma inserção no mundo da prática. Por isso, aprender é indissociável do cotidiano e da vida das pessoas. Pressupõe, ainda, diferentes formas de participação, e envolvimentos em diferentes graus. É uma compreensão histórica dos modos de participação e, portanto, um aspecto da prática em transformação e de pessoas em transformação. Diferencia-se, assim, de modelos e de teorias cognitivistas que operam na separação dos saberes práticos/cognitivos, corpo/mente, externo/interno. Jean Lave, com isso, introduz uma crítica à separação de relações formais e informais de aprendizagem, que tendem a privilegiar e legitimar apenas uma “forma escolar” (VINCENT, LAHIRE, THIN, 2001) – tomada como a única forma legítima de “transmissão” de conhecimentos –, em detrimento de outras formas de aprendizagem cotidiana e relacional. Como destaca Jean Lave (2015),

A teoria da prática social [...] nos convida a ampliar a pesquisa de campo etnográfica, insistindo na importância da prática cotidiana como o locus de produção das vidas das pessoas. [...] Podemos ver como a atividade escolarizada é parte da condução da vida cotidiana dos meninos (e meninas) e não o contexto da aprendizagem; mas (seja lá que for que se faça nas escolas) como entre os contextos através dos quais os meninos se movem, no seu caminho, desde algum outro lugar e continuando em direção, a ainda outros engajamentos. (LAVE, 2015, p. 43).

Dessa forma, a antropóloga nos provoca a reconhecer o processo de aprendizagem como parte integrante e indissociável da prática cotidiana e situada. Partindo desta perspectiva, o envolvimento na prática cotidiana nos remete a descrever e buscar compreender como se constitui o tornar-se reinadeiro, sobretudo, pela musicalidade das crianças e dos jovens do Reinado do Quilombo da Irmandade do Rosário de Justinópolis, focando nos percursos e movimentos produzidos na aquisição de habilidades e funções nesse contexto. Valemo-nos, ainda, da abordagem ecológica de cultura proposta por Tim Ingold (2000), que enfatiza a noção de cultura como habilidade5. Como observam Debortoli e Sautchuk (2013), Ingold

Recusando uma concepção objetivada e estática de cultura [...] propõe a noção de habilidade (skill), relacionando-a às práticas sociais, abrindo possibilidades para compreender uma história de produção e transformação do mundo e de nós mesmos. Com esse sentido, habilidade é compreendida com um sentido que relaciona a noção de técnica às práticas sociais; onde corpo, mente e ambiente são indissociáveis na constituição de pessoas entrelaçadas socialmente em suas práticas (...) As repostas de Ingold sugerem uma noção de que a vida cultural não se constitui na acumulação de representações, mas na realização de modos de ação/interação/orientação nas práticas em que os sujeitos se engajam. (DEBORTOLI; SAUTCHUK, 2014, p. 2014).

Deste modo, buscamos enfatizar que o aprender está diretamente relacionado à aquisição de habilidades, sempre situadas em contextos e cotidianos, sendo apresentadas no/como mundo vivido, território onde o conhecimento é construído, sentido, experimentado e percebido. Aprender é, pois, um processo presente na ação que se potencializa nas experiências coletivas, com tudo aquilo que constitui e dá materialidade ao mundo. Como destaca Ingold (2010), a aprendizagem é uma redescoberta do conhecimento que não está fora das pessoas, mas que se desponta pelas habilidades e inserção no ambiente. Assim, nos atentamos a um

Copiar [que] é imitativo, na medida em que ocorre sob orientação [...] copiar não é fazer transcrição automática de conteúdo mental de uma cabeça para outra, mas é, em vez disso, uma questão de seguir o que as outras pessoas fazem. (INGOLD, 2010, p. 21)

Sobre o Quilombo de Justinópolis

No território do Quilombo de Justinópolis é perceptível uma estética desenhada nas danças, nos cantos e nas indumentárias que se diversificam nas diversas práticas existentes, como os tambores sagrados do Candombe, a Irmandade do Rosário, a Caravana de Santos Reis, o grupo de Quadrilha Mirim, a Capoeira Angola e o mais recente Coral Vozes de Campanhã. Criada no distrito de Areias, em Ribeirão das Neves, a sede dessa Irmandade completou no dia 23 de setembro de 2019 cem anos de território em Justinópolis, e cento e trinta anos de existência. O Candombe foi fundado por volta de 1916 e era tocado na rua quando ainda não existia a capela da Irmandade. Esses tambores representam os fundamentos da Irmandade e soam na Festa do Rosário, e em momentos especiais, como no abraço simbólico da capela em comemoração aos 100 anos de território6. Sendo uma herança africana marcante, o Candombe, também, é de firmamento, ação que firma as festas de Reinado, os bastões, as coroas, potencializando a ligação com a ancestralidade.

Na Irmandade do Rosário de Justinópolis cada reinadeiro cumpre uma função específica dentro da hierarquia do Reinado, composta, primeiramente, pela rainha e rei Congo, rei e rainha perpétua, como também pelos festeiros e santos homenageados, príncipes e princesas do reino. Seguindo pelo Capitão Regente e o primeiro capitão da Guarda de Moçambique, pela primeira e segunda capitãs da Guarda de Congo. Por fim, os caixeiros e os dançantes, também chamados de vassalos que compõem essas. Sendo assim, cada integrante se utiliza de símbolos que incorporam a função. Os reis e rainhas utilizam roupas elegantes, cedros e coroas, os capitães portam bastões e espadas, os dançantes, em suas respectivas Guardas, tocam as gungas, caixas e patangomes.

Das Guardas da Irmandade, a primeira que surgiu foi o Congo de Viola, em Areias, no ano de 1889, que era composto somente por homens e utilizava como instrumentalização duas violas na marcação e caixas. A partir do ano de 1950 nasce a Guarda de Moçambique de São Sebastião que traz no canto somente a presença de vozes masculinas. Com funções específicas, a Guarda de Moçambique é que abre o caminho protegendo os reis, rainhas, príncipe e princesa, por isso, anda bem devagarinho para acompanhar o trono coroado. As caixas da Guarda de Moçambique soam mais graves que as do Congo e têm especificamente três marchas; o Serra Abaixo, o Serra Acima e o Moçambique Dobrado, chamado, também, de rebolo (uma mistura de Moçambique com candombe), denominada pelo Capitão Regente da Irmandade como uma língua diversificada. Hoje a Guarda de Congo é formada principalmente por mulheres e é conhecida como Congo Marinheiro, fazendo referência ao povo que veio da beira do rio. Ela utiliza como instrumentos percussivos caixas e patangomes7, veste-se de calças, blusas e boinas para representar o povo marinheiro. Nessa Guarda ou Terno encontramos a marcha grave (tendo perguntas e respostas), marcha picada (usada para andar na rua), marcha dobrada (para brincadeiras de terreiro), e a marcha compassada (usada na celebração de um culto). O Coral Vozes de Campanhã nasce dessa Guarda e encanta pelo timbre vocal, impressionando pela limpidez nos agudos, leveza e precisão. Sendo uma característica marcante das vozes femininas do Coral Vozes de Campanhã e da Guarda de Congo Marinheiro.

Na multiplicidade artística e expressiva das Guardas encontramos experiências estéticas e históricas registradas no corpo e na vida de quem vivencia cotidianamente o Reinado. Nas narrativas musicais dos cantos, na sonoridade dos instrumentos, nos movimentos das danças, na representação da corte e das Guardas encontramos histórias de vida que se perpetuam pela participação das crianças e dos jovens que desde cedo se movem ao som do ritmo dos instrumentos. Segundo Gomes e Pereira (1990), as crianças ensaiam os primeiros passos gingando e se entregam à dança quando podem erguer-se sozinhas. Nas paisagens urbanas ou rurais de Minas Gerais encontramos nas Festas do Rosário uma musicalidade e sonoridade singular próprias dos negros do Rosário.

A musicalidade no cotidiano da Irmandade do Rosário

Nas Irmandades de Reinado do Rosário a musicalidade é um dos traços que define pertencimento, ou seja, todo reinadeiro se expressa tocando, dançando e cantando aos Santos do Rosário. Assim, este artigo propõe dialogar sobre essa expressividade musical do Reinado Mineiro, cultura tradicional brasileira, prática que se faz viva e presente na contemporaneidade. Nossa intenção é promover um exercício de reconhecimento à criatividade, à arte e ao modo de expressão como produtores de conhecimentos e saberes (WAGNER, 2012, p. 68).

Encontraremos nos contextos dos Reinado do Rosário saberes e experiências, aprendizes e mestres que se tornam habilidosos no tocar, cantar e dançar à Nossa Senhora do Rosário, ou seja, a aprendizagem musical é uma prática viva, tanto no cotidiano, quanto na festa do Rosário8. A história dos negros do Rosário é pouco conhecida, estudada e entendida nos meios educacionais, um apagamento que impossibilita uma compreensão que abarque a musicalidade e os instrumentos característicos. É essa potência musical, em comunhão harmoniosa com a corporalidade, que despontaremos neste estudo. Quando nos referirmos a musicalidade estaremos tratando das “toadas9 e dos “pontos” cantados, pois são estes os termos utilizados pelos reinadeiros do Quilombo de Justinópolis. As toadas surgem da relação entre os ritmos e os instrumentos sonoros da Guarda de Moçambique e da Guarda de Congo. Já os pontos são cantos específicos para cada momento do ritual, do cortejo ou da festa. Eles são trabalhados sempre no padrão de pergunta e resposta e anunciados pela expressividade dos gestos e danças das crianças, dos jovens e dos adultos que vivenciam esses saberes musicais cotidianamente10. Nosso desafio perpassa por ampliar uma discussão sobre aprendizagem musical, apontando, intencionalmente, para nossas práticas culturais.

No contexto acadêmico, o que denominamos de repertório musical, na sua grande maioria, não apresenta uma vivência musical que traga a cultura viva e pulsante do cotidiano das festas. O foco de interesse em equilibrar essa defasagem se dá nos estudos sobre os pontos do Reinado Mineiro, conhecido, popularmente, como Congado, sem, no entanto, descontextualizar, ou seja, sem o desvincular das histórias e das pessoas que promovem essa cultura residente. Nesse caso, fomos ao encontro de um mestre do Reinado Mineiro, o Capitão Regente do Quilombo de Justinópolis, e formalizamos uma parceria importante nos terreiros do Reinado, que nos apontou o que poderia ser trabalhado através dos pontos em contextos educacionais e, ainda, como a aprendizagem musical acontece com os integrantes da Irmandade.

Sobre os Pontos do Reinado eu queria dizer o seguinte, que Ponto do Reinado, às vezes o capitão, quando ele se torna capitão, ele vem desde novo, como é o meu caso, com a aprendizagem com os mais velhos. Observando os mais velhos como é a procedência de cantar um Ponto. É por isso que nós falamos Ponto e não falamos música. Dentro do Reinado não fala música, fala Ponto. Porque o Ponto, ele é sempre uma pontuação de quem está chegando, de quem está saindo, de quem está dando bom dia, quem está dando boa tarde, quem está dando boas-vindas, e mesmo aqueles que não deseja boas-vindas. (Capitão Regente, entrevista cedida dia em 16/08/2020).

Vale ressaltar que o Capitão Regente realizou e ainda realiza oficinas sobre o Reinado em contextos escolares, com a proposta de vivenciar com os alunos a musicalidade dos pontos e a história do Reinado. Trabalho eventual, que, segundo o capitão, acontece nas comemorações, equivocadas, do mês do folclore. No decorrer das oficinas com o mestre Capitão Regente, alunos e professores comentaram suas impressões e uma delas foi o exercício de aprender a tocar as marchas11 da Guarda de Moçambique. A técnica mais usada por alunos do curso de música foi de imitar o número de batidas que o mestre executava na caixa. Alguns tentaram aprender por meio do que Ingold (2010) chama de “copiar por meio de uma transcrição automática de conteúdo mental”, ou seja, contar cada batida da baqueta, seja da mão direita ou esquerda, na caixa, tentando, assim, sistematizar o movimento na execução das marchas Serra Acima e Serra Abaixo. Porém, no Reinado não funciona desta forma. Como nos disse o mestre, saber tocar os instrumentos perpassa por uma experimentação, sem a pretensão de todos tocarem da mesma maneira, copiando o jeito do outro.

Os instrumentos são bons de pegar, não precisa ficar acanhado. Pega o patangome experimenta, pega a caixa experimenta... Tem que pegar mesmo, para experimentar e sentir... Não olha para a minha mão do jeito que eu bato não, olha para o som que eu estou tirando, independente do jeito que você vai bater. O importante é o mesmo som que nós vamos tirar e não o jeito que vai bater. (...) O nosso lema aqui é todo mundo ajudar a fazer o festejo, quando a gente sai para ajudar a festa de outra irmandade nós não vamos lá para copiar o batido que o outro está fazendo, vamos ajudar na festa e dar o melhor que temos. O melhor que nós temos é cada um fazer o que consegue da melhor forma. Tem aqueles que conseguem tocar todos os instrumentos e aqueles que fazem o que dá conta. (Capitão Regente, Oficina de Pontos, 07/08/2019).

A experiência com a oficina de pontos permitiu uma desconstrução de padrões, em que o mais importante em tocar e cantar os pontos Serra Abaixo e Serra Acima, segundo o mestre capitão, não é o lado ou o jeito que a pessoa pega a baqueta. O importante é o som que cada um tira da caixa e que o outro também tira ao fazer diferente. A oficina permitiu um mergulho nas histórias contadas e cantadas dos pontos vivenciados. Histórias ainda distantes do contexto escolar e, mesmo, do convívio cotidiano na cidade, haja vista que as crianças reinadeiras não são reconhecidas, ou não se tem conhecimento de sua prática cultural dentro desses espaços. Por não sermos capazes de reconhecermos nossa cultura na cidade ou nas escolas, somos impossibilitados de nos aproximarmos de nós mesmos e de nossa potência cultural.

Desta forma, o reinadeiro continua a ser um corpo que luta para se manter expressivo, sendo presença nos terreiros e nas festas de Nossa Senhora do Rosário, resistindo à hegemonia cultural euro-estadunidense do hemisfério norte. A música, a dança e o canto das Guardas do Reinado Mineiro se diversificam nos territórios, marcando suas particularidades e expressividades. Eles se unem em torno de uma memória coletiva de pertencimento que se fortalece nas relações festivas e na continuidade da prática. O pertencimento, o ser reinadeiro, se dá por uma experiência vivida, um modo de ensinar e aprender que atravessa a oralidade, a corporalidade dos gestos e dos cantos permeados de significados e sentidos. No Reinado, as experiências produzem uma prática cultural dinâmica e compartilhada entre crianças, jovens e adultos que experimentam e se engajam plenamente nos rituais. Essa aproximação com o Capitão Regente foi fundamental para a realização deste estudo ao compartilhar como as crianças e os jovens se engajam e adquirem acesso aos saberes dos Reinado. Nos primeiros encontros com o mestre fomos informados que nem todos os integrantes das Guardas terão acesso aos saberes alcançados por um capitão, rei ou rainha, já que são conquistas relacionadas a uma longa trajetória de experiência, dedicação, acompanhamento e interesse.

Aprender a ser reinadeiro

Em constante recriação, ser reinadeiro se firma em uma prática tecida de sentidos, vida coletiva e aprendizagem. Uma corporalidade constituída no cotidiano familiar ou nas festas do Rosário, locais que incentivam as práticas relacionadas ao Rosário de Maria. São momentos que alimentam experiências intrínsecas ao tocar, cantar e rezar, que partilham saberes sobre ser reinadeiro em uma participação plena na prática. A Festa do Rosário é anunciada por uma corporalidade que se expressa em cores, gestos e sons, nela os tambores soam e as gungas dançam transformando a paisagem. E, assim, com uma linguagem própria de se expressar no mundo, encontramos uma musicalidade acrescida de uma materialidade sonora específica indissociável do canto.

É importante ressaltar que a aprendizagem com participação plena na prática surge por meio de processos capazes de produzirem conhecimentos, como acontece nos meios formais de educação, porém não reproduzindo o modelo da civilização ocidental. Estes privilegiam as capacidades cognitivas do aluno, perpetuando a separação entre o mundo da razão e o mundo da sensibilidade (LAVE, 2015). O ensinar, neste caso, é verbalizado e conceituado, metodicamente. Desta forma, o ensinar-aprender existente no Reinado promove o vivenciar, o experimentar, criando e recriando saberes.

Sendo assim, lançaremos uma questão fundamental. Como as crianças ou os jovens aprendem e quais elementos impulsionam esse aprender? Inicialmente, nossa compreensão perpassa pela participação na festa, pois na festividade do Reinado encontraremos os saberes sendo disponibilizados no envolvimento coletivo do ritual, cenário sagrado onde as ações são promovidas, dentre elas os saberes que emergem dessa prática. Atualmente, as Guardas de Moçambique e Congo da Irmandade do Rosário de Justinópolis não realizam o que chamamos de “ensaio”, um momento específico em que a comunidade reúne as crianças, jovens e adultos para vivenciarem os pontos cantados, entenderem os rituais ou aprenderem a tocar caixas ou campanhas. Na Irmandade do Rosário de Justinópolis, o aprender não pode ser entendido da mesma maneira, como, por exemplo, os contextos formais de um ensino de música. Como destaca Arroyo (2000, p.18), “nos contextos formais do ensino de música a forte distinção entre quem ensina e quem aprende e os códigos escritos como competência musical dominante impedem que se valorizem outras práticas que ali acontecem”. Por outro lado, fora das salas de aula de música acontecem encontros que promovem diferentes processos de ensino e aprendizagem, o papel de quem ensina ou de quem aprende é marcado por aquele que apresenta uma demanda e aquele que está apto a solucionar a demanda. O primeiro enfoque que destacamos sobre o processo de aprendizagem no Reinado apresenta um caminho parecido.

Para se aprender a tocar os instrumentos ou saber responder ao ponto do capitão no ritual, na maioria das vezes, o importante é se orientar por aquele que sabe12, assim a vivência se torna um elemento de fortalecimento dos laços de alteridade. Mas, antes mesmo disso, é preciso destacar que o pertencimento se torna elemento importante dentro da Irmandade do Rosário de Justinópolis. Pertencimento, aqui, está relacionado a uma participação ativa, como coloca o Capitão Regente, “tem mais gente fora do Reinado do que dentro” se referindo às pessoas que já passaram pelo Reinado.

A família aqui é tão grande, tem tanta gente. Mas o povo que está fora do Reinado é o dobro do que está dentro. Se todo mundo tivesse pegado firme com o Reinado essa Irmandade teria mais de 300 pessoas. O número de pessoas que está fora é maior do que está dentro, e é da mesma raiz, todos já experimentaram. O Reinado não é uma coisa fácil de manter porque não é uma vez ao ano ou de vez em quando. Principalmente a gente que está à frente, nós vivemos e respiramos o Reinado. Pouco antes de você chegar eu tinha acabado de trabalhar na obra, tomei um banho e fui cuidar das coroas. Amanhã cuido dos bastões, depois do rosário, então é uma vivencia de todo o dia. É um envolvimento constante. Às vezes as pessoas falam que querem vir aqui conversar sobre o Reinado e acham que estou cansado para receber. Reinado a gente não cansa, a gente vive, não tem hora. (Capitão Regente, entrevista cedida em 28/08/2018).

Podemos dizer que, a partir da vivência plena, corpórea e de identificação com as Guardas, os integrantes do Reinado vão acessando os saberes dessa prática tradicional. O papel da escuta ativa, no sentido de estar conectado ao ambiente, se torna um elemento importante no desenvolvimento das habilidades. Margarete Arroyo13 (2000) compartilha o mesmo entendimento ao dizer que o ensino e a aprendizagem de música, em práticas tradicionais, como o Reinado, estão diretamente relacionados com o processo de se tornar membro, reforçando que o saber musical é apropriado pelas crianças, desde pequenas, pela observação, experimentação, imitação e escuta. Como acontece, o que ou quem motiva, como se estrutura o ambiente para essa apropriação, será apresentado no decorrer deste trabalho.

O motivo que nos leva a discutir sobre aprendizagem no Reinado se fortalece sempre quando nos deparamos com as Guardas nos encontros festivos. Em visita a uma cidade do interior de Minas Gerais, a Guarda de Moçambique São Sebastião de Justinópolis chegou entoando o ponto “Eu peço licencê, eu peço licença14”. As vozes atravessavam as ruas da cidade destacando um timbre agudo e brilhante, chegando perto da capela a Guarda saudou os mastros, depois o cruzeiro e, em seguida, se direcionou à Igreja de São Benedito. A cena seguinte merece atenção no que se refere à participação das crianças, pois será ela que nos possibilitará dialogar sobre a função que os mestres exercem nessa prática e a participação dos aprendizes. Comandando a Guarda de Moçambique São Sebastião, o Capitão Regente cantava os pontos abrindo o caminho aos reinadeiros. Um de seus netos, nessa época com três anos, no momento da saudação dos mastros tentava andar na frente do avô, mas era impedido pelo avô capitão que o segurava pelo braço ao mesmo tempo que cantava saudando os mastros. Para entendermos o que estava acontecendo dentro de um ritual do Reinado foi imprescindível um olhar aguçado e muitos encontros com o mestre. Alguns dias depois essa cena foi apresentada ao capitão em registro audiovisual para uma conversa, o mestre explicou sobre as funções do Capitão Regente e a condução das crianças no cortejo, pois todas as ações estão interligadas às hierarquias e obrigações, como coloca o Capitão Regente,

Sim, eles têm que ter esse ensinamento, senão acham que podem fazer à revelia. Uma criança daquele tamanho faz porque vê a gente fazendo, mas não sabe o que está fazendo. Ela tem que observar. O princípio é por aí e o mestre tem obrigação de ir e deixar o caminho limpo para os outros. (Capitão Regente, entrevista cedida em 28/08/2018).

Deixar o caminho limpo está associado a um ritual de proteção e a conduta do capitão ensina como agir durante o ritual, um ensinar relacionado ao cuidado com o outro. Os pontos cantados, as marchas das caixas e o bastão sagrado do capitão estão sempre conectados. O bastão representa os fundamentos do Reinado e tem muitas funções junto aos pontos e às toadas das Guardas, abrir e limpar os caminhos é uma delas, seja em encruzilhadas ou pontes para proteger todos os envolvidos. Desta forma, o capitão conduz e mostra corporalmente o que é preciso ser feito e como se faz. Um capitão que cuida de cada reinadeiro cuida também da existência do Reinado, portanto cuidar e ensinar caminham juntos na constituição dos irmãos do Rosário.

Podemos dizer que cada pessoa que integra as Guardas, a partir de uma experiência encarnada, na festa ou na vida cotidiana, se constitui reinadeiro de maneiras diversas. Nas Festas do Rosário existem vários ritos, os quais são dirigidos por aqueles que detêm os saberes relacionados ao sacramento, mandamento e fundamento do Reinado. Abrir e fechar o reino é obrigação do Capitão Regente, pois esse conhece os cantos para abençoar e firmar bastão, espada, coroa e bandeira. Essa relação dos reinadeiros com o sagrado é fortemente ligada à proteção e perpassa pelo conhecimento e experiência do Capitão Regente, que, por sua vez, é adquirida ao longo da vida.

Aprender a cultura

No âmbito familiar registramos momentos em que a aprendizagem se prolonga às práticas cotidianas. Ou seja, avô, pai, mãe, vó, primos e tios incentivam tanto a prática dos pontos cantados como das levadas das marchas ou toadas das caixas. As crianças criam os próprios instrumentos e toda materialidade sonora se torna incentivo, como as pequenas caixas de Reinado para as crianças, os baldes de plásticos que viram caixas e os pedaços de cabos de vassoura que viram bastões ou espadas. A atenção dos adultos fortalece todo o processo de experimentação das crianças quando cantam e tocam juntos.

As relações familiares são laços potentes para o fortalecimento e desenvolvimento de habilidades relacionadas às práticas do Reinado. O cotidiano do reinadeiro se torna vivo e dinâmico quando criança aprende com criança, que aprende com adultos, e estes aprendem com as crianças. Apresentaremos algumas atuações ou vivências que nos arrebataram durante a pesquisa, no momento em que identificamos várias possibilidades que fomentam o aprender dentro dessa prática social, ou seja, a constituição da pessoa reinadeira. A proposta é apontar um aprender abarcado por outros elementos, sendo a coletividade relacional elemento fundamental no fazer junto, que se torna uma intenção e uma motivação. Para o aprendiz, o encanto por saber fazer, ou mesmo o processo em aprender, aguça suas habilidades no tocar, cantar e se expressar nas relações.

Como comentado no parágrafo acima, nas festas e na vida cotidiana as crianças desenvolvem suas capacidades expressivas e emocionais vivenciando uma existência corpórea no mundo. Pela corporalidade se inscrevem experiências e por elas os pequenos integrantes do Reinado experimentam ou ensaiam os toques das caixas, o bater campanhas e os pontos das Guardas. Leda Martins (1997), em seu estudo sobre o Reinado da Irmandade do Jatobá, descreve que as crianças quando constroem seus próprios instrumentos, ou brincam de ternos, experimentam ser reinadeiras por meio dos olhos atentos dos adultos que as incentivam. Encontrar, depois de três décadas do registro de Leda Martins, as mesmas brincadeiras no terreiro do quilombo foi revelador, mas não podemos esquecer que o Reinado de Justinópolis existe há mais de cem anos, da mesma maneira, as brincadeiras de crianças no quilombo. Provavelmente nesse momento têm crianças brincando de Reinado, e a cena que discutiremos a seguir aponta sobre a percepção das crianças com o “brincar de Reinado ou Reisado”.

Junto ao Capitão Regente realizamos vários encontros que se iniciaram com entrevistas, se desdobraram em oficinas de pontos cantados e na confecção de instrumentos. O foco, aqui, perpassava pela compreensão de como as crianças aprendem no contexto dessa prática social, sendo assim, a moradia do Capitão Regente é um lugar que tem muito a nos contar. Avô de dois netos e uma neta, o mestre capitão é o responsável pela manutenção dos instrumentos percussivos e dos símbolos sagrados da Irmandade, sendo assim está sempre a construir caixas na varanda da casa, a fazer rosários, gungas, patangomes e coroas.

Os netos, quando se encontram na casa do avô, gostam de brincar de Reinado e Reisado, em um dos encontros que tivemos na casa do mestre os netos estavam presentes batendo toadas em um balde de plástico e cantando. Por curiosidade perguntamos do que estavam brincando e um dos netos, com uma expressão de descontentamento, respondeu: “Brincando!”. O avô, que acompanhava a cena disse: “Brincar para eles é outra coisa. É brincar na areia... subir em árvore”. Ou seja, o aprender no envolvimento pleno e contínuo na prática aborda o experimentar de maneiras diferentes, e nas brincadeiras de Reinado brincar de Congo ou Moçambique é poder experimentar as toadas e os pontos. Parafraseando Lave (2015), é uma maneira de “aprender o que já se está fazendo”, no sentido de que aprendizagem é um conceito relacional, pois “somos todos aprendizes, engajados na aprendizagem da nossa própria prática”. (LAVE, 2011, p. 156, tradução nossa). Junto às experiências do brincar as crianças interagem com o mundo dando sentido e significado.

Brincar de Reinado é poder se relacionar com avô, mãe e primos, e é poder se perceber e se descobrir na batida certa para um ponto durante a brincadeira. Na dinâmica do brincar entre os dois primos, um sabia cantar o ponto e o outro sabia bater a marcha, assim um ensinava ao outro o que sabia fazer. O incentivo cotidiano dos adultos, sempre por perto e atentos na maneira como as crianças executam uma marcha de Congo ou Moçambique, ora cantando ou tocando com elas, gera confiança e valoriza aquilo que elas já sabem e fazem. Esses momentos de “cuidado” são movimentos importantes, pois a maneira como as crianças se relacionam com os instrumentos das Guardas ou com os pontos apontam a afinidade para com uma das linhas do Reinado, seja pela habilidade ao tocar caixa (ser caixeiro) ou dançar (ser dançante). Essas expressões são, atentamente, observadas pelos adultos, como narra o capitão.

Não dá nem para falar assim, esse aqui eu quero que seja da Guarda de Congo e esse do Moçambique, porque a criança já nasce com uma linha. A mãe está carregando ela no colo, o Congo bateu e ela não é dessa linha ela nem mexe. Mas, se o Moçambique bate e ela é da linha ela pula. Então, não é preciso escolher a linha para ela. E não adianta querer escolher. (Capitão Regente, entrevista cedida dia 28/08/2018).

Segundo o mestre, pelo fato do Reinado ser formado por laços familiares o convívio facilita todo o acesso das crianças à pratica, nesse sentido, reforçamos, mais uma vez, que a coletividade é um fator determinante para a continuidade da tradição e para isso algumas transformações foram necessárias, tais como a entrada de crianças pequenas nas Guardas, diferente da infância do Capitão Regente, quando não era permitida a participação de crianças com menos de oito anos no Reinado. As mulheres, nessa época, não podiam participar das Guardas, todavia exerciam o cargo de rainhas e o trabalho referente à promoção da festa.

A participação das mulheres no comando das Guardas, e mesmo à frente do Reinado, possibilitou a continuidade de muitas Irmandades do Rosário e a sobrevivência da prática. Com o mesmo objetivo as crianças são apresentadas e inseridas nas Guardas. “Nascer em uma linha” está imbricado nos movimentos de engajamento das crianças e, por sua vez, relacionado ao ambiente, ao tempo e aos símbolos (objetos). Não dar obrigações aos jovens, de colocá-los para saudar um rei ou cantar um ponto de retirada durante o ritual, pode ocasionar a não preparação de um capitão ou capitã que saiba reger o Reinado. Um dos motivos de extinção de alguns Reinados ocorreu por não permitirem aos jovens acesso aos saberes sagrados. Para aprofundarmos sobre essas atuações direcionadas pelos capitães ou capitãs detalharemos a seguir como elas acontecem no contexto da festa.

A força do ritual

As brincadeiras no cotidiano das crianças do Reinado constituem um dos momentos em que elas dão sentido e significado à expressividade que emerge nos rituais. Ver as crianças participando e atuando em momentos ritualísticos aponta para a condição de pertencimento e engajamento, assim, tocar caixa ou bater gungas é um segredo que atualmente os integrantes da Irmandade desvelam ainda crianças.

No hasteamento da bandeira de aviso da festa do Rosário, no ano 2019, uma criança de quatro anos de idade, neto do capitão da Guarda de Moçambique, se encontrava atento e concentrado em cada gesto do avô. Com o olhar cauteloso a criança saudou o mastro e firmou o bastão no chão imitando o avô capitão. As crianças do Reinado de Justinópolis, desde pequenas, recebem réplicas dos símbolos que os capitães usam para comandar a Guarda, como bastões e espadas, porém esses não são consagrados. A proposta dessa iniciativa é promover o aprendizado dando papéis às crianças. Um bastão ou espada, ainda não consagrados, proporcionam uma interação prática de vivência, experimentação e respeito. O Capitão Regente narra que algumas crianças não podem exercer o comando da Guarda pelo fato de não terem ainda dezoito anos, mas já se encontram preparadas para assumir o posto de capitão, o que pode se perceber pela atuação e postura de seriedade, e pelo compromisso.

É, portanto, uma vivência que se inicia cedo, como na Guarda de Congo, quando um menino de 4 anos integra a Guarda com sua espada15, que também não foi consagrada, seguindo e experimentando os mesmos gestos das capitãs, que são os códigos do ritual. Estar com a espada direcionada para o céu coloca essa criança em uma posição diferenciada na Guarda de Congo ao manusear a espada corretamente. Para isso, ela participa de todos os rituais, como na abertura do Reino em que os instrumentos sagrados são entregues pelo Capitão Regente à cada responsável, e no fechamento do Reino, quando retornam para serem entregues ao altar. Na sede do quilombo, em frente ao altar, essa criança de 4 anos aguardava o momento em que o capitão cantaria o ponto para a entrega de sua espada. Ao ouvir o ponto ela segue dançando no som das caixas em direção ao altar e recebe a espada, e faz as reverências necessárias ao capitão. Esses símbolos nas mãos dos aprendizes são réplicas que oportunizam descortinar o universo do Reinado. Caso perguntemos o que provoca algumas terem em mãos um bastão ou uma espada, uma caixa ou um patangome, devemos, primeiramente, atentarmos à questão do acesso, sendo essencial na compreensão dessas particularidades de envolvimento das crianças.

Passa a bandeira no boi

Na noite de domingo da Festa do Rosário de Justinópolis acontece a saída do Boi da Manta junto ao cortejo da Guarda de Moçambique16, formada por crianças e adolescentes, sendo esses os responsáveis em comandar o cortejo e cantar os pontos referentes à Guarda. É um acompanhamento minucioso em que crianças e jovens do cortejo são observados e orientados pelos adultos. A saída do boi da Manta é uma prática bastante esperada pelas crianças. Na capela sede as crianças mais velhas ajudam as pequenas a escolherem seus instrumentos, como também na escolha de quem levará a bandeira, quem será o capitão ou capitã ou quem será caixeiro. Porém, antes o grupo decide se sairão como Guarda de Congo ou de Moçambique. Neste momento o Capitão Regente está junto ao grupo assistindo, afinando as caixas, selecionado a baqueta adequada e observando toda a realização para a saída da Guarda.

O ritual é organizado dentro do que as crianças vivenciaram, ou já sabem fazer, nos cortejos das Guardas nos dias de festa. Cantam na frente do reino, se abençoam passando a bandeira por cima das cabeças, abençoam o boi e saem em cortejo pelo terreiro do quilombo. Lá fora muitos esperam pelo boi, crianças e adultos, para se divertirem juntas no domingo da Festa do Rosário de Justinópolis. Durante o cortejo da Guarda de Moçambique três meninas exerciam a função de capitã, compartilhando o mesmo bastão, revezando-o durante o cortejo na mudança de um ponto cantado. A Guarda era composta, aproximadamente, por dez integrantes que tinham entre três e quinze anos de idade. Crianças e adolescentes executavam seriamente funções de caixeiros e dançantes, tocando e cantando ao redor da capela do Rosário.

Nessa riqueza expressiva de sons e cores, na saída do Boi da Manta, enfeitado de fitas coloridas, encontramos a execução de habilidades que perpassa pela técnica do tocar instrumentos, de conduzir um grupo, de realizar trabalho coletivo, de executar ritos e dialogar com a memória ancestral. Como esclarece Tim Ingold (2010), são habilidades humanas sendo produzidas em plena relação com o ambiente - pessoas, objetos, sons e cores. A satisfação em sair em cortejo com a Guarda de Moçambique se torna viável por existir no grupo integrantes competentes em executar a condução da Guarda, mesmo que em desenvolvimento. Os mais experientes oportunizam que os menos experientes também se expressem e fluam no espaço e no tempo do Reinado, que experimentem o caráter responsivo, rítmico e compassado, garantido pelo engajamento corporificado e atento. Simultaneamente, a alegria toma conta do terreiro com a participação do boi que corre pelo quilombo. Há dezessete anos tem acontecido a saída da Guarda de Moçambique das crianças, uma prática de aprendizagem que faz sentido quando toca os envolvidos e permite uma explosão de conexões sensíveis.

Nesse cortejo a aprendizagem é desenvolvida pelo mergulho na ação e no desenvolvimento de percepções sensíveis que surgem no decorrer do movimento da festa, na relação com o boi em meio aos gritos de euforia e na atenção com a condução da Guarda. Durante o cortejo, agenciado pelos pontos, pela toada dos instrumentos e dos gestos, o grupo de crianças e adolescentes exerciam o ver, o ouvir e o fazer, simultaneamente, estando presentes por inteiro na ação e no ambiente. As relações dos integrantes da Guarda com o ambiente festivo do quilombo se conectam pela escuta, sabendo que é preciso virar a marcha para acompanhar o ponto cantado ou que é preciso responder ao ponto do capitão. Essas ações não são ditas verbalmente, mas percebidas pela escuta ativa que perpassa pela compreensão do que está acontecendo no momento, e saber agir corretamente, em meio a outras sonoridades que acontecem no ambiente. Os integrantes dessa Guarda de Moçambique, portanto, podem vivenciar na saída do Boi da Manta o que acontece em todas as festas do Reinado.

As práticas culturais brasileiras são permeadas por ações como essas, em que o aprender é viver a cultura intensamente. Aprender no Reinado é uma experiência corpórea e situada, é a vida cotidiana sendo anunciada por entre os contextos vividos (LAVE, 2015, p. 21). Encontramos na Guarda de Moçambique das crianças um compartilhamento de saberes dos mais experientes com aqueles que iniciam uma trajetória na Irmandade, uma oportunidade de poder experimentar os desafios, de puxar um ponto ou de passar o bastão quando não se lembram mais de nenhum. De guiar a Guarda como bandeireira, bater caixas e virar o ponto, seja em Serra Acima ou Serra Abaixo, e assim seguir fazendo.

Cantar e dançar rezando o Rosário

A Irmandade do Reinado de Justinópolis é uma instituição que trabalha na perspectiva do social, não visa lucros e nem posses materiais, dessa forma as festas em homenagens aos santos são abertas à comunidade, acolhendo pessoas sem distinção de classe social, gênero ou credo. O alimento oferecido trata da alma e do corpo, e na mesma intenção ressoam os cânticos, as caixas, os patangomes, uma sonoridade que atravessa o terreiro e os corpos intensificando o trabalho de cura.

No Reinado temos essa vivência prática e assistida, pois tudo o que acontece nesse ambiente é mostrado e conduzido pelo mais experiente, que pode ser uma pessoa adulta ou um jovem. Nossas considerações a respeito de se tornar um integrante da Irmandade do Rosário de Justinópolis vincula-se, primeiramente, ao pertencimento a partir da vivência plena e corpórea, sabendo que além da Guardas de Congo e Moçambique, a Irmandade é composta por uma comunidade que exerce funções específicas para a realização das festas e que cada membro da Irmandade é fundamental, como cozinheiros, cozinheiras e toda a equipe de apoio, constituem a Irmandade. Os que integram as Guardas, a partir de uma experiência encarnada, na festa ou na vida cotidiana, se compõem de maneiras diversas.

Neste contexto, permeado de saberes e experiências, aprendizes e mestres se tornam habilidosos no tocar, cantar e dançar à Nossa Senhora do Rosário, e a aprendizagem é uma prática viva e dinâmica. Como já enfatizado, no Reinado de Justinópolis não se utiliza o termo música ou ritmo. Nas palavras do Capitão Regente17 “No Reinado não se faz música, se faz pontos, música é para os artistas”. Os pontos se constituem de elementos que vão além de uma performance musical, pois estão associados a funções específicas do ritual, como orientações para a guarda ou para um integrante; eles falam de histórias que podem ser dos santos ou dos ancestrais; tem momentos que os pontos são rezas e outros são recados; eles podem ser de improviso ou antigos; trazem como elemento a sintonia com o sagrado; conectam, firmam, consagram coroas, bastões ou gungas; podem ser de bizarria ou de fundamentos; são carregados de aprendizagem que se instalam no corpo e no espirito do reinadeiro.

No Reinado nós não classificamos aquilo que é mais importante ou menos importante, mas classificamos aquilo que é fundamento, sacramento e mandamento. Que envolve várias coisas que vai desde a bandeira, a coroa, ao bastão, a espada, tudo isso. Para nós aqui, quando a gente fala “Tal ponto não pode porque tem fundamento”, nós estamos falando de cantiga. Mas, tem muita coisa aqui que tem fundamento, nós temos o respeito. Até a comida. Comida de festa tem muita variedade [...] cada festa que você vier está sendo servida um tipo de comida de fundamento para aquela festa. (Capitão Regente, Oficina de Pontos, 07/08/2019).

Segundo o mestre capitão, o ponto não é um cântico, ele é uma manifestação espiritual. A partir dessas observações o termo música, na concepção do Reinado, está mais próximo do tocar um instrumento e de uma produção sonora. Já os pontos, além de produzirem uma sonoridade potente e arrebatadora, fundamentam e preparam o ambiente para o ritual sagrado. Eles atuam como força diante das dificuldades, podendo ser de ajuda ou de proteção nas festividades em louvor às divindades.

Assim, a proposta de apresentar os processos de aprendizagem por meios das práticas cotidianas do Reinado objetiva ampliar nossa compreensão sobre as inúmeras maneiras de aprendizagem. Como colocam Lave e Packer (2011), a aprendizagem está presente na atividade da vida social, sendo assim não é limitada apenas a momentos específicos ou locais especialmente organizados para tal. No Reinado encontramos uma mediação de aprendizagem que acontece entre pessoa e mundo social, ou entre pessoa e pessoa em relação, ou seja, não opera com nenhum mecanismo de internalização de conhecimento, mas sim de experimentação (INGOLD, 2011, p. 20). O que prevalece não é a transmissão da cultura de uma geração a outra, mas a abertura para que as experiências sejam vividas e os saberes perpassem pelo fazer coletivo. O conhecer é mais que incorporar à memória, é trazer para o corpo e viver. No Reinado a aprendizagem está relacionada aos momentos de aceitação dos desafios, das demandas solicitadas durante o ritual e nas brincadeiras no quintal.

Referências

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3- Os estudos sobre Aprendizagem Situada emergiram no contexto do Instituto para o Estudo da Aprendizagem em Palo Alto, Califórnia. Tendo como referência inicial a Teoria da atividade e a psicologia crítica no final da década de 1980, Jean Lave, em parceria com Etienne Wenger, publicou o livro Situated learning: legitimate peripheral participacion, em 1991, que traz como desafio central compreender que a aprendizagem acontece como um processo de participação na prática, não restrita a processos cognitivos dentro de uma mente individual. Propõem uma Teoria Social da Aprendizagem como crítica às teorias cognitivas clássicas.

4- “A participação periférica legítima” proporciona uma maneira de falar acerca das relações entre os recém chegados e os veteranos (e) além disso das atividades, identidades, artefatos e comunidades de conhecimento e prática. Interessa o processo por meio do qual os recém chegados se tornem parte de uma comunidade de prática. Se incorporam as intenções da pessoa por aprender, e o significado da aprendizagem se configura através do processo de transformar-se em um participante pleno em uma prática sociocultural [...]. O conceito de “comunidade de prática” foi tomado como uma noção intuitiva, que serviu a um propósito aqui, porém requer de um tratamento mais rigoroso. Em particular, as relações de poder desiguais devem ser incluídas de maneira mais sistemática em nossa análise” (LAVE; WENGER, 1991, p. 2-16, Livre tradução).

5- Tim Ingold é um antropólogo inglês, cujos estudos problematizam profundamente a noção de cultura do debate antropológico. Suas formulações questionam dicotomias mente-corpo, natureza-cultura, individual-social, entre outras.

6- Documentário ZIRIGANGA apresenta a Irmandade do Quilombo de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis e integra um conjunto de realizações do projeto de iniciação científica “Saberes tradicionais do Reinado Mineiro: da multiplicidade artística às experiências musicais vividas”, aprovado no Edital de Apoio à Pesquisa PAPq/UEMG/ 2019 sob a coordenação dos professores Sônia Assis e Genesco Sousa. Link de acesso: https://youtu.be/LtAdo_Jp_Pk

7- Patangome é um chocalho feito de folha de zinco, calotas ou lata que representa as bateias usadas pelos escravos no garimpo de ouro.

8- Estudo atrelado ao projeto de iniciação científica, “Saberes tradicionais do Reinado Mineiro: da multiplicidade artística às experiências musicais vividas” na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

9- No Reinado de Justinópolis não se usa o termo música. O termo “toada” é utilizado sempre que fazem referência as marchas ou ritmos, como por exemplo o ritmo Serra Acima e Serra Abaixo.

10- Para realização deste estudo tivemos o privilégio de vivenciar os “pontos” com o mestre Capitão Regente da Irmandade do Rosário de Justinópolis, momento em que nos foram compartilhadas a função e as histórias de alguns pontos.

11- Nos estudos de Lucas (2005, p. 128), na comunidade de Reinado do Jatobá, o Capitão Mor usava o termo “ritual” para se referir a cada padrão rítmico instrumental das Guardas. Na Irmandade de Justinópolis o termo utilizado é “marcha ou toada”.

12- No Reinado os capitães, capitãs, reis e rainhas são os que detém os fundamentos, sacramentos e mandamentos sagrados. Mas, durante a festa os aprendizes aprendem a manipular um instrumento fazendo junto com seus pares, que podem ser crianças com as crianças mais velhas, com os adolescentes ou adultos.

13- Margarete Arroyo delimitou o estudo a dois contextos em que ensino e aprendizagem de música acontecem: 0 ritual que envolve à Festa do Reinado e Conservatório de Música, ambos localizados na cidade de Uberlândia, MG, no ano 1995 e 1999.

14- O ponto “Eu peço licencê, eu peço licença” é utilizado pela Guarda quando chega em uma festa em que foi convidada.

15- A espada é um instrumento de comando da Guarda de Congo e o bastão da Guarda de Moçambique.

16- Documentário: Boi da Manta e Moçambique das crianças do Quilombo de Justinópolis – MG. Produção atrelada ao projeto de iniciação científica, Saberes tradicionais do Reinado Mineiro: da multiplicidade artística às experiências musicais vividas na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Link de acesso: https://youtu.be/KiwVgRJA3nA

17- Capitão Regente, em entrevista dia 24/10/2019.

Recebido: 10 de Novembro de 2020; Aceito: 27 de Abril de 2021

Sônia Cristina de Assis é professora doutora da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e pesquisadora com temáticas em educação musical, etnomusicologia e aprendizagem. É bolsista do Programa de Produtividade em Pesquisa na UEMG, Chamada PROPPG nº 01/2021 (PQ/UEMG). Coordena o projeto de iniciação científica “Saberes tradicionais do Reinado Mineiro: da multiplicidade artística às experiências musicais vividas” e o projeto de extensão “Projeto Rebolo”.

José Alfredo Oliveira Debortoli é professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pós-doutorado em antropologia social pela Universidade de Brasília (UnB). Coordena o Núcleo de Estudos sobre Aprendizagem na Prática Social.

Genesco Alves de Sousa é professor da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (ED/UEMG). Coordenador do Centro de Estudos em Design da Imagem da ED/UEMG. É doutor em estudos do lazer pela UFMG. É mestre em letras e especialista em educação e relações étnico-raciais pela Universidade Estadual de Santa Cruz - Bahia (UESC) e bacharel em artes plásticas pela Escola Guignard da UEMG.

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