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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 19-Mayo-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349252586por 

Artigos

Escrita a partir de fontes e suas relações com o plágio em estudantes universitários 1, 2

Writing from sources and its relationship with plagiarism in university students

3 -Universidade de Coimbra, Coimbra


Resumo

A escrita acadêmica exige a capacidade de captar as ideias principais das fontes através de uma linguagem própria. Um dos problemas que tem sido identificado em estudantes universitários, sobretudo nos principiantes, diz respeito à forma deficiente como escrevem, traduzida em textos colados aos originais, facilmente considerados como tendo sido plagiados. O objetivo principal do presente estudo foi o de identificar as estratégias usadas pelos estudantes universitários ao redigir textos. Foi solicitado a 44 estudantes que escrevessem uma síntese com as ideias principais de um artigo que haviam lido previamente. As composições foram classificadas por duas professoras de português, de acordo com as estratégias usadas: cópia sem citação; cópia com citação; mosaico; paráfrase; sumário. Essa avaliação confirmou que os estudantes recorrem com muita frequência à cópia e ao mosaico, acompanhando de perto a linguagem do original, aproximando-se daquilo que poderia ser classificado como plágio. Foi, ainda, detectado que, muito frequentemente, os estudantes alteram o significado da fonte. O cálculo de correlações e a análise de clusters indicam que uma grande parte dos estudantes tende a adotar uma de duas estratégias: ou copiam, respeitando a fonte, ou escrevem de modo autônomo, mas alterando as ideias do conteúdo que leram. Os resultados encontrados permitem concluir que existem muitas dificuldades na escrita, o que chama a atenção para a necessidade de uma pedagogia que vise o desenvolvimento nos estudantes da sua identidade como autores, realçando que essa será uma alternativa desejável às medidas punitivas de combate ao plágio que atualmente têm se imposto no meio universitário.

Palavras-chave Escrita acadêmica; Uso de fontes; Plágio; Estudantes universitários

Abstract

Academic writing requires the ability to identify the main ideas of sources, using an original language. One of the problems that had been identified in university students, especially in beginners, concerns the deficient way in which they write. Often, they produce texts very close to the originals, easily confounded with plagiarized texts. The main objective of the present study was to identify the strategies used by university students in a writing task. Forty-four students were asked to write a summary with the main ideas of a previously read article. Two Portuguese teachers evaluated the summaries, according to the strategies used: copy without citation; copy with citation; patchwriting; paraphrase; summary. This evaluation confirmed that students very often use copying and patchwriting, closely following the language of the original, approaching what could be classified as plagiarism. It was also detected that, very often, students change the meaning of the source. Correlations and the analysis of clusters were conducted, indicating that a large part of the students tend to adopt one of two strategies: they copy, respecting the source, or they write autonomously, but changing the ideas of what they have read. The results found allowed to conclude that our participants have many difficulties in writing, which lead us to defend the need to develop students’ writing and their identity as authors, and to argue that pedagogical responses will be the best way to combat plagiarism and an alternative to the punitive measures currently prevailing in the university context.

Keywords Academic writing; Writing from sources; Plagiarism; University students

Introdução

A escrita acadêmica ocupa um lugar de destaque no conjunto das atividades de aprendizagem e de avaliação dos estudantes do ensino superior (BAILEY, 2003; HENNING; GRAVETT; 2005). Saber escrever, dando expressão a ideias que respeitem as fontes com recurso a uma linguagem própria, é um requisito fundamental para o sucesso escolar, constituindo igualmente uma condição para a elaboração de textos originais que não sejam demasiado “colados” às obras consultadas, afastando qualquer suspeita de plágio, fenômeno atualmente considerado como um dos grandes problemas que afetam o ensino superior(ALMEIDA 2015, 2016; BRETAG, 2016; KROKOSCZ, 2011). É neste contexto que, há algum tempo, tem-se estabelecido uma relação estreita entre as dificuldades de escrita por parte dos estudantes do ensino superior, em especial daquela feita a partir de fontes, e o plágio (HOWARD; SERVISS; 2010). De fato, as deficiências na capacidade de transcrever de modo adequado a informação consultada, sobretudo por parte dos estudantes na fase inicial de estudos, têm sido apontadas como grandemente responsáveis por uma escrita que, do ponto de vista linguístico, é muito idêntica à das fontes (HOWARD, 2016). Ou seja, mesmo sem ter essa intenção, muitos estudantes acabam compondo trabalhos que, facilmente, parecem ter sido plagiados, ainda mais considerando que, atualmente, a identificação do plágio no meio acadêmico e universitário é, muitas vezes, feita usando softwares que detectam semelhanças linguísticas entre textos (SOUSA-SILVA; ABREU, 2015). As relações entre os dois fenômenos parecem ser reconhecidas por alguns estudantes, como mostra o trabalho de Ramos e Morais ( 2021), realizado em uma instituição de ensino superior portuguesa, no qual, entre os fatores referenciados como facilitadores do plágio, destacam-se os problemas na elaboração de textos e a linguagem acadêmica. É assim que o estudo das formas de escrita que podem ser confundidas com o plágio passou a ser central, desde há algumas décadas (JAMIESON; HOWARD, 2019).

A escrita em “mosaico/remendos” ( patchwriting), assim designada pela primeira vez por Howard em 1995, caracterizada pelo recurso a uma linguagem muito dependente das fontes consultadas, tem sido identificada como sendo usada de modo recorrente por estudantes, particularmente pelos que estão iniciando o ensino superior (PECORARI, 2016; ROIGT, 2001). Essencialmente, trata-se de uma estratégia em que o estudante vai acompanhando os originais, frase a frase, alterando a estrutura gramatical, substituindo alguns vocábulos por sinônimos, suprimindo uma ou outra palavra, ou seja, mudando apenas aspectos superficiais do texto. No Citation Project, projeto em que se procura estudar o modo como os estudantes escrevem a partir de fontes, os autores verificaram que, em 174 textos analisados, 52 por cento incluíam pelo menos uma ocorrência de escrita em mosaico (JAMIESON, 2018; SERVISS; JAMIESON, 2018). Sendo muito provavelmente uma forma de fugir à cópia, o mosaico pode ser entendido como fazendo parte do processo de aprendizagem dos estudantes, a que se sucederia o recurso progressivo à paráfrase e, finalmente, a uma escrita de autor, manifestando a capacidade para integrar as fontes de um modo original e autônomo (HOWARD, 1995). Neste sentido, atualmente, a escrita em mosaico é perspectivada mais como o uso falhado da paráfrase (JAMIESON, 2013; JAMIESON; HOWARD, 2011).

Envolvendo uma mudança da linguagem expressa em uma ou duas frases, para palavras próprias, a paráfrase é indicada em muitos meios acadêmicos como sendo uma estratégia útil para redigir trabalhos e para evitar o plágio (FOLTYNEK; DLABOLOVÁ; SIVASUBRAMANIAM, 2018). Analisando sites de universidades dos EUA, Yoshimura ( 2015) constata que esta prática é, essencialmente, recomendada para que o estudante não plagie, mas também como forma de desenvolver a escrita acadêmica, já que ajuda a compreender a fonte, a interpretar a intenção do autor e a expressar as ideias dos outros em suas próprias palavras. Os principais aspectos incluídos nessa prática são a alteração das palavras e das estruturas frásicas, respeitando o sentido e as normas de citação. A redução do texto original não é consensual, nem sempre aparecendo como sendo necessária, embora seja frequentemente recomendada.

A escrita em mosaico seria, então, uma tentativa falhada de parafrasear. Querendo recorrer a uma estratégia em que, para não plagiar, altera os aspectos mais superficiais das frases, o estudante acabaria por compor textos cheios de “remendos”. Efetivamente, tudo indica que, devido a dificuldades de escrita, muitos estudantes, sobretudo aqueles que estão em uma fase inicial da sua vida acadêmica, acabam por não ter capacidade de recorrer à paráfrase. Em vez de partir das frases, alterando-as convenientemente, sem mudar o seu significado, acabam por retocá-las de modo grosseiro, em uma escrita semelhante a um “remendo”, adotando uma estratégia próxima daquela que foi designada por mosaico (JAMIESON; HOWARD, 2011).

Aparecendo como uma estratégia adequada, o uso da paráfrase levanta problemas, pois pode ser usada como uma forma mais elaborada do que a cópia para plagiar as fontes (SOUSA-SILVA; ABREU, 2015). Além disso e apesar de a paráfrase poder ser importante no processo de aprendizagem da escrita acadêmica, esta última exige um nível de estruturação que deve ir mais além e que pode encontrar a sua expressão no que se designa por sumário (FRANZKE et al., 2005). Com efeito, na paráfrase, mesmo que seja na junção de duas frases, a escrita incide ainda em um nível muito micro, quando a composição acadêmica envolve necessariamente a integração de textos no seu todo e na sua relação com outras fontes internas, isto é, com os conhecimentos anteriores, e exteriores, em especial com outros textos (KELLOG, 2008). Através do recurso a regras como a “supressão” de informação não relevante, a “categorização” dos elementos da(s) fonte(s) e a “construção” de um texto novo que agregue as ideias principais, é possível elaborar sumários que traduzam de modo fiel e sintético o que foi consultado (VAN DIJK; KINTSCH, 1983). Apesar da importância dessa estratégia, tem-se constatado uma grande dificuldade na sua utilização por parte de alunos de todos os níveis de ensino (BAKER; BROWN, 1984; GARNER, 1985). Em um dos seus estudos incidentes em ensaios escritos por estudantes do ensino superior, Howard, Serviss e Rodrigue ( 2010) não encontraram nenhuma ocorrência de sumário, o que atesta bem o problema em causa.

Na linha do que foi apresentado, o plágio pode efetivamente resultar, não de um problema ético, em que o estudante tem a intenção de cometer fraude, mas sim de dificuldades no nível da escrita acadêmica. Devendo esta assentar em uma capacidade de síntese, de organização das ideias dos originais e da sua integração em um todo coerente em forma de sumário, verificou-se que isso nem sempre está refletido nos trabalhos escritos pelos estudantes. Textos “toscos”, construídos através da cópia de umas partes, combinada com supressões e substituições de outras, resultando em uma espécie de mosaico ou remendo ou mesmo de paráfrase, são, como já referido, muito frequentes em estudantes do ensino superior, em especial nos mais novos. Devido ao fato de o estudante se “colar” demais à linguagem das fontes, compreende-se que os produtos assim obtidos pareçam ser plagiados. Efetivamente, estudos que recorrem a softwares próprios têm encontrado esse tipo de escrita em textos classificados de plágio (SOUSA-SILVA, 2013). No entanto, tudo indica que, em muitos casos, o estudante escreve assim, não por falta de ética, mas apenas porque não está capacitado para redigir de outra forma.

É neste contexto que, no presente estudo, procurou-se perceber como é que estudantes universitários, quase todos cursando o 1º ano da licenciatura, ou seja, em uma fase acadêmica inicial, escrevem a partir de fontes. Inserindo-se em um projeto mais vasto que tem por intenção investigar de que modo o plágio pode ser considerado um problema de literacia (FESTAS; SEIXAS; MATOS, 2022), uma questão essencial diz respeito à necessidade de esclarecer em que medida uma escrita muito próxima das fontes traduz as muitas deficiências de composição que, contrariamente ao desejável, o estudante universitário traz consigo, não expressando necessariamente uma vontade de plagiar, nem de cometer fraude. Nesse sentido, procurou-se avaliar os trabalhos produzidos por estudantes, em um contexto não avaliativo de sala de aula. Através de uma análise das estratégias usadas pelos estudantes ao escrever uma síntese relativa a um artigo lido e relacionado ao programa de uma unidade curricular, o objetivo foi o de verificar se, e com que frequência na sua redação, recorriam à cópia, com e sem citação, à escrita em mosaico, à paráfrase ou se, como seria de esperar em um nível universitário, ao sumário, procurando, assim, perceber se há ou não deficiências reais na forma de escrita nesse nível de ensino. Investigou-se, igualmente, de que modo as várias estratégias se relacionam entre si e, simultaneamente, averiguou-se a possibilidade de estabelecer perfis diferenciados de estudantes em função do uso que é feito das diversas formas de escrita a partir de fontes.

Um estudo dessa natureza constitui um ponto de partida essencial para a exploração das relações entre plágio e literacia, em especial aquela que se refere às competências de composição textual, a partir de fontes. Não negando que o plágio pode ser e, muitas vezes, é intencional e propositado, pretende-se perceber se existem realmente deficiências no nível da produção escrita que impedem um corte com a estrutura superficial das fontes e a elaboração de trabalhos originais, sem as marcas linguísticas que os façam demasiado semelhantes ao que foi consultado, podendo, desse modo, contribuir para aquilo que é frequentemente considerado como decorrendo de uma atitude fraudulenta. Trata-se de um estudo fundamental, não só para compreender as raízes do plágio, como também para sustentar a adoção das medidas pedagógicas necessárias à superação de um problema tão dominante atualmente no meio acadêmico.

Método

Participantes

Participaram 44 estudantes universitários que frequentavam um curso de licenciatura em educação de uma universidade portuguesa 1 . Trinta e seis (83.7 por cento) dos participantes estavam no 1º ano, quatro (8.2 por cento) no segundo e quatro (8.2 por cento) no 3º ano. Trinta e sete (84.1 por cento) eram do sexo feminino e sete (15.9 por cento) do sexo masculino. A idade ia dos 18 aos 23 anos, havendo apenas um estudante com 36 anos (M = 20.68; SD=2.73).

Procedimento

Com o objetivo de analisar o modo como os universitários escrevem a partir de fontes, foi solicitado a 44 estudantes, que frequentavam predominantemente o 1º ano de uma licenciatura em educação, que escrevessem um texto síntese relativo a um pequeno artigo, versando um tema incluído no programa da unidade curricular, relacionado a algumas crenças e noções sobre a aprendizagem e o ensino. O artigo foi distribuído e lido no contexto de sala de aula, tendo sido pedido aos estudantes que, nesse mesmo contexto, escrevessem uma síntese com as suas ideias principais. Trata-se de uma tarefa usual nas aulas dessa unidade curricular. Neste caso, dado o fim de investigação pretendido, os participantes foram informados de que o propósito não seria uma avaliação individual, mas sim estudar as estratégias de escrita usadas, garantindo-se o anonimato. Tendo sido todos incentivados a escrever a síntese, a sua entrega foi voluntária. Do mesmo modo, todos os que participaram deram o seu consentimento.

Os textos produzidos foram avaliados, tendo em vista a identificação das estratégias usadas. Seguindo muito de perto os autores do Citation Project (JAMIESON; HOWARD, 2019; SERVISS; JAMIESON, 2018), consideraram-se as estratégias de cópia sem citação, de cópia com citação, de escrita em mosaico, de paráfrase e de sumário. Operacionalizando cada uma destas estratégias, podemos defini-las do seguinte modo: a) cópia sem citação - reprodução de partes do texto, sem aspas; b) cópia com citação - reprodução de partes do texto, com aspas c) mosaico - retoque de frases, usando uma linguagem muito próxima das originais. Incluem-se nesta categoria alterações morfológicas, como a dos tempos verbais, e sintáticas, como, por exemplo, a de frases ativas para passivas e vice-versa; c) paráfrase - retoma de frases, com uma linguagem nova, mantendo o sentido original. A paráfrase inclui a junção de duas frases numa só, com palavras próprias; d) sumário - apresentação das ideias principais do texto no seu todo ou de, pelo menos, três frases consecutivas. O sumário implica uma redução do texto.

Todos os textos foram avaliados por duas professoras de português, muito habituadas a essa prática, quer porque na sua vida profissional fazem avaliações desse tipo, quer porque já participaram em investigações anteriores com objetivos semelhantes. Em relação à classificação, sempre que uma passagem fosse uma citação, deveria ser assinalada se estava ou não com aspas. Quando a escrita se baseava nas frases, mantendo-se muito próxima do original, seria classificada como mosaico. Já se comportasse alterações com recurso à linguagem própria, deveria ser incluída na categoria da paráfrase. Este último caso incidia, igualmente, nas ocorrências em que se verificasse o trabalho de duas frases e não apenas de uma. Só quando havia composições em que eram apresentadas as ideias principais do texto, ou de pelo menos de três das suas frases, seria atribuída a categoria de sumário. Cada uma das estratégias deveria ser sublinhada e assinalada com um número correspondente a cada uma das categorias (por exemplo, o número 3 para o mosaico, o 5 para o sumário).

Para avaliar a fidelidade inter-juízes, foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse (ICC), com base em um modelo de dois fatores de efeitos aleatórios ( k = 2) (STEMLER; TSAI, 2008). O acordo inter-juízes relativamente a cada categoria foi de 0.99, resultado considerado de excelente fidelidade (KOO; LI, 2016). As pontuações divergentes foram sujeitas à avaliação de um terceiro júri, tendo, desse modo, sido obtida a pontuação final de cada síntese.

Resultados

Os dados foram tratados usando o programa IBM SPSS, versão 23.

Categorias encontradas e respectivas frequências - Começando pelas estratégias encontradas, confirmou-se a presença de todas as categorias que estavam previstas: cópia com citação; cópia sem citação; mosaico; paráfrase; sumário. Foi, ainda, identificada uma nova categoria, relativa a passagens que traduziam um sentido diferente daquele que estava expresso no artigo estudado. Achou-se que seria interessante analisar este fenômeno, tendo, para o efeito, criado uma categoria a que chamamos de passagens com sentido deturpado.

As frequências e as porcentagens de cada uma das categorias de estratégias são apresentadas na Tabela 1 .

Tabela 1 - Frequências e porcentagens de cada uma das categorias de estratégias de escrita a partir de fontes 

N %
Cópia sem citação 85 13.5
Cópia com citação 150 23.9
Mosaico 105 16.7
Paráfrase 26 4.1
Sumário 85 13.5
Com deturpação do significado 177 28.2
Total 628 100

Fonte: Dados da pesquisa.

É, também, interessante analisar o número de textos em que ocorreu cada uma das estratégias. Este dado é importante porque, apesar de poder haver uma estratégia que ocorra poucas vezes, é possível que ela seja usada por grande parte dos indivíduos, o mesmo podendo acontecer na situação inversa (uma estratégia que é usada frequentemente é usada por um número restrito de indivíduos). Na Tabela 2 são apresentados esses dados.

Tabela 2 - Número e porcentagem de textos em que ocorreu cada uma das estratégias de escrita a partir de fontes 

N %
Cópia sem citação 21 47.7
Cópia com citação 32 72.7
Mosaico 29 65.9
Paráfrase 10 22.7
Sumário 23 52.3
Deturpação do significado 36 81.8

Fonte: Dados da pesquisa.

Obtidos estes resultados, procurou-se explorar mais as relações entre os usos dos diferentes tipos de estratégias. Começou-se calculando as correlações entre eles, que foram encontradas na Tabela 3 .

Tabela 3 - Correlações entre as diferentes estratégias de escrita a partir de fontes 

Cópia com citação Cópia sem citação Deturpação Sumário Paráfrase Mosaico
Cópia com citação 1
Cópia sem citação 0.006 1
Deturpação -0.388 ** -0.532 ** 1
Sumário -0.132 -0.256 -0.366 * 1
Paráfrase -0.084 0.059 -0.165 -0.161 1
Mosaico -0.136 0.477 ** -0.340 * -0.384 * 0.004 1

Fonte: Dados da pesquisa.

*p<0.05

**p<0.01

No sentido de perceber se é possível definir e caracterizar perfis de estudantes de acordo com as estratégias usadas por eles, recorreu-se à análise de clusters. Tendo em conta a diversidade do número de frequências por texto, optou-se por considerar a porcentagem de cada categoria por texto. Dada a dimensão do número de textos (44) e visando a definição do número de perfis, recorreu-se primeiro a uma análise de cluster hierárquica, utilizando o Método de Ward e como medida de proximidade a distância euclidiana quadrática. Os resultados dessa análise são apresentados na Figura 1 .

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 1 - Dendrograma da análise de clusters (ligação de Ward). 

Embora na análise do dendrograma se possam identificar muitos grupos, salientam-se quatro grandes perfis, assinalados com cores.

Em seguida, foi realizada uma análise de cluster não hierárquica (K-médias), considerando o número de clusters definido previamente ( Tabela 4 ).

Tabela 4 - Centros finais do Cluster 

Cluster 1

(N =12)

Cluster 2

(N =7)

Cluster 3

(N =10)

Cluster 4

(N =15)

Cópia sem citação 26.99 3.10 6.52 2.18
Cópia com citação 22.58 19.20 43.08 3.49
Mosaico 30.81 1.79 5.13 13.49
Paráfrase 8.63 0.00 3.17 3.94
Sumário 6.08 64.59 4.38 8.53
Deturpação do significado 4.93 11.34 37.73 68.37

Fonte: Dados da pesquisa.

Os resultados da análise de cluster permitem-nos também, através da análise de variância, identificar quais as estratégias que diferenciam os grupos ( Tabela 5 ).

Tabela 5 - Análise da variância entre os clusters 

Cluster Erro
Quadrado médio gl Quadrado médio gl F Sig
Cópia sem citação 1611.994 3 97.478 40 16.537 0.000
Cópia com citação 3166.713 3 91.113 40 34.756 0.000
Mosaico 1738.727 3 109.401 40 15.893 0.000
Paráfrase 122.954 3 85.172 40 1.444 0.244
Sumário 6630.467 3 128.280 40 51.688 0.000
Deturpação do significado 10517.622 3 167.278 40 62.875 0.000

Fonte: Dados da pesquisa.

Com exceção da paráfrase, todas as estratégias contribuem para essa diferenciação, principalmente o escrever com deturpação do significado e o sumário.

Na Tabela 6 são apresentados esses dados.

Tabela 6 - Estatísticas descritivas dos clusters 

Cluster 1 (N = 12) Cluster 2 (N = 7)
Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx.
Cópia sem Citação 26.99 16.32 0 44.40 3.10 3.89 0 7.70
Cópia com Citação 22.58 12.90 0 46.70 19.20 11.18 9.10 41.20
Mosaico 30.81 13.58 7.70 52.40 1.78 4.72 0 12.50
Paráfrase 8.63 12.13 0 33.30 0.00 0.00 0 0
Sumário 6.08 9.66 0 28.60 64.58 14.63 41.20 88.90
Deturpação 4.93 5.71 0 13.30 11.34 9.78 0 27.30
Cluster 3 (N = 10) Cluster 4 (N = 15)
Média DP Mín. Máx. Média DP Mín. Máx.
Cópia sem Citação 6.52 8.07 0 21.10 2.18 4.55 0 12.50
Cópia com Citação 43.08 7.31 26.30 50.00 3.48 6.43 0 18.20
Mosaico 5.13 4.67 0 10.50 13.49 11.99 0 40.00
Paráfrase 3.17 8.41 0 26.70 3.94 9.06 0 30.00
Sumário 4.38 7.41 0 20.00 8.5 12.88 0 45.50
Deturpação 37.73 12.31 13.30 53.30 68.37 17.71 37.50 100

Fonte: Dados da pesquisa.

A análise dos dados relativos aos centros finais dos clusters e a estatística descritiva de cada cluster ( Tabela 4 e Tabela 6 ) confirmam os quatro perfis de escrita que surgiram na análise hierárquica de cluster realizada previamente. A constituição dos quatro clusters é semelhante, com exceção de um estudante que passa para um cluster diferente. Assim, tendo em consideração a predominância no texto das diversas estratégias, o Grupo 1, com 12 dos participantes, caracteriza-se, essencialmente, pelo uso da cópia com e sem citação e da estratégica mosaico. O grupo 2, constituído por sete estudantes, distingue-se pela utilização do sumário, recorrendo também à cópia com citação. O grupo 3, incluindo 10 estudantes, escreve fundamentalmente através de cópia com citação, apresentando, igualmente, algumas passagens com deturpação de significado. O grupo 4, com 15 participantes, apresenta uma grande predominância de escrita com deturpação.

Discussão, limitações do presente estudo e estudos futuros

Considerando que a escrita acadêmica é uma tarefa complexa que apresenta múltiplas exigências aos estudantes universitários, sobretudo aos dos primeiros anos, nem sempre preparados para enfrentá-la, procurou-se, no presente trabalho, perceber que estratégias são usadas em uma tarefa de escrita a partir de fontes. Da mesma forma, foi nossa intenção saber se é possível definir perfis de estudantes de acordo com o uso que fazem das diferentes estratégias.

Redigindo uma síntese de um artigo lido previamente, sobre algumas crenças e noções relativas à aprendizagem e ao ensino, os estudantes do presente estudo, cuja maioria estava cursando o 1.º ano, recorreram a todas as estratégias previstas, ou seja, à cópia com e sem citação, ao mosaico, à paráfrase e ao sumário. Confirmando os resultados divulgados por Jamieson JAMIESON ( 2018) e Serviss e Jamieson ( 2018), no contexto do Citation Project, verificou-se que os estudantes usam frequentemente estratégias muito rudimentares e pouco adequadas a uma escrita acadêmica, como a cópia sem citação e o mosaico, responsáveis por textos que facilmente podem ser confundidos com plágio. Sendo os valores relativos ao mosaico muito semelhantes em ambas as investigações (16.7 por cento e 16 por cento), os estudantes da presente pesquisa usaram muito mais a cópia sem citação do que os participantes estudados no Citation Project (respectivamente, 13.5 por cento e 4.3 por cento), revelando um nível de dificuldade ainda mais profundo. Reforçando a ideia da existência de problemas e indo ao encontro do que foi observado por outros (BAKER; BROWN, 1984; GARNER, 1985), está o fato de o sumário, forma de escrita que deveria ser predominante em estudantes universitários (KELLOG, 2008), representar apenas 13.5 por cento das estratégias utilizadas, ainda que, neste caso, o número tenha sido superior ao que foi encontrado por Jamieson ( 2013) que correspondeu somente a 6.9 por cento. Mesmo a paráfrase, estratégia que, apesar das suas limitações, é considerada aceitável (FOLTYNEK; DLABOLOVÁ; SIVASUBRAMANIAM, 2018), e que tem sido observada como sendo bastante frequente (31.9 por cento, de acordo com Jamieson, 2013), só foi usada em 4.1 por cento das vezes. Se somada ao sumário, perfaz apenas 17.6 por cento, o que confirma que os estudantes recorrem em sua grande maioria a estratégias de escrita muito elementares e inadequadas, decalcando as fontes consultadas.

Todos esses dados que, grosso modo, reafirmam os encontrados no Citation Project, traduzem uma forma de escrita muito próxima da que se tem encontrado em estudos sobre plágio, em que, através de softwares específicos para isso, têm sido obtido resultados semelhantes, dando conta de textos mais ou menos colados dos originais (SOUSA-SILVA, 2013; SOUSA-SILVA; ABREU, 2015), reforçando a ideia de que é fácil confundir plágio e dificuldades de escrita.

Além destes dados, houve um outro resultado muito significativo que constituiu uma novidade, em relação às categorias que tinham sido definidas previamente. Trata-se das passagens de escrita em que o sentido do texto original foi alterado, isto é, em que os estudantes redigiram sínteses que deturparam o significado do artigo lido. O número de vezes em que isso aconteceu representou 28.2 por cento do total de passagens escritas.

A frequência com que os estudantes do presente trabalho usam estratégias pouco adequadas a uma escrita acadêmica, como é o caso da cópia e do mosaico, não obsta, no entanto, a que recorram ao sumário, ainda que cada um o possa fazer poucas vezes. De fato, verificou-se que, apesar de o sumário representar apenas 13.5 por cento do total de ocorrências, é usado em 23 textos (52 por cento do total), significando que 23 estudantes conseguem escrever sob esta forma, dado que tinha já sido reportado por Jamieson ( 2013), ao constatar que só 6.9 por cento dos participantes recorriam ao sumário, mas que este aparecia em 40.8 por cento dos textos. A análise do número de textos em que ocorre cada uma das estratégias mostra outros dados igualmente relevantes, como o de a deturpação acontecer em 36 das sínteses, o que quer dizer que apenas oito dos participantes não alteraram nenhuma vez o sentido original. Deve-se realçar, ainda, a elevada frequência de textos com alguma forma de cópia (21 sem citação e 32 com citação) e de mosaico (29).

Prosseguindo com uma análise mais detalhada do modo como o uso das estratégias se relaciona entre si, isto é, como é que estas estão distribuídas pelos estudantes, verifica-se que a deturpação se relaciona negativamente com o sumário, indicando claramente que quem é capaz de escrever sob esta última forma compreendeu bem o que leu. A deturpação relaciona-se também de modo negativo com a cópia com e sem citação e com o mosaico, mostrando que quando não se segue de perto o texto, o sentido deste é alterado. A relação encontrada entre a cópia sem citação e o mosaico evidencia de que modo se pode escrever de uma forma muito colada ao texto, alternando entre a transcrição pura e simples e o remendo desta ou daquela parte. Em sentido inverso, a relação negativa entre o sumário e o mosaico indica, mais uma vez, que o uso de uma estratégia mais elaborada parece corresponder a um maior domínio da escrita acadêmica, com pouco recurso a formas rudimentares de composição KELLOG, ( 2008).

Aprofundando o estudo sobre a forma como os diferentes estudantes recorrem ao conjunto das estratégias, através da análise de clusters, foi possível estabelecer alguns perfis que vão ao encontro das tendências encontradas na análise das correlações. Embora, de um modo geral, tenha sido verificado que as diversas estratégias foram usadas por quase todos, o seu recurso predominante permite fazer algumas distinções. Temos um grupo de 15 estudantes (grupo 4) em que predomina claramente a deturpação, e um com apenas sete participantes que se destaca pelo uso do sumário (grupo 2). Depois, temos dois grupos (o 1 e o 3), constituídos por estudantes que usam bastante a cópia, distinguindo-se pelo fato de um deles (grupo 1) basear a sua escrita em grande parte nessa estratégia e o outro (grupo 3) por recorrer também à deturpação, embora de modo muito menos significativo do que o anterior. Esses dados destacam o que já se comentou anteriormente e que indica que há um número bastante restrito de estudantes em que predomina o sumário, deturpando e copiando (sobretudo com citação) muito pouco, traduzindo o seu domínio dos processos de literacia necessários a uma escrita madura, o que explicará a redação de sínteses de bom nível, fiéis ao conteúdo do que se leu (KINTSCH, 2009). Da mesma forma, confirma-se que existe um grupo (grupo 1) que baseia a sua escrita numa colagem ao texto, copiando, com e sem citação e fazendo remendos, mantendo-se, desse modo, fiel ao seu sentido original, e um outro conjunto de estudantes (grupo 4) que, inversamente, deturpa muito, copiando pouco. A análise de clusters revelou, ainda, a existência de um número de participantes (grupo 3) em que predomina a cópia, sobretudo com citação, recorrendo também, mas pouco, à deturpação. Em suma, os estudantes parecem dividir-se pelos, muito poucos, que sumariam, pelos que deturpam e pelos que copiam e remendam, havendo, ainda, alguns que copiam muito, deturpando raramente. Além das observações já feitas a propósito do sumário, dos dados obtidos a partir das correlações e da análise de clusters parece sobressair a relação inversa entre deturpação e cópia ou mosaico, significando que quanto mais se copia ou se está colado ao texto, menos se deturpa e vice versa. Esta relação é óbvia, na medida em que uma redação demasiado colada ao original evita a alteração do significado do texto lido, revelando, porém, uma grande imaturidade na escrita acadêmica. Esse resultado parece, também, indicar que há uma espécie de escolha entre uma escrita muito colada ao original, copiando ou “remendando”, e um modo mais livre de compor, mas que se traduz por uma alteração do sentido original. Em ambos os casos são violados os princípios da escrita acadêmica que exige um respeito das fontes, sem cópia.

De um modo geral, os resultados obtidos na presente investigação indicam uma realidade que se reporta a grandes dificuldades no domínio da escrita acadêmica por parte de estudantes no início dos seus estudos. Efetivamente, há um grande recurso a estratégias em que os estudantes se limitam a decalcar o texto lido, copiando, com e sem citação e retocando as frases, com pequenas alterações superficiais, sob a forma de mosaico. Com exceção dos poucos que sumariam, parece que os outros ou se “colam” ao texto, evitando alterar o seu significado, ou se “soltam” dele, alterando o que nele é veiculado, havendo alguns que oscilam entre uma e outra forma de escrita.

Esses resultados levantam muitas questões. Será que, para muitos estudantes, a alternativa está entre copiar e alterar o significado das fontes? Nesse contexto, pode-se, igualmente, perguntar se, em muitas situações consideradas como plágio, a cópia não resulta de uma incapacidade para escrever de outra maneira ou de uma necessidade de permanecer fiel ao sentido das fontes, mais do que de uma intenção de plagiar, realçando a ideia de que os softwares para detecção de plágio deverão ser complementados com outros meios de estudo e cruzados com dados de outra natureza que permitam elucidar este tipo de dúvidas (SOUSA-SILVA; ABREU, 2015). Outra questão levantada pelo estudo diz respeito à origem da deturpação do significado da fonte. Será que se trata de déficits no nível da compreensão? É possível que sim, reconhecendo alguns estudantes do ensino superior que os problemas em compreender o que se estuda é uma das motivações para plagiar (RAMOS; MORAIS, 2021). Ou será que o receio de copiar contribui para esta “fuga” do que está expresso no texto, isto é, até que ponto e em que parte a deturpação e a cópia não são duas faces da mesma moeda?

A resposta a estas questões deve ser procurada em novas pesquisas em que sejam superadas também algumas das principais limitações do presente estudo. Assim, futuramente, é preciso escrutinar componentes da literacia indispensáveis à escrita acadêmica e que não foram incluídas nesta investigação, como é o caso da compreensão. Saber se há compreensão do que se leu é fundamental para esclarecer as questões agora levantadas. Para tal, será necessário avaliar os desempenhos dos participantes em tarefas reais de compreensão. Ao mesmo tempo, é muito importante ouvir os estudantes sobre o que pensam em relação à forma como compreendem e escrevem. Será que têm consciência de que copiam e de que deturpam? Também deve-se buscar a resposta à questão relativa à eventual relação entre cópia e alteração do significado que agora não foi possível obter, ouvindo os estudantes através de entrevistas e grupos de foco. Estando subjacente no presente trabalho uma ligação entre as competências de escrita ou entre a sua ausência e o plágio, uma outra limitação do presente estudo diz respeito ao fato de não se ter explorado essa relação, em especial a partir do questionamento sobre a forma como ela é percebida pelos estudantes. Mas, a maior limitação desta investigação reporta-se ao número reduzido de casos analisados, bem como ao fato de todos os participantes pertencerem ao mesmo curso universitário. Futuras investigações devem ampliar não apenas o número de participantes, incluindo amostras significativas em função do gênero e do aproveitamento escolar, mas, igualmente estendê-lo a outros cursos. De igual modo, é preciso analisar trabalhos produzidos em situações mais reais, como são os casos dos trabalhos acadêmicos realizados no contexto das diferentes unidades curriculares do curso ou das teses de mestrado e de doutorado. Partindo do pressuposto de que as dificuldades agora encontradas poderão ser enquadradas em um processo de desenvolvimento acadêmico, tendo, por isso, mais peso na fase inicial de estudos, é fundamental prosseguir a investigação com estudantes que estejam frequentando níveis mais avançados da licenciatura, mestrado e mesmo doutorado, para verificar se, de fato, os problemas se mantêm ou se vão se atenuando. Dadas as dificuldades de um trabalho dessa natureza, sobretudo no que ele implica em termos de morosidade da análise das sínteses, o estudo agora apresentado é uma primeira aproximação ao tema em discussão.

Implicações pedagógicas

Independentemente das respostas às questões já levantadas e apesar das limitações do presente estudo, a partir dele é legítimo realçar a predominância das dificuldades na escrita acadêmica em estudantes dos primeiros anos de licenciatura e, consequentemente, chamar a atenção para a necessidade de desenvolver medidas pedagógicas que promovam as competências indispensáveis à redação de textos autônomos e que, simultaneamente, respeitem o sentido dos originais. É preciso perceber que, quando iniciam os seus estudos superiores, os estudantes não têm a sua escrita amadurecida de modo a produzir textos com uma identidade autoral em que, integrando e respeitando as ideias dos autores consultados, distanciem-se deles através de composições originais (ADAM, 2016). Assim, as universidades devem ter presente que as competências necessárias à escrita acadêmica vão sendo desenvolvidas ao longo de um processo em que o estudante vai construindo a sua identidade e autonomia autoral. Desse modo, no nível do ensino superior, há todo um conjunto de ações a incentivar visando uma pedagogia centrada na promoção da literacia, em especial nos níveis da compreensão e da escrita a partir de fontes. Essa pedagogia não pode se alhear de alguns aspectos realçados no presente estudo.

Em primeiro lugar, é preciso trabalhar a compreensão, já que os déficits nessa área parecem sobressair na má interpretação tão comum nos participantes desta pesquisa. Em segundo lugar, torna-se indispensável treinar as formas de escrita mais adequadas, como a elaboração de sumários VEIGA SIMÃO ( LOPES, 2008; VEIGA SIMÃO, 1993, 2000), estratégia usada com tão pouca frequência, no presente estudo. Em terceiro lugar, é importante conhecer melhor o padrão das respostas, no sentido de adequar a intervenção a ser implementada. Por exemplo, ficou patente que, apesar de ser usado raramente, o sumário aparece, nem que seja apenas uma vez, em um considerável número das sínteses. Isso significa que o uso de estratégias não é uma questão de tudo ou nada, o que permite perceber se uma intervenção se deve centrar no ensino de como usar formas adequadas de escrita ou no incentivo a que estas sejam mais utilizadas (JAMIESON, 2018).

Com base nos resultados alcançados na presente pesquisa, há outras medidas educativas igualmente importantes que é necessário considerar, sobretudo com os estudantes no início da sua vida acadêmica. Muitas das sínteses desta investigação revelam uma opção ou uma oscilação entre composições ou parte delas muito coladas ao original, correndo o risco de serem confundidas com plágio, e outras mais “libertas” das fontes, mas pagando o preço de terem alterado o seu sentido original. Esse dilema entre copiar e deturpar o sentido, se não for devidamente trabalhado, pode estar na origem de receios impeditivos do desenvolvimento de uma escrita acadêmica madura. Esses receios são tanto mais reais quanto atualmente a cópia é severamente punida, dado poder ser facilmente confundida com o plágio HOWARD ( 2016). O recurso a detectores de plágio pode reforçar ainda mais esses medos. Para serem úteis, devem ser usados como um apoio à identificação e categorização das ocorrências de sobreposição entre textos, constituindo-se como um ponto de partida para um estudo mais profundo das suas reais causas. Como reconhecem autores da linguística forense (SOUSA-SILVA; ABREU, 2015), estes softwares devem ser coadjuvados por outros meios, pois não determinam a intenção de quem assim procedeu, deixando de lado algo muito importante do ponto de vista pedagógico, ou seja, saber se os textos colados aos originais resultam de dificuldades em escrever de acordo com as exigências da escrita acadêmica. Assim, as medidas educativas a serem adotadas deveriam se enveredar por um sentido contrário à punição. Tal como acontece com a instrução centrada na paráfrase, que tem como objetivo a preparação para o sumário (FOLTYNEK; DLABOLOVÁ; SIVASUBRAMANIAM, 2018; YOSHIMURA, 2015) e como tem sido preconizado para o mosaico (JAMIESON, 2013; JAMIESON; HOWARD, 2011), uma pedagogia da escrita deveria dar oportunidade aos estudantes, especialmente aos do 1º ano, de usar todas as formas de composição, como modo de aproximação a outras mais elaboradas. Se for devidamente acompanhada com feedback e com uma instrução que incida na compreensão e nas estratégias adequadas de escrita, essa liberdade de escrever sem receios poderá ser muito útil ao desenvolvimento de uma escrita acadêmica intrinsecamente exigente, para a qual os estudantes, sobretudo os dos primeiros anos, não estão capacitados. Ao mesmo tempo que serão dados a eles os instrumentos necessários à composição de trabalhos autônomos das fontes, sem que o sentido destas seja alterado, isso os libertaria de uma espécie de rede que os prende pelo medo de falhar e que os impede de progredir. Estamos falando de uma tarefa altamente complexa que não se domina de modo rápido, antes exigindo uma longa elaboração, que deve ser acompanhada por uma instrução incidindo nas competências necessárias e por oportunidades de escrita em que, progressivamente, os estudantes vão se aproximando do que é desejável no que se refere a trabalhos de natureza acadêmica.

Considerações finais

Os resultados obtidos no presente estudo realçaram as dificuldades na escrita por parte de estudantes dos primeiros anos da universidade. Usando estratégias como a cópia e o mosaico, produzem textos que facilmente se podem confundir com plágio e, quando se afastam da estrutura linguística da fonte, não raramente alteram o seu sentido. Confirmou-se também que só um pequeno número de estudantes recorre de modo persistente à forma desejável de escrita, isto é, ao sumário. Indo além do que até agora tem sido estudado, através da procura de relações entre essas estratégias e do estabelecimento de perfis, pode afirmar-se que, apesar de todos parecerem recorrer ao leque alargado de estratégias, a maioria se divide quanto ao uso predominante de um de três tipos: os que “colam” a fonte; os que se desligam, deturpando as suas ideias; e uma pequena minoria que recorre ao sumário.

Esses resultados são um alerta para a necessidade de se encarar seriamente as dificuldades na escrita acadêmica, em grande parte decorrentes das exigências que a escrita impõe a estudantes que não estão preparados para enfrentá-la (BAILEY, 2003; HENNING; GRAVETT; RENSBURG, 2005).

Para cumprir a sua missão educativa, cabe às instituições do ensino superior pensar nessas dificuldades e desencadear ações que lhes façam frente, subordinadas a uma pedagogia centrada nas competências relacionadas com a literacia da escrita [RAMOS; MORAIS, -RAMOS; MORAIS ( 2020)]. O planejamento de intervenções que promovam a leitura e compreensão de textos e as estratégias de escrita adequadas à complexidade dos trabalhos acadêmicos é uma necessidade que se impõe. Simultaneamente, perante as oscilações entre uma escrita muito colada e uma mais liberta, mas desligada das fontes, observadas na presente investigação, é importante dar oportunidades de exercício e treino em que, recorrendo a essas formas ainda muito rudimentares, os estudantes não tenham receio de plagiar ou de alterar o sentido dos originais. Essas oportunidades, se devidamente acompanhadas de medidas pedagógicas adequadas, podem se constituir momentos decisivos para uma aproximação à escrita elaborada exigida no contexto acadêmico (HOWARD, 2016).

O desenvolvimento das competências necessárias a uma literacia da escrita acadêmica é, assim, o mais importante, devendo este imperativo predominar sobre um outro muito atual focado no combate ao plágio. Ao enfatizar ações, em sua maioria punitivas, que façam frente ao plágio, esta última abordagem está esquecendo que, em muitos casos, este decorre de reais problemas de escrita que impedem a elaboração de textos autônomos das fontes (PECORARI, 2016). Só uma verdadeira pedagogia da escrita que dê suporte aos estudantes, sobretudo aos que estão em sua fase inicial de estudos, permitindo-lhes o tempo necessário ao desenvolvimento das suas competências de consulta e composição a partir de fontes e da sua identidade como autores, poderá ter resultados significativos no combate às dificuldades e a formas mais perniciosas de conduta acadêmica, como é o caso do plágio.

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4De acordo com a Reforma de Bolonha, o ensino universitário português está organizado em: licenciatura, habitualmente de 3 anos, que confere o grau de licenciado; mestrado, com 2 anos, dando o grau de mestre; doutorado, com 3 anos, que confere o grau de doutor.

Recebido: 25 de Maio de 2021; Revisado: 17 de Março de 2022; Aceito: 19 de Abril de 2022

1

Essencialmente, os dados que dão suporte aos resultados deste estudo foram publicados no próprio artigo. A solicitação de acesso aos dados que faltam (por exemplo, base de dados) pode ser feita diretamente ao/à autor/a: ifestas@fpce.uc.pt

2

Trabalho realizado como parte do Projeto COMEDIG - Competências de literacia digital e mediática em Portugal (PTDC/CED-EDG/32560/2017), cofinanciado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do FEDER e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia I.P./MCTES através de fundos nacionais. Este trabalho foi, ainda, apoiado pelo Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de Coimbra e financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., como parte do projeto UIDB/00460/2020.

Contato: ifestas@fpce.uc.pt

Contato: anaseixas@fpce.uc.pt

Contato: armanda@fpce.uc.pt

Editor:

Fernando Rodrigues de Oliveira

Isabel Festas

é professora catedrática na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20). É licenciada (1981) e doutora (1995) em psicologia, especialização em psicologia da educação, pela Universidade de Coimbra.

Ana Seixas

é professora auxiliar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES). É licenciada em sociologia (1987), mestre (1991) e doutora (2000) em ciências da educação, pela Universidade de Coimbra.

Armanda Matos

é professora associada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20). É licenciada em psicologia (1991), mestre (1997) e doutora (2005) em ciências da educação, pela Universidade de Coimbra.

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