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Educação e Pesquisa

Print version ISSN 1517-9702On-line version ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub Apr 28, 2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349250989 

Artigos

Culturas colaborativas e lideranças pedagógicas: constrangimentos organizacionais, culturais e horizontes de possibilidades 1

Collaborative cultures and pedagogic leaderships: organisational, cultural constraints and the scope of opportunities

Generosa Pinto Silva Vilela Pinheiro2 
http://orcid.org/0000-0002-8962-1318

José Matias Alves2 
http://orcid.org/0000-0002-9490-9957

2-Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal


Resumo

Num momento de viragem de paradigma da administração educativa ao nível do centro político e administrativo, em que o discurso da autonomia das escolas tem deixado algumas marcas nos modos de gestão escolar em Portugal, é importante percecionar cada mudança de uma forma coerente e integradora. Assim, a fim de verificar se os modos de trabalho dos professores têm efetivamente mudado, é conveniente que compreendamos a(s) cultura(s) escolares que marcam o espaço em que os professores exercem a sua atividade e a influência das lideranças no modo como desenvolvem o seu trabalho, sobretudo com os colegas. Para percebermos a forma como a colaboração e as lideranças podem estar a serviço de um professor colaborativo e reflexivo, adotamos uma investigação naturalista de tipo humanista-interpretativo, conjugando uma abordagem quantitativa e qualitativa. Para caracterizarmos a(s) cultura(s) da escola, usamos processos de análise de dados baseados numa estatística de natureza descritiva, que submetemos a uma análise e interpretação estrutural e semântica. Por outro lado, para aprofundarmos alguns contextos singulares e as perspetivas de atores individuais, optamos por uma abordagem qualitativa. Analisados os dados, concluímos que, embora se note da parte da generalidade dos atores escolares uma vontade para instituir a inovação, revelada através da implementação de diferentes dinâmicas colaborativas, esta mudança tem sido muito lenta, ténue e limitada por estrangulamentos estruturais, pela falta de saber fazer e pela fragmentação ou pela balcanização inscritos na história da organização escolar portuguesa e de um corpo docente socializado numa prática profissional solitária e individualista.

Palavras-chave Trabalho colaborativo; Lideranças pedagógicas; Profissionalismo interativo; Comunidades de aprendizagem; Equipas educativas

Abstract

At a time of paradigm change in educational management in terms of the political and administrative centre, in which the discourse around the autonomy of schools has made some marks on the means of schools management in Portugal, it is important to perceive each change within a coherent and integrative framework. Thus, in order to verify whether the working modes of teachers have effectively changed, we need to grasp the school culture(s) that shape the environment(s) in which teachers engage in their activities and influence the leadership and the way they go about their tasks, especially with colleagues. In order to perceive the ways in which collaboration and leadership may be deployed in the service of collaborative and reflective teachers, we adopt a naturalist research approach of a humanist-interpretative type, combining quantitative and qualitative methodologies. In order to characterise the cultures(s) of schools, we deploy a data-based process analysing descriptive statistics subjected to structural and semantic structural interpretation. Furthermore, in order to deepen some of these unique contexts and incorporating the perspectives of individual actors, we also apply a qualitative approach. After analysis of the data, we conclude that, even while noting that the majority of actors in schools display the will to engage with innovation, demonstrated through the implementation of different collaborative dynamics, such change has only taken place very slowly and remains tenuous and limited by structural restrictions, a lack of know-how and the fragmentation and balkanisation handed down by the history of the Portuguese school organisation and teaching staff socialised in a solitary and individualist professional practices.

Keywords Collaborative working; Pedagogic leaderships; Interactive professionalism; Learning communities; Education teams

Introdução

Numa abordagem inicial, procuraremos fazer uma breve incursão pelo universo estudado, apresentando a forma como está organizado o sistema educativo português, estruturado em três níveis de ensino: pré-escolar, ensino básico com três ciclos (sendo o primeiro de quatro anos, o segundo, de dois, e o terceiro, de três) e ensino secundário (três anos). A coordenação da política educativa para estes três níveis de ensino é de responsabilidade do Ministério da Educação. Por seu turno, cada estabelecimento escolar é gerido pelos seguintes órgãos de gestão e administração escolar: conselho geral (órgão de direção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, assegurando a participação e representação da comunidade educativa); diretoria (órgão de administração e gestão nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial), com diretor escolhido e eleito pelo conselho geral após concurso público, ao qual podem concorrer professores com formação especializada em administração escolar; conselho pedagógico (órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa); e conselho administrativo (órgão deliberativo em matéria administrativo-financeira). Os professores estão agrupados em departamentos curriculares, de acordo com a disciplina lecionada, e em equipas pedagógicas por ano de escolaridade, responsáveis pelo trabalho de planeamento da ação desse mesmo ano e/ou, dependendo de cada escola, em conselhos de turma, responsáveis pela gestão de uma turma de um determinado ano de escolaridade.

Nos últimos anos, em Portugal, o conceito de administração escolar tem evoluído, nomeadamente, com a publicação do Decreto-Lei nº 55, de 6 de julho de 2018 ( PORTUGAL, 2018), no sentido de garantir maior autonomia às escolas, de forma que possam adaptar o discurso legal, as normas gerais e o currículo nacional prescrito ao seu contexto e aos seus indivíduos. Porém, também é fato que a ampliação da escolaridade obrigatória nestas duas últimas décadas não garantiu uma igualdade de aprendizagem para todos, porque não respeitou a individualidade de cada um. Logo, supõe-se que a estratégia da escola para o sucesso passe por sua diversificação e pela flexibilização curricular, que implicarão novas formas de organizar o trabalho pedagógico dos professores e dos alunos e novas formas de gerir os agrupamentos de alunos, os espaços e os tempos e de desenvolver o currículo. Porém, para serem exequíveis, estas mudanças pressupõem um contexto de gestão participada e uma cultura colaborativa de aprendizagem – daí a pertinência de termos perspetivado, para o estudo que suporta o presente artigo, a análise do efeito das dinâmicas colaborativas e da atuação das lideranças intermédias na promoção de um professor colaborativo e reflexivo.

Considerando ainda as organizações escolares como sistemas múltiplos e complexos, em constante interação com as outras organizações e sujeitos a variadas pressões conflitantes, procuramos que a análise das duas realidades educativas referidas fosse integrada e multifocalizada. Realçamos, por conseguinte, duas das dimensões que influenciam as dinâmicas escolares, nos níveis macro e meso. No nível macro, consideramos que as realidades escolares estudadas são influenciadas por políticas educativas que se podem instituir numa lógica top down, com caráter prescritivo, ou numa lógica bottom up, que dá às escolas autonomia para se organizarem de forma a resolverem seus problemas ( CABRAL; ALVES, 2015).

No nível meso, relativo à gramática escolar ( TYACK; TOBIN, 1994), perspetivamos as diferentes racionalidades subjacentes às diversas lógicas de ação – neste caso, a racionalidade burocrática e a neoinstitucional, as culturas profissionais que influenciam a atuação dos atores escolares, o modus operandi das lideranças (nomeadamente das intermédias) e a organização dos alunos, que pode influenciar toda a dinâmica organizativa de uma escola.

As reformas top down, segundo Bolivar ( 2014), têm fracassado desde os anos 1970, porque as mudanças não podem ser apenas prescritas exteriormente, uma vez que o sucesso das estratégias políticas de melhoria vai depender da capacidade organizativa de cada escola. Sem esta capacidade interna de mudança, o trabalho inovador não surtirá os efeitos desejados. Logo, a autonomia não pode ser apenas proclamada teoricamente: é preciso que os membros da comunidade educativa percebam as vantagens pessoais e profissionais que podem advir do facto de a escola poder fazer um trabalho de construção e aplicação de normas próprias ( ALVES, 1999b). Deste modo, para que a autonomia funcione, é necessária a mudança não só da administração central, que deve passar a se basear em formas mais democráticas e participativas de administração, mas também da organização escolar que, no sentido de poder usar a sua autonomia para mudar as práticas educativas, deve constituir-se como um local de aprendizagem organizacional ( FULLAN, 2019; VAILLANT, 2019).

No mesmo sentido, segundo Barroso ( 2005), para caracterizarmos as culturas escolares, não podemos cingir-nos ao nível macro do sistema, ou seja, ao quadro formal legal; é preciso descer ao contexto concreto das escolas para analisar as suas especificidades e o seu campo de realização, resultante das práticas dos seus atores. Para Torres ( 2015), a cultura escolar, entendida como os contextos estruturais formalizados, é recriada, nas escolas, a partir da interação humana não estruturada, dando origem à cultura organizacional de escola. Esta reflete, assim, as formas de ser e de fazer coletivamente de cada escola, que vão além das orientações normativas e estruturais, refletindo os valores, as práticas e as crenças enraizadas nas lógicas de ação coletiva.

Sendo a escola um espaço intenso de produção cultural e de interação social, o conceito de cultura escolar não deve se basear em apenas um conjunto de conhecimentos, crenças e valores, mas também em interações interpessoais e intergrupais ( LIMA, 2002). Pela análise dessas interações que se estabelecem entre os professores, é possível caracterizar culturas diversas, que vão do individualismo à colegialidade, passando por balcanização, colaboração confortável e colegialidade artificial ( FULLAN; HARGREAVES, 2001).

A colaboração constitui-se como um passo fundamental para o desenvolvimento não só das pessoas e das atividades em que se envolvem, mas também – e por consequência – das instituições em que se inserem. Esta evolução é conseguida através da negociação de objetivos, do acerto de pensamentos, da partilha de responsabilidades, da aceitação e valorização dos saberes e experiências dos outros e do questionamento dos conhecimentos do próprio. Toda essa dinâmica autorreflexiva vai permitir uma evolução que resulta da interação entre todos. Logo, colaborar passa a ser uma disposição promotora de uma ação profissional mais esclarecida, mais refletida, mais eficaz e, por conseguinte, aberta à inovação ( ALARCÃO; CANHA, 2013; FLORES; FERREIRA, 2012; LIMA; FIALHO, 2016; ROLDÃO, 2007).

Para poderem intervir em conjunto na ação, no questionamento e na resolução de problemas, é imprescindível, portanto, que os professores trabalhem em comunidades profissionais de aprendizagem. Nestas equipas de trabalho, os professores podem preparar, em conjunto, o desenvolvimento do currículo, gerir as necessidades de inovação de forma crítica e eficaz, envolver-se na investigação colaborativa e analisar os resultados dos alunos para poderem melhorar as suas aprendizagens. Trabalhando desta forma, os professores encontrarão soluções para problemas reais da sua prática profissional ( BOLIVAR, 2020; BUSH, 2019).

Este modelo de desenvolvimento profissional docente é o mais aberto à inovação, dado que é desenvolvido no interior da escola e parte do seu contexto; não se restringe ao desenvolvimento individual do professor, mas visa ao crescimento organizacional da escola; tem como objetivo primordial a melhoria das aprendizagens dos alunos; e parte de uma análise crítica e conjunta dos problemas existentes, feita pelos próprios professores ( CABRAL; ALVES, 2018).

Uma das possibilidades de instituir, nas escolas, comunidades profissionais de aprendizagem passa pela organização do ensino por equipas educativas por ano de escolaridade, que se constituem, segundo Formosinho e Machado ( 2009, 2016), como uma das condições para mudar a forma de escolarizar os alunos, respeitando as suas diferenças. Uma equipa educativa é constituída por um grupo bem definido e delimitado de professores que terá a incumbência de gerir as aprendizagens de todos os alunos de um ano de escolaridade, com a autonomia para criar grupos flexíveis e temporários de alunos, adaptados à atividade que vai ser dinamizada, aos níveis de aprendizagem dos indivíduos e aos tempos e espaços disponíveis.

Destarte, a sua atuação vai implicar um trabalho sustentado de planeamento da ação, de tomada de decisão sobre as aprendizagens a desenvolver, de definição de estratégias eficazes para a sua promoção e de adoção de modalidades e instrumentos de avaliação consonantes com os objetivos pretendidos. Para tanto, caberá a esta equipa a responsabilidade da gestão integrada do currículo, organizando os saberes em torno de questões significativas identificadas por professores e alunos, em colaboração, e além das fronteiras disciplinares.

A equipa educativa funcionará, assim, sob uma lógica multidisciplinar que estimula as interações entre professores de disciplinas diferentes, o que potencia a flexibilidade, a capacidade de correr riscos e o melhoramento das práticas profissionais e das aprendizagens dos alunos. Ao problematizar, traçar uma estratégia de ação, questionar e interagir para encontrar o significado do trabalho pedagógico que está a realizar, cada equipa educativa assume uma responsabilidade coletiva pelas aprendizagens dos alunos, superando, desta forma, o isolamento, desenvolvendo o trabalho colaborativo, potenciando o empoderamento (individual e/ou do grupo) através da partilha de sucessos e derrotas e permitindo a construção de uma nova cultura de escola e de um profissionalismo interativo que não se escuda à prestação de contas, num contexto de autorregulação implícito a um processo de autonomia crescente das organizações escolares ( CABRAL; ALVES, 2016; FORMOSINHO; MACHADO, 2009, 2016).

Estas dinâmicas colaborativas, promotoras do desenvolvimento profissional docente, dependem ainda de um apoio e incentivo das lideranças de topo e intermédias, cujo papel não se deve continuar a cingir ao controle da aplicação de normas, mas deve assentar no desenvolvimento das capacidades das escolas e dos professores para que sejam responsáveis pela aprendizagem e tenham como principal preocupação as necessidades dos alunos, o que implica o exercício de uma liderança pedagógica, transformacional e partilhada ( BOLIVAR, 2020).

Cabe, então, à liderança educativa um papel muito importante no desenvolvimento das atividades colaborativas e no favorecimento da confiança mútua entre os docentes. Ela deve, nesse sentido, criar estruturas que permitam um trabalho coletivo, criar tempos e espaços comuns de planificação, organizar grupos responsáveis pela resolução de problemas e promover uma delegação da liderança em tarefas específicas associadas ao projeto de melhoria da escola. Assim, torna-se evidente que, sem alterar a forma da organização e a cultura escolar, é impossível implementar uma liderança pedagógica ( VAILLANT, 2019).

Portanto, a liderança deve procurar concentrar-se na promoção da aprendizagem de todos os alunos, assegurando que esta seja social, colaborativa e sensível às diferenças entre os indivíduos; recorra às avaliações de acordo com os objetivos pedagógicos, realçando-se o feedback formativo; e promova a conexão horizontal através de atividades e conteúdos no seio da escola ( VILLA SÁNCHEZ, 2019). Assim, uma das chaves da melhoria de uma escola e de uma melhor qualidade educativa está no facto de os líderes (de topo e intermédios) focalizarem a sua atuação em processos pedagógicos ( SALLÁN, 2020).

Em síntese, o caminho da inovação e da mudança para uma escola que pretenda ser democrática e solidária, permitindo a formação efetiva de todos e respeitando a diferença de cada um, pressupõe uma articulação entre os três níveis da organização escolar: macro, meso e micro. Supõe-se ainda que essa transformação tenha por base uma dinâmica colaborativa entre todos os seus atores e se baseie numa partilha de responsabilidades, saberes e capacidades. O desenvolvimento pessoal e profissional de docentes, promovido por este trabalho colaborativo, deverá também ser impulsionado por uma liderança pedagógica, cuja preocupação central deve passar pela melhoria das aprendizagens dos alunos.

Metodologia do estudo

Partindo do pressuposto de que os fenómenos educacionais são complexos, dinâmicos e estão associados não só à história individual, mas também aos contextos em que ocorrem, optamos pela realização de uma investigação naturalista de tipo humanista-interpretativo, que procura dar ênfase a um estudo descritivo, centrado em abordagens mais interpretativas e privilegiando a compreensão das estruturas organizativas, as lógicas de ação, as culturas organizacionais e profissionais e as construções de identidades ( AFONSO, 2014). Assim, neste estudo, procuramos conjugar uma abordagem quantitativa, utilizando critérios bem definidos em relação à análise de dados, baseados numa estatística descritiva que submetemos a uma análise e interpretação estrutural e semântica, com uma abordagem qualitativa, realizada por meio da análise de conteúdo, centrada em contextos singulares e na perspetiva de atores individuais, no sentido de fazer um estudo da realidade sem a fragmentar e sem a descontextualizar.

Para garantirmos também a confiabilidade e a validade dos critérios desenvolvidos na investigação qualitativa, procuramos adotar uma triangulação metodológica intermétodo, cruzando o método quantitativo e qualitativo, e intramétodo, usando diferentes fontes e técnicas metodológicas: análise documental, grupo de discussão focalizada, entrevistas semiestruturadas e inquérito por questionário. Previmos ainda a triangulação de dados, provenientes de diferentes sujeitos, líderes e liderados, no sentido de percecionarmos se os diferentes papéis desempenhados pelos sujeitos geravam perspetivas diferentes sobre as mesmas temáticas. Para procurarmos garantir o rigor científico deste estudo, seguimos um conjunto de procedimentos que passamos a explanar.

Desenho metodológico

Pelo quadro teórico apresentado, percebe-se a importância do problema acional e a relevância profissional de um trabalho mais colaborativo e das lideranças intermédias no desenvolvimento pessoal e profissional docentes. Daí que tenhamos perspetivado, para este estudo, a seguinte questão de investigação: “ qual o objeto, natureza, amplitude, frequência e abrangência das interações entre professores (N=77) de uma determinada escola de dimensão média (N=947) e qual o papel das lideranças intermédias no desenvolvimento de um professor reflexivo e colaborativo?

Para respondermos a esta questão de investigação, começamos por aplicar a todos os professores de um Agrupamento de Escolas do Norte de Portugal um inquérito por questionário (N=77). Através deste instrumento de recolha de dados, pretendemos, num estudo mais amplo, uma quantificação de três medidas: a abrangência, a frequência e a amplitude de onze interações realizadas entre professores, para podermos caracterizar suas culturas escolares.

Consideramos também um grupo de itens que permitiram analisar as perceções dos professores sobre os valores e características implícitas a uma cultura colegial de aprendizagem, assim como um outro conjunto de itens sobre como são percecionadas as lideranças intermédias, quais os elementos promotores ou condicionadores do trabalho colaborativo entre os professores e as suas perceções sobre a influência do trabalho colaborativo em seu desenvolvimento profissional.

Este inquérito por questionário foi respondido por 62 professores, num universo de 77, o que perfaz uma percentagem de resposta de 81%. Foi precedido de um pedido de autorização ao diretor do Agrupamento, que agrega sete escolas. A sua aplicação permitiu-nos o acesso global à informação pretendida e a um número elevado de professores, assim como nos assegurou a quantificação de uma multiplicidade de dados e, ainda, a realização de numerosas análise e correlações.

No sentido de procedermos à triangulação metodológica de dados, depois de aplicados os inquéritos por questionário aos docentes e analisadas suas perspetivas sobre o contributo das lideranças intermédias na promoção de um professor colaborativo e reflexivo, assim como a importância do trabalho colaborativo no seu desenvolvimento profissional, foram ouvidos dois coordenadores de departamento e equipas educativas por ano de escolaridade, através de entrevistas semiestruturadas.

Assim, pretendíamos conhecer a perspetiva dos líderes intermédios sobre seu papel na promoção de um professor reflexivo e colaborativo e nas práticas de supervisão pedagógica, e identificar, ainda, na sua perspetiva, os fatores desencadeadores e/ou inibidores do trabalho colaborativo entre docentes, nomeadamente no seio de uma equipa educativa por ano de escolaridade.

Ambas as entrevistas foram realizadas logo após a análise dos dados obtidos através do inquérito por questionário, no sentido de se complementarem alguns dados que tinham ficado em aberto ou para os quais não havia ainda uma explicação. Era pertinente começar por ouvir os coordenadores de departamento e de equipa educativa, uma vez que um dos eixos centrais desta investigação visava à perceção das lideranças intermédias sobre seu papel na promoção de um professor colaborativo e reflexivo. Logo após a realização das entrevistas, foi feita sua transcrição para garantirmos uma maior fidelidade à intencionalidade comunicativa dos sujeitos e aprimorar a condução dos grupos de discussão focalizada que se seguiriam.

No sentido de podermos apreender informações acerca do problema de investigação do nosso estudo em diferentes tipos de conhecimentos e profundidade, procuramos, por meio da técnica do grupo de discussão focalizada, aplicada à equipa diretiva do Agrupamento e a um conjunto de seis professores pertencentes a diferentes equipas educativas por ano de escolaridade, conseguir a produção de dados que complementassem as informações já produzidas pelas técnicas precedentes. A opção pela técnica do grupo de discussão focalizada deu-se pela possibilidade de estimular a troca de vivências, experiências, impressões e sentimentos, o que permitiu uma reflexão coletiva sobre os temas debatidos.

Para melhor compreendermos e confrontarmos, mais uma vez, a perspetiva de líderes e liderados, optamos pela aplicação de um grupo de discussão focalizada a um conjunto de seis professores, pertencentes a cinco equipas educativas, duas das quais lideradas pelos dois coordenadores entrevistados. Estes docentes foram selecionados por representarem cada uma das equipas educativas em funcionamento na escola, do quinto ao nono ano.

Com este grupo de discussão focalizada, pretendeu-se observar as perceções que os professores de uma equipa educativa por ano de escolaridade tinham em relação ao trabalho reflexivo e colaborativo e em que medida a escola facilitou ou não o trabalho colaborativo entre professores, nomeadamente numa equipa educativa por ano de escolaridade.

Só depois da transcrição deste grupo de discussão focalizada passamos ao seguinte, cujo destinatário era a equipa diretiva, para conseguirmos perceber algumas questões da dinâmica organizativa da escola que pudessem justificar alguns dos constrangimentos que já tinham sido apontados por professores e líderes intermédios.

Assim, com a aplicação do grupo de discussão focalizada à equipa diretiva, pretendemos compreender a perceção que as lideranças de topo tinham em relação ao trabalho reflexivo e colaborativo, analisar suas perceções referentes às práticas de supervisão nas escolas e verificar, na perspetiva dos líderes de topo, em que medida as escolas facilitam ou não o trabalho colaborativo entre professores, nomeadamente numa equipa educativa por ano de escolaridade.

Apresentação e discussão dos resultados

A apresentação dos resultados obtidos será estruturada em três partes para facilitar sua análise e compreensão. Posteriormente, nas conclusões deste estudo, elas serão interligadas, numa perspetiva holística do funcionamento de uma organização escolar. Assim, começaremos por fazer uma caracterização das culturas escolares do Agrupamento em estudo. Em seguida, apresentaremos a perceção dos professores acerca do trabalho colaborativo e de seu desenvolvimento profissional e, por fim, analisaremos a perceção que os professores têm sobre a promoção (ou não) de um professor reflexivo e colaborativo pelas lideranças intermédias do Agrupamento.

Caracterização das culturas escolares do agrupamento

Para caracterizarmos as culturas escolares, partimos do princípio, como defende Torres ( 2015), de que a cultura organizacional de escola é marcada pela convivência e pela interação dos atores escolares que implicam construções e reconstruções de redes de significados individuais e coletivos. Seguimos também Lima ( 2002), que defende que as culturas escolares devem ser definidas de acordo com três critérios que permitem distinguir culturas fortes das fracas: a abrangência das interações (as interações entre os professores devem abranger um conjunto diverso de áreas da vida profissional), sua frequência (as interações entre colegas devem resultar em contactos frequentes) e sua amplitude (para uma cultura ser considerada forte, é imprescindível que os professores interajam com um número considerável de colegas nas escolas onde trabalham).

Procuramos, então, através do inquérito por questionário, caracterizar as culturas escolares do Agrupamento em estudo com base nesses três critérios. Deste modo, começando pela abrangência, contemplamos onze interações diferentes, que traduzem manifestações muito distintas da colaboração entre professores, de forma a não cairmos na tentação de considerarmos como colegialidade alguns contactos irregulares, superficiais e, por vezes, pouco consequentes em termos de impacto nas práticas educativas.

Para obter dados mais consistentes e resultados mais precisos, começamos por organizá-las em três áreas de diferentes complexidades de interação. Na área da comunicação verbal, contemplamos as interações mais orais, em contextos formais ou informais entre colegas, como conversas sobre o comportamento e aproveitamentos dos alunos, reflexão conjunta sobre os resultados destes e formas de melhorá-los, troca de boas práticas, partilha e análise de problemas de aprendizagem e reflexão sobre as práticas pedagógicas. Na área da partilha/apoio, agrupamos a partilha de matérias produzidas individualmente e a participação em atividades gerais da escola. Por fim, na área da ação conjunta, consideramos atividades práticas conjuntas que implicam níveis mais elevados de interdependência por parte dos professores, como desenvolvimento de materiais pedagógicos com os colegas, planificação conjunta das aulas, observação de aulas para aprender/melhorar estratégias de ensino e ensino conjunto/troca de turmas.

Pela análise dos resultados obtidos, verificamos que, segundo a perceção dos respondentes, a maior parte das interações apresentadas são realizadas regularmente, numa percentagem superior a 90%, ficando um pouco abaixo desse número o desenvolvimento de materiais pedagógicos com os colegas (84%) e a reflexão sobre as práticas pedagógicas (71%). Deve-se notar que, no que concerne à observação de aulas para aprender/melhorar as práticas de ensino e ao ensino conjunto/troca de turmas, a percentagem de professores que o diz fazer, com regularidade, diminui para 21%, sendo que 48% e 61%, respetivamente, nunca o fazem ou fazem-no raramente. Verificamos, assim, que o desenvolvimento de materiais pedagógicos com os colegas recebeu uma pontuação relativamente mais baixa do que a das interações subagrupadas nas áreas da comunicação verbal e na partilha/apoio por se tratar, a nosso ver, de um procedimento que apresenta uma maior complexidade em termos de interação profissional do que os anteriores. Por seu turno, a reflexão sobre as práticas pedagógicas apresenta uma percentagem inferior à da interação anteriormente contemplada (71%), talvez pelo facto de a observação de aulas e de o ensino conjunto não serem interações regulares no Agrupamento, como dito acima.

Desta feita, estes dados, que pareciam deixar descortinar um trabalho colaborativo consistente, deixam-nos deduzir uma colaboração confortável, já que as interações mais comuns são aquelas que requerem menos interdependência, menos esforço de coordenação e menor apropriação concetual por parte dos professores e que, portanto, menos favorecem o seu desenvolvimento profissional.

Contudo, um estudo das interações entre os docentes que se cinja apenas à análise de sua frequência pode ser muito limitativo, uma vez que interações frequentes podem resumir-se a contactos com um número restrito de professores. Logo, é conveniente fazer um estudo da amplitude das diversas interações contempladas.

Pela análise dos dados referentes à amplitude das interações realizadas entre os professores, podemos constatar que a percentagem daqueles que dizem interagir com nove ou mais parceiros é a mais elevada na interação referente à colaboração em atividades gerais da escola, por se tratar de procedimentos mais interdisciplinares. Quando passamos à área da comunicação verbal, as percentagens mais elevadas dizem respeito a interações que se realizam entre quatro a oito professores. Porém, na área da partilha de materiais e ensino conjunto, as percentagens que se destacam dizem respeito a interações entre um a três professores. Convém ainda registar que 50% dos professores dizem não interagir com nenhum colega no ensino conjunto ou troca de turmas.

Constatamos, assim, que se verifica um decréscimo contínuo do número máximo de parceiros com quem os professores interagem à medida que passamos de tipos de interação que exigem pouca interdependência para os que são mais complexos e exigem maior reciprocidade. Estes dados deixam-nos deduzir uma cultura balcanizada, dado que as interações mais complexas, que teriam maior contributo para o desenvolvimento profissional docente, se fecham em equipas bastante restritas de professores, como os grupos disciplinares. Perspetiva-se, assim, uma falta de colaboração interdisciplinar, que representa, segundo Lima ( 2002), uma das limitações mais significativas da colegialidade nas escolas, dado que os professores conhecem muito pouco o trabalho realizado por colegas de outras disciplinas ou níveis de ensino.

Como tivemos oportunidade de expor na primeira parte deste artigo, este trabalho interdisciplinar poderia ser promovido no seio das equipas educativas que dirigem as aprendizagens de um grande grupo de alunos por ano de escolaridade. Porém, apesar de sua existência no Agrupamento, constatamos que a cultura da balcanização parece continuar a se sobrepor. Efetivamente, continuam a existir grupos particulares de colegas, normalmente próximos por pertencerem à mesma disciplina ou ao mesmo ano de escolaridade, que atuam não perspetivando a escola como um todo, mas em função dos interesses do grupo a que pertencem (tempos, espaços, recursos), o que dificulta a interação entre diferentes grupos e explica a débil articulação entre eles ( FULLAN; HARGREAVES, 2001).

De facto, através das duas entrevistas semiestruturadas e dos dois grupos de discussão focalizada, verificamos que existem constrangimentos de ordem organizacional e cultural da escola que dificultaram um trabalho colaborativo efetivo nessas mesmas equipas educativas. No nível organizacional, a equipa diretiva do Agrupamento continuou a dar preferência à organização do trabalho colaborativo entre docentes no seio dos conselhos de turma (órgão que reúne todos os professores da turma) ou grupos disciplinares, deixando em segundo plano o trabalho das equipas educativas por ano de escolaridade. Por outro lado, toda a organização do ensino do Agrupamento continuou baseada em turmas autónomas e inflexíveis, sem haver lugar para flexibilização de agrupamentos de alunos, tempos e espaços. As reuniões da equipa educativa realizaram-se de forma esporádica e pontual, não respeitando a assiduidade exigida para serem funcionais. A ordem de trabalhos dessas reuniões, por sua vez, cingiu-se à operacionalização dos domínios de autonomia curricular, cujos projetos eram geridos e planificados no seio dos conselhos de turma, restando à equipa educativa o papel de articular os projetos das várias turmas e fazer um ponto da situação do trabalho realizado por cada uma delas. Parece-nos, então, que as funções do coordenador da equipa educativa foram diluídas pelas funções do conselho e do diretor de turma.

Quanto aos constrangimentos culturais, ainda se verifica um individualismo que persiste, já que a maior parte do trabalho dos professores continua a ser realizada solitariamente, quer na sala de aula, quer em casa, o que justifica que também haja uma resistência à inovação por parte dos professores, que não souberam ou não quiseram adaptar-se a novos modos de trabalho. A falta de implementação regular de projetos interdisciplinares e a cultura balcanizada aqui caracterizada justificam que os professores apresentem uma maior dificuldade em partilhar materiais, dar apoio ou flexibilizar com colegas pertencentes a grupos disciplinares diferentes, o que dificultou, assim, o trabalho em equipa educativa por ano de escolaridade, que é por natureza multidisciplinar. Para Bolivar ( 2003), muitas vezes, o problema da fragmentação das redes relacionais surge ligado à quase ausência das práticas de colaboração interdisciplinar entre os professores.

Em síntese, para concluirmos esta seção, podemos constatar já um conjunto de entraves para que se institua uma cultura colegial de aprendizagem no Agrupamento em estudo: o individualismo, a cultura balcanizada, um trabalho interdisciplinar muito ténue, uma colegialidade difusa e o débil funcionamento das equipas educativas por ano de escolaridade.

Perceção dos professores sobre o trabalho colaborativo e sua relevância em seu desenvolvimento profissional

Para compreendermos o entendimento dos professores sobre o trabalho colaborativo, começamos pela análise dos resultados, obtidos através do inquérito por questionário, sobre a perceção dos professores em relação aos valores e características das culturas colaborativas e de aprendizagem.

Pela análise dos resultados, verificamos que 94% dos professores dizem poder confiar nos colegas perante um problema ou desafio. Este indicador parece revelar a existência de uma condição estrutural para a ação colaborativa. Nóbrega et al. ( 2019) defendem que a confiança afeta positivamente a cooperação e a aprendizagem e conduz à satisfação relacional.

Por um lado, Neves ( 2011) advoga que a confiança aumenta a implicação afetiva, que também parece existir no Agrupamento, já que 85% dos professores defendem que existem ligações humanas na escola, ou seja, que os colegas criam relações de confiança mútua e de amizade. Por outro, Santa ( 2015) apresenta como características básicas de uma cultura de aprendizagem o diálogo, a abertura, a participação e a experimentação. As três primeiras parecem existir no Agrupamento, dado que uma grande maioria de professores diz que se sente à vontade para partilhar todas as suas opiniões (95%), que não se sente desiludido com os colegas (82%), que não sente dificuldades em abordá-los (84%), que estes reforçam positivamente o seu desempenho (84%) e que existe um propósito comum no sentido de um desempenho coletivo de qualidade (91%).

Logo, parece que a experimentação é a única característica de uma cultura de aprendizagem que surge como mais ténue, o que se pode justificar pela baixa frequência e amplitude de interações, como a observação de aulas para aprender, o ensino conjunto/troca de turmas ou o parco funcionamento das equipas educativas.

Fomos procurar compreender, através das entrevistas semiestruturadas e dos grupos de discussão focalizada, a razão pela qual não se pratica na escola, entre professores, a observação de aulas. Constatamos que, embora líderes e liderados defendam que se trata de uma interação muito importante para o desenvolvimento profissional dos professores, porque os predispõe e lhes dá segurança para a mudança das suas práticas, ela praticamente não existe. Segundo os líderes, os professores têm muita dificuldade em abrir a porta da sua sala de aula a outros colegas, e os horários muito compactos e intensos não lhes deixam tempo para ir observar outras práticas letivas.

Para compreendermos melhor a forma como os professores veem o trabalho colaborativo, procuramos analisar ainda a sua perceção sobre os fatores que o obstaculizam, verificando que 73% dos professores apontam a desmotivação dos professores e 89%, o excesso de trabalho. Porém, para Roldão ( 2007), a dificuldade em implementar uma efetiva colegialidade não se deve apenas a fatores individuais ou má vontade dos professores.

No entanto, quando questionados sobre constrangimentos culturais ou organizacionais que possam dificultar o trabalho colaborativo – como a cultura individualista dos professores, a falta de articulação entre colegas de diferentes áreas curriculares, o clima de escola pouco propício ao trabalho colaborativo ou a falta de focalização das lideranças na promoção do trabalho colaborativo –, as opiniões surgem muito divididas. Esta divisão pode levar à conclusão de que os professores ainda não estão muito conscientes para os principais obstáculos a um efetivo trabalho colaborativo ou que ainda não estão preparados para questionar a falta de oportunidade de aprendizagem em ação, a cultura balcanizada, o trabalho espartilhado por grupos disciplinares e o parco funcionamento das equipas educativas por ano de escolaridade.

Em síntese, parece que os professores estão mentalmente disponíveis para a mudança relacionada aos modos de trabalhar, mas suas práticas nem sempre correspondem aos valores defendidos. Este constrangimento pode encontrar uma explicação no facto de a mudança pressupor a conjugação de tempos e espaços propícios ao trabalho comum e um alinhamento de atitudes interrelacionais dos professores e do seu modo de existir profissionalmente, movida por uma alteração da estrutura e dinâmica da organização da escola, que parece ser muito ténue no Agrupamento.

Perceção dos professores sobre a promoção (ou não) de um professor colaborativo e reflexivo pelas lideranças intermédias

Nas seções anteriores, procurámos demonstrar que o papel das culturas escolares e da gramática organizativa da escola são fundamentais na promoção de um professor colaborativo e reflexivo. A liderança pedagógica e coletiva, por seu turno, é outra das variáveis fundamentais para a transformação das escolas em organizações aprendentes e, consequentemente, para a melhoria do seu funcionamento ( BOLIVAR, 2020; CABRAL; ALVES, 2020; FULLAN; HARGREAVES, 2001).

Partindo dos pressupostos acima explanados, julgámos que o estudo do Agrupamento em análise não ficaria completo se não tentássemos compreender a perceção dos professores sobre o papel das lideranças intermédias na promoção (ou não) de um professor colaborativo e reflexivo.

Para podermos analisar e interpretar os dados obtidos, baseamo-nos nas dimensões de liderança que a tornam eficaz, segundo Bolivar ( 2020): estabelecer objetivos e expetativas, assegurar um contexto adequado e o apoio necessário (fornecer estimulação intelectual), promover e participar do desenvolvimento profissional dos professores, avaliá-los através da visita regular às salas de aula e dar o respetivo feedback.

A primeira dimensão parece estar presente no Agrupamento em estudo, pois 89% dos professores referem que os coordenadores criam e clarificam, regularmente, expetativas elevadas e objetivos claros. Também nos parece existir uma coordenação que orienta e apoia os professores, uma vez que uma grande maioria defende que os coordenadores de departamento fornecem, regularmente, informações sobre os dispositivos legais e administrativos publicados (94%), estabelecem canais de comunicação entre os diferentes professores (89%), são fáceis de abordar (90%), fornecem materiais necessários a sua atividade pedagógica (61%), ajudam a avaliar suas necessidades (66%), prestam o apoio necessário à identificação de alunos com problemas de aprendizagem (73%) e ajudam na planificação e na definição de objetivos programáticos (68%), assim como na resolução dos conflitos que surgem e nas decisões que os afetam (60%). Para além deste apoio, fornecem estimulação intelectual, regularmente valorizando o seu trabalho (77%), prestando atenção àquilo que eles dizem (89%), considerando e valorizando as suas opiniões pessoais (77%) e confiando nas decisões que tomam sobre o funcionamento da sala de aula (82%).

Quanto à promoção e participação no desenvolvimento profissional, ela também parece existir, já que a maioria dos professores afirma que os coordenadores fornecem informações sobre novas metodologias de ensino (76%) e informações úteis para desenvolver suas competências profissionais (73%), bem como promovem reflexões conjuntas sobre as práticas pedagógicas e sobre as estratégias de melhoria das aprendizagens (75%).

Contudo, parece-nos que estas reflexões que conduzem ao desenvolvimento profissional docente são mais teóricas do que práticas, uma vez que se verifica que apenas 15% dos professores referem que os coordenadores observam, regularmente, as suas aulas; apenas 31% dizem que eles fornecem, regularmente, feedback construtivo após terem observado a forma como ensinam; e apenas 42% dizem que eles lhes dão sugestões para aperfeiçoar seus métodos de ensino.

Estes resultados deixam-nos deduzir que a dimensão de avaliar os professores através da visita regular às salas de aula e dar o respetivo feedback surge como muito ténue no Agrupamento. Perante esta constatação, fomos procurar perceber, por meio das entrevistas semiestruturadas e do grupo de discussão focalizada, como se realiza a supervisão das práticas letivas.

Concluímos que ela não parte da experiência e do exame das práticas, mas é feita a partir do exterior da sala de aula, sendo, portanto, predominantemente teórica e burocrática, porque se fundamenta naquilo que é dito pelos professores nas reuniões e naquilo que eles escrevem nos relatórios e documentos de monitorização. Logo, trata-se de uma supervisão baseada na confiança na competência do professor e no mito do profissionalismo docente; ou seja, toda a dinâmica da ação da escola é caracterizada pela lógica de que cada indivíduo confia na competência e no trabalho do outro, porque suas competências foram certificadas por uma instituição do ensino superior e a credencial que lhe foi outorgada dispensa uma continuada formação na ação, aqui residindo a dimensão mítica do profissionalismo ( ALVES, 1999a). Assim sendo, é uma supervisão bastante frágil no que concerne ao desenvolvimento profissional dos professores, já que a teoria continua a se sobrepor à prática ( GASPAR, 2019).

Considerações finais

Com base na análise acima exposta, cumpre, neste momento, expor uma visão sintética e global do nosso objeto de estudo: o efeito das dinâmicas colaborativas e das lideranças intermédias na promoção de um professor colaborativo e reflexivo.

No nível macro, parece-nos que a dinâmica organizativa do Agrupamento e a atuação dos professores é bastante influenciada por políticas educativas, numa lógica top down. De facto, foram introduzidas algumas mudanças e inovações na escola, como o trabalho colaborativo e a instituição das equipas educativas. Contudo, o trabalho colaborativo, embora seja uma realidade instituída na escola, marcado no horário do professor, como preconiza o discurso legal, concretiza-se numa dinâmica de colegialidade superficial, confortável e artificial ( FULLAN; HARGREAVES, 2001). Por outro lado, as equipas educativas foram constituídas como recomendam as novas regras ministeriais, mas não foram adaptadas à realidade do Agrupamento, nem foram sustentadas por uma nova dinâmica organizativa da escola. Logo, foram debilmente eficazes na resolução dos problemas organizacionais da escola, sem efeitos sensíveis na melhoria das práticas educativas. Por conseguinte, podemos concluir que uma escola (entendendo-se os diferentes órgãos), para promover a inovação, deve usar a sua autonomia possível, ainda que limitada, para, a partir de um diagnóstico fundamentado, instituir uma ação coerente e articulada de mudanças, numa lógica bottom up.

No nível da organização da gramática escolar, no que concerne às culturas escolares, continuam a persistir o individualismo, a balcanização e a colaboração confortável, o que dificulta uma atuação conjunta de todos os atores para se atingirem objetivos comuns, nomeadamente a melhoria das aprendizagens dos alunos. Como verificamos, o trabalho que exige uma maior interação entre os docentes e uma realização conjunta concretiza-se de forma menos frequente e com um menor número de parceiros de interação. De facto, as interações colaborativas centram-se, predominantemente, na partilha de informações, de conhecimentos e de saberes. As interações que requerem produção em interlocução e uma maior apropriação concetual necessitam de maior mobilização de saberes específicos da profissão docente, ou seja, aquelas que favorecem a qualificação profissional e a melhoria dos produtos educativos são as menos frequentes e que se concretizam com um menor número de colegas, normalmente dentro do grupo disciplinar. Porém, para que os professores possam aprender uns com os outros, suas ações deverão passar pela docência em conjunto, pela observação mútua e pela supervisão crítica entre colegas.

Quanto à atuação das lideranças intermédias, verificamos que podemos encontrar uma coordenação que apoia e orienta, mas sem uma supervisão que analisa formativamente as práticas. Trata-se de uma supervisão predominantemente teórica e burocrática, baseada no mito do profissionalismo docente e numa lógica de racionalidade neoinstitucional – isto é, no pressuposto de que todos os professores são profissionais que cumprem bem os seus diferentes papéis. Verifica-se, assim, a manutenção da atuação das lideranças intermédias num papel burocrático de transmissão de informações e de suposto controle do cumprimento de programas, por meio de documentos escritos, e/ou da monitorização formal de todo o trabalho que é realizado, por meio daquilo que é proferido pelos professores nas reuniões de trabalho colaborativo ou de departamento. Porém, estas lideranças intermédias, para se constituírem enquanto lideranças pedagógicas, deveriam centrar-se nos processos académicos, o que parece dificultado pelo facto de as portas das salas de aula se manterem fechadas, real e simbolicamente. Consequentemente, estes líderes conhecem muito pouco os modos de ensinar e de avaliar dos seus professores. Parece-nos, assim, que os líderes intermédios deverão procurar assumir uma atuação mais analítica, crítica e transformadora do contexto educativo que lideram por meio de uma supervisão assente na ação, na interação, na reflexão e na colaboração.

No que concerne aos agrupamentos de alunos, verificamos que, apesar de terem sido criadas as equipas educativas por ano de escolaridade, elas não foram desenvolvidas em todas as suas implicações de gestão efetiva das aprendizagens dos alunos. De facto, toda a organização do ensino continua assente em turmas inflexíveis, autónomas, com horários estáticos; uma organização curricular espartilhada por disciplinas e um trabalho interdisciplinar residual, ensinando a todos “como se todos fossem um só” ( BARROSO, 1995). Esta dinâmica escolar dificulta a aplicação de projetos interdisciplinares e de uma pedagogia diferenciada, ou seja, o currículo continua a não ser gerido em função das dificuldades dos alunos, com programas de aprendizagem específicos para que se possa respeitar a diferença de cada um.

Os constrangimentos elencados justificam que o desenvolvimento profissional dos professores, em contexto, seja ainda escasso no Agrupamento. Esta débil existência de um profissionalismo interativo, desenvolvido com base na ação educativa, na avaliação e na cooperação, vem dificultar uma atuação autónoma dos professores e limitar sua capacidade de tomada de decisão, o que também pode constituir uma justificativa para o débil funcionamento das equipas educativas e para a dificuldade em se alterarem algumas práticas pedagógicas. Ora, não existindo um desenvolvimento profissional em contexto, também será difícil existir um desenvolvimento organizacional, o que, por conseguinte, vai dificultar uma mudança das culturas de escola, assim como a propensão para a inovação.

Concluímos, pois, que existe um caminho a se percorrer entre o quadro regulatório e a fragilidade operacional das duas realidades educativas em estudo – as dinâmicas colaborativas e as lideranças intermédias – na promoção de um professor reflexivo e colaborativo, o que pressupõe a superação de constrangimentos culturais e organizacionais, assim como o déficit de poder mobilizador das direções ou dos líderes intermédios, que parecem continuar a não ter um poder real para mudar as práticas dos professores. Estes só mudarão o seu modus operandi quando, segundo Frankl ( 2003), através do desenvolvimento de valores criativos, vivenciais e atitudinais, experimentarem processos de bem-estar ao longo da sua existência profissional. Em outras palavras, os professores só poderão encontrar um sentido para a sua existência enquanto profissionais numa atitude “autotranscendente”, saindo de si e indo ao encontro das necessidades dos alunos.

Porém, acreditamos e demonstrámos que há horizontes de possibilidades que podem vir a permitir que essa caminhada seja bem-sucedida e que a escola possa transformar-se numa comunidade de aprendizagem, com a missão de capacitar todos, tornando-se uma instituição verdadeiramente democrática, em que seja exequível a articulação de dois polos aparentemente antagónicos no contexto escolar – a qualidade e a equidade.

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1- O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível publicamente no Repositório Institucional da Universidade Católica Portuguesa, Veritati. http://hdl.handle.net/10400.14/33622

Recebido: 12 de Abril de 2021; Revisado: 21 de Junho de 2021; Aceito: 04 de Outubro de 2021

Contato: silva.vilela@sapo.pt

Contato: jalves@ucp.pt

Editora:

Profa. Dra. Mônica Caldas

Generosa Pinheiro

é mestre em administração e organização escolar pela Universidade Católica Portuguesa do Porto e professora do terceiro ciclo do ensino básico, com licenciatura em línguas e literaturas modernas pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo vindo a exercer diversos cargos de chefia intermédia.

José Matias Alves

é doutor em ciências da educação pela Universidade Católica Portuguesa, mestre em administração e organização escolar pela Universidade do Minho, investigador do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa, professor associado da Faculdade de Educação e Psicologia da mesma universidade e autor de dezenas de publicações indexadas (artigos, capítulos de livros e livros na área da organização escolar e lideranças educativas).

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