Introdução
Desde os anos 1990, divulga-se a concepção de Escola em Movimento, também chamada de Escola Móvel (HILDEBRANDT-STRAMANN, 2005). Como a disseminação da sua concepção se ampliou, em países desenvolvidos houve um aumento no número de pesquisas a respeito do impacto da integração de movimento no processo de ensino-aprendizagem, como também na busca por meios pedagógicos bem-sucedidos para implementar aulas fisicamente ativas (BEDARD et al., 2019; CASSAR et al., 2019; NORRIS et al., 2019; SNECKL et al. 2019; VETTER et al. 2020). No Brasil e em outros países em desenvolvimento, sua divulgação científica ainda é incipiente.
Recomenda-se a inserção de mais movimento no processo de ensino-aprendizagem, e se formulam diversas reivindicações para a educação escolar. Essas reivindicações e recomendações se baseiam em entendimentos de diversas áreas, tais como ergonomia, fisiologia, educação para a saúde e educação para a segurança. Há um apelo por equipamentos escolares adequados às necessidades corporais dos alunos (ANRICH, 2002; KÖβLER, 1999; LAGING, 2017; REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001). Fala-se a favor de um ensino em prol de uma consciência corporal e que responda às necessidades corporais das crianças e jovens (FISCHER, 2000), o ensino de um comportamento adequado à fisiologia humana para prevenir degenerações corporais (ANRICH, 2002). Por meio de uma escola em movimento, reivindica-se a promoção mais ampla de capacidades motoras para evitar acidentes cotidianos provocados por tropeços ou pontapés (KÖβLER, 1999), bem como para a adoção de hábitos ativos ao longo da vida (STODDEN et al., 2008).
Também se encontram razões a favor da inserção de mais movimento na escola com relação às mudanças do mundo infantil e a partir da perspectiva da ecologia da escola, de teorias educacionais e da antropologia da educação. No mundo moderno se reduz a autonomia da criança para se mover de forma livre e exploratória e, por isso, a escola deve compensar essa deficiência na medida do possível (MÜLLER; PETZOLD, 2014). No movimento ou por meio do movimento se expressam também bens culturais (por exemplo, jogos tradicionais) que devem ser transmitidos para os alunos (LAGING, 2017). Além disso, o movimento é parte da vida humana, e uma escola que se considere um espaço de vida da criança não pode negligenciar, na sua proposta pedagógica, o papel do movimento (REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001). Na abordagem antropológica, afirma-se que o sentir, por meio do agarrar e do pegar, ativa áreas específicas do cérebro, estimulando a aprendizagem. Já que esse sentir implica um movimento, ele é compreendido como componente do aprender humano (BECKMANN, 2013).
Reconhece-se também, na psicologia do desenvolvimento, que o movimento contribui para a função pessoal, social, produtiva, expressiva, impressiva, exploratória, comparativa e adaptativa do sujeito (LAGING, 2017; REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001). Outras razões convincentes vêm da psicologia, especificamente da psicologia da aprendizagem, que serão referidas no decorrer desta publicação.
Para a construção de uma Escola em Movimento pode-se recorrer a diferentes pedras basilares referentes a diversas dimensões escolares. A inserção do movimento depende, por exemplo, dos próprios espaços escolares e da organização escolar. A arquitetura do prédio escolar pode ser concebida de maneira que estimule o movimento, destinando espaços específicos para isso. Uma Escola em Movimento pode se realizar por meio de atividades extraescolares, de períodos fora do horário do ensino regular ou intervalos. Também pode se expressar na concepção do processo de ensino-aprendizagem em uma educação física com movimento, em projetos pedagógicos com movimento e no próprio processo de ensino-aprendizagem em sala de aula (LAGING, 2007).
Nosso objeto de pesquisa é a aprendizagem da leitura articulada com a realização de movimento físico em sala de aula. Buscamos, em publicações científicas e literatura específica, razões que tornem plausível a promoção de competências de leitura por meio de atividades de ensino e aprendizagem fisicamente ativas e possíveis formas de aplicação. Baseamo-nos para isso, em uma revisão de literatura científica. Para tal, escolhemos predominantemente coletâneas científicas da língua alemã. Optamos por trazer fontes menos acessíveis para a comunidade científica brasileira com a expectativa de diversificar e/ou apoiar argumentos já consolidados na discussão brasileira a respeito da promoção da leitura.
Fomos guiados pelas seguintes perguntas norteadoras: (A) pode-se esperar da integração do movimento no processo de ensino-aprendizagem um ganho na aquisição da competência de leitura? (B) A sensibilização da percepção sensorial por meio da interação direta com o meio através do movimento é importante para o complexo processo da leitura e da escrita? (C) O movimento pode, também no ensino da leitura, ser aplicado na função de facilitar a aprendizagem? (D) Quais são as atividades de leitura que incluem a integração de percepções sensoriais?
Suspeitamos de uma resposta afirmativa para essas perguntas, porque a respeito da relação específica entre movimento e linguagem já foram identificadas perturbações funcionais e orgânicas do cérebro pelo fato de que, muitas vezes, movimentos desajeitados e dificuldades de aprendizagem e leitura ocorrem concomitantemente (BREITENBACH; BRAND, 1987 apudMÜLLER; PETZOLD, 2014). Essas perturbações inibem “[…] a ordenação e coordenação de informações entrantes, assim como a comparação com dados existentes e reações adaptativas adequadas”2 (MÜLLER; PETZOLD, 2014, p. 19). Especialmente se atribui aqui uma significância importante a movimentos complexos (KAHL, 1992 apudMÜLLER; PETZOLD, 2014).
Consideramos oportuno apresentar, num primeiro momento, a compreensão de leitura aqui utilizada. Por isso, respondemos as perguntas norteadoras mais detalhadamente à luz do modelo de processamento textual de Walter Kintsch e Teun Van Dijk (1978) e da teoria de rubicão de Heinz Heckhausen (1989). Usando essas abordagens como pano de fundo, discutimos teoricamente a possível influência positiva das aulas fisicamente ativas na aprendizagem da leitura.
A plausibilidade do Ensino e da Aprendizagem em Movimento para a promoção da competência de leitura à luz do modelo de processamento textual de Kintsch e Van Dijk
Para abordar as perguntas em apreço não se pode perder de vista a complexidade do processo de leitura. Para ilustrar essa complexidade apresentamos aqui as principais ideias do modelo de processamento textual de Kintsch e Van Dijk (1978), referido também por outros estudos da neurolinguística referiram, como os de Scherer, Jerônimo e Ansaldo (2011) e Jerônimo e Hübner (2014). Nesse modelo, mostra-se como a pessoa é conduzida durante a leitura tanto pelo texto (top-down), como também por suas características de leitor (bottom-up).
Kintsch e Van Dijk (1978) compreendem a leitura como a sinergia de diversos processos parciais, que podem ocorrer tanto sequencial quanto simultaneamente. Eles partem do pressuposto de que o leitor interpreta um texto como um conjunto de proposições (GRAESSER, MILLIS; ZWAAN, 1997; KINTSCH; VAN DIJK, 1978; VAN DIJK; KINTSCH, 1983). Durante a leitura de um texto, o leitor extrai essas proposições que são fragmentos mínimos capazes de expressar um significado textual (VAN DIJK; KINTSCH, 1983) e tenta intuitivamente reconhecer uma coerência entre eles, ou seja, articulá-los de maneira que faça algum sentido. O leitor constrói o sentido do texto, unindo as proposições, considerando primeiramente o nível local (coerência local) e posteriormente um todo (coerência global).
Uma coerência local (microestrutural) é a relação de uma única proposição com outras proposições próximas, ou seja, de proposições de sentenças limítrofes. Trata-se, como aponta Mokhlesgerami (2004), de proposições nos níveis hierárquicos inferiores linguísticos (palavra e frase) e semântico (menores unidades com um significado textual).
O leitor recebe, durante a leitura, inputs na sua memória sensorial, extraindo deles proposições que são arquivados na memória de trabalho (working register). Ele usa o que foi gerido das proposições anteriores, e que se sobrepõe a uma proposição nova gerida durante a leitura do último trecho do texto para construir uma coerência local. As proposições assim articuladas criam redes que, no entanto, podem ainda, como elementos soltos, coexistir lado a lado.
Já que um texto não se compõe apenas de informações explícitas, mas também de informações implícitas, o leitor tenta fechar lacunas, caso não se apresente uma relação direta entre as (redes de) proposições. Em outras palavras, se ele não consegue reconhecer uma relação explícita entre aquilo que leu anteriormente e aquilo que está lendo agora, ele mesmo as constrói, fazendo inferências locais, que são articulações de proposições codificadas, também chamadas argumentos de conteúdo. Compreende-se a criação de inferências como um modo de suplemento de conhecimento. Com esse conhecimento novo e complementar, é gerado, ao mesmo tempo, um modelo de situação daquilo que foi lido, também chamado de modelo mental ou modelo situativo3 (GRAESSER, MILLIS, ZWAAN, 1997, VAN DIJK; KINTSCH, 1983).
No seu modelo, Kintsch e Van Dijk (1978) partem, no entanto, de um leitor que já executa de forma automatizada os processos da decodificação, mas reconhecem que o modelo também tem aplicações para leitores que dominam o reconhecimento de palavras e frases, sem, contudo, integrá-las em uma imagem total. Os autores suspeitam que a operacionalização de decodificação em si não consome maiores recursos, mas que certas capacidades limitadas do leitor têm um impacto negativo na hora do arquivamento de informações na memória e na produção de respostas.
Apesar de os participantes não mostrarem diferenças significativas em um teste convencional de memória, os leitores que apresentam dificuldades na leitura, conforme Perfetti e Goldman (1976 apudKINTSCH; VAN DIJK, 1978), memorizam menos de um texto na memória de curto prazo do que os leitores que não têm dificuldades. Essas capacidades de memorização são, entretanto, decisivas porque, na busca por coerência e na construção de inferências, o leitor precisa ter acesso ao resumo das proposições explícitas, assim como a algumas inferências locais, o que se denomina de base textual.
Kintsch e Van Dijk (1978) suspeitam, por isso, que uma parte da memória de trabalho seja uma memória cache de curto prazo (short-term memory buffer) com um volume de armazenamento limitado, de tal forma que é necessário escolher e armazenar apenas uma determinada quantidade de proposições já trabalhadas. Assim, apenas essa quantidade limitada se torna acessível à articulação com novas proposições, geridas durante a leitura, ou seja, o processo cíclico no qual se busca, entre as proposições já armazenadas, por possíveis sobreposições a um novo argumento, sendo um processo automatizado que consome poucos recursos. No entanto, se o leitor não achar uma sobreposição óbvia e clara, começa uma busca por coerência e uma criação de inferências, e esses processos, sim, consomem recursos. Assim, o leitor articula, em um processo dispendioso, os conteúdos trabalhados e armazenados na memória de trabalho com o conhecimento relevante de sua memória a longo prazo.
Considerando que, devido a razões ergonômicas, a postura sentada recupera pouco a energia corporal, o que leva à fadiga e prejudica a concentração (MÜLLER; PETZOLD, 2014), é plausível que a inserção de movimento possa ser benéfica, sobretudo para alunos com dificuldade na leitura. Tanto a proposta de inserir mais alternâncias no comportamento corporal do aluno (transições posturais) quanto a de integrar a atividade com movimento para aumentar as capacidades de armazenamento são plausíveis, uma vez que são as experiências multimodais, como as tátil-cinestésicas, que promovem o armazenamento de conteúdo na memória (BECKMANN, 2013; LAGING, 2017).
A integração das proposições extraídas é imprescindível, porque a construção de uma coerência local na superfície de um texto não é o suficiente para compreendê-lo como um todo. As proposições e as articulações que existem de forma soltas, lado a lado, podem apresentar, além disso, incoerências e contradições. Exige-se, por isso, uma coerência global (macroestrutural), ou seja, uma organização e hierarquização das proposições em nível micro e uma integração das redes (ainda) soltas.
Para conseguir uma compreensão mais profunda de um conteúdo textual, o leitor busca também por articulações das proposições na estrutura macro, que ele reconhece explicitamente na superfície do texto ou apenas quando recorre ao conhecimento prévio. No caso de lacunas ou divergências, o leitor novamente constrói inferências, recorrendo a informações implícitas no texto ou a um conhecimento externo ao texto. Aqui também importam as expectativas que o leitor tem, que são influenciadas pela motivação para leitura.
Considerando que as expectativas do leitor e a motivação na leitura podem ser também externas e extrínsecas, a combinação da leitura com atividades em movimento, inclusive implicando a interação com outros alunos, parece vantajosa justamente para aqueles alunos que se sentem pouco motivados para a leitura pelo próprio texto. Nesse caso, a motivação pode ser oriunda da participação em uma atividade interativa e da execução de um movimento.
Em nível global, o leitor pode, durante a leitura, fazer uso de determinadas regras macro4. No controle do uso dessas regras macro estão novamente os objetivos que o leitor quer alcançar por meio da leitura. Também a finalidade da leitura, como, por exemplo, a localização de uma solução para um problema, influencia a compreensão (KINTSCH; VAN DIJK, 1978). Desta forma, o leitor usa as informações textuais não apenas conforme as informações mentais existentes, mas também conforme o interesse próprio e os objetivos colocados. Ao gerar um modelo mental daquilo que tem lido, o leitor recorre às suas experiências de vida, seu conhecimento prévio, seu conhecimento contextual, assim como ao seu conhecimento específico textual sobre a função comunicativa e das características do gênero do texto para fechar as lacunas existentes por meio de conclusões (construção de inferências).
A plausibilidade do Ensino e da Aprendizagem em Movimento para a promoção da competência de leitura à luz da teoria de Rubicão de Heckhausen
O leitor é também conduzido por seu autoconceito como leitor. O autoconceito se compõe por variáveis como estimação do seu talento e autoeficácia, da previsão de esforços e da resiliência necessária a serem aplicadas para um agir bem-sucedido, bem como pela expectativa do feedback dado por terceiros. Esses fatores influenciam o tratamento da informação e o comportamento do indivíduo (HECKHAUSEN, 1989; RHEINBERG; VOLLMEYER, 2012). Suspeitamos que a percepção sobre o sucesso da leitura pode ser positivamente influenciada quando há um feedback positivo sobre o movimento da atividade bem executado. Assim como presumimos que a natureza interativa de atividades de ensino em movimento proporciona maiores oportunidades para um feedback imediato dos colegas da sala (peer group), além o do professor.
A psicologia do desenvolvimento argumenta que o autoconceito do aluno também é influenciado pela autoestima corporal (GERBER; PÜHSE, 2005 apudMÜLLER; PETZOLD, 2014). As experiências motoras positivas podem, como se aponta, conduzir para uma motivação de desempenho (GRUPE, 1982 apudMÜLLER; PETZOLD, 2014; SCHENDEL, 1998 apud MÜLLER; PETZOLD, 2014). Assim, presumimos que o autoconceito negativo do leitor também pode ser melhorado por meio de uma autoestima corporal positiva. Também acreditamos que é possível reduzir a pressão do rendimento escolar por meio de uma combinação de normas de referências (intraindividuais, interindividuais, sociais e objetivas) a respeito de sua competência de leitura com normas de referências a respeito de suas habilidades motoras. Talvez o domínio do corpo e a sensação de segurança na execução de movimento possa diminuir o medo de apresentar fraquezas na leitura.
Por isso, consideramos plausível que as aulas fisicamente ativas que buscam aumentar a oportunidade de experiências sensoriais e a consciência do próprio corpo podem se tornar fatores de influência positiva na aquisição e no desenvolvimento da competência na leitura.
Poderá falar, então, de uma otimização do tratamento de informação, se o objeto de ensino (regras, vocabulário, particularidades ortográficas ou coisas semelhantes) está sendo trabalhado ou fixado juntamente com um andar pela sala, com uma troca de lugares, com jogadas de softbol etc. (MÜLLER; PETZOLD, 2014, p. 19, grifo do autor).
Além disso, a interação, a iniciativa comunicativa e a autorrepresentação corporal de sua interpretação de um texto – todos possibilitados por meio de aulas fisicamente ativas – podem influenciar positivamente na motivação para a convivência social. Consequentemente, presume-se que uma aula fisicamente ativa de leitura que acontece sem a pressão de ter um bom desempenho em leitura, mas que é orientada para o prazer da ação em si, leva a um aumento da volição do indivíduo para a leitura.
A motivação e a volição são, juntamente com a autopercepção e o autocontrole, elementos fundamentais da autorregulação da aprendizagem.
A aprendizagem autorregulada é uma forma da aprendizagem, na qual a pessoa, em função da natureza da sua motivação, toma, de forma autodeterminada, uma ou mais medidas de autogestão (cognitivas, metacognitivas, volitivas ou comportamentais) e autocontrola o andamento do processo de aprendizagem. (SCHIEFELE; PEKTRUN, 1996, p. 258 apudSCHMITZ; SCHMIDT, 2007, p. 10).
Segundo Heckhausen (1989), pode-se compreender motivação como uma pré-intenção e volição como uma pós-intenção. A sua teoria de rubicão aborda, além da atribuição causal, esses dois fenômenos que focalizamos aqui. Na primeira fase, a fase pré-decisional, o indivíduo pondera a exequibilidade de diversos desejos alternativos. A depender do grau de motivação em uma situação específica ou momento específico, o indivíduo faz sua escolha, tendo em vista o objetivo potencial de ação. Fala-se aqui também da composição ou formação da intenção. A motivação descreve, então, os processos e os efeitos da opção do indivíduo por determinada ação. Ele pondera as alternativas existentes de ação quanto às possíveis consequências, reconciliando as próprias expectativas sobre o resultado da ação. Na base dessas reflexões, o indivíduo convida a si mesmo a agir ou não agir. Cria-se uma tendência de motivação e, em caso de conflito entre tendências, prevalece aquela que é a mais forte.
Enquanto na primeira fase da pré-decisão o indivíduo se pergunta o que ele mesmo deseja, na segunda fase, fase da pré-ação, ele se pergunta como realizar aquilo que deseja. Aqui se fala da intenção de implementação e iniciação de objetivo. Para isso, é preciso construir uma aprovação interna. Trata-se aqui da volição, que abrange reflexões sobre a operacionalização da intenção. A transição do desejo para uma intenção depende da esperada exequibilidade da intenção. É a volição que torna a intenção em um início de ação, sendo orientada para a operacionalização.
Pode ser que o indivíduo tenha simultaneamente diversas intenções voltadas para iniciar uma ação, mas apenas uma pode, de fato, iniciá-la. Por isso cabe, em primeiro lugar, ocultar essas outras intenções, sobretudo aquelas que possam ser ainda mais fortes na concorrência com a intenção escolhida. Aqui importa o grau de volição, que revela o quanto a pessoa está comprometida com o seu objetivo (commitment). A pessoa planeja e decide como operacionalizar a ação, ou seja, quando, como e com quais condições a realização pode ocorrer. De novo acontece uma comparação e conciliação com as próprias expectativas. Aqui não se pode subestimar, conforme a abordagem motivacional ecológica da atividade, a alegria e o prazer que se espera viver na operacionalização da ação.
Para não questionar a intenção decidida, como esclarece Heckhausen (1989), a pessoa busca por informações favoráveis à intenção e evita aquelas que podem levantar dúvidas a respeito dela. Quanto maior o grau de volição, mais provável (e mais rápida) a iniciação da operacionalização da ação. Uma volição insuficiente, no entanto, pode se expressar em uma escassez de determinação ou uma determinação fraca antes mesmo da iniciação da ação – por exemplo, quando aparecem ou são previstos obstáculos de ação – ou pode se expressar por meio de uma baixa persistência durante a operacionalização (HECKHAUSEN, 1989). A motivação irá, de fato, conduzir a uma ação apenas caso ela se torne uma tendência resultante para a criação da intenção e, finalmente, da iniciação de ação.
Por isso, suspeitamos que especialmente alunos com dificuldade de leitura, que sentem a pressão e a obrigação de ler (especificamente de ler em voz alta), possam apresentar mais motivação e volição para a leitura quando essa é combinada com o movimento corporal. Compreendendo o movimento como um otimizador de ativação, que consegue compensar um nível de ativação baixa (cansaço) com um nível de ativação alta (ansiedade e/ou estresse) (REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001), acreditamos que a aula de leitura fisicamente ativa poderá ser percebida pelo aluno como uma atividade compensadora.
No entanto, é necessário, como alerta o Regensburger Projektgruppe (2001), ter cuidado para não alimentar um círculo vicioso, pois alunos que apresentam dificuldades na leitura e que não gostam de se mover podem se sentir ainda mais sob pressão ou podem se sentir excluídos. Deve-se, por isso, formular atividades em movimento e exercícios de leitura específicos para os alunos.
À luz disso, Kruse (2007 apudVOSS, 2015) nos ajuda com a distinção de três concepções para a promoção de leitura: o treino de leitura (construção de capacidades basais de leitura), a promoção de leitura (construção de uma base motivacional para a leitura) e a leitura literária (construção de uma formação literária para análise da literatura).
O treino da leitura aponta, entre outros, a competência elementar (treinamento de olhar, signos, sílabas, palavras e articulação de partes de frases) e a compreensão do texto. Reconhecemos aqui os níveis da construção de coerência (meta)cognitiva no nível local e global, como ilustrado no modelo de processamento de texto de Kintsch e Van Dijk (1978). A competência elementar se refere aos níveis hierarquicamente inferiores de leitura e a compreensão do texto aos níveis hierarquicamente superiores, ou seja, à competência da leitura compreensível.
Busca-se a construção de uma base motivacional para a leitura por meio da oferta de situações alegres e agradáveis e, na formação literária, por meio da iniciação de experiências de leitura e da familiarização com os livros e a literatura. O intuito é “[…] transformar crianças em leitores” (GUNDT, 2007, p. 212), transmitir-lhes prazer pela leitura. O ensino predominantemente tradicional cognitivo-analítico de leitura, segundo Gundt (2007), não necessariamente constitui um prazer e uma motivação.
Parece plausível o impacto positivo da integração de atividades com movimento em ensino na promoção de leitura nas três concepções, porque a recepção da informação também acontece por proprioceptores cinestésicos distribuídos pelo corpo todo. Sensações e percepções provocadas por movimentos podem disponibilizar relevantes informações complementares para sustentar a aprendizagem.
Aulas fisicamente ativas em prol da promoção da leitura
Resultados de pesquisas e conhecimento científico às vezes não chegam a ser incorporados na prática do docente, pois falta refletir sobre como operacionalizá-lo, ou seja, como “traduzi-los” para a práxis. Apresentamos, por isso, alguns exemplos para um aprender em movimento no ensino de leitura.
Antes, é oportuno distinguir entre atividades nas quais o movimento assume a função de acompanhar a aprendizagem e atividades nas quais assume a função de facilitar a aprendizagem. Quando o movimento no ensino de leitura acompanha a aprendizagem, chamamos isso de Ensino em Movimento e, quando assume a função de facilitar a aprendizagem, denominamos de Aprendizagem em Movimento.
Um Ensino em Movimento de leitura, por exemplo, tenta tirar o aluno de sua postura sedentária durante a aula. Pode-se pedir ao aluno que se levante do seu lugar em sala de aula para assumir uma posição específica de leitura em voz alta, por exemplo em um círculo de leitura. Folhas de trabalho, em vez de distribuí-las na turma, podem ser colocadas na mesa do docente para que o aluno precise se levantar e pegá-las. Podem ser montadas, de forma distribuída na sala de aula, estações de aprendizagem com diversas tarefas nas quais os alunos fazem trabalhos individuais ou em grupo (FISCHER, 2000). Não há de se ler, em sala de aula, necessariamente na postura sentada, mas também pode se ler deitada ou em pé. Mesmo assim, especificamente durante a leitura, a posição sentada é o comportamento corporal mais exigido, embora instruções práticas mostrem que a leitura também é possível em postura deitada de barriga para baixo (com apoio leve de, por exemplo, um rolo ou toalha nos joelhos e tornozelos) ou de costas (com as pernas inclinadas a 90° acima de um apoio, por exemplo, em cima de uma cadeira) (FISCHER, 2000; MÜLLER, 2010).
É necessário lembrar que os alunos com dificuldades de leitura memorizam menos o texto na memória de curto prazo e, por isso, utilizam mais recursos para tentar construir inferências e preencher as lacunas entre as proposições (KINTSCH; VAN DIJK, 1978), e que a posição sentada, especialmente em móveis escolares inadequados, conforme razões ergonômicas, recupera pouca energia para o corpo e leva à fadiga (MÜLLER; PETZOLD, 2014). Descrevemos aqui alguns exemplos de atividades com movimento na função de acompanhar a aprendizagem. Há a atividade de quebra-cabeça, na qual se corta histórias em partes, atribui um número (ou uma letra) a cada parte e as espalha nas paredes da sala de aula. Os alunos leem as partes e buscam identificar a sequência correta e colocar a ordem de números (ou letras) no caderno. Também pode se distribuir fichas com pares de versos de rimas, pares de opostos ou palavras familiares que as crianças devem, ao andar na sala, juntar corretamente (BECKMANN, 2013).
Ao contrário do ditado tradicional, em que o docente lê em voz alta um texto que os alunos anotam nos seus cadernos, sentados nas mesas e em silêncio, o ditado corrido funciona da seguinte forma: os trechos do texto são espalhados na sala de aula, por exemplo, em uma corda ou um varal nas paredes. O aluno vai até o trecho, o memoriza e volta para sua mesa para anotar, no caderno, aquilo que foi memorizado (REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001; FISCHER, 2000).
Parecido com o ditado corrido, é a tarefa ortográfica chamada escanear. Nela, um aluno conduz um colega, que mantêm seus olhos fechados, pela sala em direção de fichas penduradas na parede que contêm, cada uma, uma palavra. Chegando a uma ficha, o colega abre os olhos, “escaneia” a palavra e é, novamente com olhos fechados, levado de volta ao seu lugar, onde ele abre os olhos e “imprime” (anota) a palavra escaneada. Ser conduzido de olhos fechados aumenta o efeito de focalização na palavra no momento da impressão visual (BECKMANN, 2013).
A divisão entre atividades que acompanham a aprendizagem e aquelas que facilitam a aprendizagem não deve acontecer rigidamente, como mostram os últimos exemplos. Nós, porém, restringimos o conceito de atividades que facilitam a aprendizagem àquelas que articulam diretamente o conteúdo de ensino com o movimento proposto, por exemplo, pedir a leitura de uma palavra ou frase em pé sobre uma superfície instável (como um giroscópio). Aqui há de se lidar com dois desafios ao mesmo tempo: o processo motor da estabilidade do equilíbrio e os processos cognitivos de leitura. Exercícios como esses também são apresentados no método de Life Kinetik®, de Horst Lutz (2014), e analisados quanto a sua plausibilidade por Tejada, Schmitz e Faro (2017).
Existem diversas atividades por meio das quais se pode usar o movimento como canal de informação. Voss (2015) aponta que as crianças processam a linguagem da mesma maneira que a música. Antes de gerir significados semânticos, elas reconhecem a melodia da linguagem, o ritmo, as acentuações, o tempo, as pausas e o timbre. A consciência fonológica pode ser percebida e expressa por meio de pulos em um trampolim pequeno, enquanto a separação da palavra em sílabas pode ser sentida por meio de toques de dedos ou batendo palmas. Durante a leitura, pode-se esticar os braços quando aparecem vogais longas e, quando aparecem vogais curtas, pode-se colocar as mãos na cintura. Também é possível escrever palavras no chão, por exemplo, com o uso de espuma.
Movimentos anteriormente combinados podem ser usados para comunicar a identificação de termos genéricos, preposições locais ou para memorizar palavras ou textos (GASSE; DOBELSTEIN, 2003 apudGUNDT, 2007; MÜLLER; PETZOLD, 2014). Os alunos podem perceber as letras de forma corporal por meio da propriocepção cinestésica. Também podem percebê-las pelo tato, podem senti-las, pulando ou formando as letras com o próprio corpo. Os alunos também podem pular letras e palavras em um ABC pintado no chão ou, deitados no chão, podem desenhá-las com suas pernas. Eles podem ainda desenhá-las nas costas de um colega ou no ar com a mão de um colega que esteja de olhos fechados (LAGING, 2017; MÜLLER, 2010). A própria escrita, usando a mão, é uma experiência espacial pelo próprio corpo, como salienta Beckmann (2013).
Para exercitar o reconhecimento de sons ou a identificação de letras, há, por exemplo, o seguinte exercício: primeiro, define-se um determinado movimento para cada som/letra, depois se distribuem fichas, cada uma com uma foto de um objeto diferente, entre os alunos. Os alunos têm que reconhecer se o objeto na sua ficha contém aquele som ou letra, que o docente comunica em voz alta para a turma. Caso o nome do objeto contenha o som ou a letra, o aluno deve realizar o movimento combinado.
O movimento pode expressar também questões de gramática e ortografia (MÜLLER, 2010). Se um substantivo é escrito com letra maiúscula no início, por exemplo, por representar um nome próprio, isso pode ser expresso por um movimento combinado anteriormente, como esticar-se. A compreensão de advérbios locais pode ser apoiada por exercícios como esse: enquanto o docente lê frases, em um exercício em dupla, um aluno se posiciona na frente, atrás ou ao lado do colega, dependendo do advérbio local escutado (BECKMANN, 2013). A colocação de signos gramaticais também pode ser expressa corporalmente: a interrogação, por meio de uma posição em flexão, o ponto, por um abaixamento, e a exclamação, ficando na ponta do pé. As formas temporais dos verbos podem ser simbolizadas por um movimento para trás ou para frente. Ademais, é possível combinar movimentos com relação a decisões corretas ou falsas sobre ortografia ou aplicação de artigos e preposições (MÜLLER, 2010; VOSS, 2015).
Trata-se aqui de exemplos de atividades com movimento que facilitam a aprendizagem, porque ele se acopla diretamente à aquisição de conhecimento linguístico. São exemplos de exercícios que se referem aos processos de leitura de níveis hierárquicos inferiores (identificação de signos, partes de palavras, palavras ou articulação sintática de partes de frases ou articulações de frases).
Se a representação lúdica ultrapassa o nível de palavras e frases, passa-se ao treinamento dos processos de leitura nos níveis hierárquicos superiores. Por exemplo, pedir que os alunos expressem seus sentimentos durante a leitura por meio de mímicas. Com uma corda de pular pode se ativar o conhecimento prévio sobre um texto ou explorar o vocabulário (MÜLLER, 2010; VOSS, 2015). É possível motivar os alunos para que experimentem e memorizem poemas com o auxílio de movimentos sensatos, encenando histórias, canções ou textos literários (ANRICH, 2002; FISCHER, 2000; MÜLLER, 2010). Para isso, podem ser produzidos e usados bonecos de dedo/mão, máscaras e jogo de sombra (MÜLLER, 2010).
A encenação ou dramatizações podem ajudar a construir imagens internas (GUNDT, 2007) ou, como Kintsch e Van Dijk (1978) chamam, um modelo de situação daquilo que foi lido. Na leitura compreensiva, o modelo situativo, construído pelo leitor, é importante, mas “[…] muitas crianças apresentam problema especialmente nesta parte. Elas consumiram predominantemente imagens prontas e, por isso, não têm ou têm apenas insuficientemente desenvolvidas as capacidades de imaginação” (GUNDT, 2007, p. 214).
Müller e Kschamer (2016) apresentam cerca de cem ideias para serem aplicadas na matéria escolar de ensino de alemão. Elas são distribuídas em atividades para a promoção do falar e escutar (19 atividades com movimento), do escrever (23), do ler e compreender (17) e da tematização da linguagem (42). Os exemplos aqui apresentados anteriormente se referiam predominantemente a um treinamento de competências básicas da leitura, por isso optamos por listar, a seguir, algumas atividades descritas por esses autores que se referem à compreensão da leitura e à leitura literária. Escolhemos, entre as diversas atividades, aquelas nas quais o movimento assume a função de facilitar a aprendizagem e que se associam aos processos hierarquicamente superiores da leitura.
Atividade didático-metodológica | Descrição da atividade |
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Jogo ad libitum | Representação de fábulas, lendas e parábolas com mímica, gestos, linguagem corporal e movimento. |
Jogo de bonecas com varetas | Construção de bonecas com varetas, representando as protagonistas de um texto. |
Jogo de sombra | Representação de cenas sem verbalização. |
Pantomina | Representação pantomímica das relações das figuras do texto. |
Constelação de figuras | Distribuição de figuras literárias ligadas por meio de cordas/elásticos para refletir a rede de relacionamentos. |
Memorizar poemas de forma movida | Memorizar um poema durante uma caminhada e recitá-lo com uma apresentação corporal de acordo com seu conteúdo. |
Poema-círculo | Cada verso de um poema é escrito em uma ficha separada. Distribuem-se as fichas entre os alunos, que andam pela sala e memorizam seu verso. Depois os alunos se colocam na ordem certa e recitam o poema em voz alta. Posteriormente as fichas são trocadas. |
Teatro estudantil | Representação de cenas de textos. |
Imagem estática | O aluno assume uma postura de uma imagem estática que reflete uma situação do texto. A imagem estática também pode ser desenvolvida no decorrer da leitura do texto. |
Direção de cena | Um ou mais alunos leem um texto que inclui uma direção de cena e seguem essas instruções. |
Memória de conto | São distribuídas partes de diversos contos. Os alunos recebem fichas em branco e andam pela sala, lendo as partes dos textos e anotando na sua ficha o possível nome do conto, e, por fim, colocam a ficha ao lado do trecho. |
Considerações finais
Aprender não se reduz a processos cognitivos. Isso também vale quando se trata de aprender a ler. Modelos de leitura, como o modelo de processamento textual de Kintsch e Van Dijk (1978) e as teorias de aprendizagem autorregulada, ilustram isso. O ser humano como um todo está envolvido no processo de ensino-aprendizagem. O corpo, suas sensações e suas percepções contribuem para a aprendizagem, assim como a psique, a motivação e a volição e o autoconceito influenciam a aprendizagem, como apresenta a teoria de Heckhausen (1989).
As razões a favor da integração do movimento físico no processo de ensino-aprendizagem aqui apresentadas nos lembram do valor das experiências não-verbais corporais, como afirma Liechti (2000 apudBECKMANN, 2013), e tornam plausível, especialmente em uma existência verbalizada, o Aprender em Movimento.
Afirmações fundamentais, como aquelas que todas as atividades que envolvem movimento “[…] [promovem] uma cooperação dos sentidos e provocam reações complexas de adaptação, que ajudam na resposta aos estímulos sensoriais” (REGENSBURGER PROJEKTGRUPPE, 2001, p. 87-88), sugerem uma resposta positiva às quatro perguntas norteadoras formuladas na introdução que reflete a nossa posição.
Assim, (A) as razões apresentadas na nossa análise nos levam a esperar um ganho na aquisição da competência de leitura por meio de aulas fisicamente ativas. (B) A respeito da sensibilização da percepção sensorial, espera-se um ganho devido à ativação simultânea de sentidos diferentes, inclusive do movimento, pois, desta forma, aumentam-se a capacidade de memória, a capacidade de concentração e a motivação para aprender. (C) No que se refere à função do movimento de facilitar a aprendizagem, a complexidade do processo de leitura implica competências de memória e motivação, fatores indispensáveis nesse processo, conforme foi demonstrado à luz do modelo de processamento de texto de Kintsch e Van Dijk (1978) e da teoria de rubicão de Heckhausen (1989). Desta forma, as aulas fisicamente ativas podem, como indica a literatura, contribuir para memória, motivação e volição. (D) Por fim, quanto às atividades de leitura que incluem a integração de percepções sensoriais, mostrou-se a diferença entre atividades de ensino que aumentam o movimento físico em sala de aula, contudo, sem necessariamente serem articuladas com o conteúdo de ensino, e atividades que propõem movimentos ligados ao objetivo de ensino e aprendizagem. Com relação às últimas, novamente distinguimos entre atividades que correspondem a processos hierarquicamente inferiores e que correspondem a processos hierarquicamente superiores da leitura, segundo o modelo de Kintsch e Van Dijk (1978).
Salientamos a importância de reconhecer que um aprendizado de forma disciplinada não se expressa apenas por meio de um comportamento silencioso e de uma postura sentada do aluno. Ao mesmo tempo, ressaltamos que não é necessário tornar o ensino de leitura em um ensino de educação física. Existem diversas atividades de ensino e aprendizagem que implicam movimentos de intensidades leves e moderadas para promover a competência de leitura.