Introdução
A evasão no ensino superior pode ser compreendida como a interrupção ou a suspensão do processo formativo da graduação antes de sua conclusão. Na esfera pública, afeta a eficiência dos investimentos em educação; na esfera privada, projetos individuais de qualificação profissional. Este estudo pretende, além de apresentar informações localizadas a respeito do fenômeno (e de suas correlações com outras variáveis), contribuir para a análise do tema numa perspectiva metodológica e institucional. Metodologicamente, busca exercitar a análise da evasão a partir de registros administrativos. Institucionalmente, aponta para a importância de um sistema institucional de coleta e atualização de dados. As vantagens do uso de registros administrativos, em geral, estão relacionadas ao: nível de cobertura; frequência de atualização de dados; maior desagregação e baixo custo de coleta.
A estrutura do artigo está subdividida em: Revisão de literatura e apresentação da instituição de ensino avaliada – Unioeste; Metodologia dos dados; Resultados e discussões e Considerações finais.
Revisão da literatura
Na educação superior, o termo evasão é frequentemente utilizado referindo-se a “perda” ou “fuga” de alunos ( KIRA, 1998 ). Baggi e Lopes (2011) e Morosini et al. (2011) definem a evasão como a saída do aluno da instituição antes da conclusão do curso. A não efetivação da matrícula ao findar do período letivo (anual ou semestral), o cancelamento da matrícula ou o simples abandono durante o período letivo são também formulações descritivas da evasão ( SANTOS, 2013 ). De modo geral, tais definições podem ser sintetizadas na “saída definitiva do aluno de seu curso de origem, sem concluí-lo” ( BRASIL, 1996 , p. 15). Coimbra; Silva e Costa (2021, p. 14) vão além condicionando o fenômeno à condição de exclusão e “fracasso institucional”.
O estudo da evasão na educação superior tem como exemplo importante o Projeto Alfa-GUIA – Gestão Universitária Integral do Abandono, coordenado pela Universidade Politécnica de Madrid e financiado pela União Europeia, que desde 2010 reúne mais de 20 países da América Latina e Europa. O objetivo é conhecer as causas do abandono universitário para pensar alternativas de enfrentamento.
El abandono de los estudios universitarios, antes de llegar a su finalización, es un fenómeno muy extendido. Según datos de la Unesco, la OCDE y el Banco Mundial, el abandono de los estudios en la Educación Superior puede llegar a alcanzar tasas en torno al 40%, repercutiendo muy negativamente en el desarrollo económico y social de los países, especialmente de los que se encuentran en vías de desarrollo. (ARRIAGA; CASARAVILLA; BURILLO, 2014, p. 6).
Apesar da dimensão do problema, os estudos sobre a evasão apresentam uma produção, se não mais escassa, como destacam Friegeben, Diaz e Fernández (2013), num dos relatórios do projeto Alfa -GUIA sobre a América Latina e Caribe, marcada por estudos pontuais, gerando uma produção fragmentada de difícil generalização de resultados (ARAÚJO; SILVA; PEDERNEIRAS, 2021, p. 258).
Vicent Tinto, da Universidade de Syracuse, destaca-se em pesquisas sobre a evasão na educação superior, a partir de 1975. Ele desenvolveu uma perspectiva analítica que considera a “integração” do estudante na instituição como eixo da sua manutenção. Seria essa integração que permitiria comprometimento suficiente para que o estudante pudesse alcançar a conclusão de seu curso. Tinto também contribui para entender a evasão como um processo complexo, multifacetado e multicausal, pois:
[...] envolve não só uma variedade de perspectivas, mas também uma gama de diferentes tipos de abandono. [...] O estudo da evasão no ensino superior é extremamente complexo porque envolve não só uma variedade de perspectivas, mas também uma gama de diferentes tipos de abandono. [...] provavelmente, nenhuma definição pode captar totalmente a complexidade deste fenômeno universitário. Pesquisadores e funcionários das instituições devem escolher cuidadosamente as definições que melhor se ajustem aos seus interesses e objetivos. [...]. ( TINTO, 1989 , s/p., tradução nossa).
Entretanto, a grande maioria acata a formulação de Tinto (1989) a respeito dos momentos críticos do abandono, no início do curso, por dificuldade na transição entre estudos médios e superiores; a decepção com a instituição ou a vida universitária e, por fim, um desempenho acadêmico ruim (FRIEGEBEN; DIAZ; FERNÁNDEZ, 2013).
Coulon (2017) , que não destoa de Tinto, apoia-se nos estudos da etnometodologia para desenvolver o conceito de “afiliação” que, segundo o autor, é o momento em que o estudante apreende os métodos de interação dentro do ambiente universitário, fundamentais para o domínio dos processos práticos necessários à formação. A afiliação levaria à construção do habitus de estudante que o insere em “universo social e mental com referências e perspectivas comuns” ( COULON, 2017 , p. 1247), onde são fundidos laços sociais fundamentais ao sucesso do empreendimento que, nesse caso, é a condução do ensino superior.
Ao analisar o sistema de educação na sociedade francesa da década de 60, Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999) rompem com a perspectiva individualista atribuída à trajetória educacional integrando-a às articulações estruturais dos diferentes capitais onde se inserem os “herdeiros” (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M., 2015). Esses sujeitos desempenham papéis determinados e fundamentais dentro do processo de reprodução das relações sociais. A consequência dessa abordagem é desmistificar a aura meritocrática atribuída ao ambiente escolar que encobre as desigualdades sociais na falácia dos “dons naturais”, convertendo privilégios sociais em méritos individuais (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M., 2015).
A produção brasileira sobre a evasão no movimento da ampliação do sistema de educação superior tem como característica marcante o foco institucional, utilizando metodologias específicas de coleta de dados e, portanto, fontes de dados e formas de mensurações também específicas.
[...] a metodologia aplicada pela maior parte dos trabalhos que tratam da evasão em casos específicos impede que os resultados obtidos sejam generalizados ou implica elevados custos em sua reprodução em outras IES. Por exemplo, a maior parte dos trabalhos geralmente se apoia na aplicação de questionários aos alunos evadidos ou estes alunos são entrevistados pelo pesquisador. ( SILVA, 2013 , p. 312).
O resultado desse conjunto de abordagens tem apresentado estudos localizados, com implicações específicas e restritas como, por exemplo: a evasão nos cursos de graduação da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), tratada por Veloso e Almeida (2002) , no curso de engenharia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), por Rios, Santos e Nascimento (2001) ou no curso de Química da Universidade de Brasília (UnB), pelo trabalho de Cunha, Tunes e Silva (2001). Metodologicamente, também assume posições específicas: Andriola, Andriola e Moura (2006) entrevistaram professores e coordenadores dos cursos de graduação da Universidade Federal do Ceará; Zago (2006) fez a análise de questionários respondidos por estudantes; Silva; Rodrigues; Brito (2012) entrevistaram estudantes que concluíram o curso de Educação Física na Universidade Federal do Piauí e estudantes que evadiram, caracterizando, assim, perfil da literatura nacional a respeito do tema.
Uma consequência desse foco institucional é a ausência de estudos gerais para o caso brasileiro e, quando esses ocorrem, as distinções metodológicas conduzem a contabilidades distintas, o que dificulta uma avaliação e mesmo uma discussão acerca do quadro geral do panorama nacional. Exemplos dessas distinções podem ser observados nas diferentes taxas de evasão apresentadas no ensino superior brasileiro: Silva Filho et al. (2007) estimam 22%; Ristoff (2013) , 44%. Em 2016, o então ministro da educação Mendonça Filho, ao apresentar os dados do Censo do Ensino Superior 2014, estimou o percentual de 49% ( BRASIL, 2015 ); segundo Lobo (2012) , o percentual entre 2011 e 2012 foi de 29%, contabilizando a partir da variação das matrículas (método utilizado para estimação); o mesmo valor é apresentado para o período 2014 e 2015.
A Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)
A Unioeste, objeto deste estudo, é uma instituição pública, gratuita, laica do sistema Estadual de Educação Superior do Paraná. Seu reconhecimento como Universidade foi obtido por meio da Portaria Ministerial n° 1784-A, de 23 de dezembro de 1994, e do Parecer do Conselho Estadual de Educação n° 137/1994. É, portanto, uma instituição jovem, de cunho predominantemente regional, com característica multicampi.
No momento da coleta dos dados (2018/1), a Unioeste ofertava 65 cursos de graduação presencial. Para efeito desta análise foram agregados: mesmos cursos ofertados em diferentes campi ; mesmos cursos em modalidades diferentes; mesmos cursos com diferentes habilitações. Na base de dados final foram considerados então 39 cursos, distribuídos em cinco campi , localizados nos municípios de Cascavel, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Marechal Cândido Rondon e Toledo.
Metodologia e dados
Os dados analisados nesta pesquisa foram levantados pelo Núcleo de Tecnologia da Informação (NTI) da Unioeste. As informações foram coletadas no primeiro semestre de 2018 e são referentes aos estudantes ingressantes no período de 2010 a 2015 (n=14.413). O corte 2015 (considerando que os dados foram coletados em 2018) tem por objetivo propiciar aos estudantes da amostra (e para o estudo) tempo para a definição de sua situação na universidade (continua cursando, graduou ou evadiu).
Neste trabalho, a condição de evasão foi caracterizada a partir das seguintes situações em que o aluno incorre e que são lançadas nos registros administrativos da instituição: “abandono”, quando o aluno desiste do curso, mas com possibilidade de retorno em um prazo máximo de um ano; “cancelado por abandono”, quando o estudante não retorna ao fim do primeiro ano de abandono e “cancelado”, quando o aluno espontaneamente solicita o desligamento do curso.
A composição da base de dados deste estudo utilizou três fontes de informações: a) dados do questionário socioeconômico3 ; b) informações de matrícula e; c) informações de desempenho acadêmico. Essa diversidade de campos de informação permitiu uma análise multifacetada da evasão na instituição.
Para as respostas coletadas, tanto em aspectos gerais como em relação ao grupo evadido/não evadido, foram utilizadas estatísticas descritivas tais como média, mediana, desvio padrão, frequência absoluta e frequência relativa. A fim de avaliar possíveis relações de dependência entre a situação evadir/permanecer e as demais variáveis pesquisadas, serão desenvolvidos testes de comparação. Entre as variáveis categóricas será utilizado o teste χ2. Já entre as variáveis quantitativas, será utilizado o teste T-Student ou o Wilcoxon . Para a seleção do teste de médias ( T-Student ) ou mediana ( Wilcoxon ), é avaliada a normalidade dos dados pelo teste de Shapiro-Wilk. Se a condição de normalidade for satisfeita, então será aplicado o teste T-Student , caso contrário o teste de Wilcoxon.
Para as variáveis taxa média de concorrência no vestibular e taxa de evasão por curso, será avaliado o grau de correlação. Se a condição de normalidade for satisfeita, essa medida será mensurada e testada pela correlação de Pearson; caso contrário, será a correlação de Spearman. Esse resultado é um valor entre -1 e 1, que indica o grau de associação entre as variáveis. Quanto mais próximo de zero, menor é o grau. Se for próximo a um, existe uma relação forte e diretamente proporcional; se for próximo a menos um, essa relação é forte, porém inversamente proporcional.
Todas as estatísticas foram desenvolvidas no software R ( R Core Team , 2020) e o nível de significância assumido foi de 5%.
Resultados e discussões
A situação de matrícula dos estudantes se distribui entre: cursando (3.307/ 22,94%); formado (4.715/32,71%); jubilado (18/0,12%); trancado (119/0,83%); transferência interna expedida (242/1,68%); transferidos de outra Instituição (2/0,01%); transferido para outra IES (74/0,51%); abandono (155/1,08%); cancelado (1.638/11,36%) e cancelado por abandono (4.143/28,74%). Na condição de evadidos, conforme descrito acima, foram identificados 5.936, correspondendo a 41,18% dos discentes.
Especificamente com relação aos cursos ( Figura 1 ), constatou-se no curso de Matemática a maior taxa de evasão, 72,37%; já o curso de Odontologia foi o que apresentou menor taxa, 5,71%. As linhas horizontais, na Figura 1 , identificam 50% e 30%.
Para efeitos desta análise, considerou-se como de alta evasão cursos com taxa maior que 50% e baixa evasão cursos com menos de 30% de evadidos. Observa-se que diferentes cursos, de distintas áreas de conhecimento, distribuem-se dentro dessas três categorias (baixa, intermediária e alta), revelando que outras questões (para além da área de conhecimento) são determinantes na decisão de evadir.
A Tabela 1 apresenta a frequência absoluta e relativa da distribuição dos alunos, total e grupo de evadidos, conforme variáveis do questionário socioeconômico. Entre parênteses são apresentados os números de discentes. O p-valor refere-se ao resultado apresentado pelo teste em estudo.
Aspectos: questionário socioeconômico | Total | Evadiu | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|
Renda familiar | Menos que 1 salário mínimo | 3,69% (408) | 44,85% (183 | <0,001 | |
1 a 2 salários mínimos | 34,33% (3799) | 43,20% (1641) | |||
3 a 4 salários mínimos | 33,35% (3690) | 39,08% (1442) | |||
5 a 10 salários mínimos | 22,39% (2478) | 36,52% (905) | |||
11 a 15 salários mínimos | 3,80% (420) | 36,43% (153) | |||
16 ou mais salários mínimos | 2,45% (271) | 29,89% (81) | |||
Trabalho e auxílio financeiro | Desempregado e responsável pelo próprio sustento | 1,97% (218) | 46,79% (102) | <0,001 | |
Não trabalha e os gastos são financiados pela família/outros. | 51,66% (5717) | 33,16% (1896) | |||
Trabalha e é responsável pelo próprio sustento e/ou da família | 26,86% (2972) | 50,84% (1511) | |||
Trabalha e recebe ajuda financeira da família e/ou outros | 19,51% (2159) | 41,50% (896) | |||
Escolaridade do pai | Pós- Graduação | 5,87% (650) | 34,31% (223) | <0,001 | |
Superior | 11,46% (1268) | 34,15% (433) | |||
Ensino Médio | 31,58% (3495) | 38,88% (1359) | |||
Ensino Fundamental | 19,63% (2172) | 42,54% (924) | |||
Ensino Fundamental incompleto | 27,96% (3094) | 41,24% (1276) | |||
Sem escolaridade | 3,50% (387) | 49,10% (190) | |||
Curso preparatório pré-vestibular | Não frequentou | 65,13% (7207) | 44,36% (3197) | <0,001 | |
Frequentou por menos de um semestre | 10,58% (1171) | 36,89% (432) | |||
Frequentou por um semestre | 9,62% (1065) | 34,18% (364) | |||
Frequentou por um ano | 10,05% (1112) | 28,15% (313) | |||
Frequentou por mais de um ano | 4,62% (511) | 19,37% (99) |
Fonte: Elaboração própria.
Observe que a análise da relação entre evasão e as demais variáveis (renda familiar, trabalho e auxílio financeiro, escolaridade do pai e curso preparatório pré-vestibular) mostrou uma associação estatisticamente significativa (teste com nível descritivo <0,001).
Como já apontado por diversas pesquisas (MAZZETTO; CARNEIRO, 2002; ANDRIOLA; ANDRIOLA; MOURA, 2006; CARVALHO; TAFNER, 2006 ), a relação da evasão com a renda familiar é inversamente proporcional: quanto maior a renda, menor a taxa de evasão. Apesar do reconhecimento geral dessa relação também “há um consenso de que os fatores econômicos não são os únicos responsáveis pelo abandono dos cursos de graduação” (MOROSINI et al ., 2011, p. 9).
Como provável consequência da situação econômica familiar está o exercício de trabalho, por parte do estudante, simultâneo ao curso superior. Na Unioeste, mais de 48% dos estudantes declararam, no questionário socioeconômico, que estavam trabalhando no momento do vestibular. Nesse grupo, o percentual de evasão é em torno de 46%, quase 15% a mais do que estudantes que declararam não trabalhar. A associação entre trabalho e evasão também foi encontrada por estudos desenvolvidos por Polydoro (2000) , Braga; Peixoto e Bogutchi (2001), Andriola; Andriola e Moura (2006) e Carvalho e Tafner (2006) .
A escolaridade dos pais é outra variável de possível implicação econômica. Neste estudo, foram coletadas informações tanto da escolaridade paterna como materna. Os dados revelaram forte coincidência entre a escolaridade dos cônjuges; nesse sentido, optou-se por apresentar apenas a escolaridade paterna ( Tabela 1 ). Observa-se, também, que quanto maior a escolaridade dos pais, menor é a evasão dos filhos.
Com relação ao aluno ter ou não realizado curso preparatório pré-vestibular e por quanto tempo, as informações revelam uma relação inversamente proporcional em que quanto maior o tempo aplicado em preparação pré-vestibular, menor é a taxa de evasão.
Os dados coletados no processo de matrícula revelam que alunos que evadem ingressam na universidade em média 1,44 anos mais velhos dos que aqueles que permanecem. Carvalho e Tafner (2006) , utilizando dados da (PNAD), também observaram que à medida que aumenta a idade do indivíduo, cresce o índice de evasão, tanto para homens quanto para mulheres ( CARVALHO; TAFNER, 2006 ). Com respeito a sexo, os autores observaram que mulheres entre 20 e 34 anos evadem mais.
A pesquisa na Unioeste constatou o contrário: aqui as mulheres permanecem mais na universidade, tendo um percentual de evasão 9,68% menor que os estudantes do sexo masculino ( Tabela 2 ).
Aspectos individuais | Total | Evasão | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 41,03% (5914) | 46,89% (2773) | <0,001 |
Feminino | 58,97% (8499) | 37,21% (3163) | ||
Cor ou Raça | Amarela | 1,29% (159) | 28,93% (46) | |
Branca | 81,47% (10057) | 36,67% (3688) | ||
Indígena | 0,25% (31) | 64,51% (20) | <0,001 | |
Parda | 13,32% (1644) | 45,01% (740) | ||
Preta | 2,24% (277) | 49,93% (130) | ||
Não declarada | 1,43% (176) | 43,18% (76) | ------- | |
Instituição Ens. Médio | Pública | 73,94% (10657) | 41,68% (4442) | <0,001 |
Privada | 24,90% (3589) | 37,56% (1348) | ||
Não declarada | 1,16% (167) | 87,42% (146) |
Fonte: Elaboração própria.
Com respeito à “cor ou raça”, a distribuição dos estudantes da Unioeste entre as categorias diferencia-se da distribuição da população na região Oeste do PR4. De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010 (BRASIL; IBGE, 2012), pretos e pardos, que compõem 29,59% da população mesorregional, representam apenas 15,56% dos alunos da Unioeste. Esses grupos, além de sub representados na universidade, têm taxa de evasão superior: 49,93% e 45,01%, respectivamente, contra 36,67 entre estudantes brancos ( Tabela 2 ).
Em recente estudo acerca dos reflexos da escravidão na situação socioeconômica de pretos e pardos no Brasil, Gomes (2019) aponta que a participação desses grupos entre os 10% mais pobres é de 78%. Com respeito à educação, o autor mostra que a média de anos de estudo entre brancos é mais que o dobro em comparação com pretos e pardos. O índice de analfabetismo segue essa mesma distribuição. Em cursos superiores de mestrado e doutorado, esses grupos representavam apenas 29% dos estudantes. Tais informações corroboram a desigualdade observada na Unioeste.
Observa-se que maioria dos estudantes da Unioeste procede de escolas públicas (73,94%). Esse grupo evade 4,12% mais que os estudantes egressos de escolas privadas. Estudos associam a evasão ao desempenho acadêmico insuficiente e a altos índices de reprovação (CUNHA; TUNES; SILVA, 2001; MAZZETTO; CARNEIRO, 2002). Carvalho e Tafner (2006) associam o desempenho insuficiente à baixa qualidade do ensino médio. Sampaio e Guimarães (2009) demonstram superioridade das escolas privadas na preparação para o ensino superior. Nessa articulação de estudos, pode ser compreendida a distribuição dos dados na Unioeste. A Tabela 2 mostra as frequências relativas e absolutas para cada uma das variáveis comentadas e a situação com respeito à evasão. As associações observadas são estatisticamente significativas (p-valor <0,001).
Analisando os dados na perspectiva da modalidade do curso, bacharelado ou licenciatura5 ( Tabela 3 ), as taxas relativas de evasão apresentam diferenças significativas. A modalidade Licenciatura apresenta um percentual de evasão 12,06% superior ao bacharelado (exceto no curso de Pedagogia, cujo percentual de evasão é de 29,54% inserindo-se, portanto, no limite entre os cursos considerados como de “baixa evasão”).
Aspectos institucionais | Total | Evadiu | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Modalidade | Bacharelado | 62,90% (9066) | 36,91% (3346) | <0,001 |
Licenciatura | 33,76% (4866) | 48,97% (2383) | ||
Bacharelado e Licenciatura | 3,34% (481) | 43,04% (207) | ||
Turno | Integral | 31,70% (4569) | 34,32% (1568) | <0,001 |
Matutino | 19,24% (2773) | 41,51% (1151) | ||
Noturno | 48,55% (6998) | 45,18% (3162) | ||
Tipo de ngresso | Vestibular | 78,73% (11348) | 39,76% (4512) | <0,001 |
SISU | 14,28% (2058) | 43,97% (905) | ||
Outros | 6,99% (1007) | 51,54% (519) | ||
Vaga | Cotista | 39,37% (5675) | 36,14% (2051) | <0,001 |
Não Cotista | 60,63% (8738) | 44,46% (3885) | ||
Série dos discentes | 1º ano* | 22,55% (3250) | 95,17% (3093) | |
2º ano | 14,34% (2067) | 82,39% (1703) | ||
3º ano | 7,98% (1150) | 60,35% (694) | ---- | |
4º ano | 15,53% (2239) | 17,42% (390) | ||
5º ano | 6,38% (290) | 6,09% (56) | ||
6º ano | 0,50% (72) | 0,00% (0) | ||
Formando | 32,71% (4715) | ----- | ------ |
Fonte: Elaboração própria.
Silva Filho et al . (2007) identificaram o Curso de Formação de Professores da Educação Básica/Normal Superior como a segunda maior taxa de evasão (atrás apenas do curso de matemática). Cardoso (2008) também identificou a maior evasão nos cursos de licenciatura e seguindo uma metodologia proposta por Veloso (2009) classificou a modalidade licenciatura (dentro das áreas de Humanidades e Ciências) como cursos de baixo prestígio social ( CARDOSO, 2008 ).
Com respeito ao turno, na Unioeste, observa-se que alunos dos cursos noturnos evadem 10,86% mais6 que alunos dos turnos integrais. Essa associação também foi observada em outros estudos de Carvalho e Tafner (2006) . Em se tratando da forma de ingresso dos estudantes na universidade, a análise dos dados revelou que entre alunos que ingressaram via concurso vestibular o percentual de evasão é de 39,76%; ingressantes via Sistema de Seleção Unificada (SISU) evadem 4,24% mais ( Tabela 3 ).
Uma variável importante de ser analisada sob o ponto de vista da evasão é o ingresso do aluno por meio de vaga regular ou vaga como cotista, reservada para alunos egressos de escolas públicas (política instituída na Unioeste no ano de 2009). Como mostrado acima, considerando a evasão especificamente sob o ponto de vista da dependência administrativa da escola de origem, observou-se que egressos de escolas públicas evadem mais. Como a política de reserva de vagas na Unioeste foca exatamente nesse grupo, seria de se esperar uma taxa maior de evasão também entre alunos cotistas. No entanto, isso não ocorre.
Observa-se na Tabela 3 que, entre alunos cotistas, o percentual de evasão é de 8,32% menor do que entre alunos não cotistas. Esse comportamento do aluno cotista também é observado por Cardoso (2008) , ao analisar a política de cotas na Universidade de Brasília. Por não ser o foco desta pesquisa, essa discussão não será aprofundada, mas é uma questão importante de ser investigada posteriormente.
Com respeito à fase do curso, observa-se, ainda na Tabela 3 , que a evasão ocorre majoritariamente nos primeiros períodos. Essa situação também foi constatada por outros autores: Silva Filho et al. (2007) e Cardoso (2008) . Isso corrobora as teorias de Tinto (1975) e Coulon (2017) que colocam a evasão como resultado da falha ou dificuldade do estudante recém-ingresso em se integrar a redes de sociabilidade, adaptar à organização institucional e corresponder as exigências de desempenho acadêmico.
Por fim, a pesquisa explorou características do desempenho acadêmico e sua relação com o processo de evasão ( Tabela 4 ). As variáveis foram expressas em valores quantitativos, sendo assim, as análises foram efetuadas por comparação entre médias, dado que a condição de normalidade das distribuições foi satisfeita. Os resultados apresentados na Tabela 4 referem-se ao teste de médias T-Student e o p-valor refere-se ao resultado apresentado pelo teste em estudo.
Aspectos institucionais – quantitativos | Evadiu | Não Evadiu | p-valor |
---|---|---|---|
Tempo de permanência na instituição | 2,08 ± 1,70 | 4,55 ± 1,28 | <0,001 |
Disciplinas reprovadas | 8,74 ± 8,34 | 4,83 ± 8,51 | <0,001 |
Disciplinas reprovadas por frequência | 6,22 ± 6,03 | 2,04 ± 4,61 | <0,001 |
Concorrência do vestibular | 4,55 ± 6,09 | 9,39 ± 15,01 | <0,001 |
Fonte: Elaboração própria.
O rendimento acadêmico segue nessa linha previsível apontando que alunos evadidos somam mais reprovações, principalmente no caso de reprovações por frequência. No caso de reprovações por rendimento acadêmico, a situação deve ser examinada com mais cuidado, pois pode envolver fatores como fraco background e dificuldades de adaptação a novas situações de aprendizado, como aponta Tinto (1989) . Essa questão é observada também por outros autores como Cunha, Tunes e Silva (2001), Mazzetto e Carneiro (2002) e Cardoso (2008) .
Ao mensurar a correlação entre concorrência no concurso vestibular (candidatos/vaga) e o percentual evasão nos cursos, na Figura 2 – removendo o curso de medicina7 , pode-se observar uma relação inversa e estatisticamente significante entre as taxas: quanto maior a concorrência por vagas, menor a evasão (correlação de Pearson= -0,77; p-valor < 0,001). Cardoso (2008) e Veloso (2009) utilizaram o desempenho do aluno frente à concorrência por vagas para compor um indicador proxy usado para estimar a renda per capita das famílias de estudantes da Universidade de Brasília. Tendo por referência scores obtidos no vestibular, eles criaram categorias de Prestígio Social dos cursos para avaliar desempenho e evasão.
Segundo Veloso (2009 , p. 625), “o agrupamento original foi construído com base nas médias do desempenho no vestibular (argumento final) para cada curso e dos respectivos desvios padrão”. Torna-se relevante citar essa abordagem ao discutir-se a concorrência no vestibular relacionada à evasão. Isso porque a associação demonstra que, de uma forma ou de outra, a concorrência na seleção para ingresso na universidade relaciona-se, mesmo que indiretamente, com a renda familiar dos estudantes.
Análise preliminar
Pode-se perceber que a evasão na Unioeste não foge dos padrões observados em outras universidades. Quase todas as variáveis aqui coletadas e analisadas foram também utilizadas nos diversos estudos realizados. Além disso, todas mostraram-se determinantes e com impactos muito similares. Isso aponta que a evasão no ensino superior tem muitos de seus padrões já compreendidos e que experiências bem-sucedidas de mitigação podem ser compartilhadas.
Há, no entanto, uma consideração importante a ser feita a partir das observações na Unioeste, seja pelas características da universidade, seja pelas experiências docentes dos autores deste estudo: segundo Morosini et al . (2011, p. 19), “há um consenso de que os fatores econômicos não são os únicos responsáveis pelo abandono nos cursos de graduação”.
Embora totalmente de acordo com a multicausalidade do fenômeno da evasão, observou-se neste estudo (e na experiência docente) grande relevância do fator econômico nesse processo. Não imediatamente, numa relação direta, em que, por exemplo: baixo rendimento financeiro implicaria falta de dinheiro para transporte, compra de livros ou necessidade iminente de trabalhar durante o período de aulas. Todavia, em uma perspectiva mais ampla, em que baixo rendimento econômico associa-se à baixa escolaridade dos pais; ao modelo de escola de origem; à possibilidade de cursar preparatórios pré-vestibular; à necessidade de exercício de trabalho concomitante ao curso superior; à limitação de escolha de curso - provocada tanto pela necessidade de cursá-lo em período noturno, como pela concorrência de ingresso. Ressalte-se aqui a natureza da variável proxy construída para avaliação da renda familiar por Cardoso (2008) e Veloso (2009) . Enfim, quanto a um background completo de limitações determinadas pela condição econômica, Bourdieu (1983) conceitua esse pacote como Habitus: sistema de disposições duráveis, estruturas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes.
O conceito de habitus é complexo, mas, nesse caso, pode ser relacionado a um conjunto de disposições socioculturais matizadas pela condição econômica que acabam determinando (mais ou menos) até onde o indivíduo pode ir. Nesse caso: qual curso tem condições reais de disputar e cursar e/ou as ponderações que são feitas no processo de construção da decisão de permanecer ou evadir da universidade (a relação custo-benefício do curso superior possível).
Ao considerar a dimensão fluida do universo social e os limites das construções teóricas que o tentam abarcar, essa compreensão é cheia de limites e exceções, não obstante, o habitus no qual o estudante está inserido precisa ser muito bem considerado pelas políticas sociais destinadas a avaliar e a mitigar o processo de evasão.
Considerações finais
Descrever o fenômeno da evasão por meio de informações estatísticas é fundamental para sua compreensão, mas é uma de suas dimensões. Neste estudo, a tentativa de identificar características de alunos que evadem buscou o indivíduo provável. Esse indivíduo revelou-se associado a: baixa renda familiar; reduzida escolaridade dos pais; escola de origem pública; inserção no mercado de trabalho; ensino noturno, ausência de curso pré-vestibular, cursos de menor concorrência, entre outras características já comentadas.
Em um exercício qualitativo de construção hipotética, é possível imaginar um estudante que no final do ensino médio planeja um determinado curso, mas que, por necessidade de dividir agenda de estudos com horário de trabalho, ingressa em outro ofertado em período noturno e no qual ele tenha mais chances de sucesso no processo de seleção. Caso selecionado, deixará o trabalho até às 18 horas para frequentar aulas entre aproximadamente 19 e 23 horas. É provável que sua rotina reinicie às 8 da manhã e que assim transcorram os primeiros dois anos do curso superior, período que, conforme a literatura, será decisivo no processo de evadir ou permanecer na universidade.
Quais seriam os prognósticos para a permanência desse estudante no curso de acordo com as referências teóricas examinadas? Salienta-se que “permanência”, nesse caso, não pode ser entendida como sinônimo de sucesso, uma vez que a própria escolha do curso pode ser determinada por limitações sociais.
Tomando o exemplo pela perspectiva de Tinto (1989) , é importante lembrar que para o autor a fase inicial do curso superior é crítica e envolve: (a) transição e adaptação ao novo modelo de ensino, (b) percepção da instituição e da vida universitária e (c) capacidade de satisfação das exigências de desempenho acadêmicas. Para o estudante em questão, a transição ao novo modelo social e pedagógico terá de ocorrer no espaço entre aulas (único tempo disponível). Esse também é o período possível para que haja alguma liberdade de interação com outros estudantes; também determinará o processo de percepção da instituição; e, da mesma forma, será o período em que se exercitará a satisfação das exigências de desempenho acadêmicas. Diante das limitações, é fácil constatar que o processo integrativo fica comprometido.
Na perspectiva de Coulon (2017) , a permanência na universidade é fortemente associada à ideia de afiliação, processo que envolve o domínio prático do conjunto de regras e códigos que permitem a construção de um habitus de estudante. Nesse caso, assim como em Tinto, é também muito provável a afiliação seja afetada por essas limitações.
Impactos dessa situação também podem ser muito bem compreendidos pela sociologia da educação de Bourdieu. As análises concernentes ao sistema escolar francês na década de 1960 parecem descrever as características da evasão analisadas neste trabalho: famílias com reduzido nível de educação e consequente baixo rendimento financeiro educam filhos dentro de um contexto social específico (capital cultural), em um sistema educacional precário. Nessas condições, o ensino superior, possivelmente, será conciliado ao trabalho e impactado pelas demais dificuldades pregressas.
Diante das três perspectivas de referência, pode-se concluir que condições econômico-sociais precárias impactam dramaticamente no processo de evasão.
Até aqui foram discutidas possíveis motivações para a decisão de evadir. Entre essas estão situações sobre as quais a universidade tem pouco ou nenhum poder de gestão, tampouco o aluno evadido. Tal perspectiva tem tristes pontos positivos: por um lado, distribui o fardo da evasão, comumente atribuído totalmente à universidade, entre as mazelas da sociedade desigual que tende a se reproduzir; da mesma forma, alivia a responsabilidade do estudante que, acometido de terríveis limitações, carrega ainda o sofrimento psicológico da culpa ao ter transformadas suas desvantagens sociais em deméritos pessoais, denunciando, assim, a falácia da meritocracia (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, M., 2015).
Não obstante, esse alívio não deve servir de estímulo ao fatalismo e inação. Melhor seria pensar em ajuste de foco dado que existem estudantes com severas dificuldades que persistem e estudantes em ótima situação que evadem. É nesse espaço que abordagens estatísticas mais complexas e técnicas qualitativas de investigação social podem apontar caminhos para uma educação superior mais eficiente e inclusiva.