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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 08-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248239168por 

Artigos

Elementos da sociologia compreensiva de Max Weber: aplicação categorial para a pesquisa em educação1

Edmilson Menezes2 
http://orcid.org/0000-0001-7173-6208

Nilma Margarida de Castro Crusoé3 
http://orcid.org/0000-0002-0610-8237

2- Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil. Contato: ed.menezes@uol.com.br

3- Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, BA, Brasil. Contato: nilcrusoe@gmail.com


Resumo

Trata-se, neste artigo, de uma introdução ao problema do sentido com o objetivo de anunciar sua aplicação em pesquisas em educação. É uma pesquisa de caráter teórico-conceitual, cuja base teórica da análise concentra-se em Max Weber, mas se remete, organicamente, à fenomenologia de Edmund Husserl e Alfred Schutz. Com base em Husserl, percebem-se os vários aspectos em que o sentido se dá: como sentido semântico, como sentido estrutural ou eidético, como sentido fundamentador ou lógico e como sentido de motivação. Na sociologia compreensiva de Weber destaca-se o sentido de motivação, que se manifesta via ações concretas do sujeito. Schutz retém de Husserl o sentido como anterior a ação, como produto da consciência, e de Weber, o sentido de motivação da ação, o que significa, em termos de aplicação categorial na noção de sentido, nas pesquisas em educação, a possibilidade de: a) apreensão do processo educativo como produção de sentido, o que significa apreendê-la na sua dimensão subjetiva; b) reflexão sobre o papel do sujeito e do objeto na relação de pesquisa; e c) potencialização da pesquisa sobre o processo educativo, na perspectiva da compreensão. Espera-se que os resultados possam ampliar o leque de expressões metodológicas nas pesquisas em educação que se ancoram na perspectiva fenomenológico-interpretativa.

Palavras-Chave: Fenomenologia; Noção de sentido; Pesquisa em educação; Sociologia compreensiva

Abstract

This article is an introduction to the problem of meaning with the aim of announcing its application in research in education. That is a theoretical-conceptual research, whose theoretical basis of analysis focuses on Max Weber, but organically refers to the phenomenology of Edmund Husserl and Alfred Schutz. Based on Husserl, the various aspects, in which meaning occurs are perceived: as a semantic meaning, as a structural or eidetic meaning, as a grounding or logical meaning and as a motivational meaning. In Weber’s comprehensive sociology, the meaning of motivation stands out, which is manifested through the subject’s concrete actions, and understanding is an understanding of the meaning of action. Schutz retains from Husserl the meaning as prior to action, as a product of consciousness, and from Weber, the meaning of action motivation, which means, in terms of categorical application, in the notion of meaning, in educational research, the possibility of: a) apprehension of educational process as a production of meaning, which means apprehending that in its subjective dimension; b) reflection on the role of subject and object in the research relationship; and c) enhancement of research on the educational process, from the perspective of understanding. It is expected that the results can expand the range of methodological expressions in research in education that are anchored in the phenomenological-interpretative perspective.

Key words: Phenomenology; Notion of meaning; Research in education; Comprehensive sociology

Preâmbulo

A investigação em educação envolve diferentes paradigmas e, dentre eles, o paradigma fenomenológico-interpretativo que, ao preocupar-se com “o que, na realidade, faz sentido e como faz sentido para os sujeitos investigados” (AMADO, 2017, p. 41, grifo do autor), permite estudar o processo educativo como uma ação social dotada de sentido. A necessidade de compreender, cientificamente, o que faz sentido e como faz sentido no processo educativo para os sujeitos, permite alocar esse tipo de investigação em um plano científico cujas questões

[…] colocam-se na busca de um melhor conhecimento (assente no estudo empírico – experimentação, observação, inquirição – realizado segundo ‘regimes de verdade’ e critérios de cientificidade aceites pela comunidade científica) dos sujeitos envolvidos no processo educativo (do sujeito a educar e de quem educa) e de uma descrição, explicação e compreensão das práticas e das circunstâncias (as mais próximas e as mais remotas) em que tais práticas se verificam […]. (AMADO, 2017, p. 24).

Considera-se, nos contornos deste artigo, pensar um método que possibilite a interpretação do processo educativo como uma ação social significativa, construída na e pela relação com o outro. Desse modo, propõe-se, inicialmente, uma introdução ao problema do sentido com o objetivo de esclarecer que, ao trazê-lo à baila como categoria analítica, faz-se necessário apresentar o conceito referente. Em seguida, desenvolve-se a noção de sentido referente ao conceito de motivação em Weber, por ser o sentido de motivação uma possibilidade expressiva de aplicação categorial, via fenomenologia sociológica. A base teórica da análise concentra-se em Max Weber, mas se remete, organicamente, à fenomenologia de Edmund Husserl e Alfred Schutz.

A fenomenologia e a questão do sentido: aspectos preliminares

Não seria um exagero afirmar que só recentemente o problema do sentido como uma questão isolada foi investigado. Antes o usual era confundir o ser e o sentido e considerar que a menção de um implicava necessariamente a referência ao outro4. Assim, para a metafísica clássica, o que se considerava o ser era, por sua vez, o que possuía sentido, de tal modo que o ser e o seu sentido equivaleriam quase à mesma coisa.

A investigação fenomenológica sobre o sentido permitiu, em contrapartida, não só pôr entre parênteses a identificação, mas, inclusive, considerar como relativamente separados os diferentes significados do termo sentido. Na expressão “fenomenologia”, a palavra fenômeno não significa absolutamente (como em Platão e Kant) a simples aparência que se opõe à verdade do ser ou do “númeno”. Para Husserl (1950), o fenômeno é antes aparição que aparência, ele é manifestação plena de sentido e toda filosofia consiste em elucidar esse sentido. Sobretudo essa é uma reação a Kant e Hegel. O ponto de partida de Husserl é uma crítica ao psicologismo empirista, como o humeano. No caso de Hume, a redução da causalidade a um mecanismo psicológico é negar a causalidade enquanto verdade, é roubar todo sentido verdadeiro à causalidade, é desqualificá-la por suas origens. Ora, Husserl não quer uma ciência que desqualifique seu objeto; a fenomenologia pretende substituir uma filosofia da explicação pela origem por uma elucidação do sentido. Nessa direção, a fenomenologia propõe uma redução eidética: a essência da bravura, por exemplo, não se reduz à lembrança que tenho do herói, a este conteúdo psicológico, anedótico, assim como a essência do triângulo não se reduz à figura aproximativa traçada num quadro negro. Porém através do desenho eu viso ao triângulo, através da história do herói eu disponho-me a um valor, a bravura. À redução psicológica que desqualifica as essências pela sua origem, Husserl opõe, então, a redução eidética que apreende a essência em sua verdade.

A filosofia de Husserl é, em verdade, também oposta a um realismo absoluto – a atitude que consiste em levar em conta só os objetos e ignorar o sujeito pensante, para Husserl, é uma atitude ingênua, pré-filosófica. É precisamente a ilusão banal e perigosa, o preconceito corrente que ele denuncia sob o nome de “atitude natural”. A consciência natural, aquela que não é educada filosoficamente, só conhece objetos. Temos objetos diante de nós e tendemos a esquecer que os objetos só existem para o sujeito pensante, um sujeito inicialmente dissimulado justamente porque ele próprio não é um objeto, mas aquele diante do qual os objetos existem. A função primeira de toda a filosofia é corrigir este esquecimento, é revelar a si mesma a consciência constituinte para qual e pela qual os objetos existem. É pela dúvida metódica e universal que Descartes se esforça por nos afastar do objeto pensado – sempre duvidoso – para nos revelar o sujeito pensante, o próprio ato de duvidar, cuja existência é indubitável. Este momento do cogito também está presente no itinerário husserliano. Mas Husserl substitui a dúvida cartesiana por uma atitude mais sutil, mais matizada, que é a simples “colocação entre parênteses” do mundo, a epoché, em grego. O filósofo limita-se a suspender a tese geral da existência do mundo e a colocá-la fora de circuito, embora não negue radicalmente a existência do mundo exterior.

Por conseguinte, a colocação entre parênteses de toda a existência substancial é exatamente uma redução fenomenológica, porque minha experiência aí se encontra propriamente “reduzida” ao que é dado, ao que aparece, e se manifesta autenticamente. Ora, o que é isto que é verdadeiramente dado? Nada menos do que o mundo. Pois eu não me apreendo apenas como “eu pensante”, eu me apreendo como quem está pensando alguma coisa. Com efeito, toda consciência, conforme a fenomenologia husserliana, é consciência de alguma coisa. Toda consciência visa a um objeto e é essa propensão que ele denomina “intencionalidade”. Husserl constata que toda consciência visa a um objeto, estando entendido que esse objeto não é outra coisa que um objeto para a consciência, um objeto relativo à propensão intencional da consciência. Finalmente, ele coloca um problema capital que Descartes e Kant ignoraram em suas teorias do conhecimento. É o problema do outro. Assim como toda consciência é de alguma coisa, nossa consciência reconhece a existência de outra, numa experiência originária de coexistência. O outro não é só aquele que vejo, mas aquele que me vê e é também fonte transcendental de um mundo que lhe é dado.

A partir da Fenomenologia de Husserl, não se pode, sem mais, confundir sentido com significação de um termo ou de uma proposição. Se quisermos, o sentido pode ser analisado também sob o aspecto do significado, mas sempre que este inclua não só a relação, mas também a coordenação do sinal com o objeto. Elaborou-se uma fenomenologia do sentido, segundo a qual este se dá sob vários aspectos: como sentido semântico, como sentido estrutural ou eidético, como sentido fundamentador ou lógico e como sentido de motivação (MORA, 1982). De tal modo que, quando se falar do sentido, será necessário saber a qual dos mencionados conceitos se refere e a qual relação se estabelece entre um e outro e entre cada um e todos os restantes. Também a falta de sentido ou o contra-sentido se manifestam de modos diferentes em cada um dos sentidos. O característico desta investigação é, portanto, a determinação dos diferentes significados em que pode dar-se o sentido, incluindo o próprio significado como uma de suas formas. Outras investigações, em compensação, referem-se antes ao momento da unificação do sentido, quer sob um aspecto metafísico, quer sob um aspecto psicológico ou científico. Alguns consideram, por exemplo, o sentido como uma peculiar direção que, por sua vez, constitui uma das dimensões essenciais do mundo do espírito nas suas duas formas: subjetiva e objetiva.

Weber e a noção de sentido

Com Max Weber, a sociologia incorporou uma reflexão, mesmo que de certa forma dispersa, sobre o problema do sentido. O desenvolvimento da atividade humana e das manifestações humanas de todos os tipos é acessível a uma interpretação. O agente social associa à sua ação um sentido subjetivo. O sentido é constitutivo da ação, isto é, essa ação só ganha inteligibilidade como tal por conta da completa dependência desse sentido. Todo o agir tem, por conseguinte, uma reflexibilidade. A ação estruturada a partir de um sentido torna-se o objeto de investigação da sociologia.

Na abertura de Economia e sociedade, Weber (1971, p. 18) propõe:

Deve-se entender por sociologia (e é neste sentido que tomamos este termo de significações as mais diversas) uma ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação a ação social, para em seguida explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos dessa atividade. Por ação deve-se entender uma conduta humana (consistindo num fazer interno ou externo, num omitir ou permitir) sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação a ela atribuam um sentido. A ação social, portanto, é uma ação na qual o sentido fomentado pelo sujeito ou sujeitos está referido à conduta de outros, orientando-se de acordo com ela.

Diferentemente da explicação puramente naturalista, o objetivo peculiar à compreensão é sempre captar o sentido de uma atividade ou de uma relação: Um estudo das práticas dos agrimensores romanos e dos banqueiros florentinos deve compreender, sem tentar corrigir, os possíveis erros que eles cometeram relativamente ao que sabemos da aritmética e da trigonometria. Compreender, portanto, pode-se dizer, é captar a evidência do sentido de uma atitude (FREUND, 1970).

Verstehen, palavra alemã que significa compreender, se impôs na metodologia das ciências sociais por meio de Dilthey. A compreensão era, para ele, uma forma particular de obter conhecimento dos objetos mentais e, de uma maneira geral, de toda a história. A interpretação da experiência vital pode transitar por duas vias: a exterior, ou seja, a da objetivação do conteúdo da experiência que elimina suas categorias subjetivas, e a interior, que ocorre mediante, precisamente, a exposição desses aspectos subjetivos da experiência, que são, por natureza, categorias expressivas. A primeira é a entrada do reino das ciências naturais, a segunda, a das ciências do espírito (Geisteswissenschaften). Essa interpretação das categorias da experiência como categorias expressivas é o que constitui, para Dilthey, o compreender, definido como compreensão das expressões, já que na compreensão da experiência aquele que compreende e a coisa que é compreendida pertencem ao mesmo contexto vital. A tríade experiência vital, expressão e compreensão assinala, na realidade, o processo de autointerpretação da vida. Não obstante, Dilthey chama essa vida que se interpreta a si mesma de espírito (Geist) e ciências do espírito ou ciências humanas (Geisteswissenschaften), as ciências que investigam metodologicamente esse processo.

Se apreendemos o conjunto de todos os aportes da compreensão, surge, frente à subjetividade da experiência, a objetivação da vida. Junto com a experiência, a percepção da objetividade da vida, sua exteriorização e as obras nas quais foram introduzidos a vida e o espírito, constituem o reino exterior do espírito. (DILTHEY, 1970, p. 177).5

A compreensão se origina da empatia humana mediante a qual o investigador pode reconstruir o significado da atividade humana de tal forma que é impossível essa tarefa ser executada no estudo dos fenômenos externos – matéria das ciências físicas.

Weber incorporou elementos da compreensão diltheriana em seu acercamento à sociologia. Ao fazê-lo, converteu esse modo interpretativo em parte importante do interesse e do método de sua obra. É utilizada no começo do processo de apreensão do social como critério para a seleção de problemas que, por sua vez, desemboca no estudo da motivação do escopo do autor, isto é, do sentido. Weber distingue a compreensão do sentido e a compreensão da causa, podendo, assim, ajuizar a validade de uma explicação em função de seu ajuste causal ao nível do sentido (BAAR, 1971). A compreensão, ao nível do sentido, gera hipóteses numa particular forma disciplinada. Ao indagarmos, por meio de certas proposições, acerca dos resultados desejados de uma dada ação, estamos em condições de compreender um caso particular de comportamento, quer dizer, desentranhar porque este e não algum outro comportamento foi levado a cabo neste tempo e neste lugar. Formas de ação que aos olhos do observador parecem compartilhar características iguais ou semelhantes podem basear-se numa variedade de motivos por parte do ator individual. Situações deste tipo devem ser interpretadas de formas bem diferentes, mesmo que isso leve a uma análise conflitante. Com efeito, toda interpretação tende para a evidência. Mas uma interpretação significativa, se ela for evidente, não pode pretender ser uma interpretação válida do ponto de vista causal, permanecendo apenas como uma hipótese particularmente plausível. Deste modo, o que parece ser motivação consciente para o indivíduo envolvido pode tão somente servir para esconder os motivos e repressões mais profundas que realmente estão na raiz da sua ação, invalidando, portanto, até mesmo os testemunhos mais subjetivamente sinceros.

A tarefa que concerne à sociologia, então, é a de descobrir o sentido mais profundo de tal motivação e compreendê-la de modo correto, mesmo se esta motivação não tiver participado da ação consciente do indivíduo: torna-se, por conseguinte, um caso limite de interpretação de sentido. (WEBER, 1971, p. 27).

Compreender significa, pois, apreender pela interpretação o sentido ou o conjunto significativo visado. O campo privilegiado no qual o observador atua por meio da compreensão será a cultura.

De acordo com Weber, logo que tomamos consciência do modo como a vida se apresenta, verificamos que ela se manifesta, interna e externamente, sob uma diversidade de eventos que aparecem e desaparecem sucessiva e simultaneamente. E a absoluta infinidade dessa diversidade subsiste, sem qualquer atenuante do seu caráter intensivo, mesmo quando concentramos nossa total atenção em um único objeto e tão logo tentamos descrever essa singularidade de forma exaustiva em todos os seus componentes individuais, e muito mais ainda quando tentamos captá-la naquilo que tem de causalmente determinado.

Assim, todo conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito baseia-se na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será ‘essencial’ no sentido de ‘digno de ser conhecido’. (WEBER, 1989, p. 88).

Para essa finalidade seria muito útil a existência de conceitos claros e o conhecimento de leis hipotéticas como meios heurísticos. Todavia, mesmo com essa função, existe um ponto nevrálgico que demonstra o limite de seu alcance, com que somos conduzidos à peculiaridade decisiva do procedimento nas ciências da cultura, ou seja, “nas disciplinas que aspiram a conhecer os fenômenos da vida segundo a sua significação cultural” (WEBER, 1989, p. 88, grifo do autor). A significação da configuração de um fenômeno cultural e a causa dessa significação não podem, no entanto, ser deduzidas de qualquer sistema de conceitos de leis, como também não podem ser justificadas nem explicadas por ele, porque pressupõem o nexo dos fenômenos culturais como ideias de valor.

Assim sendo, a ideia de cultura é um conceito de valor. A realidade empírica é cultura para nós na medida em que a relacionamos a concepções de valor. Ela cobre aqueles componentes da realidade que, por meio dessa relação, tornam-se significativos para nós.

Uma parcela ínfima da realidade individual que observamos em cada caso é matizada pela ação do nosso interesse condicionado por essas ideias de valor, somente ela tem significado para nós precisamente porque revela relações tornadas importantes graças à sua vinculação a ideias de valor. É somente por isso, e na medida em que isso ocorre, que nos interessa conhecer a sua característica individual. (WEBER, 1989, p. 92).

Todavia, é preciso atentar para o seguinte elemento: o que para nós se reveste de significação não poderá ser deduzido de um estudo isento de pressupostos do que é empiricamente dado. É a comprovação dessa significação que constitui a premissa para que algo se converta em objeto de análise. O significativo, por si mesmo, não coincide com qualquer lei como tal, e isto tanto menos quanto mais geral for a validade dessa lei (WEBER, 1989). Isso porque a significação, que comporta um fragmento da realidade, não se encontra evidentemente nas relações que compartilha com o maior número possível de outros elementos. A relação da realidade com ideias de valor que lhe conferem uma significação, assim como o sublinhar e ordenar os elementos do real matizados por esta relação sob o ponto de vista da significação cultural, constituem perspectivas completamente distintas da análise da realidade levada a cabo para conhecer suas leis e a ordenar segundo conceitos gerais. Ambas as modalidades de pensamento ordenador do real não mantêm, entre si, qualquer relação lógica necessária.

A significação cultural de um fenômeno – por exemplo, o do comércio monetário – pode consistir no fato de se manifestar como fenômeno de massa, um dos elementos fundamentais da civilização contemporânea. Mas, ato contínuo, o fato histórico de desempenhar esse papel é que constitui o que deverá ser compreendido sob o ponto de vista da sua significação cultural, e explicado causalmente sob a perspectiva da sua origem histórica. (WEBER, 1989, p. 93).

Weber, ao tomar o comércio monetário como fenômeno cultural relevante, considera que a análise da essência da troca e da técnica da circulação comercial organizam uma tarefa preliminar, embora importante e cogente. Todavia, não resolvemos a questão de como historicamente a troca chegou a atingir o relevo que hoje possui, tampouco a questão da significação cultural da economia monetária. Essas duas dimensões são destacadas, pois provocam o interesse pela discrição da técnica de circulação e pela ciência que com ela lida. O que de fato interessa, em outras palavras, é a tarefa de analisar a significação cultural do fato histórico do organismo e a institucionalização da troca.

Numa carta de 1920 a Liefmann, Weber (apudCOHN, 1989, p. 25) assim se pronuncia:

[…] se agora sou sociólogo então é essencialmente para pôr um fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos. Em outras palavras, também a sociologia somente pode ser implementada tomando-se como ponto de partida a ação do indivíduo ou de um número maior ou menor de indivíduos, portanto de modo estritamente individualista quanto ao método.

O objeto de análise sociológica não pode ser definido como a sociedade, o grupo social ou mediante qualquer outro conceito com referência coletiva. No entanto, é claro que a sociologia trata de fenômenos coletivos, cuja existência não ocorreria a Weber negar. O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao método. A base última de todo o conhecimento, assim como o efeito último de toda a ação, está no indivíduo. As demais categorias são estruturas mentais, pontos referenciais, hipóteses de investigação, úteis, é verdade, em muitos casos, abstrações legítimas que, todavia, jamais poderão substituir a base individual de qualquer processo social. Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele de que, no estudo dos fenômenos sociais, não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco; vale dizer, em termos sociológicos, de um sentido independente daquele que os indivíduos imprimem às suas ações. Ao propor esse caminho como o único válido para a sociologia e, ao se dispor a explicitar sistematicamente os fundamentos da análise sociológica assim concebida, Weber defrontou-se com uma tarefa formidável. É que, na ausência dos atalhos oferecidos pela referência direta a entidades coletivas, ele necessita construir passo a passo um esquema coerente e internamente consistente que permita ao sociólogo operar com segurança com conceitos como o de Estado, sem atribuir a essa entidade qualquer realidade substantiva fora das ações concretas dos indivíduos pertinentes (COHN, 1989).

Desse modo, a relatividade significativa entre um comportamento e o de outrem é capital para a sociologia compreensiva, não restando outro fundamento para ela senão o indivíduo.

[…] o ‘compreender’, enquanto o alvo desse estudo, é, igualmente, a razão pela qual a sociologia compreensiva (tal como a entendemos) considera o indivíduo isolado e sua atividade como unidade de base, eu diria seu ‘átomo’ – se me for permitido utilizar de passagem essa comparação imprudente. A tarefa à qual se propõem outras maneiras de ver as coisas pode muito bem fazer com que o indivíduo seja, eventualmente, tratado como um complexo de processos psíquicos, químicos ou outros. Do ponto de vista da sociologia, entretanto, tudo o que fica aquém do limiar de um comportamento relativo a ‘objetos’ (exteriores ou interiores), suscetível de ser interpretado significativamente, só é levado em conta no mesmo plano dos acontecimentos da natureza ‘estranha à significação’, quer dizer, como condição ou objeto subjetivo da relatividade desse comportamento. Pela mesma razão, o indivíduo forma o limite superior desse modo de ver, pois ele é o único portador de um comportamento significativo. (WEBER, 1965, p. 344-345).

Não é somente a natureza particular da linguagem, mas, também, a de nosso pensamento que faz com que os conceitos por meio dos quais entendemos uma atividade deixem parecer estar sob a forma de uma realidade durável, de uma estrutura coisificada ou de uma estrutura personificada, tendo uma existência, por isso mesmo, autônoma. Conceitos como Associação, Estado, Escola etc. designam, de uma maneira geral, categorias representativas de formas determinadas de cooperação humana. A empreitada que se impõe metodologicamente à sociologia consiste em reduzir essas categorias a uma atividade compreensível, sem nenhuma exceção, à atividade dos indivíduos que dela participam. O indivíduo é o agente compreensível de uma atividade orientada significativamente. Segundo Freund (1970), todo apelo a um sentido supõe uma consciência, e esta é individual. Weber não encara sequer a hipótese de uma consciência coletiva, porque ela lhe parece não passar de pura suposição, caso se deseje aceitar o ponto de vista em que ele se coloca. Com efeito, a avaliação dos meios em função dos fins, a escolha desse fim, a previsão das consequências, a decisão e, finalmente, a determinação da execução — afinal tudo que intervém no curso de uma relatividade significativa — pertencem à vontade do indivíduo. Este se constitui numa unidade por si mesmo e, na falta desta unidade de base, a sociologia se arrisca a perder-se na incoerência e na confusão. A individualidade significante é, afinal de contas, o postulado sem o qual a sociologia compreensiva, em busca do sentido da atividade social, não teria, ela mesma, sentido. Sem dúvida, ela não é mais do que uma perspectiva, um ponto de vista específico sobre a realidade infinita, mas como tal deve submeter-se à lei de seu ponto de vista, sob pena de ser tão somente uma divagação com pretensão científica. Assim, os conceitos coletivos só se tornam sociologicamente inteligíveis a partir das relações significativas que as condutas individuais comportam. Certamente existe uma infinidade de outros pontos de vista possíveis, cada um deles dando origem a uma ciência diferente e autônoma, mas, uma vez escolhido o ponto de vista, é imperioso submeter-se às suas condições.

Dessa forma, Weber se interessa pela forma da ação individual não nas suas características concretas, mas em seu “tipo”, e, também, utiliza modelos de ação individual para reconstruir as relações sociais e os conjuntos sociais. Deve-se observar, ainda, que, apesar de ter referência na filosofia da consciência, o individualismo metodológico não é uma psicologia nem uma filosofia da consciência. Na medida em que enseja uma compreensão racional, ele exclui a possibilidade de se compreender somente por empatia, ou de se considerar a introspecção (o retorno sobre si mesmo de uma consciência – ou o método do Cogito) como algo bom para compreender a racionalidade. Faz-se necessário dizer, ao contrário, que o modelo de sujeito pressuposto é um modelo enquanto “exterioridade”, ou seja, um modelo construído a partir da ação de um sujeito, e não a partir de seus estados de consciência.

Não seria demasiado afirmar que a sociologia compreensiva é uma sociologia do sentido6, já que a atividade humana é um comportamento ao qual os agentes comunicam um sentido subjetivo, ou seja, é uma ação orientada significativamente, sendo mediada por certo estado de consciência, e que requer uma noção de sentido para se tornar inteligível. Weber está, conforme Cohn (1989), mais preocupado em enfatizar que o sentido a que se refere é aquele subjetivamente visado pelo agente – e não qualquer sentido objetivamente correto da ação ou algum sentido metafisicamente definido como verdadeiro –, do que em definir o conceito.

[…] a noção de sentido aqui quer dizer ou (a) o sentido visado subjetivamente na realidade, α) por um agente em um caso historicamente determinado, β) em média ou aproximativamente por agentes de uma massa determinada de casos; ou ainda (b) este mesmo sentido visado subjetivamente em um puro tipo estabelecido conceitualmente pelo agente ou pelos agentes concebidos enquanto tipos. Não se trata, por conseguinte, de um sentido qualquer objetivamente ‘justo’ nem de um sentido ‘verdadeiro’ concebido metafisicamente. (WEBER, 1971, p. 19).

Weber entende que essa delimitação permite diferenciar as ciências empíricas da ação (a sociologia e a história) e aquilo que chama de ciências dogmáticas (jurisprudência, lógica, ética e estética), cujo propósito é determinar o significado justo e válido dos objetos de seu estudo. Com efeito, estas se contrapõem àquelas justamente pelo substrato metafísico que as fundamenta. Uma ciência da ação vincula-se ao mundo vivido, de forma a esquadrinhá-lo para retirar dele a compreensão e a melhor posição para nele mover-se. Os casos a (α e β) vinculam-se a fatos empíricos e reais, enquanto o caso b exprime uma reconstrução teórica razoável, um tipo ideal.

Weber constrói “modelos racionais” de atividades, que são os tipos ideais. Trata-se de um recurso metodológico para ensejar a orientação do cientista no interior da inesgotável variedade de fenômenos observáveis na vida social. O conceito de tipo ideal propõe formar o juízo de imputação. Não é uma hipótese, mas procura guiar a elaboração de hipóteses. Também não é uma exposição do real, mas propõe dotar a exposição de meios de expressão uniformes. Os princípios lógicos serviram para formar, por exemplo, a ideia de “economia urbana” da Idade Média – ao modo de um conceito genético. Nesse caso específico, forma-se o conceito de “economia urbana” não pelo estabelecimento de uma média dos princípios econômicos que, efetivamente, existiram na totalidade das vilas examinadas, mas, justamente, pela construção de um tipo ideal. Obtemos um tipo ideal ao acentuarmos unilateralmente um ou vários pontos de vista, encadeando uma multidão de fenômenos isolados, difusos e discretos, que se oferecem em maior ou menor número, ou mesmo faltam por completo, e que se ordenam de acordo com os pontos de vistas unilateralmente acentuados, com o objetivo de formar um quadro homogêneo de pensamento (WEBER, 1965). A ênfase recai sobre determinados traços da realidade até concebê-los na sua fórmula mais pura e lógica, que jamais se apresenta do mesmo modo nas situações ativas observadas ou observáveis:

[…] o trabalho histórico terá por tarefa determinar, em cada caso particular, o quanto a realidade se aproxima ou se afasta desse quadro ideal, em que medida é preciso, por exemplo, atribuir, ao nível conceitual, a qualidade de ‘economia urbana’ às condições econômicas de uma determinada cidade. Aplicado com prudência, o conceito cumpre as funções específicas que dele se esperam, em benefício da investigação e da clareza. (WEBER, 1965, p. 181).

Por isso mesmo esses tipos necessitam ser construídos no pensamento do pesquisador, existindo no plano das ideias sobre os fenômenos e não nos próprios fenômenos. Assim concebido, esse conceito de tipo ideal corresponde ao pressuposto metodológico de que a realidade social só pode ser conhecida quando aqueles traços que interessam intensamente ao pesquisador são metodicamente exagerados para, em seguida, formular com clareza as questões relevantes sobre as relações entre os fenômenos observados (COHN, 1989). É como se elevássemos, ou melhor, ampliássemos ao máximo uma figura para melhor ver os seus detalhes. Importa ressaltar que os quadros de pensamentos, do ponto de vista metodológico são encarados como quadros puramente lógicos, devem ser separados da noção de dever ser do modelo. Aventa-se, com efeito, somente construções de nexos que são suficientemente justificados sob o prisma da nossa imaginação, portanto, objetivamente possíveis, e que parecem adequados ao nosso saber nomológico, mediante o qual procuramos dominar a realidade pela reflexão e compreensão. O tipo ideal tem, destarte, o significado de um conceito limite puramente racional, em relação ao qual se mede a realidade a fim de clarificar o conteúdo empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual aquela é comparada. Nesse emprego, o tipo ideal é, em particular, um experimento do pensamento para apreender os indivíduos históricos ou os seus diversos elementos em conceitos genéticos. Mediante semelhante classificação, podemos analisar um complexo de características e compreendê-lo com referência a certas significações culturais importantes. Notamos que, nessa acepção, a interpretação acerca da ideia de sentido atrela-se ao plano formal, à intencionalidade jungida à ação.

Indiscutivelmente, indivíduo e sentido assumem o eixo fundamental metodológico da sociologia weberiana. O sentido da ação emana da sua finalidade. Interessa aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que envolve um motivo sustentado pelo agente como fundamento de sua ação. Mas em nenhum ponto da obra weberiana se encontrará uma definição de sentido, como, aliás, também ocorre com o conceito de compreensão. Nesse ponto, o raciocínio de Weber parece ser circular: “sentido é o que se compreende e compreensão é captação de sentido”, propõe Cohn (1989, p. 27). Do ponto de vista do agente, o motivo é o fundamento da ação; para o sociólogo, cuja tarefa é compreender essa ação, a reconstrução do motivo é fundamental, porque, da sua perspectiva, figura como a causa da ação. Quando se fala de sentido na sua acepção mais importante para análise, não se está cogitando a gênese da ação, mas sim aquilo para o que ela aponta, para o objetivo visado nela; em suma, para o seu fim. Isso sugere que o sentido tem muito a ver com o modo como se encadeia o processo de ação, tomando-se a ação efetiva dotada de sentido como um meio para alcançar um fim, justamente aquele subjetivamente visado pelo agente.

Todo objeto artificial, por exemplo, ‘uma máquina’, é suscetível de ser interpretado e compreendido a partir do sentido que a atividade humana (por conseguinte, as direções que assume podem ser as mais diversas) atribuiu (ou quis atribuir) à fabricação e à utilização deste objeto; se não nos referimos a tal sentido, o objeto permanece completamente ininteligível. (WEBER, 1971, p. 23).

A ação social não é um ato isolado, mas um processo no qual se percorre uma sequência definida de elos significativos. Os elementos desse processo articulam-se naquilo que Weber chama de “cadeia motivacional” (COHN, 1989, p. 27): cada ato parcial realizado no processo opera como fundamento do ato seguinte, até completar a sequência. Todos os processos adquirem sua densidade específica através do sentido que a ação humana lhe dá como objetivo, meio, obstáculo e consequência acessória. O sentido é responsável pela unidade dos processos de ação, sendo por meio dela que eles se tornam compreensíveis.

É somente através do sentido que podemos apreender os nexos entre os diversos elos significativos de um processo particular de ação e reconstruir esse processo como uma unidade que não se desfaz numa poeira de atos isolados. Realizar isso é precisamente compreender o sentido da ação. (CONH, 1989, p. 28).

Sendo assim, a pesquisa científica, em especial a que toma por objeto as ações sociais, é, de modo efetivo, um processo de comunicação significativa. Uma tradução das diversas expressões do sentido atribuído a fenômenos atinentes às relações entre os homens em comunidade, podendo, então, estabelecer o indispensável enlace entre os níveis culturais e os níveis das ações concretas dos indivíduos.

Acerca da possibilidade de aplicação da noção de sentido na investigação sobre o processo educativo

A fenomenologia sociológica de Alfred Schutz, influenciada pela sociologia weberiana, busca o significado subjetivo da conduta social, portanto, a possibilidade de compreender a ação social de forma interpretada, como uma ação dotada de sentido, que considera como ponto de partida a pessoa que age e atribui significado à sua ação. Em Weber, a ação é estruturada a partir do sentido, o que se procura, pois, é o sentido da atividade ou da relação. Em Schutz (2012), o que se procura é o sentido da relação, daí sua discussão sobre fenomenologia e relações sociais no âmbito das ciências sociais. Para Weber, conforme explicitado, o indivíduo dá à ação uma determinada direção, sendo, portanto, uma “ação racional”, cujo sujeito conhece todos os fatores que envolvem a ação e a tornam social se for dirigida à conduta do outro; se a conduta do outro for tomada como referência. Nos termos weberianos, é o pesquisador que imputa significado à conduta do ator que ele observa e constrói uma categoria analítica chamada tipo ideal. Sobre a noção de tipo ideal, julga-se ser importante na compreensão de sentido em Weber, mas Schutz (2012) não a assimila e faz uma crítica à noção de ação racional, à ideia de que a consciência conhece todos os fatores, real e potencial, envolvidos na ação e age com base nas probabilidades. No lugar da noção de ação racional, Schutz traz a noção de ação razoável por defender que há falhas no conhecimento prático, na execução da ação, devido às relevâncias que podem se modificar durante a execução da ação. Sobre relevância ou interesse, vejamos o que diz o autor:

É nosso interesse imediato que motiva todo nosso pensamento, nosso planejamento, nossa ação, e assim estabelece os problemas a serem resolvidos por nosso pensamento e os objetivos a serem alcançados por nossas ações. Ou seja, é nosso interesse que divide o campo não problematizado daquilo que já é conhecido em várias zonas com diferentes relevâncias em relação a tal interesse, cada qual demandando um grau distinto de precisão no conhecimento. (SCHUTZ, 2012, p. 124-125).

Portanto, o sujeito pode planejar em termos de tipificação, conforme a tradição (“já deu certo uma vez, podemos repetir”), mas pode não obter o mesmo resultado em função da relevância, pois, “Todo nosso questionamento possível sobre o desconhecido surge somente dentro desse mundo das coisas supostamente já conhecidas, e pressupõe sua existência” (SCHUTZ, 2012, p. 124). Ao buscar interpretar o sentido da ação para o indivíduo, Weber vai esquadrinhar os aspectos subjetivos da conduta, que também, é o interesse da fenomenologia schutziana, ou seja, interpretar e expor os aspectos subjetivos da experiência e reconstruir o sentido da prática vivenciada pelos atores sociais. Entende-se que a prática de uma mesma atividade pode comportar diferentes motivações e, portanto, diferentes sentidos. Contudo, o que Weber busca é uma compreensão racional da conduta e rejeita o retorno à consciência para entender a ação; já em Schutz, é justamente no retorno à consciência em atitude de reflexão que se busca o sentido da ação, o sentido da experiência, sendo, portanto, uma filosofia da consciência, nos termos husserlianos. A consciência, no movimento intencional para o mundo da vida, apreende fragmentos da realidade, mas somente será dado ao observador estudá-los cientificamente se, e somente se, forem objetos intencionados pela consciência.

Weber afirma que as estruturas sociais – nas quais podemos incluir os espaços educativos escolares e não escolares em que se produzem condutas pedagógicas revestidas de sentido – não existem de maneira independente do sentido que os indivíduos atribuem às ações, o que equivale a afirmar: somente o indivíduo produz comportamento significativo. Ao considerar o pensamento weberiano, em que somente pode-se compreender a estrutura social via agentes que praticam a ação, entende-se que as atividades dos indivíduos, nos espaços educativos, revelam comportamentos revestidos de significado/sentido. A base weberiana da fenomenologia sociológica, como dito anteriormente, é a ideia do agir com sentido; contudo, Schutz não busca uma explicação de causa e efeito, na qual é o pesquisador quem imputa significado à conduta. Diferentemente de Weber, que indaga o sentido na ação, Schutz entende que o sentido é anterior à ação, é da ordem da consciência, por isso o que se investiga é a intencionalidade da ação. Respeitando tal diferença, retemos de Weber o agir com sentido, que envolve a ação, a motivação e a racionalidade. Sobre o termo conduta, esta refere-se a “todos os tipos de experiências espontâneas subjetivamente significativas, sejam aquelas que se passam internamente, sejam aquelas que acontecem no mundo exterior” (SCHUTZ, 2012, p. 39). A ação, neste caso, é uma conduta baseada em projeto, referida aqui como trabalho, uma

[…] ação no mundo externa, baseada em projeto e caracterizada pela intenção de realizar o estado de coisas projetado mediante movimentos corporais […] importante para a constituição do mundo da vida cotidiana. O eu “totalmente alerta” integra em seu trabalho e com seu trabalho, o seu passado, presente e futuro em sua dimensão temporal especifica; ele realiza a si mesmo como uma totalidade em seus atos de trabalho; ele se comunica com outros mediante atos de trabalho; ele organiza diferentes perspectivas temporais do mundo da vida cotidiana a partir de atos de trabalho. (SCHUTZ, 2012, p. 140, grifo do autor).

O agir com sentido refere-se à “motivação com finalidade de” e à “motivação com finalidade porque”. O motivo com finalidade de envolve a ação futura, a decisão de realizar; já a finalidade porque envolve situação biograficamente determinada.

Dizer que uma situação é biograficamente determinada é afirmar que ela possui uma história; ela é a sedimentação de todas as experiências prévias do indivíduo, organizadas como uma posse que está facilmente disponível em seu estoque de conhecimento e, enquanto uma posse exclusiva, trata-se de algo que é dado a ele e somente a ele. (SCHUTZ, 2012, p. 85).

Os motivos, para o ator social, surgem no contexto da vida cotidiana “considerado como um mundo intersubjetivo que já existia muito antes do nascimento, que já foi experimentado e interpretado por outros, nossos antecessores, como um mundo organizado” (SCHUTZ, 2012, p. 84).

A aplicação categorial da noção de sentido em pesquisas em educação implica sua apreensão como conteúdo da consciência, o que nos instiga a observar que, mesmo compartilhando o mesmo contexto, as consciências apreendem o mundo de forma diferente, apreendendo fragmentos da realidade. Há sempre nas narrativas acréscimos de conteúdo que, talvez se possa pensar, façam parte da representação nos moldes husserlianos. Trata-se da experiência individual com ênfase na subjetividade ou, nos termos schutzianos, a experiência individual como experiência derivativa dos outros eus (família, trabalho, religião) e da sociedade. Talvez se possa pensar que Schutz, ao utilizar o método husserliano de acesso ao conteúdo da consciência como fundamento fenomenológico para buscar o significado subjetivo da ação humana, parte da ideia de intersubjetividade apenas anunciada por Husserl, no que se refere à concepção de que as consciências compartilham o mesmo mundo e o apreendem sob diferentes perspectivas, o que abre possibilidades de desenvolver uma fenomenologia das relações sociais.

A relação entre o sujeito e a coisa/objeto é sempre uma relação intencional, pois a consciência é sempre a consciência de alguma coisa, de algo externo ao sujeito que é apreendido pela consciência. A consciência movimenta-se em direção às coisas, e esse princípio é fundamental para a apreensão dos sentidos do processo educativo, pois a intencionalidade da consciência é que revela o sentido do mundo para determinada consciência. Com base nesse princípio, tomemos como exemplo o uso da entrevista enquanto instrumento metodológico de investigação do processo educativo. Busca-se por meio da entrevista, em um bloco que podemos denominar de bloco relacional, apreender o sentido atribuído pelos sujeitos a elementos humanos e materiais. Ainda nesse quadro exemplificativo, quanto à análise dos dados, podemos nos valer, entre outras possibilidades, da análise de conteúdo a posteriori, por entendermos que o sentido é do outro e, numa perspectiva fenomenológica-interpretativa, o campo empírico é um campo de problematização, e não de verificação. Os resultados tendem a apontar perspectivas diferentes e semelhantes, observa-se no processo educativo a presença da intersubjetividade subjetiva, na medida em que é atravessada pela representação, nos termos husserliano, e pela biografia de cada um, nos termos schutziano. Há, então, na relação de pesquisa, um mundo compartilhado tanto pelo pesquisado como pelo pesquisador, não havendo até aí uma relação hierárquica. A tarefa do pesquisador consiste justamente no exercício do “olhar em lupa”, olhar imbuído de teoria e método, para que possa, numa atitude de alteridade, ver pelo olhar do outro. Por isso, a importância, durante o processo de análise, de ater-se ao conteúdo manifestado, expresso no item “indicador”, da matriz conceitual.

Essa passagem induz a pensar na postura do pesquisador, na relação com os informantes. O pesquisador se pergunta: como se constitui o conhecimento? Como resposta, parte-se da hipótese de que existe a realidade espaço temporal, descontinua; existe o sujeito cuja consciência movimenta-se e aproxima-se dessa realidade, porque sabe que as coisas existem fora dela e, desse encontro, entre a consciência e a coisa, nasce o fenômeno. Cada fenômeno, então, é um sistema de significados e, portanto, o processo educativo como sistema de significação pode ser lido cientificamente. Desse modo, para investigar a consciência na sua capacidade de produzir sentido, é necessário: primeiro, fazer com que o informante olhe para o objeto/fenômeno de forma reflexiva, o que consiste em pensar sobre a sua experiência, em voltar-se para os atos subjetivos dela, e o que aparece é o objeto intencionado, a ideia que possui dele; e, em seguida, revelar a intencionalidade da consciência na relação direta com o objeto intencionado, o que somente é possível com a redução fenomenológica, que consiste em refrear o juízo que temos sobre a coisa, colocá-la fora do fluxo da vida e, nesse movimento, a coisa passa para o fluxo da experiência, para a consciência de algo, cujo espaço e tempo não correspondem ao espaço e tempo da realidade. Nos contornos schutzianos, “Somente se o ator se voltar para seu passado ele pode ter a chance de se tornar um observador de seus próprios atos, e assim pode ser capaz de apreender os verdadeiros motivos ‘porque’ de seus atos” (SCHUTZ, 2012, p. 143).

Considerações finais

Pensar o processo educativo como produção de sentido é pensá-lo como ação investida de sentido. Em Weber, vislumbra-se a possibilidade de interpretação subjetiva do sentido, ou seja, de interpretar o sentido que a ação tem para o sujeito; a ideia é de que o agir é sempre investido de sentido e refere-se ao comportamento de outros. Via a fenomenologia schutziana, tais possibilidades se ampliam e permitem pensar a conduta dos sujeitos como uma conduta investida de sentido e, portanto, uma ação motivada pelo comportamento do outro que, de acordo com Weber, podem ser indivíduos e conhecidos ou multiplicidade de anônimos (SCHUTZ, 2018). Justamente são as ideias de anônimos e do agir social orientado por outrem que permitem, com base em Schutz, uma leitura fenomenológica do processo educativo como produção de sentido, pois o eu consciência dialoga com outras consciências à medida que o mundo está à disposição delas; existem outros eus sociais que incidem o sentido atribuído pela consciência no mundo.

Em termos metodológicos, a aplicação categorial do conceito de sentido nas pesquisas sobre processo educativo permite: a) sua apreensão como produção de sentido, o que significa apreendê-la na sua dimensão subjetiva; b) reflexão sobre o papel do sujeito e do objeto na relação de pesquisa; e c) potencialização da pesquisa na perspectiva da compreensão. Esta, além de um ganho intelectual, permite ampliar o leque das expressões metodológicas e pode representar uma grande chave interpretativa para a área cujo objetivo é fornecer um cabedal teórico e prático ao interessado na investigação rigorosa.

Referências

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4- Seguimos, para essa abordagem histórico-conceitual, a síntese apresentada no verbete “Sentido” do dicionário filosófico de José Ferrater Mora (1982).

5- Sobre Dilthey e a formação das ciências do espírito, consultar: Schnädelbach (1983).

6- Expressão emprestada de Berten (2011).

1- Pesquisa financiada com bolsa de pós-doutorado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED).

Recebido: 04 de Junho de 2020; Aceito: 17 de Março de 2021

Edmilson Menezes é doutor em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Educação, na mesma universidade.

Nilma Margarida de Castro Crusoé é doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com estágio doutoral na Universidade de Coimbra, Portugal. Professora plena do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas e permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

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