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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 06-Ene-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349247988 

Artigos

Ensino confessional na escola laica? Teoria política e a ADI 4.439/2017 no Supremo Tribunal Federal

Confessional education in secular public schools? Political theory and the ADI 4.439/2017 at the Federal Supreme Court

1- Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil e

2Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, São Paulo, Brasil. Contato: sebrudas@gmail.com


Resumo

Com frequência entende-se que se a escola pública é laica o ensino religioso confessional não pode ser permitido. Neste artigo analiso como o Supremo Tribunal Federal brasileiro rejeita essa ideia, permitindo o ensino religioso confessional na escola pública. Pondero se o tribunal abriu mão de valores políticos fundamentais na ordem institucional instaurada na Constituição política, e se abandonou a função republicana presente na inclusão do ensino religioso na escola pública, adotando uma função de acordo com a qual o ensino público assiste na formação moral-religiosa dos discentes. Para apoiar esta tese identifico e avalio os quatro argumentos mais relevantes oferecidos pelo tribunal para apoiar sua decisão, a saber: o argumento facultativo, de acordo com o qual o fato do ensino confessional ser optativo garante a proteção dos valores políticos de uma democracia liberal; o argumento constitutivo, defendendo que só o ensino confessional pode ser ensino religioso; o argumento de acordo com o qual receber ensino religioso confessional é um direito básico; e o argumento histórico, que ressalta o fato de não haver razões suficientes para transformar o status quo de cooperação e reconhecimento da religião por parte do Estado. Ressalto que o ensino religioso confessional não é entendido como constitutivo da formação de virtudes democráticas, mas como assistência ao interesse das famílias em brindar educação religiosa a seus filhos e filhas. Defendo, portanto, que o tribunal não abriu mão da escola laica, mas tomou distância de uma concepção da escola laica que propõe a formação cidadã, e não a formação religiosa ou moral, como um dos seus propósitos fundamentais.

Palavras-Chave: Laicidade; Ensino religioso; Republicanismo; Pluralismo; Secularismo

Abstract

If a public school is to be secular, it is often assumed, then confessional religious education should not be allowed. In this article, I show how the Brazilian Federal Supreme Court rejected such implication, hence allowing religious confessional education in public schools. The article argues that the Court abandoned core constitutional values, substituting the republican function underlying the introduction of religious education in public schooling for a function that offers assistance to families in fulfilling their task of providing moral and religious education. To offer support to this claim, I identify the four main arguments presented by the Court in favor of its decision. The first one is the Facultative Argument. It argues that non mandatory confessional religious education is sufficient for guaranteeing basic liberal-democratic values. The second one is the Constitutive Argument. It maintains that only confessional education can be genuine religious education. The third one is the ‘Religion is a basic right’ argument, which maintains that confessional religious education must be permitted in public schools because access to religion is a basic right. The fourth argument is the Historical Argument. It defends the absence of strong reasons for forsaking the status quo of state – religions cooperation and mutual official recognition.

Key words: Secularism; Religious education; Republicanism; Pluralism; Laicism

“O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.”2

“O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.”3

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro permitiu a confessionalidade do ensino religioso oferecido nas escolas públicas.4 Com a decisão, contrariou-se uma opinião comum de acordo com a qual o ensino religioso confessional “é totalmente inconstitucional” ( CUNHA, 2009 , p. 274). Em 2015, por exemplo, o ministro do STF Roberto Barroso convocou uma audiência pública com o propósito de discutir a constitucionalidade do artigo 11 da Concordata entre o Estado brasileiro e o Vaticano. Participaram representantes de instituições estatais e de associações civis (religiosas e não), a maioria dos quais (56%) defenderam o ensino religioso não confessional ( MONTERO; GIRARDI, 2019 , p. 364). Assim, enquanto a opinião pública considerava que o ensino religioso devia ser não confessional, o STF permitia sua confessionalidade.5

Embora existam debates sobre o que deve ser entendido por ‘ensino religioso’, há consenso em que a característica central do ‘ensino religioso confessional’ é o seu propósito de ensinar a religião como verdadeira (CLAYTON et al. , 2018, p. 23). Em termos próprios de tradições religiosas cristãs, o propósito da educação confessional é evangelizador. Assim, a decisão do STF implica que, no curso de religião, é possível (mas não obrigatório) que ela seja ensinada como verdadeira. Ou seja, com a decisão do tribunal, abriu-se a possibilidade da existência de escolas públicas em que o Catequismo da Igreja Católica, as Verdades Fundamentais da Assembleia de Deus, a doutrina do Islã, ou qualquer outra doutrina religiosa com presença no Brasil, sejam ensinadas como (exclusivamente) verdadeiras. Esta é uma consequência radical, que desafia o imaginário de acordo com o qual a laicidade do Estado consiste no respeito à diversidade moral e à abstenção estatal em favorecer e/ou desencorajar uma doutrina religiosa em particular. Mais concretamente, a decisão desafia o entendimento comum – e legal – de que o Estado não pode realizar proselitismo de qualquer religião, doutrina ética, ou doutrina política. Embora a decisão do STF não abandone a expectativa de não proselitismo por parte do Estado, a definição do ensino religioso confessional (ERC) que o STF estabeleceu no Brasil é radical e só compatível com a laicidade estatal de uma forma contra intuitiva. O ERC pode adotar um tom ‘evangelizador,’ isto é, pode apresentar uma religião como verdadeira e pode ter como propósito convencer ou intensificar crenças religiosas dos estudantes. Se considerarmos o conteúdo de várias das maiores religiões com presença no Brasil, podemos dizer que é possível que no curso do ERC alguma religião seja ensinada como a única que é verdadeira, e que o restante das religiões seja apresentado – direita ou indiretamente – como falso. Numa sociedade regulada por uma constituição que reconhece a importância de respeitar o pluralismo, esta é uma consequência evidentemente problemática. Na medida em que essa é uma possibilidade que o STF abre com sua decisão, resulta tentador afirmar que a escola pública brasileira (já) não é laica. Com isso, a esperança criada pela Constituição de 1988 de promover uma sociedade aberta é prejudicada.6

Neste artigo defende-se que a permissão do ERC faz com que a escola laica perca uma função historicamente atribuída ao ensino público numa sociedade democrática, a saber, a de formar futuros cidadãos e cidadãs. O ensino religioso (ER), nessa função histórica do ensino público, faz parte dessa formação: virtudes de tolerância e respeito à diversidade podem ser cultivadas se alunos e alunas são socializados, em maior ou menor medida, na diversidade religiosa do país. Com a decisão, a função da escola laica – embora a decisão implique em que esse adjetivo possa ser seriamente questionado – passou a ser definida como parte fundamental da formação moral dos alunos e alunas. Ou seja, a escola participa no processo formativo de boas pessoas (em contraste com bons cidadãos e cidadãs). Contrariando as concepções liberais e republicanas sobre as funções do Estado – que defendem a autonomia das famílias e das associações civis para decidir que tipo de educação moral oferecer para as crianças – a decisão do STF atribui ao Estado essa função educadora sobre o que é ser moral. O Estado assiste às famílias e às religiões no processo de educação moral de suas crianças. Essa decisão é problemática porque, numa sociedade diversa como a brasileira, atribuir esse tipo de funções ao Estado pode resultar em sérias ameaças a valores de igualdade e liberdade. As seções 2 e 3 deste artigo oferecem argumentos mostrando por que essas ameaças são, com efeito, sérias, pois não há na decisão do STF argumentos convincentes para defender que esses valores serão protegidos ao mesmo tempo que o ERC é permitido.

A seção 1 explora o significado de abandonar a função republicana do ensino público que a permissão do ERC implica. Na seção 2 realiza-se uma reconstrução e uma avaliação normativa dos quatro argumentos mais relevantes utilizados para defender o ERC, ilustrando assim a tese do abandono do projeto republicano. A seção 3 apresenta três considerações, explicando porque a decisão do STF é injusta. Antes de iniciar com a seção 1, no entanto, apresentam-se quatro considerações sobre a metodologia utilizada no artigo.

Sobre o método

É importante fazer explícitas quatro considerações metodológicas antes de iniciar a análise do acórdão. Primeiro, o artigo utiliza uma metodologia própria da teoria política normativa. Diferentemente das ciências sociais positivas, que se concentram em oferecer descrições e explicações de fenômenos políticos e sociais, a teoria política normativa responde perguntas conceituais, normativas e avaliativas ( LIST; VALENTINI, 2016 , p. 527). O artigo formula uma pergunta avaliativa, a saber: são admissíveis os argumentos do STF que permitiram ERC nas escolas públicas brasileiras? A teoria política normativa também se caracteriza por estar escrita “desde a perspectiva do cidadão responsável” ( MILLER; DAGGER, 2008 , p. 448) e tem como propósito estimular reflexões sofisticadas e bem fundamentadas sobre assuntos políticos. O artigo propõe uma avaliação, desde a teoria política normativa, da decisão do STF com o propósito de contribuir com o robustecimento da opinião pública (mais concretamente, na área da educação) a respeito do lugar e da função da religião nas escolas públicas. A teoria política normativa é, também, caracteristicamente “orientada por problemas ou por questões controversas do mundo contemporâneo” ( VITA, 2017 , p. 94). De acordo com Vita (2017 , p. 96), fazer teoria política normativa consiste em “explicitar e justificar racionalmente” os princípios gerais a partir dos quais os cidadãos de uma democracia pretendem preservar ou reformar as instituições mais importantes para a vida social. Neste artigo, espera-se fazer explícito os princípios gerais a partir dos quais os ministros baseiam seus votos. No exercício de fazer explícitos esses princípios, também é possível avalia-os: a decisão é injusta porque os princípios a partir dos quais os votos são justificados são moralmente problemáticos.

Segundo, a estratégia argumentativa do artigo consiste em analisar se as premissas que os ministros defendem são plausíveis e se a derivação das conclusões a partir dessas premissas são válidas. Vejamos dois exemplos aos quais voltarei nas seções 2a e 2d. Primeiro, os ministros afirmam que não pode haver obrigação de estudar religião, pois aquilo é contra a liberdade de consciência. Essa premissa é plausível, pois, além de ser intuitivamente atrativa, está em conformidade com uma longa e venerável tradição de pensamento democrático. No entanto, é possível questionar a derivação da conclusão a partir dessa premissa: para obter essa conclusão, é importante ponderar, por exemplo, se é verdade que o ERC facultativo elimina qualquer risco de coação de crianças e adolescentes para se inscreverem no ERC. Nessa discussão é importante perguntar se a pressão de grupo é um tipo de coação, rendendo inválida a conclusão do argumento. Ainda, de acordo com as argumentações do acórdão, não haveria motivos para modificar a prática histórica de reconhecimento por parte do Estado às religiões com maior presença no país. Esse reconhecimento representaria relações de harmonia e cooperação entre o Estado e as associações religiosas. Há motivos, no entanto, para ceticismo. Por exemplo, existe o perigo de institucionalizar o trato desigual entre as diversas religiões com presença no Brasil, afetando especialmente religiões marginalizadas. Por que este tipo de reflexões não é relevante na ponderação sobre a necessidade de modificar o regime de pouca separação institucional entre Estado e igrejas dominantes? Se o regime historicamente institucionalizado contribui com a subordinação de algumas religiões, então a premissa do argumento não é plausível.

Terceiro, parte-se do pressuposto de que os valores políticos que inspiram a Constituição do Brasil têm o potencial de estabelecer um marco normativo a partir do qual instituições justas podem ser erguidas. Também pressupõe-se, seguindo John Rawls (1999 , p. 399), que as pessoas desenvolvem um sentido da justiça que as motiva a cumprir com suas obrigações como cidadãs se elas vivem em (e se beneficiam de) uma sociedade regida por instituições justas. O arranjo institucional do ensino público é fundamental na realização dos ideais de justiça incluídos na Constituição. A inclusão do ERC é, veremos, fundamental para se pensar se o projeto de um sistema institucional justo é fortalecido ou enfraquecido. As deliberações no STF são tentativas de investigar se os princípios constitucionais, e os valores políticos que os inspiram, são compatíveis com o ERC. Reflexões sobre liberdade de consciência, igualdade, tolerância, ou liberdade religiosa estão presentes de forma constante em cada um dos votos dos ministros, o que sugere que estão tentando determinar se o ERC é justo.

A quarta consideração metodológica diz respeito aos quatro argumentos aqui apresentados e à sua relação com cada um dos votos. O artigo não reporta o que foi afirmado por cada um dos ministros.7 Pelo contrário, identificam-se as linhas argumentativas semelhantes entre os votos e, a partir delas, formulam-se os argumentos que, embora não de forma explícita, fundamentam a decisão. No acórdão não é possível encontrar os argumentos aqui descritos, pois os votos não seguem estrutura lógica ou argumentativa. Ao invés disso, encontramos afirmações que poderiam constituir argumentos válidos se articulados com maior rigor lógico. Nesses casos, o artigo introduz esse rigor, oferecendo versões melhoradas dos argumentos do acórdão. O artigo mostra que as versões melhoradas dos incipientes argumentos defendidos no acórdão são moralmente indefensáveis.

O abandono do projeto republicano da escola laica

É provável que o diagnóstico de que a escola pública brasileira já não é laica esteja certo, se por ‘escola laica’ entende-se um tipo de escola da qual o ERC é necessariamente excluído. Ao contrário da opinião de vários ministros, a escola laica ser concebida desta forma não necessariamente implica comprometer a liberdade religiosa. A favor dessa afirmação, é possível identificar pelo menos quatro razões: (i) a exclusão do ERC das escolas públicas pode constituir um tipo de neutralidade estatal, pois essa ausência implica a não imposição de doutrina religiosa. Assim entendidas, as escolas são concebidas como instituições que “criam cidadãos”, ou seja, que inculcam virtudes cívicas que garantem a estabilidade democrática do regime. As escolas públicas são concebidas como parte da esfera pública e não como “extensões da vida familiar” ( LABORDE, 2008 , p. 91-92). Nessa concepção tipicamente republicana da escola laica, o propósito do ensino público é a formação de cidadãos e cidadãs, e não de fiéis.8 Por ser um assunto privado, a formação religiosa não é tarefa do Estado. Questões relativas a ‘como ser uma boa pessoa’ não são incluídas na estrutura institucional da escola laica. (ii) A exclusão do ERC pode se constituir como uma forma de proteger a liberdade religiosa, pois o Estado – através da escola – não assume função promovendo qualquer religião, com o qual o risco desta ser corrompida ou manipulada é reduzido. (iii) A liberdade religiosa é preservada também porque não há proibição de receber educação religiosa fora das escolas. (iv) A exclusão do ERC não implica que qualquer tipo de ER seja barrado na escola pública, pois é ainda possível oferecer ensino sobre a religião: o ER é permitido, mas deve ser não confessional.9

Os votos a favor do ERC nas escolas públicas rejeitaram esta forma de entender a escola laica. De acordo com esses votos, para que uma escola seja ‘laica’, basta com que nenhuma religião seja imposta. Não há requisito de excluir o ERC do ensino básico para preservar a educação laica . Uma escola que oferece, em horário escolar, um curso confessional de catolicismo – ou seja, um curso no qual o catolicismo é ensinado como verdadeiro – é ainda uma escola laica porque a verdade do catolicismo é ensinada unicamente àqueles que, voluntariamente, participam do curso. Não há proselitismo porque o ensino é facultativo. O ensino confessional numa escola laica é, portanto, possível.

A ideia de o ensino básico ter como função primordial a formação dos futuros cidadãos e cidadãs é rejeitada por essa forma de conceber a escola laica. Relembrando o projeto educativo iniciado na década de 1930 ( OLIVEIRA, 2014 ; LIMEIRA, 2013 ), inclui-se, pelo contrário, a função de oferecer assistência às famílias na formação religiosa das crianças.10 Podemos, portanto, associar a decisão do STF com o que Roberto Gargarella (2008) chama de “constitucionalismo conservador”, que ele traduz à linguajem da filosofia política contemporânea como uma forma de “perfeccionismo moral”: engajamento estatal na promoção de concepções morais do bem consideradas como valiosas. Nas Américas do século XIX, diz, ainda, Gargarella (2008) , essas concepções estavam determinadas pela doutrina católica. O perfeccionismo moral do século XXI brasileiro, ilustrado na decisão do STF, apresenta-se de forma pluralizada: promove a formação moral das pessoas sem impor uma moralidade em particular, e por ‘formação moral’ entende-se ‘formação em alguma das religiões reconhecidas pelo Estado’.

Neste artigo, verifica-se que a decisão do STF permitindo o ERC no ensino básico brasileiro constitui uma forma de engajamento estatal na promoção do que é considerado, pelo Estado, como ‘vidas boas,’ e que estas são entendidas nos termos das religiões oficialmente reconhecidas. Defende-se a seguinte tese: com a decisão do STF, modifica-se o entendimento acerca da função da religião na educação básica. O STF realiza o trânsito de uma concepção que considera o “ensino religioso [...] parte integrante da formação básica do cidadão”11 para uma concepção de acordo com a qual o ensino básico público assiste às famílias na formação moral – e por ‘moral’ entende-se ‘religiosa’ – dos seus filhos e filhas. A constitucionalização do ER (e a aprovação do ERC), ilustram uma concepção do ensino público que se afasta da concepção republicana definida acima.12 A análise dos argumentos do STF sugere que a função do ER é assistir na educação moral de jovens e crianças e não exclusivamente formar os futuros cidadãos e cidadãs. Abandona-se o projeto de entender o “novo ensino religioso” em termos de diálogos inter-religiosos e ecumênicos, e adota-se um projeto no qual o Estado oferece assistência para a formação religiosa ( RANQUETAT, 2007 , p. 175).

Os argumentos do STF a favor do ERC

a. Argumento facultativo

Defendido pela primeira vez na Corte Imperial brasileira pelo Conselheiro Carlos Leoncio de Carvalho em 1879 ( BRASIL, 1879 ), o argumento facultativo defende que valores fundamentais como a igualdade e a liberdade de consciência são respeitados se a matrícula no ERC na escola pública é opcional. Assim, destacamos que os votos de Moraes (p. 76), Fachin (p. 115-117), Mendes (p. 187-188), Toffoli (p. 217 e 219), Lewandowski (p. 228-229) e Lúcia (p. 290) defendem versões deste argumento ( BRASIL, 2017 ).

Para que este argumento seja plausível é preciso demonstrar que o ensino facultativo da religião na escola pública é compatível com a liberdade de consciência e com o respeito à diversidade em condições de igualdade. Na medida em que ninguém é obrigado a se matricular nesses cursos, a liberdade de consciência é respeitada. A garantia de tratamento igualitário às distintas expressões da consciência é invocada pelos ministros quando afirmam que o ensino religioso não deve ser considerado como ensino ‘de uma’ religião, mas como ensino de ‘qualquer’ religião ( BRASIL, 2017 , p. 224 [Toffoli]). Não há, portanto, discriminação entre as religiões. O STF é explícito ao afirmar que diversas tradições religiosas podem ser ensinadas nas escolas públicas e que a decisão sobre qual, ou quais, seriam incluídas no currículo escolar deve obedecer a critérios inclusivos de todas as confissões religiosas. Barroso aponta um problema nesse tipo de consideração igualitária: não é possível oferecer ERC para todas as religiões que o solicitem. A solução deste problema consiste em assegurar que a questão da inclusão igualitária seja resolvida caso por caso, por exemplo, entre a escola e a comunidade: numa escola onde ninguém é budista não haverá necessidade de discutir a questão do ensino religioso budista.13

É possível levantar pelo menos duas objeções ao argumento facultativo. Em primeiro lugar, não é explicado se há tratamento privilegiado à religião em relação à não-religião. Não é claro se doutrinas morais “sem Deus” – o ecologismo radical ou o ateísmo – também poderiam ser incorporadas no ERC.14 Caso esta possibilidade fosse negada, o argumento facultativo discriminaria injustificadamente doutrinas religiosas em relação a suas contrapartes “sem Deus”. Em matéria de liberdade de consciência, o liberalismo igualitário contemporâneo rejeita a ideia de acordo com a qual a religião é exclusivamente especial. Para a tradição liberal igualitária, as crenças e práticas religiosas podem ser especialmente protegidas, mas não o podem ser de maneira exclusiva. A religião pode ser “o caso paradigmático de crenças, identificações, e práticas acerca das quais as pessoas podem ter um interesse particular em procurar individual ou coletivamente” ( LABORDE, 2017 , p. 28). Contudo, a religião não é a única que gera esse tipo de interesse que pode demandar proteção especial. Para o liberalismo igualitário, não é o ‘conteúdo religioso’ o que é merecedor de proteção ou tratamento especial por parte do Estado; mas a “capacidade humana para agência moral ou espiritual” ( LABORDE, 2017 , p. 28; NUSSBAUM, 2008 , p. 168). Essa capacidade se manifesta de diversas formas, religiosas e não religiosas; e todas merecem igual consideração. Se o ERC vai ser aprovado no ensino público, deve cumprir com o critério igualitário de oferecer as mesmas condições nas quais a capacidade humana para agência moral ou espiritual pode se manifestar. No argumento facultativo não é manifesto que esses tipos de reflexões igualitárias sejam tidos em consideração. Como veremos nas seguintes seções, esse tipo de preocupação estará presente em vários dos argumentos mobilizados para defender o ERC.

A segunda objeção foi levantada, marginalmente, por Barroso (p. 53) e Weber (p. 120) – ambos favoráveis ao pedido da ADI – e Mendes (p. 151, contrário) ( BRASIL, 2017 ). O argumento é o seguinte: o fato de o ER ser facultativo é uma estipulação formal, porém inviável de realizar. Considerando-se que o contexto escolar é particularmente propenso às pressões de grupo entre estudantes, e considerando-se também que a pressão de grupo pode se constituir em coerção, é razoável duvidar se o ensino religioso nas escolas públicas pode mesmo ser facultativo ( NUSSBAUM, 2008 , p. 309). Situações como a seguinte podem ser comuns: numa certa comunidade há rápido crescimento do cristianismo evangélico e as lideranças evangélicas da comunidade, fazendo uso do direito aprovado pelo STF, promovem ERC na escola pública local. Discentes que não fazem parte da igreja evangélica podem se encontrar numa situação de injustiça se, em razão de exercerem o seu direito a não se matricular no curso, sofrerem bullying ou discriminação. Para evitar essa situação, podem decidir que o que está em seu interesse é se matricular no curso de religião, ainda que em outras condições não o fizessem. Nesses casos, comuns no Brasil ( ANDRADE; TEIXEIRA, 2017 , p. 591), o ER não poderia ser considerado como facultativo.

b. Argumento constitutivo

Neste argumento encontramos a seguinte ideia: para que o ER seja efetivamente religioso , deve ser confessional.

Podemos distinguir dois tipos de ER-não confessional – ambos rejeitados pelo STF. O ER-conteúdo apresenta a religião como sistema ético e moral (que pode ser verdadeiro) com certos tipos de crenças, práticas, histórias e lendas, que respondem a questões existenciais, éticas, morais ou cosmológicas. O ER-histórico-cultural apresenta a religião como um fenômeno cultural relevante para compreender a história da humanidade. Diferentemente do ERC, nenhum desses tipos de ER tem como propósito formar fiéis. Um curso de ER-não confessional com orientação pelo catolicismo, se pautado por ER-conteúdo, salientará a doutrina moral católica como uma forma, entre outras também válidas, de responder questões éticas, morais, existenciais ou cosmológicas. Se pautado por ER-histórico-cultural, privilegiará a história do catolicismo na conformação da sociedade atual. Embora o resultado desses dois cursos possa ser incidentalmente idêntico ao resultado de ERC, seu desenho é radicalmente distinto.15 ER-conteúdo é um ensino sobre o que uma doutrina moral considera necessário para se realizar o bem, entendido desde uma perspectiva moral. ER-histórico-cultural é um ensino sobre um fenômeno histórico e cultural, independentemente de qualquer valoração moral.

No momento de definir como entender o ER no ensino público é útil ter presente a distinção entre o ERC, por um lado, e ER-conteúdo e ER-histórico-cultural pelo outro. Dependendo do propósito atribuído ao ER, um ou outro é mais relevante. O STF optou pelo ERC não só porque considera que é função do Estado assistir com a formação moral (religiosa) das pessoas, mas também porque considerou incoerente a ideia de ER-não confessional.

A rejeição do ER-histórico-cultural e a aprovação de ERC é explícita na justificação dos votos de Moraes (p. 88-94), Mendes (p. 185 e p. 191) e Lúcia (p. 290-291) ( BRASIL, 2017 ). A principal razão para apoiar esta decisão é que, para eles, o ER é constitutivamente confessional. Ou seja, o debate sobre se o ER deve ser não-confessional está viciado desde a sua concepção: aquilo que se acredita que deveria ser o conteúdo desse tipo de ensino já é oferecido em outros espaços acadêmicos (de matrícula obrigatória) e, portanto, seria redundante (conforme Mendes, p. 191 e Lúcia, p. 291 ( BRASIL, 2017 )).

Moraes considera que o problema é ainda mais sério ( BRASIL, 2017 , p. 90-91). O conteúdo daquilo que, se acredita, deveria ser o conteúdo do ER-não confessional não é propriamente religioso. O problema com o ER-histórico-cultural, diz o ministro, é que ele não pode ser propriamente definido como ensino religioso. A razão oferecida para explicar esta afirmação ressalta o fato de a religião ter como objeto precisamente aquilo que escapa às disciplinas acadêmicas seculares e científicas. O ensino propriamente religioso, diz Moraes, transmite conteúdos que não podem ser acessados pelas disciplinas seculares, pois estas concentram seu esforço pedagógico na “argumentação racional”, e não nos “dogmas da fé”. De acordo com o ministro, o que faz com que o ER seja religioso é seu comprometimento com a instrução sobre os “dogmas da fé”, que, na tradição católica, vale-se da “teologia revelada”. Portanto, o ER é constitutivamente ERC.

Tomemos como exemplo o ER católico. De acordo com o ER-histórico-cultural, o ER católico consistiria em estimular conhecimento sobre o passado, presente e futuro dessa religião. Em contraste, para o ERC, a aprendizagem do catolicismo consiste em aceitar como verdadeiras as suas proposições metafísicas, morais e factuais. Quem cursar ERC católico, sugere Moraes, expressa seu interesse em “aprender e absorver” ( BRASIL, 2017 , p. 91) tópicos próprios da doutrina católica. Por exemplo, do catequismo da Igreja Católica, ‘absorver-se-iam’ os denominados “mistérios da fé”. Isso só é possível num curso confessional de religião: a “argumentação racional” é irrelevante nesta forma de ensino.

Embora existam similitudes entre o que implicaria cada um desses tipos de ER católico, há diferenças substanciais. Em ambos os casos é possível que a Bíblia seja lida, mas só no ERC espera-se que seja considerada como um texto sagrado. No ER-histórico-cultural, ensina-se que a Bíblia é um texto sagrado para o catolicismo, mas não se espera o aceite que este é um livro sagrado. O ER-histórico-cultural, sugere a lógica da argumentação de Moraes, não é distinto de um tipo de ensino de história ou de política. Por sua vez, a ausência do ERC implica a ausência de qualquer tipo de ensino religioso, o que é contrário à Constituição. À pergunta: “pode o ER-histórico-cultural ser considerado como ensino religioso?” a lógica do argumento do ministro responde negativamente. Só o ERC oferece o tipo de conteúdo adequado para um tipo de ensino que possa ser descrito como propriamente religioso. Portanto, o ER é constitutivamente confessional.

É plausível essa versão do argumento constitutivo? Um problema óbvio é que não se observa o que poderíamos denominar de ‘critério justificatório do liberalismo político’ ( RAWLS, 2005 , p. 212-253 e p. 435-490). De acordo com esse critério, oficiais estatais devem justificar suas decisões a partir de razões as quais, podemos esperar, podem ser aceitas por todos. Num contexto caracterizado pelo pluralismo de doutrinas morais, os votos do STF não podem estar baseados em doutrinas morais que podem ser, razoavelmente, rejeitadas. Moraes descreve, e define, a religião como uma disciplina/prática preocupada com os dogmas da fé e com aquilo que não pode ser explicado pela argumentação racional. Sugere-se, assim, que a definição de ‘religião’ depende de uma interpretação da tradição cristã ( MONTERO; GIRARDI, 2019 , p. 359). Essa dependência faz com que as pessoas que não adiram ao tipo de doutrinas da tradição cristã que Moraes tem em mente (ou que não estão suficientemente socializadas em doutrinas religiosas pertencentes a essa tradição) tenham razões para não aceitar a justificação oferecida pelo STF. A justificação oferecida por Moraes não é acessível para essas pessoas e, portanto, não pode ser justa.

O critério justificatório do liberalismo político é um critério minimalista de legitimidade democrática: exige apenas que as decisões sobre o uso do poder coercitivo do Estado – nesse caso o ERC – sejam justificadas a partir de razões acessíveis, isto é, que possam ser entendidas e, portanto, avaliadas ( LABORDE, 2017 , p. 117-132). A Constituição brasileira reconhece que há na sociedade brasileira pessoas que aceitam diversas religiões e doutrinas éticas e que essa diversidade deve ser respeitada. Ou seja, reconhece que há doutrinas morais, digamos ( A ) e ( B ) que não compartilham todo seu conteúdo; quem acredita em ( A ) tem as crenças ( w, x, y, z ) e quem acredita em ( B ) tem as crenças ( u, v, w, x ). De acordo com o critério justificatório do liberalismo político, não é permitido esperar que uma pessoa que acredite em ( A ) entenda justificações oferecidas por ministros do STF que apelam a razões derivadas das crenças u ou v . Todavia, foi exatamente isso o que Moraes fez. A ideia de que a religião é contraposta ao “argumento racional” e que pode ser compreendida só através dos “dogmas da fé” é acessível só para quem compartilha a doutrina moral (religiosa) do ministro. Não é razoável esperar que todas as pessoas compartilhem essa doutrina moral, pois isso iria contra o espírito da Constituição pluralista. Se, como faz Moraes, o uso do poder estatal num assunto de justiça básica (a permissão do ERC) é justificado a partir de razões acessíveis – ou seja, que podem ser compreendidas e avaliadas – só para quem é iniciado numa doutrina religiosa, podemos dizer que, para o restante da população, esse uso do poder estatal é “opressivo” ( RAWLS, 2005 , p. 37).

Outra versão do argumento constitutivo pode ser defendida de maneira especulativa – isto é, a partir de considerações não feitas no STF, mas que, considerando o tipo de argumentos ali defendidos, poderiam ter sido feitas. Essa versão estaria encaminhada a rejeitar o ER-conteúdo e a favorecer o ERC. Vejamos com detalhe as diferenças entre ERC e ER-conteúdo.

ERC:

  • Propósito: formar futuros fiéis, ou intensificar crenças já presentes.

  • Critério de sucesso: Relação de estudantes que se declaram membros da religião após finalizar o curso.16

  • Quem ministra: A princípio, o curso deveria ser ministrado por integrante da comunidade religiosa.17

  • Características: O conteúdo transmitido deve ser transmitido como verdadeiro, espera-se participação em práticas e rituais próprios da comunidade religiosa. A inscrição na disciplina de ERC sugere volição de integrar a comunidade religiosa, e, portanto, os alunos e alunas podem ser tratados como membros efetivos.

ER-conteúdo:

  • Propósito: Educar nas crenças de uma religião em particular: seus mitos, lendas, tradições, cosmologias. Na medida em que transmite informação sobre as crenças próprias das religiões, diferencia-se do ER-histórico-cultural e, portanto, não pode ser ministrado em outros espaços acadêmicos.

  • Critério de sucesso: Medido em termos da capacidade de reportar corretamente os conteúdos ensinados durante o curso.

  • Quem ministra: Professor/a de ética, religião. Pode ser integrante da comunidade religiosa.

  • Características: Trata-se de um ensino sobre a religião e não é transmitido como verdadeiro. Não se espera participação em práticas e rituais da comunidade religiosa, nem a adoção, como própria, da ‘moralidade’ ou ethos da religião em questão. Por ser de matrícula facultativa, é permitido o afastamento do dever de neutralidade religiosa e permite-se que uma doutrina seja privilegiada.

De acordo com o argumento constitutivo, não há distinção entre ERC e ER- conteúdo . É plausível defender essa afirmação? Uma alternativa é expressando ceticismo em relação à possibilidade de apresentar o conteúdo do ER sem incentivar a crença nesse conteúdo. É possível pensar que o ER-conteúdo promove inevitavelmente a doutrinação (voluntária) na religião. Portanto, não seria possível ensinar um conteúdo sem que este seja interiorizado (ou “absorvido”) como verdadeiro. A interiorização do conteúdo implica acreditar na sua verdade e, portanto, difere da sua simples memorização e repetição automática. Assim, aceitar o ER na escola pública significa aceitar o ERC. Este argumento é menos problemático do que o argumento oferecido para rejeitar o ER-histórico-cultural. Contudo, ele depende da tese falsa de que é impossível aprender sobre x sem acreditar em x. O argumento constitutivo não oferece explicações do porquê de o ER não poder ser entendido nos termos do ER-conteúdo.

c. ERC como direito básico

  1. A liberdade religiosa é um direito fundamental.

  2. A liberdade religiosa implica no direito a receber educação na própria religião.

  3. O ER-não confessional não satisfaz o direito enunciado em [2]. Portanto, ER deve ser ERC.

Portanto: na escola pública deve ser oferecido um curso de ERC.18

Analisando as premissas acima, vimos que [1] é obviamente verdadeira, pois trata-se de uma liberdade constitutiva de qualquer democracia liberal. [2] também é verdadeira: o livre exercício da liberdade religiosa implica ter a permissão de receber instrução na própria religião. [3] objeto da maior controvérsia na deliberação do STF, também é pouco controversa neste argumento: para poder realizar o direito enunciado em [2], é imprescindível que a instrução religiosa seja confessional: uma pessoa católica tem direito a receber educação católica. Assim, a conclusão segue-se de [1-3].

Poder-se-ia objetar que a conclusão não é consequência lógica das premissas, pois do fato de se ter um direito a x não se segue necessariamente que o Estado deva providenciar x. Esse raciocínio pode ser aplicado ao direito enunciado na premissa [2]: embora a liberdade religiosa seja um direito fundamental que o Estado tem o dever de tutelar, esse dever não se estende a todas as diversas formas de exercê-lo. Qualquer comunidade religiosa tem direito de construir templos luxuosos, mas isso não implica que o Estado tenha a obrigação de apoiar este tipo de construções. Analogamente, as pessoas têm direito de receber educação na sua própria religião, mas isso não resulta necessariamente em uma obrigação por parte do Estado de oferecer assistência no exercício desse direito.

Mendes e Moraes oferecem reflexões que podem ser entendidas como respostas a essa objeção. Para eles, a religião é especial. Mendes afirma que “a religião foi e continua sendo importante para a própria formação da sociedade brasileira” (BRASIL, 2017, p. 163) e Moraes menciona, ainda na primeira página da sua arguição, que “92% da população brasileira [...] tem uma determinada crença religiosa” (BRASIL, 2017, p. 75). Essas considerações não são triviais na interpretação da Constituição: é possível pensar que para a população brasileira a proteção especial à religião é um interesse supremo constituindo direito básico. Se este for o caso, é provável que Mendes e Moraes não estejam errados em suas interpretações da realidade brasileira. Em 2018, à pergunta sobre “em que medida a religião é importante em sua vida?”, 45,1% dos brasileiros e brasileiras respondeu “muito importante”, 39,5% respondeu “importante”, 10,4% respondeu “não muito importante” e 4,7% respondeu “nada importante”.19 Essa importância dada à religião reflete-se na Constituição e nas instituições estatais, nas quais a religião aparece de maneira proeminente. A decisão do STF, portanto, pode ser entendida como um reconhecimento deste fato.

O reconhecimento de um carácter especial à religião não é irrelevante para a maneira como o ensino público pode ser direcionado. Para Mendes, deixar à iniciativa privada o ensino religioso implica que só as organizações religiosas com alta capacidade econômica poderiam oferecer este serviço ( BRASIL, 2017 , p. 185-186). Também implica que só as famílias com maior renda teriam a capacidade econômica de enviar seus filhos a escolas (privadas) religiosas – o que, de fato, acontece no Brasil. As famílias de menor renda só teriam a opção de enviar seus filhos em escolas públicas laicas; só os ricos teriam acesso ao bem do ERC na oferta educativa. Considerando a importância social da religião no Brasil, este é um argumento relativamente plausível.

d. Argumento histórico

O elemento central neste argumento é o reconhecimento da importância da religião na história do Estado brasileiro. O argumento defende que a história das relações entre o Estado e a igreja no Brasil é caracterizada pela harmonia. Uma prova disso é que sempre houve reconhecimento da religião, e as relações de cooperação entre instituições políticas e religiosas são constantes na história do Brasil republicano. Considerando esse histórico, não há razões de peso para modificar esse legado. Portanto, no sistema de educação pública a religião deve estar presente.20

Embora seja verdade que, em geral, pode haver compatibilidade entre a presença religiosa nas instituições estatais e a proteção da constituição moral de um Estado liberal e democrático ( LÆGAARD, 2017 ), é possível imaginar algumas razões que poderiam ter sido cogitadas para promover a laicização no ensino público – ou seja, um tipo de exclusão da religião das escolas públicas que implicasse que o ER não pode ser ERC. Primeiro, há uma alta probabilidade de o ERC institucionalizar e, portanto, de o Estado ser aquiescente com essa institucionalização, um tratamento desigual entre ‘religião’ e ‘não-religião’. Esse tratamento desigual pode se apresentar, por exemplo, entre o reconhecimento dos direitos das famílias a educar seus filhos e filhas numa religião tradicional e os direitos das famílias a educar seus filhos e filhas numa tradição não religiosa (por exemplo, o ecologismo radical ou o ateísmo militante). Para o STF, esse tipo de desigualdade não é motivo de preocupação, embora o número de pessoas que se declaram como ‘não religiosas,’ ‘ateias’ ou ‘espirituais’ tenha crescido de maneira constante no país. Há, então, evidente hegemonia da religião frente à não-religião. Segundo, há risco de acontecer institucionalização similar entre as religiões hegemônicas e as religiões minoritárias e historicamente injustiçadas. Este é um risco reconhecido pelo STF, que faz, então, ênfase na necessidade de o ERC ser inclusivo e diverso, o qual resulta na proteção igualitária à possibilidade de exercer o direito ao ERC.21 Todavia, o risco é abordado como um assunto de implementação e não de princípio.

Lewandowski leva o argumento histórico até sua consequência lógica:

[...] a disponibilização do ensino de uma única religião ou o seu ensino de forma predominante, em se tratando da religião professada de forma majoritária num determinado país, não implica proselitismo religioso e não ofende nem o postulado da liberdade religiosa nem o princípio da igualdade. ( BRASIL, 2017 , p. 237).

Assim, dado o fato de uma religião ser majoritária, é “natural [...] que o Estado [...] conceda maior visibilidade ou espaço a tais confissões, inclusive, nas escolas públicas” (p. 237, grifo nosso). Para respaldar esta afirmação, o ministro faz referência a alguns casos da Corte Europeia de Direitos Humanos nos quais a religião majoritária já teria sido privilegiada no sistema de educação básica. No entanto, os exemplos escolhidos não apoiam a simples maior visibilidade da religião majoritária. Pelo contrário, apoiam práticas de discriminação por motivos religiosos, contrárias aos valores políticos que inspiram a Constituição brasileira.22

Chama a atenção que ninguém no STF ofereceu argumentos a favor da laicização do Estado e do ensino básico a partir de considerações sobre a necessidade de as religiões serem protegidas do poder que a política tem de corromper a religião. O ERC é ensino religioso oferecido em instituição estatal sob a supervisão do Estado, portanto, a separação institucional entre Estado e igrejas serve também para proteger estas do poder corruptor da política. Uma forma de proteger a liberdade religiosa é laicizando o Estado, isto é, reduzindo as possibilidades de as associações religiosas serem utilizadas por pessoas politicamente ambiciosas para promover seus objetivos políticos. Esse é um fenômeno facilmente identificável no cenário atual brasileiro, como ilustrado pelo projeto de lei promovido pelo movimento Escola sem partido , mencionado favoravelmente por Mendes (p. 38). O movimento está baseado na observação de acordo com a qual o dever de neutralidade estatal não é respeitado no ensino público brasileiro e, portanto, busca-se fortalecer a fiscalização. Entre os promotores do movimento encontram-se figuras destacadas da extrema direita brasileira e lideranças religiosas fundamentalistas. Como mostra Andréa Souza (2019) , o Escola sem partido mobiliza ideias e propósitos próprios do fundamentalismo religioso, que identifica na infraestrutura escolar pública brasileira um lugar idôneo para influir na socialização das crianças e jovens. Os promotores do Escola sem partido podem ter, portanto, um interesse velado na aprovação do ERC. A aprovação de alguma das variantes do ER já descritas (em contraste com ERC) poderia ser considerada uma forma de garantir o mandato constitucional de oferecer ensino religioso, assim como de blindar as religiões de possíveis instrumentalizações com fins antidemocráticos. De acordo com o argumento histórico, a tradição do Estado brasileiro de reconhecer a religião é compatível com a proteção dos direitos e liberdades da Constituição de 1988. Portanto, não haveria razões para modificar essa tradição.

Injustiça na permissão de ERC?

Para concluir, gostaria de apontar duas considerações a partir das quais podemos afirmar que a decisão do STF é injusta. (i) No que diz respeito à igualdade, encontramos na decisão problemas preocupantes. O STF privilegia a religião sobre a não-religião. Embora não seja expressado de maneira explícita por integrantes do tribunal, os diversos raciocínios sugerem que, quando é afirmado que o ER deve ser plural, entende-se que só as religiões tradicionais – incluindo as religiões afro-brasileiras e as dos povos indígenas – são incluídas. O ERC não inclui doutrinas morais seculares ou religiões “sem Deus”. Há também um viés majoritarista na decisão, pois resulta difícil entender como é que as religiões minoritárias, muitas delas vítimas de intolerância religiosa, conseguiriam efetivar o direito habilitado pela decisão do tribunal. (ii) A decisão do STF evidencia uma transformação sobre o significado da função que o ER cumpre no arranjo institucional do Estado brasileiro. Contrário a uma ideia presente em legislação anterior, o ER é entendido como parte do exercício do direito básico à liberdade religiosa e não como parte constitutiva da formação cidadã. Com a decisão, o ER deixa de ser concebido como parte da função (republicana) das escolas públicas de formar os futuros cidadãos e cidadãs. Esta função, que o STF abandona com a decisão, é crucial para promover a integração de uma sociedade cada vez mais diversa e segregada (social e economicamente), pois é na construção de uma ideia compartilhada de cidadania que sentimentos de unidade nacional poderiam ser promovidos. Preocupa a possível intensificação de práticas de discriminação e intolerância religiosa por conta da segregação que o ER (o ERC inclusive) pode gerar. Em relação aos valores políticos da igualdade e da solidariedade – possibilitada pela integração social que o ensino público pode gerar – a decisão do STF na ADI 4439 é injusta.23

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2- Constituição Brasileira, Art. 210, parágrafo 1 (BRASIL, 1988).

3- Concordata entre o Estado brasileiro e o Vaticano, art. 11, parágrafo 1 (grifo nosso). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm

4- Brasil, 2017 . Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 4439. Esta decisão encontra-se no website oficial do STF: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=15085915 . Ao longo do presente artigo, quando da análise dos argumentos do STF, serão indicados apenas os números de página correspondentes à manifestação de cada ministro.

5- Sobre a história do ensino religioso na escola pública brasileira, ver: Montero; Girardi, (2019) ; Cunha (2013, 2018) , 2018 ); Carvalho; Sı́vori (2017); Santos (2016) ; Lui (2011) ; Giumbelli (2011) ; Ranquetat (2007) .

6- Por “sociedade aberta” entende-se uma sociedade na qual o pluralismo é respeitado, a tolerância social e política é praticada, a crítica às autoridades políticas e sociais é possível, e os conflitos próprios das sociedades são tramitados através de mecanismos democráticos e não através da força ( POPPER, 2013) .

7- Raphael Neves e Rolando de Almeida (2021) realizam esse tipo de análise, embora com ênfase nos votos de Barroso e Moraes.

8- Esta forma de entender a educação também está presente na tradição liberal ( MACEDO, 1995 ; CALLAN, 1997) . Por outra parte, o projeto de consolidação da escola laica é parte fundamental da história da instauração de um regime republicano no Brasil (FISHMANN, 2020, p. 53-56). É importante destacar, no entanto, que iniciativas de laicização da escola são anterior à República ( LIMEIRA, 2013) .

9- Com a exceção do segundo, estes são os tipos de argumentos que ofereceram Barroso, Fachin, Weber, e Mello, que apoiaram o acórdão da ADI.

10- “Trata-se de aproveitar a estrutura física das escolas públicas – tal como amplamente existente no espaço público de hospitais e presídios, que já são utilizados em parcerias – para assegurar a livre disseminação de crenças e ideais de natureza religiosa àqueles que professam da mesma fé e voluntariamente aderirem à disciplina” ( BRASIL, 2017, p , p. 83 [Moraes]).

11- Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Ver também Montero; Girardi (2019, p , p. 352); Cunha (2013, p , p. 931, 2018, p. 897).

12- Neste ponto é importante esclarecer acerca de dois tipos de republicanismo: o “clássico” considera fundamental que as cidadãs possuam “virtudes políticas (...) e estejam preparadas para participar na vida pública”. Já o republicanismo “humanista” considera que a natureza humana “é realizada em uma sociedade democrática na qual a participação na vida política é constante e vigorosa” ( RAWLS, 2005, p , p. 205-206). Num artigo recente, o “modelo republicano” da educação foi associado com o republicanismo humanista - “o sentido da vida do indivíduo só é pleno dentro da comunidade” ( LIMA; SOBOTTKA, 2020, p , p. 9). O tipo de republicanismo ao qual me refiro neste artigo é o clássico – com o qual, aliás, o liberalismo político rawlsiano “não tem oposição nenhuma” (RAWLS, 2005, p. 206). As críticas ao republicanismo que Lima e Sobottka reproduzem não são transferíveis para o republicanismo clássico.

13- Toffoli faz referência à participação comunitária para definir o ERC (p. 223).

14- Por “religião sem Deus” entende-se uma doutrina moral que é funcionalmente análoga às religiões tradicionais, mas que não depende do aceite de qualquer deus ( DWORKIN, 2013, p , p. 1-43). Barroso também segue esta ideia ( BRASIL, 2017, p , p. 43).

15- Santos (2016, p , p. 60-76) oferece uma tipologia de nove “modalidades frequentemente citadas na literatura acadêmica”. Embora seja útil para compreender o que é com frequência entendido como ER por distintos atores, acredito que a distinção que aqui apresento é mais adequada, pois as nove modalidades podem ser conceitualizadas nos três tipos de ER que aqui identifico.

16- Para Mendes, ERC não deve “seguir as regras educacionais das demais disciplinas” ( BRASIL, 2017, p , p. 174).

17- No entanto, isto não acontece. Ver o caso do município de Parintins, em Amazonas ( SILVEIRA, 2016, p , p. 135-136).

18- Gilmar Mendes é quem defende este argumento com maior detalhe ( BRASIL, 2017, p , p. 163-174).

19- Dados do World Values Survey Wave 7 (2017-2020) Brazil v. 3.0, disponível em: https://www.worldvaluessurvey.org/WVSDocumentationWV7.jsp . Acesso em: 08 ago. 2022.

20- Fachin (p. 113), Mendes (p. 176), Toffoli (p. 213), e Lewandowski (p. 231) ( BRASIL, 2017) .

21- Mendes (p. 155), Toffoli (p. 223) e Lewandowski (p. 237) ( BRASIL, 2017) .

22- Dos casos mencionados, dois: Mansur Yalçın et. Al. versus Turquia (2015) e Hasan e Eylem Zengin versus Turquia (2008), envolvem discriminação contra os Alevitas, uma variante minoritária do Islã.

23- Eu tive o privilégio de discutir algumas das ideias deste texto no grupo DesJus do CEBRAP, em São Paulo. Agradeço os participantes pelos comentários e críticas, em particular a Nunzio Alì, Júlio Barroso, Guilherme Cardoso, Ana Claudia Lopes, Jonathan Mendo, Mônica Oliveira, Mariana Kuhn de Oliveira, Lucas Petroni, e Raissa Ventura. Agradeço também aos/às pareceristas pelas sugestões e comentários.

Recebido: 18 de Fevereiro de 2021; Revisado: 18 de Abril de 2022; Aceito: 06 de Junho de 2022

Sebastián Rudas é professor de filosofia na Universidade Federal de Uberlândia e na Fundação Getúlio Vargas. Seu livro Evangélicos y laicidad mínima en Brasil: discusiones desde la filosofía política foi publicado pela Universidad Nacional Autónoma de México em 2022.

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