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Educação e Pesquisa

Print version ISSN 1517-9702On-line version ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub Apr 28, 2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349259986por 

Artigos

O que nudes e divulgação não autorizada de imagens íntimas têm a lembrar à escola? 1

Laís Barbosa Patrocino2 
http://orcid.org/0000-0001-5632-2875

Paula Dias Bevilacqua3 
http://orcid.org/0000-0003-0015-2154

2-Universidade do Estado de Minas Gerais, Carangola, MG, Brasil

3-Instituto René Rachou, Belo Horizonte, MG


Resumo

A prática entre estudantes de compartilhar fotos que expõem a nudez de meninas tem sido vivenciada em grande parte das instituições escolares no Brasil e no mundo. Diversos casos reportados na mídia retratam situações de humilhação e perseguição que podem implicar, além de danos psicológicos, problemas nas relações sociais, queda no rendimento, evasão escolar e até suicídio. O trabalho objetivou discutir as relações que têm se estabelecido na escola diante da prática de compartilhamento do autorretrato nu e da divulgação não autorizada de imagens íntimas de meninas. Foram empreendidas 27 entrevistas em profundidade com meninas e mulheres de distintas regiões brasileiras que sofreram exposição de sua intimidade em diferentes momentos da vida, além de profissionais da saúde e da assistência social que atenderam adolescentes e mulheres adultas que passaram por essa situação. Os dados apontaram práticas de negligência em relação a situações de violência, culpabilização de meninas e despreparo para pautar questões concernentes à vivência da sexualidade de modo prazeroso e saudável. Observou-se que essas novas práticas da sexualidade e de violência contra meninas têm retomado, nas instituições, a oposição entre manifestação da sexualidade e bom desempenho escolar. Argumenta-se por uma educação em sexualidade pautada na questão do desejo.

Palavras-chave Sexting; Exposição da intimidade; Educação em sexualidade; Infância; Políticas

Abstract

The practice among students of sharing photos that expose the nudity of girls has been experienced in most educational institutions in Brazil and around the world. Several cases reported in the media portray situations of humiliation and persecution that may lead, in addition to psychological damage, to problems in social relationships, lowering performance, school dropout and even suicide. The aim of this work was to discuss the relationships that have been established at school in the face of the practice of sharing naked self-portraits and the unauthorized dissemination of intimate images of girls. Twenty-seven in-depth interviews were carried out with girls and women from different Brazilian regions who had their intimacy exposed at different times in their lives, in addition to health and social care professionals who assisted adolescents and adult women who went through this situation. The data pointed to practices of negligence in relation to situations of violence, blaming girls and unpreparedness to guide questions concerning the experience of sexuality in a pleasant and healthy way. It was observed that these new practices of sexuality and violence against girls have resumed, in institutions, the opposition between manifestation of sexuality and good school performance. It argues for an education in sexuality based on the issue of desire.

Keywords Sexting; Exposure of intimacy; Sexuality Education; Childhood; Policies

Introdução

A ampliação do acesso à internet por meio do celular e do uso de redes sociais popularizou o que tem sido chamado, fora do Brasil, de sexting (junção dos termos sex e texting, em inglês), que designa o compartilhamento de mídia digital erótica entre pares, cujo conteúdo pertence à pessoa remetente. Tal definição serve de amparo à diferenciação dessa prática da sexualidade das práticas violentas de divulgação não autorizada da intimidade, pelas quais sobretudo meninas e mulheres têm sido expostas.

Essas práticas violentas também se diferenciam de acordo com a forma como as mídias são produzidas, adquiridas ( SYDOW; CASTRO, 2017) e divulgadas. Elas podem ser produzidas em diferentes circunstâncias, envolvendo ou não o conhecimento, autorização ou desejo de quem está sendo objeto de registro, e podem, inclusive, consistir em imagens de violência sexual. A aquisição das mídias posteriormente divulgadas pode tanto ser de iniciativa da pessoa retratada, que as envia, como pode se tratar de aquisição ilegal, por meio de roubo ou extorsão sexual, conhecida como sextorsão. A sextorsão pode incluir a aquisição de mídias eróticas como fim ou meio para ameaça no estupro. A divulgação, por sua vez, pode ser iniciada por diferentes razões, como afirmação da masculinidade, controle e condenação da sexualidade de meninas e mulheres, vingança (como nos casos que têm sido chamados de pornografia de vingança 4 ) e até mesmo comercialização ( MOHAN, 2020). Essas diferentes situações foram relatadas por meninas e mulheres no âmbito desta pesquisa.

Em decorrência da expansão dessas formas de violência, foi promulgada, no Brasil, a Lei Federal nº 13.718/2018 ( BRASIL, 2018), que tipificou, como crime de importunação sexual, a divulgação, sem consentimento, de foto ou vídeo com cena de nudez, sexo ou pornografia. Para além desse instrumento legal, algumas outras legislações tutelam especificamente menores de idade, como é o caso do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ( BRASIL, 1990) e a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática ( BRASIL, 2015b).

A violência é uma dimensão presente na relação entre adolescentes e, portanto, tem sido alvo de diversas investigações. Em pesquisa conduzida por Minayo, Assis e Njaine ( 2011) sobre violência nas relações afetivo-sexuais de jovens brasileiras(os), constatou-se alta prevalência de variadas formas de violência. A pesquisa apontou para o fato de que a violência relacional, que envolve difamação e prejuízos em demais relações, reproduz desigualdades e discriminações, questão também evidenciada no âmbito da presente pesquisa. Além disso, o estudo coordenado por Minayo, Assis e Njaine ( 2011) reportou relatos de divulgação não autorizada de imagens íntimas de mulheres em diversas regiões do país.

Em que pese a necessidade de nomear as situações de violência vivenciadas por meninas, foco de interesse deste trabalho, não se pode perder de vista que as vivências da sexualidade são permeadas por aspectos positivos, que não podem ser negligenciados. Danah boyd ( 2007) chama a atenção para o fato de que o uso das redes sociais se dá da mesma forma que outras esferas públicas das quais jovens participam, envolvendo busca por aceitação, autorrepresentação e, também, riscos. Estes riscos contribuem para o aprendizado dos limites da vida social, que é também um acesso à vida adulta. A autora discute, ainda, as contradições entre o estímulo mercadológico ao consumo e à sexualidade de jovens e a repressão adulta a seus comportamentos. Ela argumenta que a proibição do acesso contribui para a divisão do mundo adulto e jovem e entre jovens com e sem acesso a tais ferramentas.

É a partir de reflexões sobre os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e sobre os discursos escolares acerca de gênero e sexualidade que se buscou analisar os modos como escolas têm lidado com a prática do sexting e com a divulgação não autorizada de imagens íntimas de meninas. Buscou-se também, a partir dessa análise, apontar caminhos para uma educação em gênero e sexualidade orientada para vivências prazerosas e saudáveis.

Métodos

Foram realizadas, durante o segundo semestre de 2020, 27 entrevistas em profundidade, por videochamada, com duração média superior a setenta minutos. Dentre as entrevistadas, dezessete eram meninas e mulheres que passaram pela situação de exposição e dez eram profissionais da saúde e da assistência que fizeram atendimentos dessa situação.

A pesquisa foi divulgada em redes sociais como modo de recrutamento para a participação. Foi disponibilizado um contato de WhatsApp da pesquisadora para que interessadas pudessem entrar em contato e compartilhar suas experiências.

As meninas e mulheres que tiveram suas imagens íntimas divulgadas tinham, no momento da entrevista, idade entre 17 e 50 anos. A faixa de idade das profissionais da saúde e da assistência social foi de 18 a 62 anos. Dentre as profissionais, foram entrevistadas psicólogas, assistentes sociais e estudantes, pertencentes a órgãos de acolhimento às mulheres, jurídicos, segurança pública, de saúde mental, atendimento privado e projeto voluntário.

Entre as entrevistas, foi possível abarcar, além de uma variedade de situações e contextos, a idade em que a violência ocorreu com as mulheres, e uma diversidade étnico- racial, socioeconômica e territorial. As localizações das mulheres que passaram pela exposição abrangeram dezoito cidades de seis estados brasileiros (uma mulher foi exposta também no contexto de uma cidade de grande porte no exterior), sendo capitais, cidades do interior e litorâneas e regiões metropolitanas de pequeno e médio porte. As localizações das profissionais abrangeram cinco municípios de um mesmo estado – capital, município de região metropolitana de pequeno porte e municípios do interior de pequeno e médio porte.

As entrevistas com as mulheres expostas envolveram a descrição do modo como suas imagens foram produzidas e divulgadas, como isso as afetou e se buscaram ajuda no campo das relações pessoais ou institucionais, como serviços jurídicos ou de saúde. As entrevistas com as profissionais envolveram a descrição detalhada dos casos atendidos, os danos causados às meninas e mulheres, os cuidados dispensados a elas e os desafios para esse tipo de atendimento. Em ambas as entrevistas, foram abordadas as perspectivas sobre as demandas de cuidado às mulheres que passam por essa experiência, tema tratado em outro trabalho ( PATROCINO; BEVILACQUA, 2021a).

Além de gravadas, as entrevistas foram registradas por escrito. Os registros foram enviados e validados por cada participante. A partir da análise de conteúdo como método empregado ( GOMES, 2001), foram definidas unidades e categorias de análise com base em estudos prévios e questões que emergiram do trabalho de campo.

A participação de menor de idade envolveu a assinatura tanto do termo de consentimento como de assentimento por responsável legal. Como meio de preservar a identidade das participantes, foram empregados nomes fictícios. As descrições étnico- raciais aqui feitas foram autodeclaradas.

Direitos sexuais de adolescentes no Brasil

Os direitos sexuais e reprodutivos são um conjunto de direitos humanos relacionados à vivência da sexualidade, saúde sexual e planejamento familiar. Esses direitos visam garantir primordialmente informação, liberdade e segurança na manifestação da sexualidade e no processo reprodutivo. A definição desses direitos resulta da disputa sobretudo entre movimentos feministas e setores religiosos conservadores ( DINIZ, 2015).

Em resgate histórico sobre os direitos sexuais e reprodutivos na adolescência, Moraes e Vitalle ( 2015) apontaram para o fato de que as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pela invisibilidade desses direitos. Na década de 1970, a adolescência ainda era percebida a partir da reprodução da ideia de rebeldia e, só a partir da década de 1980, iniciaram-se as discussões da adolescência como fase própria. Nesse contexto, houve aproximação da discussão sobre direitos, com foco na gravidez. Finalmente, na década de 1990, com a promulgação do ECA, adolescentes passaram a ser compreendidas(os) como sujeitos de direito. Mas é a partir dos anos 2000, especialmente pela atuação dos novos movimentos sociais, que surge a ideia da(o) adolescente como sujeito protagonista, com autonomia.

Em outro trabalho, Moraes e Vitalle ( 2012) elencaram os direitos sexuais e reprodutivos garantidos pela legislação brasileira. A análise evidenciou que estes se resumem à Lei Federal nº 6.202/1975, que garante às gestantes a continuidade dos estudos em regime domiciliar; ao ECA, que trata dos direitos reprodutivos e da proteção contra o abuso, mas não da sexualidade; e à nota técnica do Programa Nacional DST/Aids do Ministério da Saúde, que garante o acesso irrestrito a preservativos.

Observa-se que não apenas os direitos são restritos, como se resumem a uma perspectiva de saúde deslocada da concepção de integralidade. Estão excluídos diversos direitos essenciais ao exercício pleno da sexualidade, como o direito à livre expressão do desejo, ou de viver a sexualidade sem discriminação. Tampouco existe a garantia do direito à educação em sexualidade e do acesso à informação, que possibilitaria uma vivência sem medo, vergonha ou culpa.

Diversos estudos têm debatido a insuficiência da educação sexual atualmente promovida nas escolas brasileiras. Furlanetto et al. ( 2018) caracterizaram essas abordagens como repressoras e heteronormativas, desenvolvidas, frequentemente, por profissionais da saúde, ou restritas a aulas de biologia. Vieira e Matsukura ( 2017) também apontaram um predomínio do modelo biológico e preventivo de educação sexual em detrimento de um modelo psicossocial de abordagem ampla. Ladislau Filha e Ribeiro ( 2016) evidenciaram que tais limitações na abordagem também se manifestam nos materiais educativos adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Outra questão significativa é o fato de que os programas de educação sexual são propostas advindas, em sua maioria, do Ministério da Saúde, com pouca participação do Ministério da Educação ( SFAIR; BITTAR; LOPES, 2015).

Leite ( 2012) também defende que o direito sexual precisa estar deslocado da questão da violência e da patologia. Em seu estudo sobre as percepções de conselheiras(os) de direitos de crianças e adolescentes, a autora constatou que a questão da sexualidade adolescente é vista como secundária justamente por responsáveis pela formulação de políticas públicas.

A dificuldade em avançar com este debate no Brasil se relaciona também ao atual contexto da retomada política conservadora, observada mundialmente. No caso brasileiro e, especificamente, no campo educacional, a disseminação da desinformação, a popularização do termo “ideologia de gênero” e o projeto Escola sem Partido têm exercido efeito na tentativa de cercear os debates sobre gênero nas escolas e, de fato, incidiram sobre as formulações dos planos de educação em todo o país.

A indisposição para olhar ou falar sobre a sexualidade de adolescentes, ou mesmo de ouvi-las(os) e assumir que ela existe e precisa ser cuidada como qualquer outra dimensão da vida, contrasta – e muito – com os dados sobre gravidez na adolescência no Brasil. Os dados indicando que, na faixa etária de 15 a 19 anos, 59 em cada mil meninas engravidaram no Brasil em 2019 ( FREIRE, 2021) escancaram o fato de que adolescentes têm vida sexual; rejeitar ou tentar reprimir essa realidade em nada contribui para que essa vivência se estabeleça de forma saudável e prazerosa. Ainda, implica negar os modos como os marcadores sociais da diferença geram diferentes consequências para a vida dessas jovens mães ( CHACHAM; MAIA; CAMARGO, 2012). As dificuldades em tratar da questão, sobretudo na instituição escolar, é o que será abordado na seção seguinte.

Gênero, sexualidade e escola

A partir de seus estudos sobre sexualidade, Foucault ( 1993) defendeu a necessidade de romper com o falso silêncio sobre o sexo e descrever seus múltiplos discursos e os modos de controlá-lo. Tais discursos, estabelecedores de normas e, portanto, qualificadores do que passa a ser entendido socialmente como desvio, tornam-se alvo de problematizações na medida em que se alcança ampla compreensão de seus diversos efeitos na vida social. Os discursos, ensinamentos e formas de controle em torno de tudo aquilo relativo ao sexo, reproduzidos nas diversas instâncias sociais, é o que Louro ( 2000) denomina de pedagogias da sexualidade. Conforme discute a autora, corpo, gênero e sexualidade não são constituições da natureza, mas dimensões aprendidas e vivenciadas no âmbito da cultura. A autora parte da análise foucaultiana da explicação da dimensão histórica da sexualidade, construída a partir de uma rede discursiva reguladora dos comportamentos.

Louro ( 2000) argumenta que a preocupação com a correspondência aos padrões de corpo, sexo, gênero e sexualidade se relaciona à necessidade de certezas, de verdades estáveis; e as normas que delas advêm estabelecem quem são desviantes, sendo a instituição escolar central nesse processo. A escola pratica uma pedagogia da sexualidade, um disciplinamento dos corpos de modo sutil e eficiente. Essa pedagogia, comumente ausente nos conteúdos programáticos, é praticada no cotidiano pelos diversos sujeitos da escola.

O que está no cerne da questão, portanto, é a necessidade de compreender essa pedagogia, seus modos e efeitos. Conforme a Nota Técnica nº 24/2015 do Ministério da Educação ( BRASIL, 2015a), a questão que se coloca não é a decisão de inserir ou não a discussão de gênero e sexualidade na escola, mas compreender que ela sempre esteve presente na instituição, embora não de modo evidente.

No que concerne especificamente ao sexting, observa-se uma série de novos discursos e pedagogias produzidas em torno dessa prática. A produção e o compartilhamento das mídias envolvem a construção de normas, regulação e regras de conduta que são interiorizadas e passam a constituir as subjetividades de jovens conforme o contexto em que vivem. Existe uma moralidade em torno da prática e, consequentemente, formas de coerção, sobretudo direcionadas às meninas ( JOHANSEN; PEDERSEN; TJØRNHØJ-THOMSEN, 2019).

O trabalho de Petrosillo ( 2016), realizado em duas escolas públicas fluminenses, descreve a estética incorporada na produção das mídias nesse contexto e a estigmatização dos desvios aos padrões estabelecidos. De modo geral, opera-se a categorização das meninas entre “santas”, “populares” e “putas”, com as meninas devendo portar-se e representar-se de tal maneira para que sejam consideradas “populares”. Luiza Silva ( 2018a) e Thereza Silva ( 2018b), sob perspectiva semiótica e dos estudos do currículo, respectivamente, analisaram páginas na internet destinadas ao compartilhamento, entre mulheres, de suas fotos envolvendo nudez, e identificaram outras produções discursivas, como o rompimento com padrões estéticos e a crítica aos padrões de gênero que operam na circulação dessas mídias. Diversos estudos têm se dedicado a evidenciar como se constroem os discursos de gênero e sexualidade na socialização escolar e seus efeitos nos processos educacionais. Duru-Bellat ( 2000) discute o modo como as meninas são educadas para a docilidade e a submissão, o que acaba sendo rentável do ponto de vista da avaliação escolar e constitui-se como fator explicativo do melhor desempenho médio das meninas na educação básica em relação ao dos meninos (à exceção de disciplinas na área de exatas, das quais meninas são distanciadas). Por outro lado, Souza ( 2002) mostrou como a performance masculina adotada por meninas pode garantir espaço na sala de aula.

Não são apenas as dimensões de gênero e sexualidade que se fazem presentes no contexto escolar. Elas se articulam com outros marcadores sociais da diferença, sendo a questão étnico-racial central na produção de desigualdades. Carvalho ( 2004), em sua pesquisa sobre as relações entre gênero e raça e o desempenho escolar, mostrou como a associação da indisciplina com a masculinidade, aliada ao racismo, acaba por acarretar o fracasso acentuado entre meninos negros.

Para além dos discursos escolares que incidem diretamente sobre a sexualidade, que serão aprofundados na seção seguinte com relação às práticas do sexting e da exposição violenta de meninas, demais experiências no campo das desigualdades de gênero em sua relação com os campos do conhecimento foram relatadas no âmbito da pesquisa aqui apresentada, como no caso de Kiara. A jovem, negra, com 25 anos de idade no momento da entrevista, fez um curso técnico de mecânica automotiva durante o ensino médio, cuja turma de vinte estudantes contava com apenas três meninas. Kiara começou a trabalhar, aos 16 anos, em uma fábrica de carros. Aos 18, quando trabalhava na Fiat, foi feita uma montagem com seu rosto e um corpo feminino nu. Ela foi demitida e não conseguiu retornar para o campo de trabalho em que planejou e desejava atuar. Dentre as poucas mulheres que trabalhavam lá, restou apenas uma, segundo afirmou Kiara.

Tais questões, relativas aos espaços sociais designados ou não a determinados grupos, obedecem fatores sócio-históricos que incidem diretamente sobre as trajetórias dos sujeitos. Não apenas por isso, mas também pelo fato de a escola reproduzir tais diferenciações, essas questões deveriam ser problematizadas na própria instituição. Na seção seguinte, os tradicionais discursos escolares sobre sexualidade serão analisados em relação a práticas contemporâneas.

Divulgação não autorizada de imagens íntimas e o contexto escolar: novas sexualidades e violências e velhas práticas escolares

Em seu texto sobre pedagogias escolares da sexualidade, Louro ( 2000) descreve uma série de valores e práticas voltadas para a educação comportamental, com foco especial nas meninas. Conforme discute a autora, a escola precisa estimular a sexualidade “normal”, mas, ao mesmo tempo, contê-la. Nesse sentido, educa para o autodisciplinamento, de modo que cada pessoa seja capaz de se autovigiar para manter o comportamento padrão, ensinado como correto.

Existe uma associação histórica entre o próprio ambiente escolar, a docência exercida por mulheres e a repressão à manifestação da sexualidade. A associação do magistério à solteirice e virgindade pressupunha assexualidade e ausência de vaidade por parte das professoras ( LOURO, 2000).

Em extensão às alunas daquilo que se exigia das professoras, Louro ( 2000) afirma que se espera, das meninas, docilidade e discrição, o oposto da sensualidade – de deixar, por exemplo, determinadas partes do corpo à mostra. Conforme discute a autora, a própria arquitetura escolar envolve maior garantia de privacidade da exposição do corpo feminino, como é o caso dos banheiros.

Entretanto, em oposição à tentativa da escola de padronizar os comportamentos, adolescentes buscam uma identidade e são influenciadas(os) também por outras pedagogias, sobretudo pelas mídias de comunicação. Nesse sentido, Louro ( 2000) menciona o pânico moral pelo fato de jovens, por meio do acesso a conteúdo sexual disponibilizado na mídia, adotarem comportamentos que não são infantis o suficiente na percepção escolar. Esse contexto certamente se acentua com a difusão do acesso à internet.

A questão da gravidez na adolescência e a evasão escolar é reveladora do desafio das instituições escolares em lidar com a manifestação da sexualidade entre meninas. O uso dos termos gravidez “indesejada e precoce” representa a falta de compreensão e de acolhimento em relação ao que se constrói de fato como desejo das adolescentes, e revela a contradição entre a perspectiva de políticas públicas e o público para o qual são destinadas. O desejo de ser mãe na adolescência é bastante frequente, sobretudo entre meninas de classes populares ( XIMENES NETO, 2007), fato que questiona a adequação dos termos utilizados.

Louro ( 2000) ainda discute que, diante de meninas sexualizadas, a instituição escolar se considera vítima e as meninas, culpadas. A escola, contraditoriamente, reforça, assim, sua sexualização e contribui para constituí-la como objeto de desejo. A vivência de gênero e sexualidade fora da norma só pode ser aceita se for ocultada; deve se manter retida no campo do privado, e não exposta. Diante deste debate, cabe questionar como têm reagido as escolas quando fotos íntimas de meninas são divulgadas, fenômeno que tem sido bastante presente nas instituições. Existe diferença de tratamento caso a iniciativa de retirar as imagens da esfera da intimidade tenha partido, ou não, das meninas? Como se confrontam as identidades de alunas bem avaliadas e que passam a ter sua sexualidade exposta, seja por opção, seja por uma situação de violência? Essas questões também se colocam para meninos?

Pode-se iniciar pela última questão, cuja resposta não exige grandes argumentações. Não apenas a manifestação da sexualidade de meninos não é alvo do mesmo controle rigoroso que se faz com a das meninas, como a exposição não autorizada de suas imagens ocorre com menos frequência e sem a mesma repressão a seus comportamentos, como no caso das meninas.

No âmbito das experiências relatadas nesta pesquisa, foi possível observar três características centrais das instituições escolares na reação à divulgação não autorizada de imagens íntimas de meninas: a negligência com situações de violência, a culpabilização das vítimas e a oposição entre o bom desempenho escolar e a manifestação da sexualidade. A omissão da escola em situações de violência ocorreu em diferentes contextos e mostrou ter graves implicações.

Giovana, branca, de 21 anos, moradora de uma capital, foi exposta, aos 14 anos, no contexto da escola privada em que estudava, supostamente por seu ex-namorado – com quem trocava fotos –, quando ela começou a namorar outro menino mais velho. Ela afirmou que a escola certamente soube do ocorrido devido à proximidade entre docentes e estudantes – por exemplo, na aula de educação física – mas ignorou o fato. Ela se lembra de a escola ter intervindo apenas em uma situação que envolveu a instituição diretamente, quando um monitor se envolveu com uma aluna.

Tainá e Vivian, ambas psicólogas, relataram atendimentos de adolescentes que começaram a se cortar após terem sido expostas. No caso relatado por Vivian, branca, de 39 anos, psicóloga de um centro de segurança pública de uma capital, a adolescente de 15 anos atendida por ela havia sido exposta no contexto da escola pelo então namorado abusivo quando ela quis terminar o relacionamento (ele já a estava chantageando, ameaçando expô-la). Além dos cortes, o desejo de não ir à escola foi o que chamou a atenção de seu pai, a quem a adolescente não teria pedido ajuda caso ele não tivesse percebido que ela estava passando por essa situação.

Já Tainá, branca, de 28 anos, psicóloga de um centro de saúde de uma cidade de pequeno porte, fez o atendimento de três adolescentes de idade entre 13 e 15 anos. As adolescentes tinham em comum a origem em contextos familiares vulneráveis tanto do ponto de vista econômico como afetivo, e tinham sido encaminhadas pelo Conselho Tutelar. Nos três casos, as jovens foram expostas na escola – a adolescente de 13 anos expôs voluntariamente sua foto e foi muito hostilizada por outras meninas –, o que não apenas agravou seus quadros de saúde mental, como contribuiu para que se deparassem com a ausência de suporte familiar e escolar.

Úrsula, negra, de 36 anos, psicóloga de órgão de segurança pública de uma capital, afirmou que a rede de proteção a crianças e adolescentes e, especificamente, o Conselho Tutelar estão despreparados para debater esse tipo de questão com adolescentes e ressalta que tais questões são demandas recorrentes e com diversas implicações.

O caso de Bruna, branca, de 18 anos, moradora de uma cidade de pequeno porte do interior, é uma prova emblemática de como a negligência da escola pode favorecer a exposição de meninas a demais tipos de violência. Aos 12 anos, Bruna teve uma montagem feita com seu rosto e um corpo nu por seu padrasto, que a divulgou na escola. Ele intimidava a menina com a ameaça de mostrar a foto para sua mãe caso ela não se deixasse ser fotografada nua ou não o deixasse tocá-la. A diretora da escola interrogou Bruna sobre a foto, mas não contatou sua mãe, que só foi obrigada a lidar com as violências que a filha sofria quando esta tinha 15 anos, idade em que foi internada em decorrência de uma tentativa de suicídio.

Tainá mencionou outros dois atendimentos a adolescentes – realizados em consultório privado em outro município de pequeno porte –, que evidenciaram o duplo risco da repressão à manifestação da sexualidade de adolescentes, a ausência de diálogo e a internet como lugar central para manifestá-la. As adolescentes, uma de 12 e outra de 15 anos, apresentaram características comuns em suas histórias pelo fato de terem se envolvido com pessoas estranhas na internet e terem encontrado, no universo digital, um espaço para a manifestação da sexualidade, reprimida no contexto familiar. A adolescente de 15 anos chegou a ter fotos suas, em que estava nua, enviadas à pessoa estranha, usadas para extorquir seu pai, político de cidade vizinha. Até o acompanhamento realizado por Tainá, a adolescente não chegou a ter consciência do risco a que esteve exposta e sentia saudades do homem com quem conversava, que desapareceu depois da extorsão.

As intervenções por parte da escola, entretanto, quando ocorrem, tendem a se centrar exclusivamente na questão do risco e não na possibilidade de vivência da sexualidade de modo autônomo. No contexto desta pesquisa, as reações mais frequentes foram a omissão e a culpabilização da menina que produziu a mídia, sem qualquer forma de responsabilização de quem a divulgou. As formas de lidar com a questão têm se mostrado frequentemente deficitárias. No estudo conduzido por Mota ( 2015), embora a instituição escolar tenha demonstrado, de modo geral, uma compreensão de que a prática de divulgação não autorizada de imagens íntimas trata-se de violência contra as meninas, não ofereceu a elas qualquer acolhimento e não responsabilizou quem divulgou as mídias. No contexto desta pesquisa, a escola se omitiu diante da violência e da rejeição vivenciadas pelas meninas dentro de sua própria instituição, ou as rejeitou diretamente.

Clarice, branca, de 19 anos, moradora de cidade de pequeno porte de região metropolitana, foi exposta, aos 14 anos, pelo então namorado, no contexto da escola pública onde estudava. A questão chegou até a direção da instituição e Clarice, que contou com pouco apoio, apenas negou ser ela na foto (aparecia seu peito, mas não seu rosto). O fato gerou efeitos negativos para sua saúde mental:

Ninguém falava sobre aquilo, ninguém conversava com as outras pessoas, falar que era errado ficar debochando, falando essas coisas, sabe. Ninguém falou nada comigo de que não era eu que tava errada, era o cara que tava errado, ninguém falou isso pra mim. […] O que atrapalhou talvez foi a abordagem da escola, talvez eu tivesse mais coragem pra enfrentar se eles tivessem dado um apoio melhor. […] Eles não conversaram com o resto dos alunos, só comigo, só tirou satisfação comigo. (Clarice, 19 anos).

A oposição entre o bom desempenho escolar e a manifestação da sexualidade foi manifestada pela própria instituição e por colegas. Em algumas situações houve, de fato, queda do rendimento das meninas como consequência da violência vivenciada.

Daniela, parda, de 19 anos, moradora de uma capital, foi exposta aos 14 anos por um colega no contexto da escola pública onde estudavam. Segundo contou, ela, que era a primeira da turma, teve uma grande queda no rendimento escolar e passou a ser a quinta. A coordenadora da escola, que tinha grande afeto por Daniela e a chamava de filha, não queria mais falar com ela. A menina sofreu sanções ainda maiores no contexto familiar, que já era violento, e teve um agravamento do seu quadro de saúde mental.

Elisa, amarela, de 19 anos, moradora de cidade de pequeno porte de região metropolitana, foi exposta aos 12 anos no contexto de uma escola de classe média alta. Meninos com quem ela já havia ficado e eram amigos entre si divulgaram uma imagem sua em que ela estava com as costas nuas olhando para trás. A escola, em um primeiro momento, pareceu acolhedora, mas, posteriormente, em conversa com a mãe e o pai de Elisa, sugeriu que a menina se retirasse da escola. Após sua saída, Elisa chegou a estudar em outras quatro instituições privadas, sendo que as primeiras mudanças foram marcadas pelo medo de colegas da nova escola saberem de sua imagem divulgada. Apenas na última instituição, em que desenvolveu boa sociabilidade com colegas, ela recuperou seu bom desempenho escolar, chegando a participar de olimpíada de matemática.

Eu acho que eu comecei a ir, tipo assim, mal na escola. É, e eu, tipo assim, sempre fui muito bem na escola, e nessa época eu comecei a, tipo assim, ir muito mal. É, e aí depois eu piorei. […] E também se tivesse um preparo melhor da escola, tipo, ter lidado com isso teria sido bem melhor também. (Elisa, 19 anos).

Pilar, negra, de 33 anos, foi exposta no contexto de uma cidade de pequeno porte do interior aos 23 anos. O homem que formatou o computador de seu então namorado divulgou, no contexto da faculdade em que estudavam, um vídeo em que ela estava em pose provocativa no sofá, em que não se via seu rosto, mas sua tatuagem. Pilar sofreu diversos assédios e ficou muito marcada por eles. Ela contou que a imagem que tinha de boa aluna foi apagada pela divulgação do vídeo.

As pessoas são muito preconceituosas, né. Eu fiz quatro anos de faculdade, eu entrava lá 7h da manhã e saía às 23h, sempre fui muito dedicada, e às vezes um vídeo desse, né, transforma a pessoa em outra. E aí eu sempre pensei muito nisso porque, assim, na época, lá, todo mundo lá falava como eu sempre fui muito dedicada, sabe, e mesmo assim. E aí foi bem complexo, foi bem complicado. (Pilar, 33 anos).

A ideia de que as identidades de boa aluna e de menina que manifesta sua sexualidade são mutuamente excludentes esteve presente também no relato de Rosa. A jovem, branca, de 17 anos, moradora de uma cidade de médio porte do interior, atua como voluntária em um projeto de acolhimento a mulheres em situação de violência. Ela contou sobre a prática frequente de expor meninas em páginas de fofoca e em listas que elencam as meninas mais “vadias”. Por já ter postado foto de biquíni em rede social, ela ficou com medo de ser exposta em uma dessas listas, em um momento em que muitas meninas estavam sendo expostas, conforme contou: “Só que, na época, eu, tipo assim, eu era taxada como a CDF da sala, a idiota que só gostava de estudar, entendeu? Então acho que por isso que eu não apareci [na lista]”.

Foi possível observar, portanto, como a condenação da sexualidade por parte de mulheres se reproduz no âmbito das instituições de ensino. O silêncio sobre o direito à livre manifestação da sexualidade e sobre as situações de violência e a culpabilização de meninas encontra, na dicotomização entre os perfis de boa aluna e “vadia”, uma consequência. O desempenho escolar tanto pode sofrer queda como efeito da violência sofrida e da rejeição por parte da instituição escolar, como pode ser simplesmente negligenciado diante da imposição da imagem sexual, que tende a prevalecer. O que se percebe é uma espécie de imposição de uma escolha, por parte das meninas, entre dois comportamentos que não podem conviver – a dedicação aos estudos e a manifestação da sexualidade –, imposição que não se coloca para os meninos. A demanda pelo debate sobre esse tipo de discurso reproduzido no âmbito educacional resulta da constatação de que ele obstaculiza a garantia de dois direitos fundamentais das meninas: acesso à educação e vivência plena da sexualidade.

Fica evidente, sobretudo a partir de depoimentos sobre negligência da escola como os de Tainá e Bruna, e sobre culpabilização, como os de Clarice, Daniela e Elisa, que o mau desempenho se dá, sobretudo, pelos processos de revitimização originados pela própria instituição escolar. A queda no desempenho, que poderia inicialmente ser apontada como consequência dos danos emocionais da violência sofrida, é, contraditoriamente, produzido pela própria escola, que também produz agravos emocionais.

Destaca-se, ainda, que a negação do acolhimento e julgamento não ocorreu apenas no âmbito institucional, mas por toda a comunidade escolar. A falta de apoio de amigas e, principalmente, de familiares marcou os depoimentos das entrevistadas. Além das experiências de Bruna e Daniela, a história de Clarice também foi marcada por negligência familiar. Quando a adolescente, ao ter o quadro de bulimia agravado após a exposição, recorreu ao pai, ouviu dele que “pobre não tem esse tipo de problema”. Tais situações são aprofundadas em outro trabalho ( PATROCINO; BEVILACQUA, 2021b) sobre danos e cuidados nos casos de exposição da intimidade. Os caminhos para a reconstrução desse tipo de pedagogia por parte da instituição escolar é o que será abordado na sequência.

Caminhos para uma educação em saúde e sexualidade: a dimensão do desejo

Em muitas experiências relatadas no âmbito da pesquisa, a exposição não autorizada da intimidade impulsionou a autorreflexão, por parte das meninas, sobre seus modos de vivenciar a sexualidade. Duas questões chamaram a atenção nos relatos por apontarem demandas para iniciativas de promoção de uma educação em sexualidade pautada na autonomia das mulheres: a primeira diz respeito ao fato de meninas terem revelado que a produção da mídia erótica não envolveu o desejo delas, mas dos meninos com quem estavam se relacionando; a segunda refere-se à ausência de consciência de que a situação vivida se tratou de uma violência.

Em relação à primeira questão, observa-se que a autonomia na vivência da sexualidade não é um pressuposto para meninas e precisa, portanto, ser discutida. Defende- se que não existe autonomia alienada do próprio desejo, e que sua compreensão é o ponto de partida para a vivência da sexualidade de forma saudável e prazerosa. A alienação do próprio desejo se mostrou relacionada à ausência de autoestima e autoconhecimento.

Em relação à segunda questão, a não distinção entre a prática da sexualidade e a situação de violência ocorreu por parte das instituições escolares e, também, por meninas. Cabe apontar que essa confusão se coloca no próprio meio acadêmico quando toma tais situações como objeto de análise, conforme discutido em outro trabalho ( PATROCINO; BEVILACQUA, 2021a).

Ter a intimidade exposta assume diferentes significados para as meninas. Muitas vezes, os piores danos experienciados não se referem à exposição em si, mas a consequências para suas relações (PATROCINO; BEVILACQUA, 2021a). Cientes da distinção entre as práticas violentas e aquelas realizadas de forma autônoma, muitas meninas relataram seguir compartilhando imagens eróticas de modo prazeroso. Além disso, a prática de fotografar a própria nudez assume também acepções políticas e de resistência, seja pela livre sexualidade das mulheres, seja pela contestação da imposição de padrões de beleza. Tais acepções foram identificadas nos relatos desta pesquisa e analisadas em outros trabalhos ( SILVA, 2018a; SILVA, 2018b).

O não reconhecimento da violência por parte delas foi relatado por duas psicólogas – como em um dos casos atendidos por Tainá –, também constando em outro estudo ( SILVA JÚNIOR, 2020). A atribuição da responsabilidade a outra mulher foi relatada por outras duas psicólogas. De fato, as listas que elencam as mais “vadias” podem ser elaboradas por meninas, como manifestação da reprodução da rivalidade feminina ( ALBUQUERQUE, 2015). Essa questão foi abordada de forma crítica por uma das participantes, exposta por uma amiga. A rivalidade feminina é entendida como característica da socialização para a disputa entre as mulheres, fortemente enfrentada no campo do feminismo a partir da ideia de sororidade e solidariedade ( FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009).

Entre meninas que foram expostas, algumas relataram terem mantido a relação com os meninos que divulgaram suas imagens íntimas. A manutenção da amizade ou namoro por parte das meninas ocorreu seja por uma forma de se relacionar de característica diplomática, ainda que tenha envolvido sofrimento – talvez abafado –, como no caso de Giovana, seja pela dificuldade em interromper um relacionamento abusivo, como no caso de Helena. Giovana revelou ter dificuldade de lembrar especificamente deste momento de sua vida.

Meio que eu lembro das coisas, mas eu lembro meio vagamente, se não, eu te daria mais detalhes. Eu acho que eu meio que excluí, porque eu tenho uma memória muito boa. Mas eu escolhi anular [risos] essas lembranças. Eu sei que aconteceu, eu sei que eu fiquei triste, mas não lembro se eu falei com alguém. Porque, normalmente, quando eu fico triste, eu sei exatamente o lugar que eu tava, se eu chorei, com quem eu tava, mais ou menos alguma coisa que aconteceu. Mas eu coloquei de lado essas lembranças. (Giovana, 21 anos).

Helena, branca, de 21 anos, moradora de uma capital, foi exposta pelo então namorado duas vezes durante o ensino médio no contexto da escola pública onde estudavam. Embora ela tenha ficado muito triste, manteve o namoro após as duas exposições. A primeira exposição ocorreu no segundo ano do relacionamento, que chegou a durar aproximadamente seis anos.

Muitas profissionais da assistência discutiram a importância da educação sexual no âmbito escolar, seja por dificuldade das famílias em instruir jovens, seja pela especificidade deste período da vida, em que é preciso fortalecer o autoconhecimento e a autoestima. Adriana, branca, de 62 anos, psicóloga de órgão de acolhimento a mulheres de uma capital, havia feito três atendimentos de meninas expostas no último ano. Ela afirmou que as vivências de violência e exposição são mais destrutivas na adolescência, pois é uma fase em que ainda não se tem uma estrutura emocional bem desenvolvida.

Maura, negra, de 28 anos, moradora de cidade de grande porte de região metropolitana, foi exposta aos 20 anos por dois amigos. Atualmente professora da rede privada, ela avalia que o ocorrido tem efeitos sobre o exercício de sua profissão e ela já chegou a conversar sobre assédio com suas alunas. Ela defende que é preciso que meninas tenham autoconfiança e conhecimento dos riscos que a exposição envolve.

E ter essa autoestima eu acho que é muito importante. É um risco também a maneira como elas vão expor as fotos que elas tiram delas, né. Então eu acho que encontrar um equilíbrio aí, entre essas meninas se sentirem confiantes, se sentirem confortáveis com elas mesmas e, também, estarem conscientes do que a exposição dessas imagens delas pode gerar por aí, isso é muito importante. (Maura, 28 anos).

Conforme afirma Manzanero ( 2021), a partir de análise da condição juvenil na América Latina e Caribe, entre as práticas promissoras para a promoção dos direitos de adolescentes e jovens estão a educação integral em sexualidade, programas centrados em meninas, programas que problematizam masculinidades com homens jovens e programas de prevenção à violência. Segundo afirma o autor, investir em juventudes é um meio de promoção de justiça social, e investir na saúde gera um triplo dividendo, por trazer benefício para a pessoa jovem, em sua fase adulta e na próxima geração. Ele pondera, ainda, que, para isso, é preciso garantir a participação de jovens e o acesso a recursos e a instâncias de poder.

Como argumentam outras autoras ( LEITE, 2012; VIEIRA; MATSUKURA, 2017), a educação em saúde e sexualidade precisa focar na autonomia e em habilidades, e não ser reduzida a riscos, violências e infecções. A partir da análise das experiências de meninas que tiveram sua intimidade exposta no contexto de novas práticas do universo digital, foi possível identificar a crescente demanda por uma defesa e promoção da vivência da sexualidade feminina de forma autônoma, que envolva autoconhecimento, relação direta com seu próprio desejo e, assim, esteja livre de violência. Esse debate não pode estar deslocado da questão de gênero e da compreensão de como a normatização de comportamentos baseada em diferenças sexuais implica em limitações para a vivência da sexualidade e contribui para a reprodução de práticas violentas.

Conforme defende Louro ( 2000), o ocultamento de um determinado debate se contrapõe ao próprio processo educativo. Seria preciso, portanto, reconstruir a pedagogia da sexualidade que se tem praticado nas instituições escolares.

Considerações finais

Buscou-se responder à pergunta feita no título deste texto a partir de dois debates centrais. Trata-se de discussões no âmbito da restrição a direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes no Brasil e sobre a reprodução de padrões de gênero e sexualidade nos discursos escolares.

A prática contemporânea de compartilhar o autorretrato nu e a divulgação não autorizada de imagens íntimas de meninas têm se manifestado com frequência no contexto escolar e gerado novas produções discursivas e coercitivas em torno de gênero e sexualidade. Evidenciou-se que as instituições têm negligenciado situações de violência e reproduzido a prática de culpabilização das meninas. Além disso, a oposição, do ponto de vista institucional, entre a manifestação da sexualidade e o bom desempenho das meninas, revelou-se ainda mais intensa, o que contribui para processos de exclusão escolar.

As novas práticas de vivência da sexualidade e de violência contra as meninas têm a lembrar à escola sua responsabilidade na promoção de uma educação em gênero e sexualidade como caminho indispensável à promoção dos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes. As dimensões do desejo, do autoconhecimento, da autoestima e da autonomia mostraram-se centrais para esse processo educativo, em detrimento de abordagens reduzidas a questões como risco ou aspectos puramente biológicos.

É preciso, portanto, que as instituições escolares deixem de negligenciar a educação em sexualidade e gênero e abordem direta e amplamente, com toda a comunidade escolar, questões que se fazem ainda mais urgentes nas práticas de socialização entre jovens na contemporaneidade. Nesse sentido, a intimidade, o direito de imagem e a soberania sobre o corpo são pontos centrais a serem debatidos.

Referências

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4Rejeita-se o uso do termo pornografia por não ser reconhecido entre mulheres que passam por essa experiência ( 2019).

Recebido: 12 de Janeiro de 2022; Revisado: 21 de Março de 2022; Aceito: 23 de Maio de 2022

Editor:

Profa. Dra. Fernanda Müller

Laís Barbosa Patrocino

é professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), doutora em saúde coletiva pelo Instituto René Rachou (Fiocruz Minas), mestra e cientista social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Paula Dias Bevilacqua

é pesquisadora especialista em ciência e tecnologia, produção e inovação em saúde pública e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas).

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Disponibilidade de dados: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Contato: lais.patrocino@uemg.br

Contato: paula.bevilacqua@fiocruz.br

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