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Educação e Pesquisa

versão impressa ISSN 1517-9702versão On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.48  São Paulo  2022  Epub 04-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202248249171 

Artigos

Qual o papel do conselho geral na gestão das escolas públicas portuguesas? Percepções dos diretores1

What is the general council’s role in managing Portuguese public schools? Principals’ perceptions

2- Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal. Contatos: pdelgado@ese.ipp.pt; veradiogo@ese.ipp.pt

3- Universidade Portucalense, Porto, Portugal. Contato: joaomscarvalho@gmail.com

4- Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Marco de CanavesesMarco de Canaveses, Portugal.

4Instituto Politécnico do Porto, Porto, PortugalContato: martinspn@gmail.com


Resumo

O atual modelo de gestão escolar, consagrado no Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, conta com mais de dez anos de aplicação. O objetivo do estudo em que se integra este artigo é fazer um balanço da vigência do modelo de gestão escolar, na perspectiva dos diretores, enquanto principais agentes decisores dentro das escolas, recolhendo interpretações e posições que identifiquem desafios para o modelo formal e para sua concretização nas práticas da administração e gestão escolar. Para este artigo, analisamos, através dos dados obtidos em 30 entrevistas exploratórias e 83 questionários, as percepções dos diretores de escolas ou agrupamentos sobre o papel do conselho geral no modelo de gestão. Concluiu-se que os diretores têm opiniões divergentes acerca da sua composição e atribuições, mas concordam, em geral, com a falta de competências para o exercício de alguns dos seus objetivos, assim como apontam dúvidas relativamente à capacidade dos seus elementos para terem uma participação relevante e suficientemente isenta nas suas decisões, podendo ser controlados pelo diretor ou por forças externas. Como positivo, apontam a representação dos diversos grupos de atores internos e externos à escola. No entanto, não se verifica uma relação significativa entre as percepções dos diretores sobre o conselho geral e suas perspectivas sobre os fatores de sucesso na gestão escolar, a autonomia das escolas ou as relações entre eles e as diversas entidades.

Palavras-Chave: Modelo de gestão escolar; Diretor; Conselho geral; Portugal

Abstract

The current school management model, enshrined in Decree-Law No. 75/2008, of April 22, has been operating for over ten years. The objective of this study is to take stock of the validity of the school management model, from the perspective of Principals, as the primary decision-makers within schools, collecting interpretations and positions that identify challenges for the formal model and its implementation in the practices of school administration and management. For this article, we analyzed, through data obtained with 30 exploratory interviews and 83 questionnaires, the perceptions of school principals about the role of the general council in the management model. The conclusions show that the principals have divergent opinions about the general council’s composition and attributions. Still, they generally agree with the lack of competencies to carry out some of their objectives, as well as point out doubts regarding the ability of their elements to have relevant participation and sufficiently unbiased decisions without being controlled by the principal or external forces. As positive, they point to the representation of different groups of actors inside and outside the school. However, there is no significant relationship between the principals’ perceptions of the general council and their perspectives on the success factors in school management, the autonomy of schools or the relationships between them and the various entities.

Key words: School management model; Principal; General council; Portugal

Introdução

O atual modelo de gestão e administração escolar está consagrado no Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 224/2009, de 11 de setembro, e pelo Decreto-Lei nº 137/2012, de 2 de julho, e conta com mais de uma década de vigência.

Nesse modelo, dois órgãos escolares surgem em destaque: o órgão colegial de direção estratégica da escola – o conselho geral – e o órgão unipessoal de administração e gestão da escola – o diretor. É na ação destes dois órgãos e nas relações que estabelecem entre si que se assenta o funcionamento interno da escola. Portanto, afigura-se importante estudar essa interação, de forma a aumentar o conhecimento acerca do funcionamento da escola pública portuguesa à luz do atual enquadramento legal.

Com este estudo, pretende-se identificar e caracterizar a percepção que os diretores de escolas ou agrupamentos têm sobre as competências, funções e desempenho do conselho geral, na vigência do modelo de gestão consagrado no Decreto-Lei n.º 75/2008. O atual modelo de gestão define “agrupamento de escolas” como uma unidade organizacional, dotada de órgãos próprios de administração e gestão, que integra estabelecimentos de educação pré-escolar e escolas de diferentes níveis e ciclos de ensino (PORTUGAL, 2008).

Definimos as seguintes questões de investigação:

  1. Quais são as perspectivas dos diretores sobre a composição e as atribuições do conselho geral no nível das orientações para a ação?

  2. Quais são as perspectivas dos diretores sobre as limitações e disfunções verificadas na dinâmica e no funcionamento do conselho geral e sobre os fatores que potencializam o seu sucesso no nível do plano da ação?

  3. Será possível estabelecer uma relação entre as percepções dos diretores sobre o conselho geral e suas perspectivas sobre: (i) os fatores de sucesso na gestão escolar; (ii) a autonomia das escolas; e (iii) as relações entre eles e as diversas entidades?

Seguidamente, problematizamos o quadro teórico e legislativo que enquadra os resultados desta investigação.

O conselho geral no modelo de gestão das escolas

O estudo holístico dos modelos de gestão, enquanto quadros de princípios, orientações, processos e finalidades da administração e gestão das escolas, conjuga, necessariamente, as dimensões analíticas do plano das orientações para a ação e do plano de ação, ou a organização enquanto estrutura e o modo como esta recria, no cotidiano, as orientações e constrangimentos formais (LIMA, 2011a). De fato, como observa o autor, “as regras nunca permanecem acima e para além dessa ação, olimpicamente presentes ou eternamente imutáveis” (LIMA, 2011a, p. 174), não bastando publicá-las para concretizar, na ação, os princípios da participação e da decisão democrática na gestão das escolas (LIMA, 2018).

No Decreto-Lei nº 115-A/1998, de 4 de maio (PORTUGAL, 1998), o regime de administração e gestão das escolas e agrupamentos do ensino público, da educação pré-escolar e dos ensinos básicos e secundários, que vigorou até 2008, a assembleia era o órgão que tinha por responsabilidade a definição das linhas orientadoras da atividade da escola. Neste modelo, no plano das orientações para a ação, a assembleia seria o local de participação e representação da comunidade educativa, que incluía, na sua composição, os representantes dos docentes, das famílias, dos alunos, do pessoal não docente, da autarquia local e, por opção da escola, outros representantes de organizações culturais, educativas, econômicas e sociais do contexto local que fossem relevantes para o projeto educativo da escola. Os docentes não podiam representar mais de 50 por cento da totalidade dos membros da assembleia, e a representação dos pais e encarregados de educação, assim como a representação do pessoal não docente, não podia ser inferior a 10 por cento da totalidade dos membros da assembleia.

Os representantes dos alunos, do pessoal docente e do pessoal não docente na assembleia eram democraticamente eleitos pelos seus pares. Os representantes das famílias e da autarquia eram designados pelas respectivas organizações. Se a assembleia integrasse outros representantes de organizações culturais, educativas, econômicas e sociais, provenientes da comunidade, estes seriam cooptados pelos demais membros. Conforme o estabelecido no item nº 6 do artigo 9º, o presidente do conselho executivo, ou o diretor, era o órgão executivo de administração e gestão da escola nas áreas pedagógica, cultural, administrativa e financeira, e participava nas reuniões da assembleia sem direito a voto, de modo a preservar o relacionamento autônomo e independente entre os dois principais órgãos decisores da escola (PORTUGAL, 1998).

Chiavenato (2007) enquadrou a liderança na direção como uma das funções da gestão, encadeadas no ciclo administrativo que vai do planejamento ao controle. O autor considerou que a liderança seria necessária em todos os tipos de organização humana, cabendo ao líder, fosse este uma pessoa singular ou um órgão coletivo, determinar as formas de orientação das pessoas e exercer uma influência por intermédio de processos de comunicação, a fim de alcançar objetivos específicos (CHIAVENATO, 2007). Com efeito, a liderança deve ter objetivos claros e a capacidade de se apresentar como um exemplo, desenvolvendo e motivando as pessoas (CARVALHO, J., 2018). Ao mesmo tempo, o conceito de gestão envolve processos como os de planificação, organização, coordenação e controle de recursos e atividades, buscando a conquista dos objetivos de maneira eficaz e eficiente (CARVALHO, J., 2018). Costa e Castanheira (2015) argumentaram que a liderança e as demais funções da gestão devem ter igual ênfase para que uma organização tenha sucesso. Earley e Weindling (2004) distinguiram, por sua vez, a liderança das demais funções de gestão, considerando que ela tende a ser mais proativa, mais educativa, com vistas à solução contextualizada e flexível de problemas, enquanto o planejamento, a organização e as demais subfunções da direção (como a coordenação de recursos humanos e o controle da execução) têm mais restrições relacionadas aos recursos disponíveis e às possibilidades de otimizar o desempenho das atividades.

Entre as competências da assembleia, é possível identificar as duas dimensões de acordo com os critérios de distinção propostos: a liderança, nomeadamente na aprovação do projeto educativo da escola e no acompanhamento e avaliação da sua execução na definição das linhas orientadoras para a elaboração do orçamento e na promoção e incentivo do relacionamento com a comunidade educativa – respectivamente as alíneas b, g e j do item nº 1 do artigo 10º (PORTUGAL, 1998). A estas funções, acresceria um conjunto de atividades de gestão operacional, elencadas nas outras alíneas, e associadas essencialmente a planificação, coordenação e controle de processos e recursos, tais como a apreciação de planos e relatórios e a aprovação de regras e propostas.

O desenho organizacional do modelo de gestão do Decreto-Lei nº 115-A/1998 pressupunha que a assembleia manteria uma relação de acompanhamento e de controle do desempenho do diretor ou do conselho executivo, com dependência funcional, uma vez que a atividade do segundo estaria sujeita à aprovação do primeiro. A assembleia deteria ainda o poder de determinar a cessação do mandato do diretor ou dos membros do conselho executivo, em caso de manifesta inadequação da respectiva gestão, e se a decisão fosse deliberada por mais de dois terços dos membros da assembleia em efetividade de funções (PORTUGAL, 1998).

O atual modelo de gestão encontra-se consagrado no Decreto-Lei nº 137/2012, de 2 de julho, que procede à segunda alteração do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, alterado previamente pelo Decreto-Lei nº 224/2009, de 11 de setembro. Com ele, a assembleia é substituída pelo conselho geral, o qual é definido no item nº 1 do artigo 11º como o órgão colegial de direção estratégica, responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, competindo-lhe assegurar a participação e representação da comunidade educativa. Esta opção legislativa acentua, formalmente, o papel de liderança deste órgão, diante do que era atribuído à assembleia no modelo de administração e gestão do Decreto-Lei nº 115-A/1998. Os docentes continuam a não poder representar mais do que 50 por cento da totalidade dos membros da assembleia, mas desaparece neste modelo a expressão mínima de 10 por cento da totalidade dos membros de representação dos pais e encarregados de educação e do pessoal não docente. Mantém-se, no entanto, a participação do diretor nas reuniões, sem direito a voto (PORTUGAL, 2012).

A designação dos representantes do conselho geral replica, no essencial, as orientações referentes à designação dos representantes para a assembleia, mantendo-se o princípio da escolha de representantes dos alunos, do pessoal docente e do pessoal não docente em processo eleitoral democrático; da designação dos representantes dos pais e dos encarregados de educação; dos representantes do município; e da cooptação de representantes de organizações culturais, educativas, econômicas e sociais provenientes da comunidade. Ramalho (2019) observou que, neste processo, prevalece a indicação e a cooptação, que se associam a uma eletividade pouco esclarecida e da qual resulta uma desvalorização da democracia representativa. Segundo o autor, “o legislador explicita e torna definitivos os processos de cooptação e indicação, mas mantém os processos de eleição num limbo debilmente clarificado” (RAMALHO, 2019, p. 85).

As competências do conselho geral reproduzem as competências da assembleia, a que o legislador acrescenta, agora, novos domínios de intervenção, que sublinham a importância da liderança, em um desenho organizacional que reforça simultânea e significativamente as competências do diretor. Ao conselho geral, de acordo com o artigo 13º (PORTUGAL, 2012), compete a eleição, por maioria absoluta, do diretor, assim como participar na avaliação do seu desempenho (alíneas b e q), abandonando-se, assim, a opção por uma participação ampliada na eleição do principal responsável pela gestão e administração da escola, e interrompendo-se a tradição iniciada após a transição para a democracia (CARVALHO, M., 2017). Esta mudança reforça significativamente o papel do conselho geral e diminui o poder dos professores de influenciarem a escolha da liderança, como sucedia no processo eleitoral anterior (SILVA; MACHADO, 2013). Como observa Lima (2011a, p. 72), “por esta via se subtrai a professores, estudantes e funcionários a possibilidade de participação nos processos de decisão, a não ser de uma forma muito indireta e distante, através de alguns representantes no órgão de topo”.

Ao conselho geral, enquanto órgão de liderança estratégica, cabe também definir as linhas orientadoras das atividades no domínio da ação social escolar, que compete ao diretor planejar e executar, conforme a alínea i; definir os critérios para a participação da escola em atividades pedagógicas, científicas, culturais e desportivas, como se prevê na alínea o; e dirigir recomendações aos restantes órgãos, tendo em vista o desenvolvimento do projeto educativo e o cumprimento do plano anual de atividades, de acordo com a alínea p (PORTUGAL, 2012).

Embora o diretor seja o órgão de administração e gestão, a figura máxima da hierarquia escolar, ele ainda depende do conselho geral para aprovar o projeto educativo da escola, alterar o regulamento interno, aprovar o plano anual e plurianual de atividades, aprovar o relatório anual de atividades e aprovar propostas de celebração de contratos de autonomia (item nº 2 do artigo 20º) (PORTUGAL, 2012). Este contexto é caracterizado por Afonso (2018) como um processo de accountability múltipla, uma vez consideradas as dependências que o diretor mantém: para além do conselho geral, depende também dos serviços centrais do Ministério da Educação, da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) e dos demais stakeholders na comunidade.

O conselho geral mantém a prerrogativa, prevista no modelo anterior, de determinar a cessação do mandato do diretor, no final do ano escolar, através de uma deliberação aprovada por maioria de dois terços dos membros em efetividade de funções, em caso de manifesta inadequação da respectiva gestão, de acordo com a alínea b do item nº 6 do artigo 25º (PORTUGAL, 2012). Ou seja, o diretor tem sua ação limitada pelo aumento do controle social da escola, agora representado institucionalmente pelo conselho geral, que acolhe os representantes internos e externos da comunidade educativa, e a que se sobrepõe, do ponto de vista externo, o controle permanente e pormenorizado da tutela, com a utilização de mecanismos informáticos, como as plataformas de gestão (que reforçam o centralismo), a hiperburocracia e a estandardização (AFONSO, 2018; BARROSO, 2011; FERREIRA, 2014; LIMA, 2014).

A emergência do diretor, como órgão de administração unipessoal, operacionalizada pelo novo modelo de gestão, enquanto principal agente decisor dentro das escolas, com autoridade interna reforçada, surge deste modo associada à manutenção e reforço das competências do conselho geral (LOPES; FERREIRA, 2013), o que constitui um potencial foco de tensões ou sobreposições no funcionamento das escolas, eventualmente gerador de processos manipulativos (DELGADO; ROMÃO; DIOGO, 2018). Como interpretar o reforço dos poderes do diretor no interior da escola, em um quadro em que os poderes formais do conselho geral são igualmente reforçados? E mais: como pode o conselho geral cumprir a sua função estratégica num quadro centralizador, que resiste e recusa a ação autônoma das escolas públicas (SILVA; SÁ, 2017)? Isto sem pôr de lado a possibilidade, nas palavras de Martins e Macedo (2017, p. 86), “de o diretor influenciar o funcionamento deste órgão, uma vez que possui um leque bastante amplo de competências no interior da escola”. Diogo, Diogo e Teixeira (2020, p. 46) apontam o risco de “promiscuidade entre os diretores e os decisores políticos locais e os seus interesses partidários”.

O conselho geral, por sua vez, não presta contas nem depende do diretor. No limite, em caso de conflito, pode dificultar, ou mesmo bloquear, as decisões do diretor. Enquanto representante da comunidade local, será perante esta que o conselho geral deverá responder – o que parece não passar, todavia, do plano das orientações para a ação, diante de sua despolitização, baixos níveis de envolvimento e déficit de competências para o desempenho das suas funções, manifestado por uma parte significativa dos seus membros (AFONSO, 2018; RAMALHO, 2019). Persiste a questão expressa por Lima e Sá (2002, p. 77) relativamente à assembleia, mas aplicável de modo idêntico ao conselho geral, e que consiste em saber se este órgão é “uma mera Assembleia Geral, que reúne esporadicamente, mais para cumprir certos procedimentos ritualísticos do que para tomar decisões estratégicas”.

Na perspectiva de Afonso (2018, p. 336), o que acontece é que o conselho geral

[...] nem sempre exerce, ou exerce de forma muito mitigada, as funções que lhe estão legalmente atribuídas como órgão de ‘direção-estratégica’, acabando, frequentemente, por endossar ou legitimar muitas das propostas ou decisões do órgão unipessoal de gestão.

Para Martins e Macedo (2017), estamos diante de mudanças de cosmética, que se esgotam no plano das orientações para a ação, visto o papel diminuto que o conselho geral desempenha na definição estratégica do projeto educativo da escola.

Metodologia

Este projeto de investigação procurou, na primeira fase, realizar uma abordagem exploratória através de estratégia metodológica qualitativa, com desenho transversal e método de entrevista estruturada. Esta metodologia permite a compreensão dos fenômenos em estudo, com base nas opiniões dos diretores de escola ou agrupamento, as quais ajudam a compreender melhor a variabilidade e significado profundo do objeto de estudo. Dar voz a quem é responsável pela gestão escolar será, porventura, a melhor forma de descobrir e explicar, em primeira pessoa, a sua experiência. Assim, valoriza-se a subjetividade, obtendo-se informações úteis para descrever e interpretar múltiplas realidades, que são, obviamente, dependentes do contexto, sendo uma abordagem muito comum em estudos exploratórios (CRESWELL, 2010).

Na segunda fase, utilizou-se uma abordagem quantitativa, com desenho transversal e método da pesquisa. Este foi desenhado com base nas respostas obtidas no estudo qualitativo, tendo sido disponibilizado a todos os diretores de escolas e agrupamentos de Portugal continental. O questionário, composto por 29 perguntas, permitiu recolher dados sobre a perspectiva dos diretores em relação a seis áreas de investigação, garantindo-se o anonimato total, tanto do diretor como da escola.

Participantes

Os dados da primeira fase foram recolhidos através de entrevistas exploratórias numa amostra estratificada, com base em critérios de localização, tipo de agrupamento e anos de serviço, composta por trinta diretores em funções em 2018 no distrito do Porto, Portugal, com uma experiência de gestão de pelo menos quatro anos.

Como é desejável, nesse tipo de investigação, os investigadores pretenderam que a amostra escolhida para as entrevistas fosse o mais representativa possível de determinados contextos considerados importantes para este estudo exploratório. Assim, o fato de a escola ou agrupamento se localizar mais no litoral ou no interior do distrito, ter mais ou menos escolas, e o número de anos de serviço do diretor foram consideradas variáveis cujas categorias deveriam ter representação, de modo a obter uma maior variabilidade de visões sobre o fenômeno. Embora esta abordagem possa ser chamada de amostragem intencional (SILVERMAN, 2000), o fato de os diretores terem sido escolhidos aleatoriamente, em cada grupo, permite uma identificação com o método de amostragem estratificada.

O gênero do entrevistado não fazia parte dos critérios de estratificação da amostra aleatória; não obstante, verificou-se que dez eram mulheres e vinte, homens, o que comprova a tendência de sub-representação das mulheres em cargos de gestão (COUTO, 2010; PIRES, 2012). As suas médias de idade são muito semelhantes (Homens (H)=54,28 anos, DP=6,22; Mulheres (M)=54,67 anos, DP=5,05), assim como a média de anos de serviço (H=8,8 anos, DP=2,02; M=8,4 anos, DP=2,59). A formação acadêmica mais elevada destes diretores é a seguinte: licenciatura (1); Programa de formação em gestão pública (1); pós-graduação em gestão e administração escolar (18); mestrado em administração escolar (8); e doutorado em administração escolar (2). O tamanho médio das escolas/agrupamentos é de 1.606,27 alunos (DP=753,45), com um valor mínimo de 80 e máximo de 3.300 alunos. De modo a manter o anonimato dos entrevistados, estes foram nominados com as iniciais do nome do entrevistador, seguidas de um código numérico, entre 1 e 5.

Na segunda fase, foi obtida uma amostra de 83 respostas, a qual apresenta a distribuição regional e a dimensão da escola/agrupamento, como mencionado na Tabela 1.

Tabela 1 Caracterização da dimensão dos agrupamentos e escolas 

Dimensão da escola/agrupamento
Região até 200 alunos entre 201 e 500 entre 501 e 1.000 entre 1.001 e 2.000 entre 2.001 e 3.000 Total
Norte 1 3 7 13 5 29
Centro 1 3 7 7 5 23
Lisboa 0 1 4 10 5 20
Alentejo 0 2 1 4 0 7
Algarve 0 0 1 0 2 3
Omisso --- --- --- --- 1 1
Total 2 9 20 34 18 83

Fonte: Elaborada pelos autores.

A experiência desses diretores tem a seguinte distribuição: 23 com menos de quatro anos de experiência; 13 entre quatro e oito anos; e 47 com mais de oito anos. De modo a reforçar a impossibilidade de identificação dos diretores, não lhes foi pedida informação sobre idade, gênero ou habilitações literárias.

Entrevista

O roteiro de entrevista continha uma primeira parte com questões fechadas que permitiram caracterizar o diretor (por exemplo, anos de experiência) e a escola (por exemplo, número de alunos). Na segunda parte da entrevista, foram colocadas duas questões abertas sobre dois tópicos: 1) fatores associados a resultados positivos na gestão de um agrupamento de escolas ou escola não agrupada; e 2) mudanças no atual modelo de gestão que poderão contribuir para melhor gestão dos estabelecimentos públicos de ensino.

Para o propósito deste artigo, selecionaram-se as opiniões dos diretores sobre o papel do conselho geral, os fatores de sucesso na gestão escolar, a autonomia das escolas e as relações entre eles e as diversas entidades.

A aplicação da entrevista aos participantes foi antecedida pela explicação do objetivo do estudo e pela garantia do anonimato e da confidencialidade de sua identidade e do agrupamento que dirigem, e teve duração média de 30 minutos. Aos entrevistados foi assegurada a possibilidade de concordarem, retificarem, desistirem ou retirarem suas respostas deste estudo, sem nenhuma consequência negativa para si ou para o agrupamento.

Questionário

Todos os diretores de escolas e agrupamentos receberam via e-mail a pesquisa utilizando o Google Forms. Um mês e meio após o primeiro e-mail, foi feito um lembrete para o preenchimento da pesquisa. O formulário encontrava-se dividido em seis seções: 1) caracterização do diretor e da escola/agrupamento (quatro perguntas); 2) características do modelo de gestão das escolas (dezenove perguntas); 3) perfil do diretor (duas perguntas); 4) relações de poder e ação cotidiana (uma pergunta); 5) fatores de sucesso na gestão (uma pergunta); e 6) contribuições para a evolução do modelo de gestão (uma pergunta). Nos casos de uma pergunta só, esta era fechada com muitas respostas possíveis, que foram listadas em função dos resultados obtidos a partir das entrevistas da primeira fase do projeto.

Análise de dados

As gravações das entrevistas foram transcritas, constituindo o corpus de análise, de modo a respeitar integralmente o conteúdo transmitido. Realizou-se uma análise de conteúdo, tendo os dados sido classificados em unidades de significado, temas e categorias. Dois dos investigadores leram e analisaram três entrevistas, independentemente. A análise cruzada das duas primeiras entrevistas baseou o desenvolvimento da categorização dos dados, após discussão sobre os desacordos, até um consenso final. A unidade de significado foi estabelecida no nível de cada frase. As unidades de significado foram classificadas de forma exclusiva em categorias, as quais foram, por sua vez, organizadas nos temas que resultaram dos tópicos introduzidos pelo roteiro da entrevista: 1) os fatores associados a resultados positivos na gestão; e 2) as propostas de mudança no atual modelo de gestão. Por fim, os dois investigadores analisaram a terceira entrevista, obtendo-se aproximadamente 90 por cento de concordância na classificação das unidades de significado.

As respostas à pesquisa tiveram o tratamento estatístico adequado, tanto no nível descritivo como inferencial, em função das escalas com que foram recolhidos os dados sobre as variáveis.

Apresentação e discussão dos resultados

Competências do conselho geral

As opiniões que os diretores expressam sobre o funcionamento do conselho geral espelham uma divisão acentuada relativamente ao seu papel. Quando interrogados sobre se o conselho geral cumpre, no seu funcionamento, os pressupostos para os quais foi criado, 41 por cento (34) dos diretores dizem que não, e 59 por cento (49), que sim. Nota-se, que aqueles que mais concordam com o atual modelo de gestão tendem também a ter uma visão mais positiva do conselho geral. As respostas ao questionário revelam uma associação estatisticamente significativa (χ2(3)=12,65; p<0,01) entre a opinião sobre o funcionamento do conselho geral e o fato de concordarem ou não com o atual modelo de gestão das escolas públicas. Nota-se que seis (7,2 por cento) dos inquiridos consideram o modelo irrelevante para a gestão, assim como um dos entrevistados, enfatizando claramente o plano da ação e preterindo o plano das orientações para a ação, como uma dimensão indiferente ao cotidiano das dinâmicas escolares e das práticas colegiais estabelecidas ao longo de uma institucionalização radicada num sistema centralizado, de autonomia decretada, logo, heterogovernada (LIMA; SÁ, 2017).

No que diz respeito às competências definidas para este órgão, a que causa mais controvérsia é a eleição do diretor, sendo que, em resposta ao questionário, 54 (65,1 por cento) diretores afirmaram que este processo de eleição deveria ser alterado, e 29 (34,9 por cento) consideram que deveria ser retirado das competências do conselho geral. Entre os entrevistados, oito manifestaram posição contrária à eleição do diretor pelo conselho geral. A maioria dos diretores ouvidos opôs-se, pois, às orientações definidas para a ação das escolas e agrupamentos pela tutela, no âmbito do modelo de gestão definido no Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, no que se refere à eleição do diretor pelo conselho geral. Os motivos de discordância apontados pelos inquiridos relacionam-se à falta de representatividade deste órgão, sendo recorrente a defesa da eleição por sufrágio universal da comunidade escolar. O seguinte testemunho é ilustrativo:

[...] o modelo de eleição do diretor deveria ser alterado. Ou por sufrágio universal envolvendo os docentes, não docentes, representações de alunos, de pais […] acho que existe manipulação. Na eleição do diretor. E acho que não é um processo muito democrático. (PM5).

Quando elencaram as vantagens e problemas do modelo atual de gestão, na pesquisa por questionário, só quatro diretores (4,8 por cento) consideraram o papel do conselho geral como uma vantagem, enquanto catorze (16,9 por cento) apontaram-no como um problema ou uma desvantagem do modelo de gestão. As visões mais positivas destacaram as funções de regulação e supervisão do órgão, balanceando a autoridade do diretor. No mesmo sentido, entre os entrevistados, dois defendem que a ação fiscalizadora do conselho geral pode contribuir para reforçar a liderança do diretor ao conferir maior credibilidade às suas ações, através, nomeadamente, da aprovação de documentos fundamentais para o funcionamento da escola, tais como o Projeto Educativo de Escola, o Plano Anual de Atividades ou o Relatório da Conta de Gerência. O seguinte testemunho ilustra essa posição:

[...] esta liderança deve estar focada na visão da escola como um todo […] o CG [conselho geral] pode ter a possibilidade de influenciar os outros de que as linhas orientadoras e políticas a implementar pelo diretor pode ajudar a potenciar uma organização mais eficaz. (PM5).

No entanto, as posições majoritárias entre os inquiridos por questionário destacam as limitações à democraticidade que acarreta a competência do conselho geral na eleição do diretor; o fato de gerar conflitos de interesse no exercício das funções do diretor por este ser avaliado, nesta instância, por parte daqueles que também avalia; e, ainda, a possibilidade de potencializar a politização das escolas devido à representação do poder local.

Funcionamento na prática do conselho geral

No plano da ação, quando interrogados sobre se o conselho geral cumpria, no seu funcionamento, os pressupostos para o qual foi criado, 49 (59 por cento) inquiridos indicaram que sim, enquanto os demais 34 (41 por cento) afirmaram que não.

As disfunções e limitações apontadas sobre o conselho geral por 41 por cento dos inquiridos foram as seguintes, por ordem decrescente: catorze diretores (40 por cento) consideraram que os elementos do conselho geral tinham desconhecimento da lei ou do sistema; nove (25,7 por cento), que condicionam o diretor; oito (22,9 por cento), que têm falta de isenção; sete (20 por cento), que há politização nas decisões (municipalismo); sete (20 por cento), que têm falta de iniciativa; seis (17,1 por cento), que têm falta de competência; seis (17,1 por cento), que têm falta de tempo, nomeadamente, para se reunir; seis (17,1 por cento), que são alheios ao que se passa; seis (17,1 por cento), que dependem do diretor; cinco (14,3 por cento), que há problemas na composição do órgão; quatro (11,4 por cento), que há falta de responsabilização; quatro (11,4 por cento), que é um órgão desnecessário; dois (5,7 por cento), que tem falta de representatividade; um (2,9 por cento), que tem falta de poder; e um (2,9 por cento) não apresentou razões.

Em sintonia com essas perspectivas, de forma geral, os entrevistados veem o conselho geral como um órgão que “tem competências para as quais não é competente”. Se, por um lado, concordam com o princípio da participação democrática que subjaz à criação deste órgão colegial de direção estratégica das escolas, por outro, sentem que seus membros não têm a participação desejada, uma vez que são desinteressados ou desconhecedores das dinâmicas de funcionamento das escolas; são facilmente manipuláveis; e não são responsabilizados pelas posições que assumem ou “representam-se a si mesmos”. Como expõem dois entrevistados:

Não se percebe muito bem, afinal, o que é que as pessoas lá estão a fazer. Porque não representam absolutamente ninguém, representam-se a si próprios. Um grupo extremamente pequeno, facilmente manipulável. (PM5).

A participação da comunidade nem sempre acontece. Portanto, os elementos que estão no conselho geral são escolhidos da empresa ou da entidade ou do clube a, b, c ou d e não têm a participação que deveriam de ter. (PM4).

Relação entre as percepções sobre o conselho geral e as perspectivas sobre os fatores de sucesso na gestão escolar

Os fatores de sucesso da gestão escolar mais apontados pelos inquiridos são o trabalho em equipe, o clima escolar e as competências do diretor. No entanto, é possível observar que aqueles que têm uma posição favorável às funções do conselho geral destacam também, com maior ênfase, a existência de um plano estratégico, a capacidade e as competências dos líderes intermediários e a cultura organizacional. Entre os diretores insatisfeitos com a ação do conselho geral no exercício das suas funções, estes fatores adicionais são menos destacados. Pode-se concluir que os diretores menos favoráveis à ação do conselho geral se centram na liderança de topo e na colaboração ampliada das várias equipes com o diretor, procurando promover, deste modo, um clima escolar motivador do trabalho.

Nos discursos dos entrevistados, o trabalho em equipe é também enfatizado como um dos fatores de sucesso na gestão. Nestes casos, os diretores afirmam que é necessário trabalhar em conjunto com o conselho geral. Por exemplo:

[...] eu sou o diretor desta escola, chamem-me diretor, presidente, não interessa. Tenho aqui a equipa, o conselho pedagógico, o conselho geral, vamos trabalhar em consenso, está definido. (PD1).

Outro exemplo sobre a importância de um órgão unipessoal trabalhar em equipe é o seguinte:

Se eu conseguir ter uma equipa e, logo à partida, os aspetos relacionais entre eles estejam esbatidos, pois, eu posso começar a partir para a ação, digamos, verdadeiramente, como gestão da escola ou do agrupamento. […] isto também é válido em relação à equipa de professores, dos diversos órgãos, o conselho pedagógico, os que são escolhidos para o conselho geral. (PM3).

Todavia, outro entrevistado não deixa de afirmar que “isto de trabalhar em democracia dá muito trabalho” (LR1).

Um dos diretores entrevistados refere o sentido de identidade (cultura e clima de escola) como um fator de sucesso e julga que o conselho geral pode desempenhar (embora nem sempre o faça) um papel importante na construção contínua desta identidade própria de cada escola.

Relação entre as percepções sobre o conselho geral e as perspectivas sobre a autonomia das escolas

Nos discursos e posições apresentadas pelos diretores inquiridos por entrevista e questionário, é transversal a reivindicação de maior autonomia, em várias dimensões. De fato, 74 (89,2 por cento) dos 83 diretores inquiridos por questionário consideram que as escolas deveriam ter mais autonomia na sua gestão. Do mesmo modo, entre os entrevistados destaca-se a percepção de uma autonomia limitada, reivindicando-se a sua ampliação, nomeadamente na contratação de pessoal docente e não docente.

Não se identificou, no questionário, qualquer diferenciação de posição entre o grupo com opinião mais favorável quanto ao cumprimento de funções por parte do conselho geral e o grupo que considera que este órgão não cumpre suas funções. Porém, entre os entrevistados, dois consideram que o conselho geral afeta a autonomia do diretor e, consequentemente, da escola. Deve-se destacar que catorze dos diretores entrevistados encaram o conselho geral como um órgão em que existe um equilíbrio precário entre a promoção de uma relação saudável de cooperação com o poder local e uma instrumentalização da escola a favor de determinado interesse político ou partidário instalado. Este fator pode, pois, colocar em risco a autonomia da escola na definição dos seus objetivos e estratégias.

Relação entre as percepções sobre o conselho geral e as perspectivas das relações entre o diretor e as diversas entidades

Nas respostas ao questionário, não há diferenças estatisticamente significativas entre o grau de dificuldade nas relações com as diversas entidades e os diretores que consideram que o conselho geral cumpre os pressupostos para os quais foi criado e os que afirmam o contrário – com exceção do relacionamento com as forças políticas, que, em média, os primeiros consideram que estas relações são mais difíceis do que os segundos (p<0,05). Esta variação se relaciona ao risco de politização, apontado anteriormente como ameaça à autonomia das escolas. Uma explicação para esta variação pode resultar do fato de que aqueles que consideram que o conselho geral cumpre os pressupostos talvez vivenciem comunidades educativas mais participativas, nas quais se salienta a presença dos representantes do poder local, traduzindo-se num relacionamento mais intenso e desafiante nas relações entre o conselho geral e as forças políticas.

Alguns entrevistados encaram o conselho geral como uma oportunidade de dar voz às perspectivas de docentes, pessoal não docente e alunos, sobre o funcionamento da escola, contribuindo para amenizar as relações entre os diversos atores. Este fato assume particular relevância, uma vez que três dos diretores entrevistados valorizam as relações com docentes e funcionários como fator de sucesso na gestão escolar.

O conselho geral é um órgão que conta com a participação dos diversos grupos de atores da comunidade escolar, e que, por definição, deve promover a interação entre eles. No entanto, o grau de interação e as características das dinâmicas que a concretizam estão muito dependentes da ação efetiva dos representantes, pois sua participação democrática pode ser quase ausente (quando o conselheiro “se representa a si próprio”), ou ser fundamental no estabelecimento de relações funcionais e construtivas entre todos os membros da comunidade educativa (incluindo stakeholders externos). O seguinte testemunho elucida quanto à questão da centralidade da participação, colaboração ampliada e trabalho em equipe na concepção de escola dos entrevistados:

[...] esta é, de facto uma organização de participação […] é preciso criar na comunidade, funcionários, assistentes técnicos e operacionais e professores, o espírito do agrupamento. Eles não precisam de gostar de mim, mas devem trabalhar para que o agrupamento seja uno. (PM5).

Ressalta-se que são quinze (50 por cento) os entrevistados que veem no conselho geral uma oportunidade de melhorar o relacionamento com a comunidade e de ampliar parcerias, que são encaradas com importância crescente para o funcionamento da escola. Sobre esta lógica de trabalho em rede, destacamos os seguintes testemunhos:

A comunidade tem que estar unida, as parcerias têm que estar a funcionar bem e a comunicação é essencial. (IT2).

No CG estão os escuteiros, as vicentinas, a escola de música, o desporto, ou seja, forte componente cultural. A autarquia trabalha muito bem a educação. (PR2).

Considerações finais

As perspectivas dos diretores sobre a composição e atribuições do conselho geral, no nível das orientações para a ação, que constituiu a primeira questão deste estudo, indicam que os participantes se dividem quanto às competências que este órgão deve exercer. Contestam alguns dos processos decisórios utilizados, nomeadamente a designação em detrimento da votação universal no que diz respeito à escolha do diretor, confirmando os riscos de desvalorização da democracia representativa referidos, nomeadamente, por Maria João Carvalho (2017), Ramalho (2019), e Silva e Machado (2013).

Os diretores se preocupam com as funções que o conselho geral desempenha, mas também com as funções que, embora lhe estejam atribuídas, não são efetivamente levadas a cabo por aquele órgão. Podemos interpretar que, embora, no plano normativo, o conselho geral seja um órgão de participação ampliada e democrática, nem sempre essas premissas se verificam no plano da ação.

De forma geral, os diretores veem o conselho geral como um órgão que “tem competências para as quais não é competente” ou competências que são contraditórias na estrutura organizacional do modelo atual – nomeadamente, o diretor ser avaliado por um órgão onde têm assento membros que são avaliados pelo diretor. São igualmente mencionadas a aprovação pelo conselho geral do projeto educativo, que é de iniciativa e responsabilidade do diretor, e a aprovação do Plano anual de atividades, que é avaliado pelo conselho pedagógico.

Os diretores concordam com o princípio da participação democrática que subjaz à criação deste órgão colegial de direção estratégica das escolas, mas sentem que os seus membros não têm a participação desejada, sendo descritos como pouco ou nada conhecedores do papel que desempenham e do órgão que integram, ausentes, facilmente manipuláveis e que defendem certos interesses em detrimento dos interesses da comunidade. Diante destas limitações, é perceptível, em parte dos discursos, que o funcionamento do conselho geral corre o risco de ser controlado pelo diretor, como sublinham Martins e Macedo (2017), não sendo efetivamente tido em conta na tomada de decisão pela liderança da escola.

Relativamente às perspectivas dos diretores sobre as limitações e disfunções verificadas na dinâmica e no funcionamento do conselho geral e sobre os fatores que potencializam seu sucesso, no nível do plano da ação, as opiniões dos diretores encontram-se igualmente divididas. Embora a correlação verificada entre a posição de concordância com o atual modelo de gestão e uma visão positiva da atuação do conselho geral por uma parte significativa dos diretores não surpreenda, é relevante verificar que as críticas elencadas quanto à atuação do conselho geral são, majoritariamente, negativas. A instrumentalização política ou a ritualização funcional, em detrimento da direção estratégica (AFONSO, 2018), são referidas como exemplo de situações de atuação negativa.

Dos aspectos positivos apontados pelos diretores, o mais evidente é a oportunidade de melhorar o relacionamento com a comunidade e de ampliar parcerias. Sendo o conselho geral um órgão que conta com a participação dos diversos grupos de atores da comunidade escolar, espera-se que promova a interação entre eles. Essa relação, contudo, está muito dependente dos representantes, pois pode ser quase ausente (quando o conselheiro “se representa a si próprio”) ou ser fundamental no estabelecimento de boas relações com todos os membros da comunidade educativa (incluindo stakeholders externos).

O conselho geral pode desempenhar um papel importante na construção contínua da identidade própria de cada escola, mas nem sempre o faz. É possível igualmente concluir que a ação fiscalizadora do conselho geral pode reforçar a liderança do diretor e dar suporte à sua accountability, ao dar anuência às ações do diretor, que se traduz nos documentos que o conselho geral aprova. Práticas que, todavia, colidem com a falta de autonomia, que condiciona fortemente a gestão escolar e a concretização do projeto educativo de cada escola, como apontam Afonso (2018) e Silva e Sá (2017).

Deve-se ressaltar, ainda, que uma parte significativa dos diretores entrevistados (12-40 por cento)) mostra-se indiferente ao modelo, em uma postura pragmática centrada nos modos de tomada de decisão praticados no sistema concreto de ação escolar, que se vivencia como local (DIOGO; DIOGO; TEIXEIRA, 2020). Assim, a tônica é colocada no plano da ação, no qual “ninguém sente” (VD1) uma mudança efetiva.

Finalmente, e procurando responder à terceira questão deste estudo, não se verifica uma relação significativa entre as percepções dos diretores sobre o conselho geral e suas perspectivas sobre os fatores de sucesso na gestão escolar, a autonomia das escolas e as relações entre eles e as diversas entidades. As suas posições e práticas, assentadas em experiência anterior enquadrada na historicidade de culturas organizacionais condicionadas pelo quadro institucional constituinte e limitador, pouco ou nada se alteraram pela criação deste órgão. Conclui-se, deste modo, que a formalização do conselho geral no plano das orientações para a ação, na estrutura organizacional, afasta-se do plano de ação, na recriação vivida no cotidiano, em maior ou menor grau relativamente às determinações legais e aos resultados esperados (LIMA, 2011b). Assim, o que poderá diferenciar as posições e modos de agir dos entrevistados e inquiridos não será a sua apreciação quanto à existência e prática efetiva do conselho geral, mas, sim, as especificidades daquelas trajetórias e construções coletivas.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Gráfico 1 Disfunções ou limitações apontadas sobre o conselho geral pelos diretores 

Referências

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1- Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projeto UIDB/05198/2020 (Centro de Investigação e Inovação em Educação – inED).

Recebido: 26 de Fevereiro de 2021; Aceito: 01 de Junho de 2021

Paulo Delgado é doutor em ciências da educação pela Universidade de Santiago de Compostela (USC), mestre em administração da educação e licenciado em direito. É investigador no Centro de Investigação e Inovação em Educação (inED) e professor adjunto da Escola Superior de Educação do Porto (ESE), Portugal.

Vera Diogo é doutora em sociologia pela Universidade do Porto (U.Porto) e licenciada em sociologia pela Universidade do Minho (UMinho). É investigadora no Centro de Investigação e Inovação em Educação (inED) e professora adjunta convidada da Escola Superior de Educação do Porto (ESE), Portugal.

João M. S. Carvalho é doutor em ciências empresariais, mestre em economia, pós-graduado em gerontologia social e licenciado em gestão de empresas. É professor associado da Universidade Portucalense (UPT) e investigador do Research on Economics, Management and Information Technologies (Remit.UPT), do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA.UMinho), e do Centro de Investigação e Inovação em Educação (inED.ESE.IPP).

Pedro Martins é mestre no curso de mestrado em educação – administração das organizações educacionais da Escola Superior de Educação do Porto (ESE) e licenciado em biologia. É professor e diretor da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Marco de Canavezes (Epamac), Portugal.

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