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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 04-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248246763por 

Artigos

Relação com o saber e táticas de territorialização de jovens bolsistas do ensino médio na escola privada1

Relationship with knowledge and territorialization tactics of young high school scholarship students in private school

Andrea Cecilia Moreno2 
http://orcid.org/0000-0002-3031-6837

Maria Celeste Reis Fernandes de Souza3 
http://orcid.org/0000-0001-6955-5854

2- Faculdade Venda Nova do Imigrante, Venda Nova do Imigrante, ES, Brasil. Contato: acmo.arg@gmail.com

3- Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares, MG, Brasil. Contato: celeste.br@gmail.com


Resumo

Este artigo se insere no debate sobre juventude e ensino médio no contexto brasileiro e se interessa por jovens que migram da escola pública para a escola privada na condição de bolsistas. O objetivo da pesquisa é analisar os processos implicados na relação com o saber estabelecida por esses jovens ao se inserirem nesse novo território escolar. Ancora-se nos estudos sobre relação com o saber, em diálogo com autores do campo da sociologia da juventude e da geografia com foco no território-territorialidades. A escola que serviu como campo de pesquisa pertence a uma rede confessional de escolas privadas de Minas Gerais, e os dados foram produzidos por meio da análise de documentos, observação participante e entrevistas realizadas com nove jovens. A análise apresenta o perfil socioeducacional dos jovens bolsistas e, em relação às entrevistas, aciona-se o conceito de tática proposto por Michel de Certeau, o que permitiu identificar três táticas de territorialização dos jovens na escola privada: aproximação, sobrevivência e estudo. Os resultados apontam desigualdades socioeconômicas vividas pelos bolsistas e a construção de táticas por esses estudantes para permanecerem e aprenderem na escola privada em direção ao ensino superior público, que se coloca como território de promessas. Conclui-se pela importância da valoração da escola pública e aponta-se a necessidade de outros estudos que possibilitem ampliar o horizonte de debates sobre jovens do ensino médio na condição de bolsistas, especialmente no contexto da covid-19.

Palavras-Chave: Relação com o saber; Juventude; Ensino médio; Território

Abstract

This article is part of the debate about youth and high school in a Brazilian context and aims at young students who migrate from public school to private school via scholarships. The objective of the research is to analyze the processes involved in the relationship with knowledge established by these youths upon entering this new school territory. It is based on studies about the relationship with knowledge, and linked to authors from the fields of sociology of youth and geography, with a focus on territory-territorialities. The school that served as a field of research belongs to a confessional network of private schools in Minas Gerais, and the data were produced by means of document analysis, participant observation, and interviews with nine youngsters. The analysis presents the socio-educational profile of the young scholarship students. In relation to the interviews, the concept of tactics proposed by Michel de Certeau is used, which allowed the identification of three territorializing tactics of young people in private school: closeness, survival, and study. The results point to socioeconomic inequalities experienced by the students and the construction of tactics by these students to stay in private school while they continue learning in order to get to public higher education, which stands as a territory of promise. We conclude that it is important to value public schooling, and we also point out the need for further studies to broaden the horizon of debates about young high school students who have scholarships, especially in the context of covid-19.

Key words: Relationship with knowledge; Youth; High school; Territory

Introdução

A temática juventude e ensino médio (EM) tem se apresentado no Brasil em uma seara de estudos e debates gerados no campo da sociologia da juventude, os quais defendem o caráter plural dos jovens, problematizam o acesso e a continuidade na escola, expõem dilemas curriculares, explicitam tensões entre trabalho, vestibular e acesso ao ensino superior, mostram a escolha de melhores escolas públicas pelas famílias, e explicitam desigualdades sociais e educacionais (ALVES; DAYRELL, 2016; CHARLOT; REIS, 2014; DAYRELL; CARRANO, 2014; REIS, 2012; SOUZA; VAZQUEZ, 2015). O campo da sociologia da educação também confere atenção à temática em estudos que tomam como objeto de análise o movimento das famílias da nova classe média em direção ao ensino privado (NOGUEIRA, 2013).

É no entrecruzamento desses debates que este artigo se insere, ao se interessar por jovens do EM que migram da escola pública para a privada e que vivem, pois, um hiato – são jovens pertencentes às camadas populares, sem condições de acessar a escola privada como pagantes, e o fazem na condição de bolsistas. A pesquisa4 apoia-se nos estudos da relação com o saber, na acepção teórica de Bernard Charlot, em diálogo com a sociologia da juventude e a geografia nos estudos sobre território-territorialidades.

Com base nesse aporte teórico, interessamo-nos pelo cotidiano desses jovens na escola privada e, de modo intencional, pelos processos implicados na relação com o saber estabelecida por eles neste movimento migratório que os desafia a se territorializarem e a aprenderem nesse novo território.

Escolhas teóricas e metodológicas

A adoção da teoria da relação com o saber no Brasil, e em outros países, visa compreender diferentes realidades, conforme o site da Rede de Pesquisa sobre Relação com o Saber (Reperes5). Dentre essas realidades, encontra-se a temática da juventude e sua relação com a escola e o aprender (CHARLOT, 2001, 2009; CHARLOT; REIS, 2014; REIS, 2012).

Operar com a perspectiva teórica da relação com o saber implica reconhecer que a questão principal é a “mobilização do sujeito, da sua entrada na atividade intelectual” (CHARLOT, 2001, p. 19). Dito de outra forma: “a questão é sempre compreender como se opera a conexão entre o sujeito e um saber ou, mais genericamente, como se desencadeia um processo de aprendizagem, uma entrada no aprender” (p. 19).

Charlot (2000, 2001, 2005, 2009), em seus diferentes escritos, argumenta sobre a condição de inacabamento da pessoa humana e afirma que a “a educação é um triplo movimento de humanização, de subjetivação-singularização e de socialização (indissociáveis). Ela supõe um processo de apropriação do mundo que eu chamo Aprender, ou processo Aprender” (CHARLOT, 2001, p. 25).

O autor considera que: ao nascer, o ser humano torna-se sujeito à medida que se apropria do mundo – “todo ser humano aprende: se não aprendesse, não se tornaria humano” (CHARLOT, 2000, p. 65). Portanto, ninguém escapa da obrigação de aprender, existindo tantas maneiras de aprender como de apropriar-se do mundo.

Aprender diz respeito a “adquirir saberes, mas também, de forma mais genérica, controlar actividades, objectos da vida corrente, formas relacionais. O universo da ‘aprendizagem’ é muito mais amplo que o do saber, se entendermos por saber um conteúdo de consciência enunciável através da linguagem” (CHARLOT, 2009, p. 5, grifo do autor).

Para o autor, a relação com o saber implica relações do sujeito consigo mesmo, com processos, pessoas, situações de aprendizagem, linguagens, tempo, lugares (CHARLOT, 2000, 2005, 2009). O autor define essa relação como:

o conjunto das relações que um sujeito mantém com um objeto, um ‘conteúdo de pensamento’, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc., ligados de uma certa maneira com o aprender e o saber; e, por isso mesmo, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a ação no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e relação consigo mesmo enquanto mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação. (CHARLOT, 2000, p. 81).

Para o autor, a análise da relação com o saber considera a história dos sujeitos para além de sua posição social, pois aprender é um “modo de apropriação do mundo, e, não apenas, um modo de acesso a tal ou qual posição neste mundo” (CHARLOT, 2001, p. 74), e encontra-se implicado com aspectos subjetivos.

Em seus estudos, ele discorre sobre três dimensões constitutivas da relação com o saber: epistêmica, que é “uma relação com o saber-objeto” (CHARLOT, 2001, p. 68); identitária, que é temporal, pois o aprendizado se dá “em um momento de minha história” (CHARLOT, 2000, p. 67), é uma “relação consigo próprio: quem sou eu, para os outros e para mim mesmo, eu, que sou capaz de aprender isso, ou que não o consigo?” (CHARLOT, 2001, p. 68); e social, que comparece nas diferentes interações do sujeito com o outro, com grupos, instituições etc.

Ao refletirmos sobre os processos implicados na relação com o saber de jovens bolsistas, entendemos que eles se configuram em uma rede de experiências que são, ao mesmo tempo, sociais e singulares. Charlot (2005, p. 41) afirma que “realizar pesquisas sobre a relação com o saber é buscar compreender como o sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e transforma a si próprio: um sujeito indissociavelmente humano, social e singular”. Apropriar-se do mundo, e construir a si próprio como sujeito, implica uma apropriação dos lugares onde se aprende. O autor explica que “a questão da relação com o saber é também aquela das formas de existência nas instituições e dos efeitos que essas formas implicam” (CHARLOT, 2001, p. 18). Por essa razão, a escola, por exemplo, “não é apenas um lugar que recebe alunos dotados destas ou daquelas relações com o(s) saber(es), mas é, também, um lugar que induz a relações com o(s) saber(es)” (p. 18).

Essas proposições teóricas nos instigaram a buscar no campo da geografia, estudos sobre lugar/território. Entre eles, encontra-se Haesbaert (2014), que destaca a materialidade e a imaterialidade do território: sua carga simbólica e as relações de poder que o atravessam. Sobre os usos da palavra “lugar” que comparecem na geografia anglo-saxônica, e “território no contexto das geografias latinas” (HAESBAERT, 2014, p. 89), o autor salienta que, embora distintos, carregam a mesma carga semântica nos estudos socioespaciais.

Pode-se refletir, com base nesses argumentos, que o processo de territorializar-se – mais do que habitar um lugar – é torná-lo seu, imprimir nele suas marcas. Tal processo se constrói na relação com o outro e consigo mesmo, na qual comparecem as tensões próprias do viver, mas também cargas simbólicas e culturais, enfim, a dimensão do vivido, implicando territorialidades (HAESBAERT, 2014; SOUZA, 2018; TURRA NETO, 2015).

Ao discutir sobre juventude e territorialidades, Turra Neto (2015) destaca a coexistência de diversidades juvenis no território, podendo, por isso, ser entendido como um campo de forças, na medida em que exige diálogo e negociações, no qual não faltam conflitos e tensões pelas demarcações identitárias advindas das territorialidades que o conformam. O autor discute, ainda, a necessidade de entender que “a experiência da juventude comporta um inegável componente espacial, de modo que podemos dizer que sem espaço não há juventude, pois sem os grupos de pares e seus encontros, não se realiza a ‘pulsão gregária’ que é definidora dessa fase de vida” (TURRA NETO, 2015, p. 128).

Dentre os vários territórios pelos quais os jovens transitam, refletimos sobre a escola como território de relações, aprendizagens, socialização e configuração de saberes, mas também de regras, normas e conflitos, delimitadora das territorialidades, especialmente ao afirmar, de modo universal, para crianças e jovens, jeitos de ser, comportar-se, pensar e agir marcados por um tipo de racionalidade que ignora os territórios de vida dos sujeitos (ALVES; DAYRELL, 2016; DAYRELL; CARRANO, 2014).

Souza (2018), ao discorrer sobre o uso do termo território, afirma que o “conceito em tela pode e deve ser aplicado às mais diferentes escalas e situações – inclusive aquelas do quotidiano” (SOUZA, 2018, p. 103, grifo do autor). É nessa compreensão que nos aventuramos a refletir sobre os processos de territorialização dos bolsistas em uma escola privada, atravessados pelas demandas do aprender como parte inerente desses processos.

A escola que foi nosso campo de pesquisa pertence a uma rede privada de escolas confessionais6 que atende jovens provenientes da elite ou da nova classe média. Essa instituição tem assumido, historicamente, uma tradição filantrópica como parte de seu projeto educativo, destinando bolsas (integrais ou parciais) para estudantes de classes populares. As escolas da rede em Minas Gerais localizam-se nas regiões centrais ou em bairros considerados nobres, sendo o caso desta escola, situada no centro de uma cidade de médio porte e que apresenta também vários bairros considerados vulneráveis. Das quatro escolas da rede presentes no estado, foi selecionada intencionalmente a Escola B, que tem um número absoluto maior de estudantes do EM e de bolsas distribuídas (Tabela 1), o que favorece a análise pretendida.

Tabela 1 Quantitativo de estudantes e bolsistas do EM (2020) 

ESCOLAS 1º ANO 2º ANO 3º ANO TOTAL Nº de BOLSISTAS
M F M F M F
A 9 22 11 16 8 13 79 28
B 34 25 24 28 26 22 159 46
C 24 29 22 25 24 22 146 26
D 22 38 24 18 13 15 130 16
Total 89 114 81 87 71 72 514 116

Fonte: Dados da pesquisa.

As bolsas são disponibilizadas por meio de editais anuais, e a seleção é feita pelo Serviço de Assistência Social com base na renda per capita (até um salário-mínimo e meio), rendimento escolar e entrevista com as famílias. Como opção metodológica, foram consultados documentos (ficha de matrícula e histórico escolar) de 46 jovens para traçar o perfil do grupo. Visando estabelecer uma proximidade com os jovens e com a dinâmica escolar, uma das pesquisadoras se inseriu na escola como observadora participante. Durante os meses de fevereiro a abril de 2020, foram acompanhadas as três turmas de EM em sala de aula7, nos horários de entrada e saída da escola, e durante o almoço. Com a interrupção das aulas e posterior reorganização escolar em formato virtual em função da pandemia da covid-19 (BRASIL, 2020b), a observação ocorreu nas aulas de língua portuguesa, via Google Meet, no mês de abril8.

Após esse período, foram realizadas entrevistas “semi-orientadas/aprofundadas” (CHARLOT, 2009, p. 21) com nove jovens, para conhecer “os processos através dos quais a história escolar desses jovens se constrói de forma singular” (p. 21). O fio condutor das entrevistas foi a história escolar desses alunos bolsistas, a entrada e a permanência nessa escola.

As entrevistas individuais foram realizadas via Google Meet, respeitando o distanciamento social. Para a análise das entrevistas, assumimos o conceito de tática (CERTEAU, 2014) para identificar táticas acionadas por estes jovens para se manterem e aprenderem nesse território.

Resultados e discussão

Quem são os bolsistas que chegam à escola privada? O acesso aos documentos permitiu traçar o perfil com relação a idade, sexo, cor/raça9, moradia, profissão dos responsáveis, tipo de gratuidade recebida, percurso e situação escolar. Esses jovens, com idade entre 15 e 20 anos, encontram-se distribuídos nos três anos do EM, tratando-se de um grupo composto por 27 jovens do sexo feminino e 19 do sexo masculino, sendo que 34 deles contam com bolsa integral e 12 com bolsa parcial (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição de bolsas no EM (2020) 

Nº DE ESTUDANTES BOLSAS INTEGRAIS BOLSAS PARCIAS
ANO M F Total M F Total M F Total
1º ANO 34 25 59 7 6 13 3 2 5
2º ANO 24 28 52 2 8 10 1 3 4
3º ANO 26 22 48 4 7 11 2 1 3
Total 159 34 12
  46

Fonte: Dados da pesquisa.

Em relação aos indicadores raciais, 14 se declaram brancos, 29 pardos, 2 negros e 1 não se declarou. Esses dados provocam uma reflexão sobre as desigualdades raciais na trajetória educacional existentes entre negros e não negros no Brasil (BRASIL, 2020a; LIMA, 2020), as quais se refletem no acesso de jovens negros à condição de bolsistas nesta escola, no entrecruzamento entre renda e rendimento escolar.

Outro aspecto analisado foi o nível socioprofissional dos pais e mães desses alunos, que constituem um grupo composto por aposentados, motoristas, trabalhadores de serviços gerais, artesãos, pedreiros, professores, diaristas, cabelereiras etc., e que atendem os critérios de renda estabelecidos pela escola.

Com relação à procedência, 21 jovens vieram da escola pública, 15 vieram como bolsistas de outras escolas privadas e 10 são bolsistas na escola desde os anos iniciais do ensino fundamental (AIEF). Sobre moradia, 30 jovens vivem em bairros periféricos – considerando a distância do centro da cidade –, que são também considerados como áreas de vulnerabilidade social com atendimento via Centro de Referência de Assistência Social (Cras)10.

A inserção no campo de pesquisa antes do distanciamento social permitiu observar que, como bolsistas, vivenciam situações sociais diferentes dos pagantes. Um exemplo é o modo como se locomovem para a escola – via transporte público –, como foi possível observar acompanhando a entrada e saída desses estudantes, diferindo dos colegas que chegam em veículos particulares. Nesse caso, a locomoção, para além de um mero deslocamento físico, pode ser traduzida como “movimento socialmente produzido” (HAESBAERT, 2014, p. 275), e a distância está relacionada a condições socioeconômicas e culturais (HAESBAERT, 2014).

Acompanhamos os horários de almoço nos três dias que esses alunos cumprem uma jornada de oito horas, o que indica que eles vivem situações juvenis desprovidas de certas condições estruturais, como o fato de almoçarem na escola com alimentos que trazem de casa, evitando despesas com restaurantes, enquanto os não bolsistas almoçam em restaurantes próximos à escola, ou em casa, o que já marca uma diferenciação entre os dois grupos.

A observação nas aulas de língua portuguesa ao longo de três semanas (duas aulas semanais para cada turma) no formato virtual, não nos permite verificar diferenças com relação ao acesso virtual. A preocupação com a equidade de acesso tem sido problematizada em estudos sobre escolas públicas nos entrecruzamentos com desigualdades socioeconômicas e territoriais (LIMA, 2020). De modo geral, as câmeras de todos os estudantes permaneciam fechadas e a interação acontecia via chat. As desigualdades de acesso tecnológico foram constatadas nas entrevistas, como discutiremos posteriormente.

Ao analisar os dados sobre o ingresso nessa escola, podemos afirmar que, em sua maioria, os bolsistas ingressam a partir do 8º ano, o que indica o desejo de cursar o EM em uma escola privada. Conforme dados do histórico escolar, esse movimento migratório os tira do lugar de um estudante de alto rendimento na escola pública, o que favorece a conquista da bolsa, para ocupar o lugar de estudante mediano na escola privada.

Ao refletirmos sobre esse panorama geral dos jovens, entendemos que os processos de relação com o saber carregam as marcas territoriais, e esses estudantes se constroem como bolsistas na transitividade de territórios – da zona rural para a zona urbana, da periferia para o centro, da escola pública para a privada, do ensino presencial para o remoto, do lugar de bom aluno para o de aluno mediano – e que vivenciam na escola privada, pela primeira vez, a situação de recuperação ou de reprovação. A intenção inicial da pesquisa era entrevistar um maior número de jovens, cruzando esses diferentes dados, mas, em função da covid-19 e dos prazos para conclusão do estudo, optamos por um convite geral feito aos 34 jovens com bolsa integral, sendo que nove aceitaram participar das entrevistas. O Quadro 1 apresenta a identificação dos estudantes11, o ano de ingresso na escola privada, a escola de procedência e o ano escolar em curso.

Quadro 1 Jovens entrevistados 

Nome Ingresso Escola de procedência Ano escolar (2020)
ANA 9º ano Escola pública 1º ano EM
DORA Anos iniciais - 1º ano EM
FRANK 8º ano Escola privada (bolsista) 1º ano EM
IVÁN 1º ano EM Escola pública 1º ano EM
NOÉ 1º ano EM Escola pública 2º ano EM
TÂNIA 9º ano Escola pública 2º ano EM
ISA 1º ano EM Escola pública (rural) 3º ano EM
YAN 1º ano EM Escola pública 3º ano EM
ZILA Anos iniciais - 3º ano EM

Fonte: Dados da pesquisa.

Charlot (2009), com base nos conceitos de tática e estratégia propostos por Michel de Certeau, apresenta os tempos estratégico e tático para explicar o modo como as famílias francesas organizam o percurso escolar dos filhos. O autor explica que o estratégico se aplica à classe média, que planeja a longo prazo a escolaridade dos filhos, visando assegurar-lhes o sucesso escolar e social, e, no caso brasileiro, opta por escolas privadas (NOGUEIRA, 2013). O tempo tático diz respeito às classes populares, que se valem de brechas e possibilidades para que seus filhos tenham acesso às realidades vividas pela classe média (CHARLOT, 2009), o que, do nosso ponto de vista, se aplica à busca das famílias e estudantes pela bolsa na escola privada. Esse argumento do autor nos levou a acionar o conceito de tática (CERTEAU, 2014) para refletir sobre as táticas dos jovens no processo de territorialização nessa escola.

Souza (2018) destaca as contribuições de Michel de Certeau em estudos territoriais por permitirem análises de bairros e em escalas menores (prisão, rua etc.), que mostram “táticas, […] resistências cotidianas inscritas no espaço ou expressas espacialmente” (SOUZA, 2018, p. 105). Essa perspectiva nos pareceu também fértil para a análise das entrevistas.

Certeau (2014) explica a estratégia como cálculo ou manipulação de relações de força que se torna possível quando uma empresa, um exército ou uma instituição, por exemplo, estabelece relações de poder com uma exterioridade (clientes, entornos das cidades etc.). Em reposta à estratégia, apresenta-se a tática “[…] um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro” (CERTEAU, 2014, p. 45). Nesse sentido, o autor explica que “pelo fato do seu não lugar, a tática depende do tempo, vigiando para ‘captar no voo’ possibilidades de ganho” (p. 46). Por isso, ele entende que “muitas das práticas cotidianas (falar, ler, circular, fazer compras, ou preparar as refeições etc.) são do tipo tática” (p. 46), sendo a tática um “movimento de ‘dentro do campo de visão do inimigo’” (p. 95), empreendido por um sujeito que cria surpresas, que “[…] consegue estar onde ninguém espera. É astúcia. Em suma, a tática é a arte do fraco” (p. 95).

Nesse contexto de estratégias e instituições escolares, os bolsistas da escola em análise adotam táticas de territorialização, que foram organizadas neste estudo em três tipos, pela força do seu comparecimento em todas as entrevistas: aproximação, sobrevivência e estudo. Essas táticas carregam as marcas da desigualdade socioeconômica e o esforço de pertencer a esse território, tendo sentido para esses jovens pela sua história pessoal e social: eles se mobilizam para estar nessa escola e nela permanecer.

Tática de aproximação

Pesquisas com jovens apontam a valoração conferida por eles ao aspecto da socialização na escola (CHARLOT, 2001, 2009; CHARLOT; REIS, 2014; DAYRELL; CARRANO, 2014; REIS, 2012), aspecto que nos chamou a atenção nas entrevistas pelas ações táticas dos jovens para se aproximarem dos colegas. Embora sejam comuns aos jovens nas escolas, as táticas de aproximação dos bolsistas, vindos de territórios marcados pela desigualdade social, não se fazem sem tensões. Eles não se sentem naturalmente aceitos – devido à condição de bolsistas, que demarca diferenças econômicas e nas lógicas culturais entre eles e os colegas.

Ana relata não ter dificuldades para fazer amizades e que seu jeito comunicativo favoreceu sua entrada nesse território: “acho que no primeiro dia eu comecei a fazer amizades porque eu sou uma pessoa que não aguenta ficar sozinha”12. Entretanto, ela é exceção entre os entrevistados.

Para Noé, a aproximação com os colegas de sala demorou mais tempo, mesmo tendo tentado, inicialmente, fazer amizades: “Em relação às amizades, eu demorei um pouco para fazer”. Essa demora denota diferenças nos aspectos de socialização com os colegas da escola pública em relação aos da escola privada:

Eu reparei que na escola privada os alunos são mais tímidos de chegar e bater papo, porque na escola pública você chega com qualquer um […], a gente fala sobre tudo. Mas lá, na escola privada, eu reparei como se tivesse sendo esquisito. Uma diferença, por exemplo, no diálogo, porque na escola pública a gente fala muita coisa: entre as gírias, nessas coisas, na escola pública se entende mais.

Noé registra um processo de socialização diferenciado, por se sentir mais à vontade entre os seus colegas da escola pública, na qual se reconhece e é reconhecido como um igual. Dayrell e Carrano (2014) destacam que a socialização, apesar de comum aos jovens, apresenta diferenças entre grupos juvenis. Estudos com jovens do EM mostram outras diferenças nesse aspecto, com relação à origem social ou territorial, da zona rural para a urbana, da periferia para o centro (ALVES; DAYRELL, 2016; REIS, 2012; CHARLOT; REIS, 2014). Essas diferenças se aplicam aos bolsistas com relação aos pagantes, e a elas se acrescentam as socioeconômicas, que engendram as culturais, existentes em uma mesma sala de aula e escola.

Para se aproximar dos colegas, Noé relata a necessidade de adequação aos códigos linguísticos dos jovens da escola privada: “A gente meio que conseguiu, mesmo que com alguma dificuldade, entender eles e falar sobre o que eles falam. Hoje é isso, para mim se tornou normal”. Nesse “normal”, as conversas se circunscrevem às experiências escolares: “O assunto gira em torno, assim, de matéria, provas, essas coisas, né? Gira muito em torno disso: dever de casa, o que a gente aprendeu, quem tem muita dificuldade e o outro não”.

O relato de Noé é um exemplo de como a linguagem encontra-se implicada no processo de pertencer a esse território, havendo uma busca de adequação linguística nessa tática – na qual se excluem as gírias, comuns na demarcação de territórios juvenis (DAYRELL; CARRANO, 2014; TURRA NETO, 2015), e se tematizam as questões escolares. Portanto, o processo de apropriação territorial demanda dos sujeitos o domínio desses códigos e regras e pressupõe, em se tratando de jovens ou grupos sociais específicos, diferenças de lógicas culturais e linguísticas. É esse esforço empreendido pelos bolsistas para pertencer a esse território escolar que os distingue dos jovens pagantes, como expõe Ivan:

Eu acho que senti uma diferença, sim. Foi mais por classe social, porque a maioria de minha sala, tipo assim, são pessoas de classe média para alta, assim, e eu era o único de classe baixa, assim, e eu senti diferença, muito. A maioria das discussões, lá, que eles propunham, eu sempre notava que era uma realidade totalmente diferente da que eu vivo, e eu vivo até hoje. Aí eu ficava aéreo, assim, sem nem poder falar muita coisa porque eu não tinha vivido aquilo.

Frank, bolsista de outra escola privada, afirma ter dificuldades de socialização e, por isso, aproveita sua condição de estudante com alto desempenho, conforme se verifica por seu histórico escolar, e se dispõe a ensinar conteúdos escolares aos colegas, visando uma aproximação:

E o que mais me ajuda a relacionar com os colegas é ajudar em matérias. Porque, igual, algumas pessoas não conversam comigo na sala. Aí vem me pedir ajuda na hora que estão assim, mais apertadas, né? “Ah, porque eu não vou passar. Ah, que não sei o quê.” Aí, eu falo assim: “mas eu não vou levar isso para o lado pessoal”. É uma forma de eu estar ajudando a pessoa e também, eu espero, de ser minha amiga. Então, é isso que me ajuda a me aproximar dos meus colegas. Enquanto eu não converso com eles, não sabe que eu vou conversar, eu me aproximo através dos estudos, transmitindo meus conhecimentos.

Entretanto, as táticas de aproximação nem sempre são dialógicas. Elas também são marcadas por silenciamentos, a fim de evitar confrontos com os colegas. Nesse sentido, Ivan relata que, em discussões feitas em sala de aula sobre programas governamentais que favorecem as famílias de baixa renda, preferiu não opinar, porque seus colegas não entenderiam o significado de precisar do Bolsa Família, enquanto parte de um grupo social diferente, com outras experiências territoriais de moradia e alimentação.

Foi numa discussão sobre essa questão de governo Lula, governo Dilma. Essa questão do Bolsa Família e tal. Aí eles achavam super errado isso, então, esse benefício, né? Eles achavam muito errado. Eu acho que é a ótica, entendeu? A ótica de cada um. Porque eles falavam isso, mas eu tenho certeza que no conjunto social do meio que eles viviam, ninguém precisava disso. Eu já vi muita gente não passar fome porque recebia Bolsa Família e, tipo assim, não era nem porque a pessoa não luta, não vai atrás do objetivo, mas é porque, querendo ou não, para quem está na classe mais baixa, quem está, para quem mora em locais menos nobres, ditos assim, a oportunidade é mais carente. É impossível falar que o Brasil que vivemos tem oportunidade igual para todo mundo. Não tem. É impossível. Eu me pronunciava somente quando a professora perguntava. Aí ela me perguntava, assim, aí eu participava, mas, do contrário, eu preferia ficar calado e deixar eles falarem o que eles pensavam do que tentar impor, assim, uma verdade. É impossível isso acontecer.

Embora opte por silenciar-se, Ivan mostra a percepção das desigualdades socioeconômicas e das distintas lógicas de sobrevivência entre bolsistas e pagantes. Pode-se refletir que essas lógicas também se enredam no silenciamento sobre a condição de bolsista. Embora Zila não tenha ingressado nessa escola recentemente e a frequente desde os AIEF, ela relata diferenciações como bolsista e afirma que outros colegas preferem não se identificar como tal:

Eu sou, assim, até orgulhosa, né? Por ter tido essa oportunidade que muita gente não tem. E já aconteceu de as pessoas falarem: “Ah! Mas você é bolsista. Não sei o quê! Como assim?” Mas, eu levei de uma forma bem leve. Se me perguntassem, eu falava mesmo. Eu já conheço gente que não se sente à vontade de falar. Até um amigo meu. Ele não se sente à vontade, mas eu nunca me senti, assim, rejeitada ou diferente por ter sido bolsista.

A opção por esses silenciamentos se justifica também, uma vez que os jovens se confrontam nesse território com um público já esperado de antemão como diferente. Por outro lado, a condição de bolsistas de uma escola privada provoca outras tensões com os colegas do bairro, como se confere no relato de Noé, que afirma ser o único estudante do bairro que é bolsista na escola privada:

Quem não estuda em uma escola privada tem preconceito: “Ah! Quem estuda em escola particular é metido, é chato, é fresco”. Aí, eu fui para lá com esse pensamento, porque quando a gente não conhece o ambiente, né? A gente faz algumas suposições. [No bairro] alguns amigos fazem piadinhas mesmo, porque abandonei eles… para ir para escola de rico, ou então, por exemplo, quando eu vou encontrar os meus amigos do bairro, eles já ficam, assim: “Ah, o estudioso ali, o inteligente”.

Acessar a escola privada, usar outros códigos linguísticos, silenciar a sua condição de bolsista e conviver com as diferenciações dos amigos do bairro é viver outras territorialidades em movimentos de migração, nos quais “mudar é trair” (CHARLOT, 2005, p. 71) a sua condição de origem. Nessas táticas de aproximação, pode-se conferir as tensões vividas pelos bolsistas no processo de territorialização nessa escola, marcadas por esforços de aproximação, silenciamentos e diferenciações, tanto nesse território quanto no território de origem.

Tática de sobrevivência

Outra tática identificada é a de sobrevivência, que carrega as marcas da desigualdade social e refletem o território de origem dos bolsistas. No entrecruzamento que fizemos da moradia desses jovens com o mapa do Cras local, pode-se observar que os bairros são distantes da escola e apresentam problemas estruturais, sendo marcados pela vulnerabilidade e pela contenção territorial (HAESBAERT, 2014).

Aí, meu bairro é de gente humilde, de gente que não possui muito poder aquisitivo. (Noé).

Eu evito até ficar na rua porque é mais prevenção, né? Para não acontecer nada de ruim. Minha mãe também não gosta que eu fique na rua aqui não, porque é bem perigoso. (Ivan).

O meu bairro é esquecido pela prefeitura porque o tanto de rua esburacada que tem aqui, lote com mato esquecido que eles não limpam. E isso acaba trazendo rato, escorpião, cobras. Aqui no bairro, infelizmente, a gente também tem um alto índice de roubos. Eu não digo que é um bairro perigoso para quem mora aqui. Mas para quem é de fora… (Ana).

Para esses jovens, vir da periferia para a região central e conviver com estudantes pagantes é, pois, se ver confrontado com as diferenças entre territórios, com a distância que implica acordar cedo, como Ana, que levanta às 5h30min para chegar à escola às 7h. Além disso, ao acessarem essa escola, e para nela se manterem, enfrentam outras demandas ligadas à sobrevivência: comprar uniformes e material escolar, arcar com custos de transporte e alimentação, entre outros.

Aí, vem mais material, tem uniforme quando precisa, uma viagem para a escola, tem também um tênis quando precisar, o material de última hora. Mas, no mais, todo início de ano fica na faixa de R$ 2.000,00 e pouco, todo início de ano. (Noé).

E o livro é um pouquinho caro, mas aqui em casa a gente pagou, tipo assim, em doze vezes. E aí conseguiu pagar todos os anos bonitinho. (Ana).

Permanecer na escola por oito horas demanda também gastos extras e, para evitá-los, optam pelas marmitas, esquentadas na cantina da escola, como relatado:

Eu levava marmita. Aí, eu preferia almoçar na escola do que ficar comprando, assim sai mais barato também. (Ivan).

Eu sempre almocei na escola. Na hora que minha tia vinha buscar meu primo, porque os horários dele não batiam com os meus, aí ela sempre trazia a minha marmita. Aí lá mesmo eu comia e, às vezes, eu ficava, nem dormia direito porque ficava junto, conversa com um, conversa com outro. A gente nem tem tempo para ficar lá na arquibancada e cochilar, descansar um pouquinho a mente e o corpo. (Isa).

Almoçar na escola em função da distância implica continuar nela durante o intervalo de duas horas, o que significa que eles permanecem por dez horas no espaço escolar, sem condições para descansar, como relata Isa. Ana também vive as dificuldades com alimentação, mas desenvolveu uma expertise a esse respeito:

Eu acabei começando a vender lanchinho porque eu fazia lanchinhos para levar. E o pessoal começou a gostar, bem baratinho. Vender os lanches até me ajudou no projeto que tô tendo agora, que é abrir uma lojinha virtual. Meus pais estão me ajudando no investimento e, por enquanto, tá tudo como planejado. E eu tenho que conseguir conciliar a lojinha com os estudos.

Identificamos, ainda, a tática de sobrevivência na migração do ensino presencial para o remoto, que suprimiu custos de transporte e alimentação, mas gerou outros, envolvendo o acesso à internet e a qualidade dos equipamentos:

Antes da quarentena, eu acordava 5h30min, eu pegava lotação e ia pro colégio e ficava lá o dia inteiro, eu chegava cansado, tomava um banho, jantava e ia dormir. Agora, nessa forma remota, para mim, tem só uma vantagem, eu posso acordar 6h30min para poder começar as aulas às 7h. (Yan).

No início, minha adaptação foi muito difícil mesmo, até para acordar, mas agora já estou me adaptando melhor. Minha mãe e meu pai conseguiram comprar o notebook para eu usar, para ver as aulas, e agora eu vou poder dar um retorno melhor para a escola. (Ivan).

Embora Yan não veja vantagem no ensino remoto, e Ivan enuncie dificuldades de adaptação, não foi possível se aprofundar nos aspectos relacionados às mudanças no processo de ensino e aprendizagem, e o que se destacou foram as dificuldades de acesso ao formato virtual. Durante as entrevistas, eles avisavam sobre “a internet ruim”, o que, por vezes, dificultou a sua realização, e, pelos relatos feitos, permite apontar problemas de conexão: baixa qualidade da internet, falta de computador, dificuldade de acesso às aulas pelo celular, qualidade do sinal de internet: “Meu único problema é que aqui tem a internet rural. Então, no início das aulas, ficava muito complicado, porque a internet ficava muito lenta, ficava caindo” (Isa).

Essas dificuldades apontam diferenças entre pagantes e bolsistas, que, embora sejam estudantes de uma escola privada, ainda compartilham com outros estudantes brasileiros matriculados na rede pública as desigualdades de acesso ao ensino virtual no contexto da covid-19, devido ao fator renda:

Enquanto 98% dos estudantes com renda familiar superior a 5 salários-mínimos informaram que tinham acesso a computadores ou notebooks com acesso à internet para seu próprio uso, essa proporção caiu para 74% para estudantes com renda entre 2 e 5 salários-mínimos e não passou de 30% nas famílias com renda de até 2 salários-mínimos, faixa de renda que concentra a maior parte dos estudantes da rede pública. (LIMA, 2020, p. 40).

As táticas de sobrevivência desses jovens contam com o apoio das famílias, que se organizam para sustentar financeiramente a opção feita pela escola privada, e com o modo como os jovens interpretam sua condição objetiva e empreendem esforços para permanecerem nessa escola.

Tática de estudo

Além das táticas de aproximação e de sobrevivência, e em resposta à obtenção da bolsa almejada, eles se mobilizam e criam táticas de estudo para se adequarem às exigências da escola privada, por meio das quais fazem a sua entrada no aprender.

Ao se depararem com uma carga horária maior e com uma maior quantidade de matérias, repensam a organização do tempo de estudo e se propõem a aprender os conteúdos necessários para acompanhar a turma. Esse é um processo doloroso, marcado pelas diferenciações, e que carrega o sentimento de inadequação, vergonha da reprovação e esforço de adaptação.

Aí eu cheguei no colégio. No início foi muito difícil. Porque amigos é bem difícil fazer e, tipo assim, meu meio era diferente do meio deles, né? Aí, por exemplo, no início, nas duas, três primeiras semanas, eu chorava todo dia quando eu chegava em casa: que eu não tava dando conta, que é muito difícil, que eles já tinham aprendido coisas que eu nunca tinha visto. Foi muito difícil me adaptar. Muito difícil mesmo. Mas minha mãe e meu pai sempre insistindo porque eu tinha que adaptar, porque novas experiências eram muito boas, ainda mais no colégio que é uma escola referência da cidade e tudo. Aí eu tive que me adaptar. Aí, depois que passou um tempo, eu já estava me sentindo bem familiarizado. (Noé).

Na mobilização para o estudo, Noé carrega o peso de pertencer a “uma escola referência” e o peso da aposta familiar. Ele interpreta sua posição social objetiva – como alguém que necessita da bolsa –, empreende esforços nos quais carrega sua história social e dá respostas singulares a partir das interpretações da sua condição de bolsista.

Como resultado dos processos de mobilização para alcançar o ritmo desejado pela escola em termos de rendimento escolar e garantir sua adequação a esse território, os jovens desenvolvem várias táticas de estudo:

A minha organização, eu tive que mudar ela toda. Porque quando eu estava aqui, eu praticamente só estudava na escola. Eu não sentia necessidade de chegar em casa, revisar o conteúdo, fazer exercício. E quando cheguei lá na escola, no primeiro trimestre, eu não estava muito ainda no ritmo que eu tinha que tá… e depois que eu peguei a recuperação, eu tomei um susto. Aí, eu tive que mudar os meus hábitos de minha rotina de estudos. Aí eu comecei a estudar mais em casa, a fazer mais exercícios, em semana de prova, às vezes, eu deixava de ir em alguma aula porque eu queria dedicar meu tempo todo pro conteúdo, para revisar tudo que eu tinha perdido. (Isa).

Eu tive que correr atrás, tive que mudar, porque na outra escola, eu não estudava […] em casa, não pegava caderno e tudo, mas chegava lá, aprovava. Mas aí, quando eu cheguei no colégio, a realidade é bem diferente. Por ser muito mais aulas, a gente tem horário a mais. E, tipo, lá se o professor passou, você não pode simplesmente deixar anotado no caderno e nem dar mais uma olhada. Os deveres são em muito maior quantidade, tipo assim, a avaliação é sempre rotineira. Então, você tá sempre com uma cobrança ali. Você tem que tá com aquele conteúdo bem claro na sua cabeça. Aí, isso me forçou a ter que chegar em casa todo dia, estudar um pouco, fazer o dever de casa. Minha rotina mudou completamente. (Noé).

Eu encontrei dificuldade também, tipo: “Ah! todos os meus amigos viram essa matéria no ano anterior, e eu nem sabia o que que era a matéria, sabe?” Aí, eu tive que ficar procurando vídeo no YouTube […]. Eu estava mais antenada no assunto que estava sendo falado. Aí eu consegui tirar uma nota maior. Tava conseguindo fazer perguntas, né? Porque às vezes a gente entendia, mas não conseguia formular uma pergunta. Aí ficava uma duvidazinha para trás, que você ia entender ela só depois. (Ana).

Eu nunca gostei muito de estudar, mas eu sempre estudei muito. Eu tenho facilidade de reter conhecimentos escrevendo. Quando você sabe sua facilidade, é mais fácil estudar. (Dora).

Na mobilização para o estudo, permanecem como questão central as cobranças da escola, o adequar-se ao território; mas, como bons estudantes oriundos das escolas públicas, que já encontravam um sentido em aprender, eles continuam a se mobilizar. Nessa mobilização, pode-se entrever sentidos ligados ao próprio ato de aprender: para compreender o que se passa em sala, formular perguntas, entender o conteúdo escolar, acompanhar os colegas. Apresenta-se um recorte territorial nesse esforço, pois eles chegam a um território cujas regras e normas já são corriqueiras para os colegas não bolsistas.

A reprovação tem peso para Ivan e Zila, mas não tem a força de barrar o movimento de mobilização necessário ao aprender. Ivan experimentou um sentimento de inadequação ao longo do ano com horários, quantidade de matéria, conteúdos desconhecidos e calendário de provas. Sentiu-se perdido nesse novo território, e seu processo de reprovação pode ser entendido como parte dos percalços vivenciados.

Eu estava acostumado a entrar na escola 7h e sair 11h20min, e no colégio é totalmente diferente. Entra 7h e sai 12h30min, e quando tem aula à tarde, volta 14h20min e sai 18h da tarde. Nossa! Os primeiros meses foi um choque muito grande, mas depois fui me adaptando. Foi quando eu entrei no primeiro trimestre, o resultado foi ruim. Aí, no segundo eu consegui recuperar bastante […]. Eu acho que em duas matérias só que eu não consegui recuperar a nota, e aí, no terceiro, eu não sabia como que funcionava muito bem esse processo de recuperação final, e lá no colégio é totalmente diferente da minha outra escola. Aí, acabou que eu fiquei nas matérias a mais porque eu pensei que não era assim. Aí, acabou que ninguém nem me avisou, nem mesmo os da minha sala me avisaram que era assim.

Zila também vivenciou a reprovação, mas se sentiu acolhida pela escola, da qual já é aluna desde os anos iniciais do ensino fundamental.

Tive uma situação que parecia que o mundo ia desabar, a reprovação escolar no primeiro ano do Ensino Médio. Quando recebi a notícia, fiquei muito angustiada e triste por ter perdido um ano da minha vida. Mas a profissional que me contou foi bastante cautelosa e, quando eu pensei em me mudar de escola por ter vergonha de ter sido reprovada, ela me fez escolher a melhor opção que foi ficar no colégio.

O contexto que acompanha as táticas de estudo em direção ao aprender é uma resposta ao novo território escolar, as quais sinalizam tensões territoriais provocadas pelas diferenças socioeconômicas e culturais entre bolsistas e pagantes e apontam diferenças entre a escola privada e a pública, assolada no Brasil por mazelas ligadas a condições estruturais, carência de professores, baixos salários docentes, entre outras (ALVES; DAYRELL, 2016; BRASIL, 2020a; CHARLOT; REIS, 2014; LIMA, 2020). Nesse sentido, os bolsistas vivem a escola privada como portadora de uma estrutura mais exigente pela organização da carga horária, pela quantidade de conteúdo e pelo calendário de avaliações feitas de modo contínuo.

As táticas dos jovens revelam um esforço significativo para alcançar o desempenho esperado pela escola, por eles mesmos e por suas famílias. Ser bem-sucedido na escola é afirmar-se como alguém em condições de pertencimento a esse território, a despeito das diferenças socioeconômicas. Durante o tempo de permanência no campo de pesquisa (presencial e remoto), não foi possível identificar movimentos de separação entre bolsistas e pagantes. A escola não expõe a condição de bolsista, e não foi possível flagrar situações de diferenciação nas turmas, com docentes e outros profissionais da escola. Entretanto, as entrevistas mostram como essas diferenciações foram sentidas e como os jovens buscam superá-las.

Por sua vez, Zila relata a acolhida pela escola no momento de reprovação e Ana, oriunda da zona rural, explicita vínculos entre funcionários e alunos. Pode-se afirmar que os bolsistas valorizam a escola, sentem-se acolhidos por ela e, apesar das dificuldades, estabelecem vínculos territoriais:

Todo o colégio, todos os funcionários têm um vínculo com os alunos muito grande. Aquele vínculo de saber o nome: “Oi, Fulano, tudo bem?”. Essa coisa bem íntima mesmo. E são todos, desde os diretores até o pessoal que serve o lanche, que limpa a escola. É uma coisa muito boa. Aquela escola tem uma energia muito positiva. (Ana).

Um aspecto que destacamos nas entrevistas é a presença das preocupações com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o acesso ao ensino superior:

Tenho muita ansiedade, sabe? Em relação que o próximo ano vai fazer o Enem mesmo e, também, em relação a você correr atrás dos estudos para você entender algo e tal. Porque eu não sou muito boa, sabe? Não é que não sou muito boa, mas eu me acho muito mediana. Eu sei que eu preciso correr muito mais atrás, sabe? (Tânia).

Os jovens vivem a materialidade de outros territórios pelas condições econômicas que os diferenciam dos pagantes, e é desse lugar que compreendemos as suas preocupações com o acesso ao ensino superior via universidades públicas, como apontam nas entrevistas: a universidade pública é o território que se espera alcançar por meio da inserção no EM privado.

Charlot e Reis (2014), ao analisarem a relação com os estudos de jovens brasileiros do EM em escolas públicas, identificam que, para alcançarem a “promessa do futuro melhor” via universidade, eles utilizam táticas como “aproveitar as oportunidades, os cursos extraclasse que aparecem. Eles precisam ingressar ou melhorar sua inserção no mercado de trabalho, para depois pensar em conseguir uma vaga no ensino superior” (CHARLOT; REIS, 2014, p. 84). Nessa mesma direção, Souza e Vazquez (2015, p. 414) afirmam que “os jovens de escolas públicas possuiriam baixa expectativa de continuidade dos estudos em geral (e de ingresso no ensino superior em particular, especialmente na universidade pública) e alta expectativa com relação ao ingresso no mercado de trabalho”. Segundo os autores, tais expectativas estão atreladas às desigualdades socioeconômicas de trabalho e renda entre os jovens. As táticas dos bolsistas diferem das táticas desses estudantes, pois eles não evidenciam a necessidade de trabalhar e acreditam, assim como suas famílias, que via escola privada conseguirão acessar o ensino superior público, aspiração de todos os jovens entrevistados.

O movimento em direção à escola privada, o esforço de nela se territorializarem e a mobilização para o estudo desenvolvendo ações táticas se revestem de sentido na busca para garantir uma vaga na universidade pública.

Conclusão

A análise dos processos implicados na relação com o saber estabelecida por esses jovens ao se inserirem nesse novo território escolar está associada a, pelo menos, três fatores: a migração da escola pública para a privada, sua territorialização nessa escola e a invenção de táticas de permanência nesse território como resposta às expectativas criadas de acesso ao ensino superior público.

O perfil socioeconômico traçado mostra que esses jovens são oriundos de famílias com uma renda insuficiente para arcar com os custos de uma escola privada; são bons estudantes nas escolas de origem, o que os leva a aspirar a bolsa; vivem em bairros considerados vulneráveis e distantes da escola; e apresentam, portanto, condições econômicas e lógicas culturais diferentes dos pagantes.

No processo de territorialização, as táticas criadas por eles, embora comuns a outros jovens em processos de adaptação na escola, são marcadas pela sua percepção da desigualdade social, que se reflete no seu processo de territorialização e no modo como fazem a leitura da realidade social e econômica, que difere dos pagantes. Nesse processo, realizam diferentes movimentos: aprender modos de serem aceitos nos grupos; aprender códigos linguísticos; evitar conflitos sobre assuntos polêmicos e que expõem as desigualdades sociais; evitar temas que denunciam a sua condição de bolsistas; aprender a silenciar opiniões e pontos de vista; aprender a administrar tempo e recursos; e aprender a reorganizar os estudos e a vida social.

As expectativas criadas por esses jovens e suas famílias em torno do ensino superior público colocam a escola privada como território simbólico de promessas. Os bolsistas se mostram mobilizados a aprender e projetam a continuidade dos estudos. O abandono, por eles, da escola pública talvez seja uma denúncia à falta de políticas públicas que garantam igualdade educacional.

Consideramos que um dos limites do estudo foi a realização de entrevistas com um número reduzido de jovens, condição imposta pelo contexto da pandemia, como já explicado no texto, o que não nos permite maiores generalizações dos resultados. Nesse sentido, aponta-se a necessidade de outros estudos que possibilitem ampliar o horizonte de debates sobre jovens do ensino médio na condição de bolsistas. Conclui-se pela defesa do direito à escola pública de qualidade, o que favoreceria condições mais igualitárias para o acesso ao ensino superior público.

Referências

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4- Aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa. O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado neste artigo.

5- Disponível em: https://redereperes.wixsite.com/reperes. Acesso em: nov. 2020.

6- Por compromissos éticos assumidos junto à rede, não serão identificadas a cidade e a escola.

7 - Funcionamento diário matutino e oferta de aulas preparatórias para o vestibular no contraturno para todos os estudantes do EM, em três dias da semana.

8- Aulas presenciais interrompidas de 17 a 29 de março de 2020 e retomadas virtualmente em 1 de abril de 2020.

9- Sexo e cor/raça conforme declarados na ficha de matrícula.

10- Informações conferidas via mapas disponibilizados pelo Cras da cidade.

11- Nomes fictícios.

12- As marcas de oralidade foram preservadas na transcrição das entrevistas.

1- Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Recebido: 18 de Dezembro de 2020; Revisado: 17 de Março de 2021; Aceito: 27 de Abril de 2021

Andrea Cecilia Moreno pertence ao quadro administrativo da Faculdade Venda Nova do Imigrante (Faveni), é mestre em Gestão Integrada do Território (GIT) pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e pesquisadora vinculada ao Núcleo Interdisciplinar Educação, Saúde e Direitos (NIESD/Univale), na temática da juventude e território.

Maria Celeste Reis Fernandes de Souza é docente do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), e pesquisadora vinculada aos grupos de pesquisa Núcleo Interdisciplinar em Educação, Saúde e Direitos (NIESD/Univale), Educação e Contemporaneidade da Universidade Federal de Sergipe (Educon/UFS). Estuda e pesquisa no campo da educação em seus entrecruzamentos com estudos territoriais.

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