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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 09-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248248132por 

Artigos

Domínios de ação de pesquisadores em Educação no Brasil

Célia Elizabete Caregnato1 
http://orcid.org/0000-0002-9326-590X

Bernardo Sfredo Miorando2 
http://orcid.org/0000-0002-7556-1684

Denise Leite3 
http://orcid.org/0000-0002-9855-572X

1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Contato: celia.caregnato@gmail.com

2- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Contato: bernardo.sfredo@gmail.com

3- Global University Network for Innovation – Latin America and the Caribbean, Porto Alegre, RS, Brasil. Contato: denise.leite@hotmail.com.br


Resumo

Este artigo propõe delimitar domínios de ação de pesquisadores como ferramentas para interpretar para quem a área da Educação produz conhecimento. Contextualiza a pesquisa em Educação no Brasil em suas condições institucionais e epistemológicas peculiares. Trabalha com conceitos sociológicos como campo científico, capitais científicos e autonomia do campo profissional para elucidar aspectos do contexto acadêmico brasileiro de produção do conhecimento em Educação. Associa a eles as noções de domínio e de interlocução com audiências para avançar na interpretação das contradições e heteronomias enfrentadas na área. Baseia-se na análise qualitativa de entrevistas semiestruturadas com pesquisadores brasileiros reconhecidos por sua representatividade acadêmica com bolsas de produtividade e com histórico de liderança na investigação científica. Interroga como relações com diferentes grupos sociais sustentam processos de produção e circulação do conhecimento. Para dar conta desse questionamento, caracteriza o subcampo acadêmico-científico da Educação a partir de capitais específicos, públicos da pesquisa, critérios de prestígio e relações políticas. Discute estratégias de interlocução como categorias instrumentais para interpretar fenômenos associados à legitimidade científica e política. Como resultado, encontra quatro domínios de ação na produção de conhecimento em Educação: científico-disciplinar; pedagógico; político-gestor; e socioeducativo dialógico. Conclui que, ao atuar nos diferentes domínios, esses pesquisadores de referência ordenam de forma variada as prioridades conferidas ao rigor científico e à intervenção socioeducacional.

Palavras-Chave: Pesquisa educacional; Produção de conhecimento; Domínios de ação; Campo científico

Abstract

This article outlines areas of action of researchers as tools to interpret for whom the area of Education produces knowledge. It contextualizes the research in Education in Brazil in its peculiar institutional and epistemological conditions. It works with sociological concepts such as scientific field, scientific capitals, and autonomy of the professional field to illuminate aspects of the Brazilian academic context of knowledge production in Education. It associates these concepts with the notions of domain and dialogue with audiences to advance in the interpretation of the contradictions and heteronomies faced by the area. It is grounded on the qualitative analysis of semi-structured interviews with Brazilian researchers recognized for their academic representativeness with productivity grants and a history of leadership in scientific research. It questions how relationships with different social groups support processes of knowledge production and circulation. To account for this questioning, it characterizes the academic-scientific subfield of Education in terms of specific capitals, research audiences, prestige criteria, and political relations. It discusses strategies of dialogue as instrumental categories to interpret phenomena associated with scientific and political legitimacy. As a result, it finds four domains of action in knowledge production in Education: scientific-disciplinary; pedagogical; political-managerial; dialogical socio-educational. It concludes that, when acting in the different domains, these researchers differently order the priorities conferred to scientific rigor and socio-educational intervention.

Key words: Educational research; Knowledge production; Domains of action; Scientific field

Introdução4

Na transição entre as décadas de 2010 e 2020, a pesquisa educacional se encontra marcada por uma série de tensões. Entre elas, é importante destacar a demanda por democratização do conhecimento, desde sua produção até seus usos sociais. Essa demanda está associada a movimentos de expansão e democratização do acesso à universidade, onde o conhecimento educacional é sistematizado, sobrepondo interesses e códigos muitas vezes divergentes. Ao mesmo tempo, conflitos em torno da legitimidade do saber científico ocorrem na disputa social pelas políticas públicas. As propostas da academia para a prática educativa, baseadas na investigação científica, encontram limitada apropriação no campo educacional. Em termos de estruturas, não se produziram, historicamente, plataformas de integração entre o conhecimento produzido pelo sistema nacional de pesquisa – ciência, tecnologia e inovação – e a formulação de políticas públicas, em especial na área de Educação. Esse tipo de conduta contribui para o distanciamento entre contextos de produção de conhecimentos e de aplicação, levando analistas das políticas educacionais a qualificar as aproximações tentativas entre pós-graduação e educação básica, a partir de 2008, como “tardias e insuficientes” (RISTOFF; BIANCHETTI, 2012). Mesmo que programas nesse sentido tenham sido implementados, suas ações sofreram redução e extinção desde 2015, movimento político orientado pelo princípio da austeridade cristalizado na Emenda Constitucional no95/2016 (ROSSI et al., 2019).

Diante dos questionamentos que se intensificaram com o acirramento da disputa política nacional, buscamos compreender estratégias acionadas por pesquisadores da área de Educação para produzir conhecimento na interlocução com públicos de referência.

Neste artigo, propomos que esse entendimento pode ser auxiliado pelo construto analítico domínio de ação. Construímos esse recurso a partir da análise qualitativa de entrevistas semiestruturadas com pesquisadores destacados na área de Educação no Brasil. Abordamos suas afirmações sobre suas práticas de pesquisa, buscando compreender que relações com diferentes grupos sociais – ou públicos – sustentam seus processos de produção, circulação e aplicação do conhecimento. A discussão é conduzida considerando elementos que caracterizam a Educação como área de conhecimento, analisada a partir de categorias teóricas como campo científico, capitais específicos e públicos da pesquisa. Articulando-as às noções de domínio e prestígio associados à disputa política, encontramos formas pelas quais os pesquisadores da educação tomam decisões quanto à pesquisa educacional. Desses posicionamentos, desdobramos quatro domínios de ação na produção de conhecimento: científico-disciplinar; pedagógico; político-gestor; e socioeducativo dialógico.

A produção de conhecimento no Brasil ocorre fundamentalmente associada a cursos de pós-graduação e se dá no campo acadêmico-científico, formado por alguns institutos de pesquisa isolados e instituições de educação superior, em sua maioria, universidades públicas. Esse campo é regulado, de modo geral, por duas instituições: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O CNPq financia a pesquisa científica, apoiando projetos individuais, de acordo com uma organização epistemológica conhecida como “árvore do conhecimento”. A Capes avalia e financia programas de pós-graduação classificados em áreas, via de regra, alinhadas ao ordenamento do CNPq. Para ambas as instituições, a área de conhecimento “Educação” pertence à grande área “Ciências Humanas”5. Trata-se de uma área de características multi e interdisciplinares, como uma espécie de “interdisciplina”.

De modo geral, a Educação é uma disciplina considerada branda (“não paradigmática”) e aplicada, uma “profissão social e criativa” (CHYNOWET, 2009; BIGLAN, 1973). No Brasil, como área do conhecimento, ela é pouco delimitada, indo além das matérias pedagógicas e didáticas e abarcando pesquisas ligadas às Artes e Humanidades e mesmo às Ciências Aplicadas.

A produção de conhecimento em Educação em nível pós-graduado não está alinhada à formação em cursos de graduação, de orientação profissionalizante. Os profissionais da educação são formados em licenciaturas, a exemplo da Pedagogia, que habilita para a docência na educação infantil, primária e de jovens e adultos. Porém, a pedagogia, ou os saberes docentes, não têm centralidade no nível pós-graduado.

As políticas públicas que procedem a avaliação da pesquisa para financiamento não direcionam diretamente a produção de conhecimento em termos de conteúdo (tema e abordagem) ou de público e uso, mas apenas em termos de formatos de publicação. Ao fazê-lo, adotam um entendimento do que seja a área de conhecimento em Educação mais aberto do que o praticado em outros contextos. A esse respeito, o Documento de Área6 de 2019 caracteriza:

A área da Educação na pós-graduação abriga cursos, programas e pesquisas que focalizam amplos aspectos dos processos de formação humana, desde suas concepções e fundamentos, bases epistemológicas, estruturas organizacionais e políticas para a educação escolar e não-escolar, condições de qualidade, experiências e práticas, dimensões e diversidade, interfaces com outras áreas, etc. (CAPES, 2019, p. 11).

Não obstante, sinaliza-se a necessidade de interagir com a educação formal de nível básico, considerando a precariedade da escola pública brasileira e a necessidade de que a produção de conhecimento em Educação no espaço acadêmico-científico envide esforços para superar seus problemas:

[…] as pesquisas da Área devem estar mais associadas à realidade e à solução de problemas do cotidiano escolar e dos processos formativos. (CAPES, 2019, p. 11).

A inserção social dos programas de pós-graduação da Área de Educação é um enorme desafio considerando a magnitude dos problemas sociais no Brasil e a baixa qualidade da educação básica pública. (CAPES, 2019, p. 15).

O Documento de área de 2019 apresenta uma inflexão em relação aos documentos anteriores, que centravam sua preocupação em estabelecer regras para arbitrar as disputas no campo acadêmico-científico de modo a estruturar e qualificar sua expansão. Agora, a discussão avança no sentido de urgir a construção de canais institucionais que oportunizem o uso social do conhecimento científico. Por isso, buscamos visualizar o que os pesquisadores de referência na área construíram nesse sentido.

A noção de domínios de ação a partir da Sociologia da Educação

Para caracterizar a produção de conhecimento em Educação no Brasil, tomamos como referência as noções bourdieusianas de campo científico, capitais científicos políticos e puros, e autonomia do campo profissional (BOURDIEU, 1976, 1996, 2004). Entendemos que, no Brasil, à diferença da França de Bourdieu, é necessário falar em campo acadêmico-científico, uma vez que nem o campo universitário nem o campo científico existem de forma distinta e independente. A produção de conhecimento é possibilitada por um fomento público que se baseia em uma avaliação da pesquisa que emprega critérios tanto da ordem da formação de pessoas quanto da validação de produtos no mercado científico.

No Brasil, a pesquisa educacional é realizada no segmento do campo acadêmico-científico ligado à área de conhecimento da Educação, compondo uma espécie de subcampo com características peculiares. A atividade científica tem a capacidade de promover intervenção no setor de aplicação como critério de legitimidade. No caso da Educação, as relações sociais em torno do fenômeno educacional sofrem intensa disputa política. Esse fato, aliado à frágil delimitação disciplinar da pesquisa educacional, leva os atores do campo a recorrer a públicos extra-acadêmicos para reforçar sua posição. Embora a relação com públicos extra-acadêmicos (não especialistas) esteja presente como critério validador em outros subcampos acadêmico-científicos, na Educação, essa característica é estruturante, dando origem a uma cultura epistemológica específica (CHARLOT, 2006; CAREGNATO; MAGGI, 2009). Esses traços, comuns a outras áreas das Ciências Humanas, remetem a graus variados de objetividade com que os pesquisadores podem trabalhar, sendo eles partes do todo investigado. Os objetos de pesquisa que os pesquisadores constroem também os afetam, dadas suas implicações éticas, políticas e históricas (BARATA et al., 2014).

Disso decorrem implicações não apenas epistemológicas, mas também institucionais. Essas características atribuem à área baixa autonomia relativa no campo científico. Sua heteronomia implica uma concorrência menos regrada, em que os agentes fazem intervir nas lutas científicas forças não-científicas. Ela também se reforça pelo fato de a área de conhecimento da Educação se destinar a uma semiprofissão (ETZIONI, 1969; FERNÁNDEZ ENGUITA, 1991), isto é, uma ocupação que mobiliza saberes não-herméticos, pouco valorizados socialmente (“sacralizados”), e cujo trabalho de baixa remuneração está submetido à autoridade de organizações burocráticas para ocorrer.

Consideramos fundamental entender a categoria que pode ser nomeada como auditório, audiência ou público e que designa “[…] o conjunto de pessoas que o argumentante pretende influenciar com seu argumento […]” (SANTOS, 1989, p. 99). No caso do pesquisador da Educação, essa força é medida pelo impacto prático sobre um público que, muitas vezes, não é acadêmico. Pesquisadores educacionais têm seu objeto, e muitas vezes seu público, na escola e na comunidade não escolar, que compõem um campo educacional não acadêmico.

Sua interlocução com essa audiência depende da capacidade de usar códigos mais abertos do que aqueles típicos do campo científico. Ao mesmo tempo, a acumulação de capital científico puro, para permanecer no campo acadêmico-científico, requer a capacidade de comunicação em termos científicos tradicionais, herméticos. A produção do conhecimento pode ser tensionada pela necessidade de atender tanto aos critérios do campo acadêmico-científico quanto aos do campo educacional. Ela se associa às ambiguidades da posição social do professor-pesquisador universitário, entre o campo acadêmico-científico, que conta com algum grau de rigor e de prestígio, e o campo educacional, amplamente desvalorizado na sociedade brasileira.

Na década de 2000, a área da Educação já era caracterizada pela presença de diversos discursos que não necessariamente fortaleciam a consistência interna e a legitimidade externa do subcampo acadêmico-científico (CHARLOT, 2006). Esse campo enfrenta uma antinomia: para se afirmar como atividade socialmente legítima, precisa negociar com prioridades alheias, que contribuem tanto para afirmar como para questionar sua singularidade e a sua cientificidade. Para além dos critérios de validade do campo acadêmico-científico, reage a demandas que emergem dos problemas socioeducacionais e das agendas de políticas e gestão da Educação. Entender a produção do conhecimento em Educação envolve, portanto, entender as negociações que atravessam o processo de pesquisa e quem se serve dos produtos dessa atividade.

Propomos entender esse espaço conflitivo a partir da noção de domínio (BRENNAN et al., 2016). Essa noção interpreta a atividade acadêmica a partir das relações que a sustentam: intrassetoriais, tecidas principalmente entre atores inseridos em um ambiente acadêmico; ou intersetoriais, vinculando o ator acadêmico a outros, fora das instituições de educação superior. No domínio intersetorial da produção acadêmica, ganham importância outras fontes de prestígio acumuladas na construção de uma carreira acadêmica (BÜHLMANN et al., 2017). As agendas das áreas de conhecimento podem ser vistas como construções de redes de indivíduos com preocupações particulares desde suas posições no campo.

Na América Latina, há uma tendência de que os intelectuais nas ciências sociais e humanidades se engajem na disputa política e relacionem seus esforços teóricos a enfrentamentos sociais (BEIGEL, 2013). Pela busca de justiça social e/ou de construção de carreira, “[…] os sujeitos estabelecem a legitimidade de suas posições não a partir do campo acadêmico-científico, mas a partir das razões políticas e ideológicas […]” (FARIA FILHO, 2016, p. 188).

A noção de domínios da ação considera que indivíduos acumulam capitais de variadas naturezas e, a partir do subcampo acadêmico-científico da Educação, estabelecem comunicação com diferentes campos, subcampos, áreas e setores. Há uma relação intrassetorial, em que os pesquisadores se dirigem ao próprio campo acadêmico-científico. Mas os pesquisadores também se comunicam com outras audiências, cuja ação se dá nos âmbitos profissional-pedagógico e político-institucional. Relacionam-se ainda com atores de um conjunto de dinâmicas sociais que não constituem necessariamente campos.

A leitura de domínios permite reconhecer os espaços priorizados pelos pesquisadores para acumular capitais que lhes permitam disputar recursos do campo acadêmico-científico em termos simbólicos, como autoridade epistêmica, bem como em termos materiais, como financiamento para pesquisa. Em cada domínio, o conhecimento é produzido com ênfases específicas, com suas próprias características e objetivos nas relações com seus públicos.

Metodologia

Este artigo se origina de uma pesquisa iniciada em 2010, com apoio do CNPq7, cujo principal objetivo era caracterizar redes de colaboração de pesquisadores de excelência na área da Educação. Tomamos como referência indivíduos que contavam com bolsa de produtividade em pesquisa nível 1A e lideravam grupos de pesquisa oficializados junto ao CNPq com dez anos, encontrando nove pesquisadores. O estudo foi aprofundado em 2015 e, naquele momento, a composição do grupo de referência havia se alterado, alcançando 21 pessoas que atendiam aos critérios.

Analisamos a atuação dos indivíduos na produção de conhecimento ao longo de dez anos. Levantamos dados bibliométricos dos currículos dos pesquisadores, produzindo grafos que detalhavam suas redes de coautorias. Ao mesmo tempo, analisamos indícios de capital científico-político e social por meio de atuações em funções e comissões em instituições de educação superior, agências de fomento e avaliação e outras instâncias estatais. Também identificamos evidências de suas participações em meios não acadêmicos e seus processos de circulação internacional.

Conduzimos entrevistas individuais com uma amostra intencional de dez indivíduos. As entrevistas buscaram esclarecer a forma pela qual os pesquisadores trabalham em redes e produzem sentidos sobre sua atividade. O roteiro de entrevistas partia da apresentação dos grafos que sintetizavam sua produção no período analisado e indagava sobre redes, avaliação e produção do conhecimento.

O conteúdo das entrevistas foi interpretado por meio de leituras sucessivas que relacionaram as declarações dos entrevistados a dados quantitativos obtidos nos currículos, explorados em artigo anterior (CAREGNATO; MIORANDO; LEITE, 2018). Ao abordar as estratégias em pesquisa, detectamos perfis diferenciados em termos de motivações para a produção científica, respostas a incentivos, escolhas de temas e padrões de comunicação. A partir da classificação dos conteúdos em categorias iniciais, encontramos sentidos específicos para a produção do conhecimento em Educação.

Consideramos que os resultados encontrados por meio dessas técnicas de produção e análise de dados são confiáveis para o segmento social em questão: pesquisadores de elite na área da Educação que fundaram o subcampo no Brasil. Ainda que esses resultados se difratem de formas diferentes nas novas gerações que acedem ao status de pesquisador de excelência, têm importância porque retratam a camada histórica fundamental sobre a qual as outras se vão assentando, constituindo uma espécie de referência sobre o que é ser pesquisador em Educação no Brasil.

Domínios de ação no movimento entre campos, capitais e públicos

A fase inicial de interpretação de dados levantados a partir dos currículos dos pesquisadores constatou evidências de sua trajetória como artífices do subcampo. Essa conclusão foi construída com base em indicadores de prestígio que marcam o reconhecimento entre pares no campo acadêmico-científico, considerando posições de liderança na pesquisa, produção acadêmica, reputação internacional, arbitragem da publicação científica, atuação em consultorias, cargos e posições de gestão em instituições de educação superior e associações científicas, participação em conselhos gestores de órgãos estatais.

Em outros trabalhos, expusemos processos de mudança que ocorrem no campo para legitimação dos indivíduos como pesquisadores de referência (CAREGNATO; SFREDO MIORANDO; LEITE, 2018). Esses resultados foram explorados dando conta de que, historicamente, os pesquisadores tradicionais produzem para uma audiência nacional. A análise curricular de gerações mais recentes de pesquisadores mostra uma alteração nos padrões de produção influenciada pela avaliação, alinhada a parâmetros da ciência internacional, o que envolve, inclusive, um maior recurso à produção em coautoria, em rede, que se intensifica em anos recentes.

No entanto, através das gerações, é possível detectar indícios de formas de produção de conhecimento que se orientam para a acumulação de capitais de diferentes tipos, conforme a proposta analítica de Bourdieu (1996, 2004). O capital científico puro está ligado a projetos de pesquisa em que a relação com setores extra-acadêmicos está limitada à coleta de dados e, eventualmente, à devolutiva dos resultados.

A pesquisa em educação responde aos estímulos das políticas públicas e institucionais, que condiciona inclusive também para quem os pesquisadores podem falar, o que e como. Os pesquisadores referem que a indução pública: (i) foi a raiz dos estudos pós-graduados no Brasil; (ii) reconfigura as agendas de pesquisa; (iii) apresenta uma estrutura historicamente diferenciada para a Educação; e (iv) pode bloquear atividades de pesquisa que estruturam a comunicação com os públicos.

[…] pesquisa propriamente da Educação, na forma como ela se desenvolveu nos últimos, digamos, 40 anos, ela está relacionada com a pós-graduação. […] Se vocês pegarem as primeiras produções […], elas têm perfil muito claro, que é o perfil de uma pesquisa quantitativa voltada para oferecer aos secretários estaduais, secretários municipais subsídios às políticas estaduais vigentes no período. (Pesquisador 3).

Nós trabalhávamos com campo de confluência. Por pressão da Capes, nós assumimos linhas de pesquisa, embora campo de confluência seja mais do que linha de pesquisa. Campo de confluência quer dizer que socialmente nós não fazemos a pesquisa isolada dos outros colegas, dos outros problemas. (Pesquisador 5).

Acho que as bolsas que o CNPq dá para a graduação, bolsas de iniciação científica, é uma das coisas mais importantes que o CNPq fez. Fundamental. Que nas outras áreas, nas áreas das exatas e da saúde, são muito mais antigas e muito mais influentes. Nós demoramos muito para entrar, entramos em meados dos anos 80 com esse tipo de bolsa. (Pesquisador 7).

A [agência de fomento estadual] criou essa linha e […] fomos chamados por uma das escolas porque eles queriam uma assessoria. […] De um lado, tinha muito questionamento da própria [agência de fomento estadual] se o que nós estávamos fazendo era pesquisa e não era extensão. […] Só que aí a Secretaria de Educação podou porque nós estávamos começando a entrar fortemente nas políticas neoliberais, o que inclusive acabou com essas escolas, que eram de referência de formação, no estado [suprimido]. Então, não foi adiante enquanto política, pelo contrário, nós recebemos muitos ataques. A gente recebia ataque da academia, porque a gente não estava fazendo pesquisa, e da rede, porque nosso trabalho era uma interferência política na rede. (Pesquisador 6).

De acordo com os participantes deste estudo, suas audiências são variadas. Os pesquisadores produzem conhecimento direcionado a professores da escola básica, para a formação de professores em licenciaturas e para públicos mais amplos fora dos cânones acadêmicos estritos. Ao fazê-lo, trabalham com artigos para revistas científicas nacionais e internacionais, mas também com produções para jornais e revistas, boletins, e consideram que suas comunicações diretas com os públicos também são produtos, sem a mediação do texto escrito: palestras, oficinas, seminários, ações de formação. Esses públicos são vistos principalmente a partir da escola, mas também pelos órgãos de Estado nas diferentes esferas administrativas, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos, movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil. Essas interações extra-acadêmicas são destacadas pelos pesquisadores.

A pleno vapor a produção com os orientandos, porque todos os meus orientandos são professores de instituições de educação superior, e eles precisam também dessa publicação. […] E também eu vejo pôr em prática tudo que eu trabalhei, porque grande parte dos meus orientandos são gestores institucionais das universidades brasileiras. (Pesquisador 10).

A pesquisa tem que ter um vínculo necessário, no sentido forte. […] A pesquisa tem que nos ajudar a olhar a realidade, mas para mudá-la. E quando é que se muda? Muda é no vínculo. Mas esse vínculo pode ser a tua sala de aula, pode ser um projeto de extensão, no movimento, mas, no nosso caso, acho que os movimentos, vários movimentos sociais de ordem cultural, de ordem social, de ordem econômica. Eles fazem a diferença e nos tornam menos arrogantes. A realidade nos torna menos arrogantes. (Pesquisador 8).

Quando eu comecei a trabalhar com os movimentos sociais, lá nos anos 80, que foi mestrado e doutorado, eu já tinha uma parceria com [nome de ONG suprimido], em apoio a movimentos de luta pela escola. Outros ex-alunos meus e bolsistas, eu indiquei para trabalhar em [nome de ONG suprimido] como primeiro emprego. […] Então, havia sempre essa interação em que a pesquisa se desdobrava numa intervenção, mas também cada uma conservando suas especificidades, sem misturar os dois planos. (Pesquisador 9).

[…] colaboro com uma ONG que trabalha com educação continuada de professores, [nome suprimido], com a qual eu faço muitas publicações […]. Inclusive, eu colaboro com uma revista que eles têm, […] mais voltada para os professores do que para uma produção estritamente acadêmica, mas tem uma difusão enorme. (Pesquisador 4).

Ainda que haja um diálogo internacional, os pesquisadores entrevistados na sua grande maioria produzem conhecimento fundamentalmente para uma audiência nacional, cuja base e a tônica são os professores da educação básica, em formação ou em serviço. Ao considerar essa relação, podem: (i) dirigir-se de forma mais direta ao público profissional; (ii) estabelecer mediações entre os circuitos da escola e da universidade, considerando suas linguagens; e (iii) considerar como representar questões da prática nos instrumentos da política pública de educação.

Você tem que produzir um texto [que dê] o acesso rápido a quem tá fazendo a coisa, quem tá na prática. […] Nós temos dois jornais, estamos indo pro terceiro, agora que a ideia é lidar com esse público. (Pesquisador 2).

Esses professores […] vieram fazer mestrado, alguns voltaram para a escola básica, outros assumiram outros caminhos. […] Então, nós, os professores, tínhamos essa rede entre nós, de fortalecimento, porque era uma coisa nova que a gente estava fazendo, tinha muitas dúvidas de como encaminhar. […] Parte desse movimento, no nosso caso específico, está naquele texto do livro, que nós organizamos. (Pesquisadora 6).

No Enade, eu fiz três trabalhos para o Inep que eu considero bastante inovadores. […] Então, ali nós colocamos a questão do primeiro filho, de quem tinha influenciado para que ele entrasse na universidade, pra que ele permanecesse na universidade e como é que o professor fazia isso. A gente fez uma análise, e eu sei que o MEC está fazendo essa análise ainda, de mostrar em que medida a política democratizante estava dando certo. (Pesquisador 10).

Há aí uma produção de conhecimento interessada no uso imediato de recursos didáticos e pedagógicos de modo a movimentar o currículo. A construção desse tipo de produto mobiliza um capital profissional relativo aos contextos educacionais. Porém, esse tipo de publicação, voltado para a prática contextualizada, é desestimulado pelas regras do campo acadêmico-científico:

Eu tenho o boletim [nome omitido], que eu desativei porque estava penalizando o grupo, porque ele é local e tinha intenções disso, de mostrar o que se estava fazendo. Eu não tinha corpo editorial, a gente é que definia o que ia fazer, então estava penalizando os meus alunos. Mas a ideia era exatamente da pesquisa em andamento e teve um sucesso inacreditável […], mensalmente uma média de 3 mil acessos. E eu parei a produção, não quero penalizar ninguém. (Pesquisador 1).

Assim, se a análise dos dados coletados na primeira fase da pesquisa nos permitiu identificar a presença de capitais, a combinação da análise dos dados qualitativos das entrevistas levou à observação de táticas e retóricas variadas no estabelecimento de relações com os diferentes públicos. Cumpre observar que os sujeitos não declaram, nem necessariamente reconhecem, os domínios de ação em que atuam. Eles aparecem como uma reconstrução analítica retrospectiva, discerníveis na análise do conjunto dos dados.

A partir dessa relação, considerando a contribuição de Brennan et al. (2016), elaboramos a noção de domínio de ação como forma de produzir conhecimento, situando-se estrategicamente no campo científico (BOURDIEU, 1976) e dialogando com diferentes públicos de acordo com objetivos epistemológicos e políticos, que compreendemos na relação entre Santos (1989) e Charlot (2006). Entendemos que os elementos da atividade científica que caracterizam o domínio da ação de um pesquisador da Educação envolvem a ocupação de espaços no campo acadêmico e além; a relação com outros campos a partir de uma posição no campo científico; a mobilização de vários capitais; a relação com diferentes classes de atores; e as estratégias de interlocução, com linguagem mais ou menos hermética. Um domínio de ação implica um estilo retórico, um repertório de diferentes formas de se relacionar com a lógica científica da produção do conhecimento para levá-lo a diferentes tipos de público. É importante considerar que esses domínios de ação foram elaborados com base na experiência de pesquisadores brasileiros. Assim, entre os domínios detectados, nenhum dos pesquisadores dispensa o espaço da universidade, especialmente a pós-graduação, como fonte de legitimação para o conhecimento que produz e propõe. A universidade é também a estrutura institucional que garante o acesso ao financiamento da investigação, que, por sua vez, está associada às regras de avaliação da atividade científica.

Os domínios detectados se referem aos segmentos científico-disciplinar; pedagógico; político-gestor; e socioeducacional dialógico. Entendemos que estruturam o subcampo e a atividade científica na educação e têm nuances internas. Por exemplo, o domínio disciplinar pode ser multidisciplinar ou interdisciplinar no cruzamento de disciplinas como sociologia, psicologia, história, filosofia, economia, que contribuem para o subcampo da Educação.

O Quadro 1 contrasta os quatro domínios de ação que mencionamos, explorando-os a partir da perspectiva dos campos e buscando destacar os tipos de capital em evidência em cada caso.

Quadro 1 Domínios de ação da pesquisa em educação na produção de conhecimento e em relação com campos de disputas e capitais 

Domínio de ação Campo de disputa prioritário Tipo de capital prioritário
Produção de conhecimento científico-disciplinar Científico-acadêmico Científico puro
Produção de conhecimento pedagógico Educacional-pedagógico Profissional
Produção de conhecimento político-gestor Estatal e institucional-administrativo Científico-político e político
Produção de conhecimento socioeducativo dialógico Sociedade civil, junto a movimentos sociais e pautas políticas Político e social

Fonte: Elaborado pelos autores.

Consideramos que, atuando no domínio da ação de produção de conhecimentos disciplinares científicos, os pesquisadores adotam uma postura característica de ciência normal, de acordo com as ciências mais consolidadas. Esse domínio da ação ocorre no espaço acadêmico, delimitado dentro dos padrões do campo científico. Sua produção de conhecimento assume a forma preponderantemente tipificada de capital científico: a publicação em veículos arbitrados por pares. Suas disputas por prestígio seguem as regras do campo científico, plasmadas nos estatutos e regimentos das instituições acadêmicas. Ao atuar como supervisores e conselheiros, eles trabalham com a ideia de que a pesquisa acadêmica tem a função de produzir conhecimento e treinar aprendizes, zelando pelo bom uso do método científico e pelos princípios da ciência:

Eu acho que o importante é fazer uma pesquisa procurando rigor, procurando seriedade e sobretudo, dentro dos programas de educação a gente tem uma responsabilidade de formar pesquisadores, e é esse o meu papel dentro da pós-graduação. […] [Esta] é outra característica do meu trabalho, eu sou contra essa ideia de você estudar para intervir. Eu acho que uma boa pesquisa ela serve de base para mudanças na prática de ensino, para políticas nacionais ou regionais. Acho muito perigoso eu fazer uma pesquisa pra mostrar que deve ensinar assim ou deve ensinar assado. Eu não faço isso. Quando eu termino uma pesquisa, eu levanto questões, normalmente, porque o que eu disse: uma boa pesquisa a gente termina com questões. (Pesquisador 1).

Trabalhando na produção de conhecimentos pedagógicos, os pesquisadores se apresentam como produtores dinâmicos de publicações decorrentes de práticas de pesquisa ligadas a uma participação ativa na formação de professores nas escolas ou nas universidades. Em contraste com o domínio anterior, aqui há um nível de intervenção nos ensinos básico e superior, capacitando profissionais e gerando materiais pedagógicos. Este domínio parece ter contornos cunhados a partir de um compromisso expressivo com o desempenho profissional dos professores. A ação nesse domínio pode ser classificada como uma agência do campo profissional que, atuando principalmente no capital profissional, também desencadeia seu próprio capital científico a partir do capital social.

Nós nos perguntávamos a quem a gente queria se dirigir. E aí nós dizíamos: “nós queremos nos dirigir aos estudantes nossos, que na sua grande maioria são professores, porque são da área da educação, eles são professores, e também aos [demais] professores”. […] As nossas redes, elas não são formadas só pelos nossos pares, elas têm que ser respondidas pelos professores. […] eu trabalho com professor desde sempre, porque a minha preocupação é exatamente mostrar que o professor não se forma num curso, ele se forma em rede. Então, como é que são essas redes, como é que essas redes funcionam? Então, estou trabalhando agora é o que eu tô chamando “mundo cultural do professor”. (Pesquisador 2).

O terceiro domínio de ação está relacionado ao exercício do capital político com base em instâncias institucionais de tomada de decisão, inclusive nas estruturas da administração pública que não compõem unidades educacionais. Delimitada na produção de conhecimento político-gestor, conta com a inserção em diversos espaços de prestígio no campo acadêmico-científico por meio do capital científico-político. Os pesquisadores ligados a esse domínio também trabalham fora desse campo, mobilizando capitais políticos na formulação de políticas institucionais, municipais, estaduais e nacionais para o campo da educação. Portanto, eles têm uma posição privilegiada para participar da disputa pelas regras do campo acadêmico-científico, repercutindo ainda fora dele, influenciando o funcionamento dos sistemas de educação.

Na minha trajetória, por que eu não pude finalmente constituir um grupo mais amplo, mais permanente? Porque eu também, quer ver, eu fui durante quatro anos, coordenador da área, depois eu fui membro do Conselho Nacional de Educação, oito anos, num momento em que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nova tinha sido sancionada. Então, nós tínhamos que normatizar tudo aquilo. Então, eu girei muito. Depois, eu estive na Capes… […]. Então, a área é muito plural quando você sai do âmbito da academia. Muito diferente a sua ligação que você tenha com o prefeito, com uma ONG ou com uma associação civil de outra natureza. (Pesquisador 3).

O quarto domínio da ação, no qual se produz o conhecimento socioeducativo dialógico, também tem caráter político e mobiliza diversos capitais a partir de uma intencionalidade política. Em geral, está ligado a movimentos sociais e pautas da agenda pública, com o objetivo de intervir junto a seu público, de modo a contribuir na interpretação, publicidade e resolução de problemas sociais. Atuando nesse domínio, os pesquisadores atuam nos processos da educação não formal e dos movimentos sociais por meio de uma rede de capital social. Isso pode evidenciar compromissos com o ativismo em torno de causas sociais e educacionais, sendo o domínio em que o embate político é mais evidente como fundamento da produção de conhecimento. Além disso, sustenta-se pela proposta de agir de forma dialógica com atores da sociedade civil. Aqui, há uma tensão no sentido de deslocar o centro da produção de conhecimento do fazer acadêmico para a relação universidade-sociedade.

Muitos desses autores têm uma relação com os movimentos sociais, principalmente os movimentos sociais identitários – indígenas, negros, mulheres, gênero – e, portanto, essas articulações e essas redes não ficam só centradas na universidade, elas têm também uma interlocução com os movimentos sociais. […] São temáticas relativamente novas, que não têm uma longa tradição na investigação na educação, mas que os alunos [propõem], até por a universidade hoje em dia ser muito mais plural. Os sujeitos são muito mais plurais, as realidades, os problemas são muito mais plurais. Essas questões estão emergindo e se desenvolvendo nas universidades. […] Têm grupos de pesquisa na universidade que estão muito mais articulados e associados com movimentos sociais e com sistemas de educação. Por exemplo, eu mesma colaboro com uma ONG que trabalha com educação continuada de professores […], com a qual eu faço muitas publicações. Que trabalha com educação e direitos humanos, […] com professores de redes de diferentes municípios, e a gente produz, inclusive, material para esse pessoal. […] a universidade começa a se dar conta que não é somente ela a produtora de conhecimento. E que ela também tem de interagir com outros atores que também produzem conhecimento. (Pesquisador 4).

Para além da mobilização de diferentes capitais, entendemos que os domínios de ação também destacam características e objetivos da pesquisa na forma como abordam os públicos acadêmico e extra-acadêmico, conforme o Quadro 2.

Quadro 2 Domínios de ação dos pesquisadores em Educação de acordo com a interlocução com seus públicos 

Domínio de ação Características e objetivos da pesquisa para o público acadêmico Interlocução com público extra-acadêmico
Produção de conhecimento científico-disciplinar
  • Produção teórica-analítica, com maior grau de abstração em relação aos demais domínios.

  • Visa à comunicação científica de conhecimentos especializados resultantes de pesquisas.

  • Limitada, com argumentação baseada em variáveis disciplinares.

  • Linguagem científica, relativamente hermética e restrita. Segue o estilo das publicações acadêmicas.

Produção de conhecimento pedagógico
  • Produção acadêmico-pragmática.

  • Visa instruir a prática didático-pedagógica na educação formal.

  • Ampliada, com argumentação didática.

  • Linguagem técnico-profissional, focada na comunicação instrucional e na formação de pessoas nas escolas e no ensino superior.

  • Interage com públicos que atuam na educação formal sem necessária especialização em ciências da Educação.

Produção de conhecimento político-gestor
  • Produção político-pragmática.

  • Visa orientar tomadas de decisão e implementação de políticas educacionais.

  • Ampliada, com argumentação filosófica e jurídica.

  • Linguagem política e deliberativa, voltada para atores de vários níveis de políticas e gestão educacional.

  • Interage com os estilos das normativas e dos textos das políticas, interpretando seus sentidos para a prática pelos atores sociais.

Produção de conhecimento socioeducativo dialógico
  • Produção praxiológica.

  • Visa produzir ação político-educacional em conjunto com o público da educação não formal.

  • Dialógica, com repertórios e categorias do interlocutor.

  • Linguagem político-pedagógica, mobilizando uma retórica propositiva de ação em causas e movimentos sociais. Adota estilos mais próximos à educação popular.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Assim, na área de conhecimento em Educação, a retórica está bastante ligada ao público externo, ao Estado e à sociedade civil como interlocutores frequentes. O sistema educacional funciona como o lócus da interação, e a concretização de processos educativos de pesquisa e ação depende da participação dos públicos envolvidos. O pesquisador precisa atentar para as formas de prestígio típicas de outros setores ou campos (BÜHLMANN et al., 2017). Nos domínios de ação que conectamos à produção de conhecimento com intencionalidade pragmática, a valorização da capacidade de intervenção preside processos de produção de conhecimento. Esse é o caso dos domínios de ação relacionados aos conhecimentos pedagógico e político-gestor, bem como em âmbito socioeducativo dialógico, de caráter praxiológico.

Essa conexão, que pode ser um critério de aplicabilidade, também embute o risco da descontinuidade. A esse respeito, um dos entrevistados alertou para limites nos efeitos da pesquisa realizada pela área sobre realidades educacionais:

Esse diálogo é eventual. […] A área não tem tido condição de dar o retorno específico para determinados estudos que ela faz em relação a municípios, em relação a estados. […] Por exemplo, meu aluno de [município suprimido] fez um estudo muito interessante sobre gestão e, entra secretário, sai secretário, não estão nem sabendo que houve aquela produção. […] o diálogo com as políticas é muito rarefeito. (Pesquisador 3).

Outro pesquisador nota uma dificuldade do próprio contexto acadêmico em que as pesquisas em Educação se desenvolvem de se relacionar com outras áreas em que o fenômeno educacional ocorre, como a educação profissional e tecnológica:

A tese de ontem foi sobre formação, uma questão absolutamente desprezada pela universidade. Me arrepio só de falar nisso. Vivo me queixando. Quero agarrar isso aí, não sei se posso ainda. Que é formação do professor para as escolas profissionais. Nós não damos a mínima. Nós não queremos nem saber. Nós ficamos olhando para nosso umbigo… […] A gente não está enxergando um palmo adiante do nariz. Eles (os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia) estão formando uma juventude numerosíssima e importantíssima. (Pesquisador 7).

Ainda que tais percepções possam ressoar sentidos gerais presentes na área, elas podem ocultar experiências em andamento nas fronteiras do campo, como a relatada por um pesquisador:

Daí que pesquisa, ensino e extensão têm que estar articulados. Por exemplo, nesse projeto meu de pesquisa sobre os institutos federais, tem um grupo de doutorandos pesquisando o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Ao mesmo tempo, nós fizemos um curso de especialização para pessoas que trabalham com adultos e jovens e que vêm de vários lugares. É um curso gratuito. Nós, uma vez por semana, uma equipe maravilhosa, professores todos com doutorado. (Pesquisador 8).

No domínio da produção do conhecimento científico em um sentido mais estrito, há uma maior delimitação linguística, propiciada por um maior grau de abstração em que os problemas humanos concretos não são detalhados, mas sistematizados em categorias. Propõe um diálogo interior ao campo acadêmico-científico, pressupondo que o interlocutor domina certas chaves de leitura. No caso dos domínios pragmáticos, há uma maior imersão em intencionalidades específicas, com menor possibilidade ou pretensão de generalização. Opta-se por instruir a intervenção, resolvendo problemas práticos. Busca-se dialogar com públicos que não estão necessariamente iniciados nos códigos do campo acadêmico-científico, mas desempenham atividades semiprofissionais (FERNÁNDEZ ENGUITA, 1991). No domínio socioeducativo, essa dimensão do diálogo avança no nível epistemológico, uma vez que os pesquisadores se propõem a definir suas referências em conjunto com o público. O pesquisador não perde seu lugar de autoridade epistêmica, mas se move no sentido de compartilhar essa autoridade. Nesse movimento, é guiado por intencionalidades políticas que dizem respeito aos conflitos sociais como um todo, no âmbito da sociedade nacional, sem se restringir às disputas internas ao campo acadêmico-científico (BEIGEL, 2013). Esse engajamento pode, inclusive, ser mobilizado para compor estratégias de luta científica (FARIA FILHO, 2016).

Considerações finais

Os pesquisadores da Educação precisam articular seu trabalho em diferentes domínios de ação para alcançar prestígio nos campos em que atuam, lidando com gramáticas valorativas diversas à medida que buscam agendas de pesquisa negociadas. Embora esse exercício tenha um caráter estruturante na formação das redes dos pesquisadores e goze de algum reconhecimento tácito no subcampo, não é explícito nas regras de avaliação que arbitram a distribuição de recursos no campo acadêmico-científico.

O subcampo da Educação apresenta uma peculiaridade: as regras tácitas do jogo conferem prestígio e trânsito ao pesquisador que é capaz de reverberar seu trabalho fora do campo acadêmico-científico. Muitas vezes, essa habilidade é vital para a sua manutenção como pesquisador, especialmente quando as atividades de pesquisa se desdobram sobre causas socioeducacionais. Os pesquisadores de referência que trabalham nos domínios de ação pragmáticos lidam, em graus variados, com a necessidade de converter capitais sociais e políticos em capital científico puro, codificando as realidades em que intervêm com categorias de análise, problematizando suas atividades como ciência acadêmica e, em seguida, publicando artigos sobre sua pesquisa-ação.

Essa condição está ligada ao estatuto epistemológico da área de Educação, de inserção da pesquisa em uma realidade histórica, em que a empiria também interpela a produção científica de conhecimento (BARATA et al., 2014; BOURDIEU, 1996; CHARLOT, 2006). Ao mesmo tempo, estão inseridos em uma realidade institucional moldada segundo parâmetros do campo científico. Os pesquisadores precisam planejar os efeitos de sua atividade acadêmica de acordo com os critérios tanto dos públicos com os quais interagem quanto das agências de fomento, ambos indispensáveis para a continuidade de suas atividades.

Porém, os indivíduos não visualizam esse planejamento de forma tão explícita. Suas decisões são também resultado de estruturas inconscientes incorporadas ao longo de diferentes trajetórias de vida – sobretudo de formação e trabalho na academia – produzindo mediações variadas entre consciência, realidade e ação. Essas divergências se mostram, por exemplo, nas prioridades conferidas ao rigor científico e à intervenção, que, para além das disciplinas científicas (BARATA et al., 2014), variam conforme os domínios de ação.

Que interlocuções, afinal, estruturam a produção de conhecimento na área da Educação? Os pesquisadores em educação no Brasil buscam, fundamentalmente, subsidiar diferentes públicos na transformação da realidade da educação nacional. Porém, a cadeia entre pesquisa científica e mudança educacional, atravessada por relações sociais mais amplas, é longa, articulada de formas diferentes e nem sempre evidentes. Em muitos pontos, os critérios do campo científico se afastam daqueles da prática educacional transformadora. Em função disso, os pesquisadores negociam diferentes posições no campo.

No Brasil, dadas a profundidade e a extensão dos problemas sociais, o engajamento de pesquisadores acadêmicos com causas e ativismo no campo social pode representar grande proporção de seu exercício profissional, o que nem sempre é reconhecido como produtivo pelas avaliações que consideram sua performance no campo acadêmico-científico. Como consequência, o financiamento das atividades de pesquisa guiado por essas avaliações tende a subestimar parte importante do trabalho necessário para desenvolver pesquisa em educação. As entrevistas com pesquisadores de referência demonstraram que, para alcançar posições de prestígio, os pesquisadores contaram, em suas trajetórias, com ações nos campos pragmáticos e praxiológico. Em muitos casos, essas atividades foram substanciais para a construção de resultados de pesquisa reconhecidos que lhes permitiram acessar posições de destaque no campo.

À medida que os pesquisadores se envolvem com os diferentes domínios da ação, especialmente o socioeducativo dialógico, eles caminham em uma linha tênue nos limites da produção de conhecimento científico, o que pode ser visto tanto como uma ameaça para o campo acadêmico e os princípios da ciência, quanto como inovação e reconhecimento de que o futuro da produção de conhecimento no subcampo reside em explorar suas fronteiras pouco delimitadas.

Considerar cuidadosamente essa questão pode informar sobre as estratégias que os pesquisadores em educação podem projetar para defender sua legitimidade nas disputas com outras áreas do conhecimento. A partir das posições assumidas por esses agentes, diferentes direcionamentos podem ser dados às tensões que permeiam o uso social das ciências da educação.

Referências

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*English version by Bernardo Sfredo Miorando.

4- O conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo não está disponível publicamente, devido a procedimentos éticos de preservação dos participantes. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente aos autores pelos e-mails de contato.

5- Área de conhecimento, ou área básica, é considerada um conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente construído, reunido segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa e aplicações práticas. Grande área, por sua vez, é uma aglomeração de diversas áreas do conhecimento, em virtude da afinidade de seus objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais, refletindo contextos sociopolíticos específicos.

6- Referimos o Documento de área n 38 (CAPES, 2019), Educação, situada no Colégio de Humanidades, na Grande Área de Ciências Humanas. Reconhecemos, porém, que os temas educacionais estão presentes em outras partes do Sistema Capes, a exemplo da Área de Ensino, de número 46, isolada da Educação. Também se encontram tópicos de Educação na Área Interdisciplinar, área 45. As Áreas de Ensino e Interdisciplinar estão enquadradas na Grande Área Multidisciplinar no Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar.

7- Projeto de pesquisa “Avaliação e redes de colaboração: inovação e mudanças nas teias do conhecimento”, coordenado por Denise Leite e executado entre 2011-2015 (PROCESSO 302440/2010-0), sucedido pelo projeto “Avaliação e redes de colaboração II: produção científica na área de Educação e o controle internacional da ciência”, executado entre 2015-2020 (processo 471818/2014-3). Estiveram associadas a esses projetos, também com financiamento do CNPq, as pesquisas coordenadas por Célia Elizabete Caregnato: “Conhecimento acadêmico-científico em redes de colaboração: aspectos macro e microssociais”, executado entre 2012-2014 (processo 401475/2011-5) e “Conhecimento acadêmico-científico em redes de colaboração II: produção de conhecimento, afinidades e habitus no campo da educação”, executado entre 2014-2020 (processo 471585/2014-9).

Recebido: 29 de Janeiro de 2021; Aceito: 17 de Março de 2021

Célia Elizabete Caregnato é doutora em educação, professora associada do Departamento de Ensino e Currículo, docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.

Bernardo Sfredo Miorando é doutor em educação, bolsista de apoio técnico ao desenvolvimento institucional da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Faz pós-doutorando no Centro de Estudos em Educação Superior da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Denise Leite é doutora em ciências humanas: educação, vice-presidente da Global University Network for Innovation in Latin America and Caribbean (GUNi-LAC) e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.

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