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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 19-Mayo-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349254082 

Artigos

A educação infantil em municípios com distintas capacidades orçamentárias: acesso, condições de oferta e financiamento 1

Early childhood education in municipalities with different budgetary capacities: access, supply conditions and financing

Dhaiene de Jesus dos Reis Bruno1 
http://orcid.org/0000-0001-9869-1652

Adriana Aparecida Dragone Silveira1 
http://orcid.org/0000-0001-6022-627X

1-Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR


Resumo

O objetivo do artigo é analisar o contexto da oferta da educação infantil, em municípios que têm distintas capacidades orçamentárias, e apresentar possíveis relações entre disponibilidade de recursos, ampliação do acesso e condições de oferta na educação infantil. Adotou-se como recurso metodológico a análise de indicadores educacionais e de financiamento selecionados de bancos de dados oficiais e a criação de um índice sintético a partir de indicadores de condições de oferta da educação infantil observados na região. Os municípios que compõem o primeiro anel metropolitano de Curitiba constituem a referência espacial do estudo que utiliza como recorte temporal o ano de 2018. A análise dos resultados indica que, para esse grupo de municípios, a capacidade orçamentária parece estar mais associada ao gasto aluno/ano da educação básica e às condições de oferta da educação infantil do que à expansão do acesso das crianças de 0 a 5 anos. Em alguns casos, a expansão pode ser associada a menores índices de condições de oferta, o que pode demonstrar que a ampliação nem sempre tem sido acompanhada pela garantia das condições necessárias para a garantia de um padrão mínimo de qualidade na educação infantil e a materialização do direito à educação das crianças de 0 a 5 anos.

Palavras-chave Infância; Direito à educação infantil; Condições de qualidade; Financiamento da educação; Políticas educacionais

Abstract

The objective of this article is to analyze the context of the provision of early childhood education, in municipalities that have different budgetary capacities, and to present possible relationships between availability of resources, expansion of access and conditions of supply in early childhood education. The methodological resource was the analysis of educational and financing indicators selected from official databases and the creation of a synthetic index based on indicators of conditions of supply of early childhood education observed in the region. The municipalities that make up the first metropolitan ring of Curitiba constitute the spatial reference of the study that uses as a time frame the year 2018. The analysis of the results indicates that, for this group of municipalities, the budgetary capacity seems to be more associated with the student/year expenditure of basic education and the conditions of provision of early childhood education than with the expansion of access for children from 0 to 5 years old. In some cases, the expansion may be associated with lower rates of supply conditions, which may demonstrate that the expansion has not always been accompanied by the guarantee of the necessary conditions for the guarantee of a minimum standard of quality in early childhood education and the materialization of the right to education of children from 0 to 5 years old.

Keywords Childhood; The right to early childhood education; Quality conditions; Financing of education; Educational policies

Introdução

A educação infantil (EI), desde a sua inclusão como primeira etapa da educação básica (EB), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tem passado por muitas mudanças quanto à oferta e à organização. Parte delas foi impulsionada por alterações na legislação brasileira, dentre as quais se destacam a Emenda Constitucional (EC) nº 59/2009 e o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014. A alteração constitucional tornou compulsória a matrícula dos alunos com idade entre 4 e 17 anos e estabeleceu que o atendimento dos 4 aos 5 anos deveria ser universalizado até 2016. De forma complementar, o PNE, além da universalização dessa faixa etária, estabeleceu como meta o atendimento de, no mínimo, 50% das crianças de 0 a 3 anos.

Mesmo com os avanços no campo da declaração do direito, a ampliação do acesso à EI ainda é um desafio. O Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do PNE (BRASIL, 2020), produzido a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), indica que, no ano de 2018, apenas 32,7% da população de 0 a 3 anos era atendida. Isso significa que havia, naquele ano, 3,8 milhões de crianças atendidas e pelo menos 1,5 milhão de crianças que deveriam ser incluídas na creche até 2024. O mesmo relatório apresenta dados que mostram que a universalização da pré-escola não havia sido alcançada até o ano de 2018. Cerca de 330 mil crianças entre 4 e 5 anos de idade ainda estavam fora do sistema educacional (BRASIL, 2020).

Nesse contexto, considerando a divisão de responsabilidades a respeito das competências e prioridades de cada ente federativo com a oferta educacional, estabelecida pelo artigo 212 da Constituição Federal (CF), os municípios têm a responsabilidade de diminuir a “dívida histórica” (ROSEMBERG, 2007) que o Estado brasileiro tem com as crianças pequenas. Isso porque, ainda que não possuam as mesmas condições técnicas e financeiras que os demais entes federados, eles são prioritariamente responsáveis pela oferta da EI, o que deveria acontecer com a colaboração técnica e financeira da União e dos estados.

Cabe lembrar que a EI deve ser ofertada sob os princípios que regem a educação escolar brasileira, estabelecidos pela CF, entre os quais estão: a “igualdade de condições para acesso e permanência”, a “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais” e a “garantia de um padrão de qualidade” (BRASIL, 1988). Esses princípios expressam o reconhecimento da igualdade de todas as crianças. Ademais, assume-se o compromisso com um tipo de educação que não pode acontecer sem uma participação efetiva do Estado.

Reconhecendo essa responsabilidade e partindo do pressuposto de que os municípios não dispõem das mesmas condições financeiras para a garantia do direito à educação das crianças de 0 a 5 anos, este artigo objetiva analisar o contexto da oferta da EI em municípios que possuem distintas capacidades orçamentárias, cotejando acesso, condições de oferta e financiamento educacional. Desse modo, buscou responder à seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as possíveis relações entre essas variáveis nos municípios selecionados para a garantia do direito à EI?

Para tanto, a parte empírica desta pesquisa tomou como referência a realidade dos municípios que integram o primeiro anel metropolitano de Curitiba (PAMC), composto pela capital e as cidades de: Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos Pinhais. A escolha desse território justifica-se pela proximidade geográfica dos municípios e pelas diferentes capacidades orçamentárias apresentadas por eles.

A opção metodológica adotada para responder à questão norteadora foi o uso de indicadores selecionados a partir do que a legislação brasileira orienta sobre financiamento, acesso e condições de oferta na EI. Para a apresentação e análise dos dados, os municípios foram classificados segundo sua capacidade financeira, entendida neste artigo como sinônimo de disponibilidade de recursos.

O artigo está organizado em três seções. A primeira aborda uma reflexão a respeito do financiamento como condição para garantia de uma EI de qualidade e apresenta uma discussão acerca das condições necessárias para essa oferta. A segunda explicita as escolhas metodológicas para a coleta, tratamento e análise de dados. A terceira apresenta e discute os resultados encontrados nos municípios do PAMC. Após essas seções, são apresentadas as considerações finais.

Financiamento da EI em condições de qualidade

Diante da reponsabilidade do Estado na garantia do direito à EI, torna-se pertinente discutir a necessidade de recursos financeiros para a materialização desse direito. No Brasil, esse debate precisa considerar o modelo de federalismo adotado, estruturado em um regime de colaboração que define os municípios como responsáveis prioritários sobre a oferta da EI.

Ao analisar o contexto orçamentário dos municípios brasileiros, Alves e Pinto ( 2020) evidenciaram grande desigualdade nos valores encontrados. Um dos indicadores usados pelos autores foi a receita líquida per capita, resultante da razão entre a receita líquida de impostos arrecadados e o número de habitantes. Em 2017, pelo menos metade dos municípios arrecadava pelo menos R$ 1.750,00 por habitante ao ano. Contudo, é preciso considerar que os autores também identificaram grande variação entre os valores apresentados pelos municípios – o que mostra a desigualdade dos recursos disponíveis por habitante.

Mesmo com o mecanismo de redistribuição de parte dos recursos vinculados à educação no interior dos estados, estabelecido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os dados analisados pelos autores (PINTO, 2012; ALVES; PINTO, 2020) revelam a desigualdade de condições dos municípios para financiar o direito à educação. Os municípios que estão nas regiões mais ricas do país e, dentro dessas, os mais populosos, tendem a apresentar uma receita própria de impostos mais elevada. Como esses tributos não compõem o Funbeb – o que seria o correto do ponto de vista da justiça fiscal –, acabam tendo mais recursos adicionais, melhorando assim a sua capacidade de financiamento da educação (PINTO, 2012).

Os dados apresentados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2017), acerca da proporção das receitas próprias de 4.544 municípios em relação à receita líquida arrecadada, dão a dimensão da autonomia financeira desses entes federados. De acordo com a federação, 81,7% dos municípios considerados geraram menos de 20% de suas receitas, em 2016, sendo que, em apenas 136 deles, a receita própria representava mais do que 40% da composição da receita corrente líquida (FIRJAN, 2017).

Por outro lado, o percentual de matrículas da EB que estão sob a responsabilidade dos municípios brasileiros mostra que sua participação na oferta da EI é inversamente proporcional à capacidade de arrecadação própria aqui apresentada. Os dados do Censo Escolar (INEP, 2018) demonstram que 47,6% das matrículas da EB, 99,8% das matrículas de creche e 98,7% das matrículas de pré-escola eram de dependência administrativa municipal. Já as taxas de atendimento do mesmo ano para creche (32,7%) e pré-escola (91,7%) evidenciam que a desigualdade não está apenas na composição das receitas dos municípios, mas também no acesso à EI.

Diante da desigualdade no acesso das crianças de 0 a 5 anos, a ampliação das oportunidades educacionais e as condições em que se darão essa oferta precisam ser vistas como parte das dimensões que compõem a qualidade da educação infantil. Retomando as Diretrizes Curriculares Nacionais para EI (DCNEI), entende-se que a qualidade dessa etapa será garantida quando sua função sociopolítica e pedagógica for cumprida. Ou seja, quando todas as crianças, sem qualquer tipo de restrição ou distinção, forem reconhecidas como sujeitos de direitos e tiverem assegurado o direito de serem cuidadas e educadas, para além do contexto familiar, em uma instituição que tenha todas as condições necessárias que proporcionem o seu desenvolvimento integral (BRASIL, 2009).

Por isso, é preciso que haja investimento de recursos públicos em insumos que são necessários para a oferta de condições que compõem um padrão mínimo de qualidade a ser assegurado para todas as crianças. Sendo assim, é fundamental que a infraestrutura e as formas de funcionamento das instituições:

[...] garantam ao espaço físico a adequada conservação, acessibilidade, estética, ventilação, insolação, luminosidade, acústica, higiene, segurança e dimensões em relação ao tamanho dos grupos e ao tipo de atividades realizadas. (BRASIL, 2009, p. 12).

Do mesmo modo, o tamanho das turmas e a quantidade de professores por grupo de crianças devem possibilitar atenção, responsabilidade e interação, levando em consideração as características do espaço físico, a jornada das crianças e a faixa etária atendida.

Vale lembrar ainda que a LDB determina para o exercício da docência na EB a formação em nível superior em curso específico para a área de atuação, admitindo a formação em nível médio na modalidade normal para atuar na EI e nos anos iniciais do EF. A respeito da formação dos professores, as DCNEI ressaltam que a formação inicial específica e o investimento nos programas de formação continuada dos professores e demais profissionais integram a lista de requisitos básicos para uma EI de qualidade (BRASIL, 2009).

Procedimentos metodológicos

Como já mencionado, esta pesquisa objetivou contextualizar a oferta da EI, após o prazo final para a universalização do atendimento de 4 e 5 anos, cotejando acesso, condições de oferta e financiamento educacional em municípios que têm distintas capacidades orçamentárias. Para tanto, optou-se pelo uso de indicadores que ajudassem a responder as possíveis relações entre financiamento, acesso e condições de qualidade.

A análise dos dados empíricos foi realizada tendo como referência os municípios de Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos Pinhais.

Os dados e indicadores utilizados referem-se a 2018, ano em que a CF de 1988, um importante marco para a EI, completou 30 anos. A escolha do recorte temporal também se justifica pela disponibilidade dos dados no momento da produção do estudo. As fontes utilizadas para analisar o acesso, as condições de oferta e o financiamento educacional foram: as projeções da população de 0 a 5 anos, elaboradas por Alves, Silveira e Bruno ( 2020); o Censo Escolar (INEP, 2018), sistematizado pelo Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR, 2020); os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) (SIOPE, 2018); os dados disponíveis no Sistema de informações sobre Orçamentos Públicos em Educação; as informações contidas nas páginas oficiais e portais da transparência dos municípios.

Na análise do acesso, foram utilizados os indicadores: taxa líquida de matrícula; proporção de matrículas municipais de 0 a 5 anos; taxa de crescimento das matrículas municipais de 2010 a 2018; demanda para atender a estratégia de 50% do PNE para creche e 100% do atendimento em pré-escola.

A taxa de matrícula líquida expressa o percentual de crianças de 0 a 3 anos e 4 e 5 anos, matriculadas nos municípios analisados, independente da etapa de ensino, em relação à população projetada para essas faixas etárias. Para esse cálculo, foram usados os dados do Censo Escolar de 2018 e as estimativas da população feitas por Alves, Silveira e Bruno ( 2020). Nessas estimativas, os autores aplicaram os fatores de projeção da população, calculados pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Social (IPARDES) para cada um dos municípios selecionados entre 2010 e 2016, aplicando-os, proporcionalmente, para o período de 2010 a 2018.

A seleção dos indicadores usados para analisar as condições de oferta da EI nos municípios seguiu dois critérios: a) condições de oferta que pudessem ser analisadas a partir dos dados disponíveis nos bancos de dados oficiais; e b) a partir delas, as condições de oferta que geram impacto direto sobre o financiamento da educação nos municípios. Sendo assim, a oferta da EI nos municípios selecionados foi contextualizada considerando: proporção de matrículas em instituições municipais que ofertam apenas educação infantil; proporção de matrículas em tempo integral; proporção de profissionais com Ensino Superior (ES); licenciatura ou complementação pedagógica; salário inicial das carreiras que atuam exclusivamente na EI.

Os indicadores razão de crianças por turma e por professores não foram utilizados pelo fato de que seus valores de referência, segundo o que estabelecem as DCNEI, variam de acordo com a idade das crianças. Portanto, uma única medida para toda a EI poderia ser pouco representativa.

Diante da hipótese de que a compulsoriedade da matrícula das crianças de 4 e 5 anos teria influência sobre a ampliação do acesso e as condições de oferta para as crianças de 0 a 3 anos, optou-se por apresentar os indicadores que contextualizam o acesso à EI, separando os segmentos creche e pré-escola. Para a análise das condições de oferta, foi considerada a lotação da matrícula, e não a idade das crianças, uma vez que, até o julgamento do Supremo Tribunal Federal (2018) 4 , nem todos os municípios do Paraná praticavam o corte etário em suas redes.

O contexto do financiamento foi explorado utilizando os seguintes indicadores: receita líquida per capita; gasto aluno/ano da EB e composição da receita potencial para educação.

A receita líquida per capita de 2018 (Receita orçamentária recolhida dividida pela população estimada para o ano) foi utilizada para caracterizar a capacidade orçamentária dos municípios. A opção de utilizar o indicador gasto aluno/ano na EB, e não os valores encontrados por etapa nos RREO, tem relação com a natureza dos dados declarados. Diante da dificuldade em desagregar os gastos das etapas, muitas vezes o preenchimento dessa informação acaba sendo uma mera formalidade para os municípios. A respeito desse indicador, ainda é preciso destacar que seu cálculo foi realizado considerando, além das matrículas municipais, as matrículas da EB em instituições que têm convênio com os municípios, uma vez que essas últimas também geram custos para o município.

A composição da receita potencial para educação, uma estimativa do mínimo constitucional a ser gasto a partir das receitas declaradas, foi escolhida para identificar a proporção das receitas próprias e das receitas recebidas via transferências do Fundeb e dos programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) sobre o total de receitas destinadas para educação nos municípios. Cabe destacar que os RREO apresentam os valores das receitas recebidas via Fundeb e FNDE. Sendo assim, a receita própria dos municípios foi obtida a partir da soma de 25% da receita de impostos próprios com 5% da receita de transferências intergovernamentais, uma vez que 20% das receitas de transferências estão subvinculadas ao Fundeb.

Para identificar de que forma os aspectos de condições de oferta se relacionam com o contexto do financiamento e do acesso nos municípios selecionados, foi criado um Índice de Condições de Oferta (ICO) da EI. O índice foi elaborado a partir dos indicadores usados para explorar o contexto das condições de oferta. Para isso, primeiramente, os valores dos indicadores foram transformados em índices individuais, utilizando para isso a fórmula a seguir:

Iˊndicedoindicador=("Valorobservadonoindicador""Menorvalorconsiderado")"Maiorvalorconsiderado""Menorvalorconsiderado")

Os maiores e os menores valores foram estabelecidos tendo como referência as metas do PNE e os valores mínimos e máximos observados no grupo de municípios. O ICO foi obtido com a média ponderada dos índices de cada indicador, sendo que o peso atribuído a cada um deles foi decidido a partir da relação do indicador com o gasto em educação.

Considerando que os maiores custos na educação são aqueles que se referem ao quadro de pessoal, para os índices relacionados à formação e ao salário inicial, foi atribuído o peso dois. O mesmo peso foi utilizado para o índice obtido a partir do indicador proporção de matrículas em tempo integral, uma vez que o custo de uma matrícula em tempo integral é cerca de duas vezes o custo de uma matrícula em tempo parcial. Por fim, para o indicador relacionado à proporção de matrículas em instituições municipais que ofertam apenas a EI foi atribuído o peso um, considerando que não há na legislação brasileira uma determinação a esse respeito.

Os ICO da EI identificados nos municípios foram correlacionados à receita líquida per capita 2018, ao gasto aluno/ano da EB de 2018 e ao crescimento das matrículas municipais da EI (2010-2018). Para isso, foi utilizado o coeficiente de correlação (linear) de Pearson ( r).

A apresentação e discussão dos resultados foram organizadas a partir da classificação dos municípios segundo a sua capacidade orçamentária. Essa classificação foi feita considerando a divisão por quartis dos valores da receita líquida per capita de 2018, como pode ser visualizado no quadro a seguir.

Quadro 1 - Classificação dos municípios do PAMC a partir de suas capacidades orçamentária 

Divisão por Quartil Valores por Quartis (R$) Classificação Municípios Receita líquida per capita 2018 (R$)
1º Quartil Até 2.125 Baixa capacidade orçamentária Colombo 1.685
Almirante Tamandaré 1.695
Piraquara 1.997
2º Quartil De 2.126 até 2.764 Capacidade orçamentária Intermediária baixa Fazenda Rio Grande 2.514
Campo Largo 2.586
Campo Magro 2.606
3º Quartil De 2.765 até 4.083 Capacidade orçamentária Intermediária alta Pinhais 2.924
Campina Grande do Sul 3.025
São José dos Pinhais 3.026
4º Quartil Acima de 4.084 Alta capacidade orçamentária Quatro Barras 4.437
Curitiba 4.584
Araucária 5.195

Fonte: Siconfi ( 2018); Ipardes ( 2018).

O grupo de municípios que compõe o 1º quartil foi classificado como aqueles que possuem baixa capacidade orçamentária. Aqueles que compõem o 2º quartil foram classificados como os que possuem capacidade orçamentária intermediária baixa, pois estão próximos do valor da mediana, mas se encontram abaixo dela. Os municípios do 3º quartil foram classificados como aqueles que possuem capacidade orçamentária intermediária alta, pois também estão próximos do valor da mediana, mas com valores superiores. Por fim, os municípios do 4º quartil foram classificados como aqueles com alta capacidade orçamentária.

Resultados e discussões

Como já afirmado neste artigo, a oferta de uma EI em condições de qualidade depende de investimento de recursos financeiros. Sendo assim, a análise dos indicadores de acesso e das condições de oferta foi precedida pela análise do contexto dos recursos disponíveis e dos gastos com educação. Os dados encontrados podem ser visualizados na tabela a seguir.

Tabela 1 - Contexto do financiamento da educação nos municípios do Primeiro Anel Metropolitano de Curitiba, 2018 

Município Capacidade orçamentária Receita líquida per capita (R$) Composição da receita potencial para educação Gasto aluno/ano EB (R$)
Proporção Receitas Próprias (%) Proporção Receitas Fundeb (%) Proporção Receitas Transferências FNDE (%)
Colombo Baixa 1.685 20 71 9 5.197
Almirante Tamandaré Baixa 1.695 19 71 10 6.649
Piraquara Baixa 1.997 20 70 9 6.556
Fazenda Rio Grande Interm. baixa 2.514 26 66 8 6.097
Campo Largo Interm. baixa 2.586 24 67 9 5.688
Campo Magro Interm. baixa 2.606 21 67 12 6.684
Pinhais Interm. alta 2.924 35 57 7 6.927
Campina Grande do Sul Interm. alta 3.025 31 61 8 7.021
São José dos Pinhais Interm. alta 3.026 40 54 6 7.788
Quatro Barras Alta 4.437 43 50 7 8.178
Curitiba Alta 4.584 53 42 5 10.305
Araucária Alta 5.195 39 55 4 12.195
Média 3.022 31 61 8 7.440
Desvio Padrão 1.143 11 9 2 1.995
Coeficiente de variação 38% 35% 15% 28% 27%
Menor 1.685 19 42 4 5.197
Maior 5.195 53 71 12 12.195

Fonte: SIOPE ( 2018); IPARDES ( 2018); INEP ( 2018). Dados organizados pelas autoras.

A proporção das receitas próprias na composição da receita potencial para educação varia de 19% a 53% na região. Curitiba é o município com a maior proporção de receitas próprias e o único no qual esse tipo de receita é o mais significativo na composição da receita potencial para educação. O coeficiente de variação de 35% indica que há grande dispersão entre os percentuais apresentados, o que ressalta a desigualdade na arrecadação de receitas próprias e na autonomia financeira dos municípios. Também é possível identificar que os municípios com menor capacidade orçamentária apresentam os menores percentuais de receitas próprias. Esses dados reforçam o argumento de que esse é um diferencial na disponibilidade de recursos (PINTO, 2014; ALVES; PINTO, 2020).

Em relação à proporção das receitas do Fundeb, pode-se observar uma variação mais homogênea, com um coeficiente de variação de 15%. Os percentuais observados indicam que a participação do fundo no financiamento da educação desses municípios é bastante significativa, mesmo naqueles com alta capacidade financeira. Diante disso, vale refletir a respeito do que Pinto ( 2014) chama de “reviravolta nas finanças” de cada estado. Ao colocar em uma mesma “cesta” parte significativa dos recursos vinculados ao ensino de todos os municípios somados àqueles do governo estadual, o Fundeb realiza uma redistribuição dos recursos dentro dos estados. Contudo, ao considerar apenas o número de matrículas, sem levar e conta o porte dos municípios e sua autonomia financeira, o fundo não contribui para diminuir as desigualdades nos recursos disponíveis para a educação. Observa-se ainda que as receitas repassadas pelo FNDE, formadas pelo salário educação e programas do governo federal, se mostram mais significativas para a composição das receitas nos municípios de menor arrecadação própria.

Na tabela anterior, também se pode identificar a desigualdade dos valores do gasto aluno/ano, observados nos municípios, por meio do coeficiente de variação de quase 30%. Os menores valores podem ser localizados nos municípios com capacidade financeira baixa ou intermediária baixa, o que sugere uma relação entre gastos e capacidade financeira. Os maiores valores foram evidenciados em Curitiba e Araucária. É pertinente destacar que o gasto aluno/ano da EB praticados por esses dois municípios, em 2018, é quase duas vezes o valor identificado nos municípios com menores capacidades financeiras e mais do que o dobro do gasto aluno/ano de Colombo.

Para analisar o contexto do acesso e em que medida ele tem sido suficiente para atender aos direitos das crianças e de suas famílias, foram analisados dados que revelam: o percentual de crianças atendidas, independente da vinculação administrativa da matrícula, em relação àquelas que residem nos municípios selecionados; o crescimento das matrículas municipais de 2010 a 2018; a projeção de matrículas necessárias para atender a meta 1 do PNE. Esses dados podem ser visualizados na Tabela 2.

Tabela 2 - Contexto do acesso à EI nos municípios do primeiro anel metropolitano de Curitiba, 2018 

Município Capacidade orçamentária Taxa de matrícula líquida (%) 2018 Taxa de crescimento de matrícula municipal - 2010-2018 (%) Demanda PNE (N)
0 a 3 anos 4 e 5 anos 0 a 3 anos 4 e 5 anos 0 a 3 anos 4 e 5 anos
Colombo Baixa 30 91 106 -5 3.116 620
Almirante Tamandaré Baixa 10 47 29 81 3.142 2.103
Piraquara Baixa 21 88 -35 209 2.218 434
Fazenda Rio Grande Interm. baixa 24 125 110 106 1.775 -
Campo Largo Interm. baixa 40 95 128 41 714 199
Campo Magro Interm. baixa 43 77 278 38 173 206
Pinhais Interm. alta 42 103 115 33 478 -
Campina Grande do Sul Interm. alta 28 92 142 56 626 243
São José dos Pinhais Interm. alta 34 87 11 158 15.194 1.271
Quatro Barras Alta 42 102 148 78 126 14
Curitiba Alta 48 94 -3 78 1.860 2.807
Araucária Alta 40 98 61 115 891 107
Média 34 92 91 82 1.527 667
Desvio-padrão 11 18 85 59 1.183 920
Coef. Variação 33% 20% 94% 71% 77% 138%
Menor 10 47 -35 -5 126 -
Maior 48 125 278 209 3.208 2.807

Fonte: INEP (2010, 2018); Alves; Silveira; Bruno ( 2020). Dados organizados pelas autoras.

Comparando a população em idade para frequentar a EI com o número de matrículas nos dois segmentos desta etapa, podemos observar que a média da taxa líquida de matrícula da região (34%) está abaixo da nacional, no caso das crianças de 0 a 3 anos (37%), e acima dela, no caso do atendimento de 4 e 5 anos (92% na região e 91% nacional). Contudo, é preciso observar que metade dos municípios alcançou, em 2018, um percentual igual ou superior a 40% na taxa de matrículas de creche, superando a média nacional. A partir da população estimada, pode-se concluir que, naquele ano, apenas três municípios haviam universalizado o atendimento de 4 e 5 anos.

Vale destacar que o indicador taxa de matrícula líquida considera o número de crianças da faixa etária matriculadas independente da etapa de ensino, sendo possível que parte das matrículas de crianças de 5 anos possa estar em turmas do primeiro ano do EF. A forma de cálculo do indicador e os limites de se trabalhar com a projeção da população, uma vez que não há uma contagem censitária no Brasil desde 2010, podem explicar as taxas de matrículas maiores do que 100% observadas nos municípios de Fazenda Rio Grande, Pinhais e Quatro Barras.

Considerando apenas as matrículas municipais e o seu crescimento no período de 2010 a 2018, pode-se perceber que seis municípios apresentaram um crescimento nas matrículas de 0 a 3 anos acima de 100%, sendo que entre eles estão cinco dos que apresentaram uma taxa de matrícula igual ou superior a 40%. Apenas dois municípios apresentaram uma taxa negativa no crescimento das matrículas na faixa etária referente à creche.

A respeito das matrículas de 4 e 5 anos, pode-se identificar que cinco municípios apresentaram um percentual de crescimento acima de 100%, e que apenas um apresentou uma taxa negativa de crescimento.

Contrariando as previsões feitas após a aprovação da EC nº 59/2009 (CAMPOS, 2010; DIDONET, 2014), com exceção de Curitiba e Piraquara, não se pode afirmar que houve uma diminuição do atendimento em creche para que se ampliasse o atendimento da pré-escola em todos os municípios do PAMC. Isso porque metade ( 2010) apresentou, percentualmente, um crescimento maior nas matrículas de 0 a 3 anos.

Cabe dizer que o indicador taxa de crescimento permite acompanhar o esforço dos municípios em relação à sua própria oferta, contudo, não se pode considerá-lo de forma isolada. As taxas líquidas de matrículas de creche mostram o quanto esse crescimento tem sido insuficiente para atender, pelo menos, ao que o PNE estabelece como meta para a EI, principalmente em relação à creche. E se a decisão for a de garantir que todas as crianças de 0 a 3 anos tenham, conforme a vontade de suas famílias, a garantia de sua matrícula na creche e que todas as crianças de 4 e 5 anos estejam frequentando a pré-escola, o esforço dos municípios do PAMC precisará ser ainda maior.

A aprovação da EC nº 59/2009 trouxe consigo também a preocupação com o acesso das crianças de 0 a 3 anos e com as condições de oferta sob as quais se daria a ampliação da EI. O receio era o de que se repetisse o mesmo modelo de ampliação observado por Campos, Fullgraf e Wiggers ( 2006) no final da década de 1980, quando a qualidade da oferta ficou em segundo plano. Para análise dessas condições de oferta nas redes municipais dos municípios selecionados, esta pesquisa elegeu como indicadores a proporção de matrículas em tempo integral, a proporção de matrículas municipais em escolas que ofertam somente EI, a proporção de profissionais com ES e o salário inicial das carreiras com atuação exclusiva na EI. A partir dos valores identificados nesses indicadores, foi elaborado o ICO, que tem como finalidade criar uma medida única que possibilite a comparação entre as condições de oferta da EI nos municípios selecionados. Os dados estão organizados na tabela a seguir:

Tabela 3 - Contexto das condições de oferta da EI nos municípios do primeiro anel metropolitano de Curitiba ( 2018)  

Município Proporção de matrículas municipais em tempo integral Proporção de matrículas municipais em escolas que ofertam somente EI Proporção de profissionais com ES (licenciatura ou complementação pedagógica) Salário inicial carreiras exclusivas EI (R$) Índice sintético das condições de oferta na EI (ICO)
EI Creche Pré-escola EI Creche Pré-escola EI Creche Pré-escola
Colombo 40 91 5 67 100 44 46 32 69 2.368,35 0,399
Almirante Tamandaré 30 100 0 86 100 80 36 25 48 2.557,74 0,381
Piraquara 23 47 17 73 92 68 47 41 51 2.558,06 0,371
Fazenda Rio Grande 28 100 1 28 100 0 49 30 74 2.886,24 0,364
Campo Largo 43 95 3 45 97 3 45 21 84 2.399,26 0,370
Campo Magro 47 100 0 47 100 0 49 31 78 2.557,74 0,438
Pinhais 74 100 55 73 100 53 45 47 44 2.922,92 0,672
Campina Grande do Sul 39 100 3 80 100 69 39 9 86 1.292,53 0,203
São José dos Pinhais 29 96 0 94 100 92 61 41 79 2.557,74 0,503
Quatro Barras 64 100 32 64 100 32 46 24 76 1.325,03 0,332
Curitiba 82 98 72 81 100 70 77 74 81 2.455,51 0,785
Araucária 37 98 4 95 100 93 72 61 85 2.582,43 0,598
Média 45 94 16 70 99 50 51 36 71 2.371,95 0,451
Desvio Padrão 19 15 24 21 2 35 13 18 15 523,93 0,162
Coef. de variação 42% 16% 152% 30% 2% 69% 24% 49% 21% 22% 36%
Menor 23 47 0 28 92 0 36 9 44 1.292,50 0,203
Maior 82 100 72 95 100 93 77 74 86 2.922,90 0,785

Fonte: INEP ( 2018)

A proporção de matrículas municipais da EI em tempo integral mostra que, em 2018, todos os municípios apresentavam percentuais adequados ao que o PNE estabelece para a oferta da EB (25%). Contudo, é preciso observar que a jornada das crianças indica que creche e pré-escola apresentam condições de oferta muito diferentes. Enquanto praticamente todos os municípios, com exceção de Piraquara, tinham mais de 90% de suas matrículas de creche em tempo integral, mais da metade deles apresentava menos de 5% de suas matrículas de pré-escola em tempo integral e três deles tinham zerado esse atendimento.

Com exceção de dois municípios, os demais tinham, em 2018, praticamente todas as suas matrículas de creche em instituições que ofertavam apenas a EI e, mesmo nesses dois municípios, a proporção de matrículas era maior do que 90%. A proporção de matrículas da pré-escola, nessas instituições, não segue a mesma lógica. Enquanto a média de matrículas de creche da região era de 99% nessas instituições, a média de matrículas de pré-escola no mesmo ano era 50%. Cabe ainda destacar que dois municípios nem apresentavam matrículas de pré-escola em instituições que atendiam apenas EI. Isso evidencia que o crescimento do atendimento da pré-escola tem sido no arranjo físico com outras etapas da educação básica, e não especificamente em prédios específicos para a primeira etapa da EB.

A maior parte dos municípios está muito distante da meta estabelecida no PNE para que todos os professores da EB sejam formados em nível superior, principalmente quando se consideram creche e pré-escola em separado. Enquanto a média de profissionais com ES da região atuando em pré-escola é de 71%, na creche, a média é de apenas 36%. Destaca-se que, em Campina Grande do Sul, esse percentual era menor do que 10% e somente Curitiba e Araucária tinham mais de 60% de seus profissionais com essa formação.

A respeito do salário inicial das carreiras que atuam exclusivamente na EI, é possível identificar que, de acordo com os vencimentos praticados em 2019, Pinhais era o município com o maior salário inicial (R$ 2.922,92) da região. Campina Grande do Sul era o que apresentava a menor remuneração para a função de Educador Infantil (R$ 1.292,53). Cinco municípios da região apresentavam um salário inicial abaixo do valor previsto pelo Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), fixado em R$ 2.557,74 para o ano de 2019.

O índice sintético das condições de oferta apresenta uma variação menor do que as variações observadas em alguns dos indicadores que o compõem. Essa diferença pode estar relacionada com o fato de que os municípios são mais heterogêneos em determinadas características do que em outras. Ainda assim, é pertinente considerar que o coeficiente de variação de 35% indica uma grande dispersão nos valores. O menor índice de condições de oferta pode ser observado no município de Campina Grande do Sul, sendo que a proporção de profissionais com ES e o salário inicial dos profissionais que atuam exclusivamente na EI são os indicadores que fazem com que os valores do índice final seja mais baixo.

Quatro Barras, Fazenda Rio Grande, Campo Largo, Piraquara e Almirante Tamandaré apresentam índices com valores muito próximos, que variam de 0,332 a 0,381. Os maiores valores do índice de condições de oferta são observados nos municípios de São José dos Pinhais, Araucária, Pinhais e Curitiba. A respeito desses municípios, vale lembrar que Araucária e Curitiba apresentam uma alta proporção de profissionais com ES e de matrículas em instituições que ofertam apenas EI e que Pinhais apresenta o maior salário inicial da região para os profissionais que atuam exclusivamente na educação infantil.

Para identificar as possíveis relações entre financiamento, acesso e condições de oferta, com base nos indicadores apresentados e analisados anteriormente, foi utilizado o coeficiente de correlação (linear) de Pearson ( r). Para testar a significância estatística dos coeficientes obtidos, adotou-se a hipótese de que resultados acima de 0,05 são estatisticamente significativos. Esses dados podem ser visualizados na tabela que segue.

Tabela 3 - Correlação linear de Pearson entre as variáveis: receita líquida per capita (2018), gasto aluno/ano de 2018, taxa de crescimento das matrículas municipais da educação infantil (2020-2018) e índice de condições de oferta  

Receita líquida per capita 2018 Gasto aluno/ano EB 2018 Taxa de crescimento das matrículas de EI 2010-2018 (%) ICO
Receita líquida per capita 2018 - 0,901 * 0,176 0,481
Gasto aluno/ano EB 2018 0,901* - 0,089 0,587*
Taxa de crescimento das matrículas de EI 2010-2018 (%) 0,176 0,089 - -0,373
ICO 0,481 0,587* -0,373 -

Fonte: INEP (2010, 2018); Siope ( 2018).

**Nota: A correlação é significativa no nível 0,05.

Aplicado o coeficiente de correlação de Pearson, pode-se observar uma correlação positiva muito forte entre a receita líquida per capita e o valor do gasto aluno/ano de 2018 (0,901). Isso também ocorre na comparação dessa variável com o ICO, (0,587). Os níveis de significância obtidos no teste desses dois coeficientes de correlação rejeitam a hipótese nula e confirmam a hipótese de associação entre as variáveis, uma vez que apresentam um nível de significância maior do que 0,05. A correlação observada entre receita líquida per capita e o crescimento das matrículas municipais da EI também é positiva, mas com uma associação menor (0,176).

Considerando os indicadores utilizados, pode-se inferir que, para o grupo de municípios analisados, a disponibilidade de recursos parece estar mais associada ao gasto aluno/ano e às condições de oferta. O que indica que há uma tendência de que os municípios com maior capacidade orçamentária apresentem maiores valores do gasto aluno/ano e ofereçam melhores condições na oferta da EI.

Na comparação entre a capacidade financeira e o crescimento das matrículas municipais, o teste de correlação de Pearson apresenta o menor coeficiente de correlação positivo. Essa associação indica que a maior capacidade financeira está associada às maiores taxas de crescimento de matrículas. Mas isso não ocorre em todos os casos analisados. Diante disso, pode-se pressupor que o esforço feito por alguns municípios com menor capacidade financeira para ampliar o atendimento da EI tem sido maior do que aquele empregado por municípios com mais recursos disponíveis.

O único coeficiente de correlação negativo foi encontrado na associação da taxa de crescimento das matrículas municipais da EI (2010 a 2018) com o ICO. Isso mostra que, nos casos analisados, há uma associação entre as maiores taxas de crescimento e os menores ICO, o que pode demonstrar que ampliação do acesso nem sempre tem sido acompanhada da garantia das condições necessárias para uma oferta de qualidade.

Considerações finais

O contexto da EI após a CF de 1988 demonstra o quanto essa etapa avançou, nas últimas décadas, em espaço nas discussões e nas políticas de educação em nível nacional. Ainda assim, mesmo diante de muitos avanços legais, a efetivação do acesso continua sendo um desafio, inclusive para as crianças de 4 e 5 anos, cuja matrícula ganhou caráter compulsório a partir da EC nº 59/2009.

Diante disso, é necessário demarcar que, ainda que seja de extrema importância, reconhecer a EI como parte do conteúdo do direito à educação a ser garantido desde o nascimento por si só não garante a materialização desse direito. Para a ampliação do acesso e a garantia de condições de oferta de qualidade é preciso a implementação de políticas públicas que exigem recursos financeiros.

A análise do contexto do financiamento nos municípios selecionados indica que eles não possuem as mesmas condições orçamentárias para enfrentar o desafio de ampliar o acesso à EI. A observação da composição da receita potencial permitiu verificar que a proporção das receitas próprias é mais significativa nos municípios com maior capacidade orçamentária. Independente da disponibilidade de recursos, os municípios são fortemente dependentes das transferências recebidas do Fundeb para compor o montante de receitas que serão destinadas à educação. Além disso, também foi possível visualizar que a desigualdade na disponibilidade de recursos se estende para os valores do gasto aluno/ano, praticados pelos municípios. Ao considerar os valores do gasto aluno/ano da educação básica, praticados em 2018, foi possível perceber uma forte relação entre a proporção de receitas próprias e gasto aluno/ano da educação básica, evidenciando que à medida que o percentual de receitas próprias cresce, o valor do gasto por aluno também aumenta, o que é esperado.

Ao contrário de algumas previsões, nos municípios analisados, as matrículas de crianças de 0 a 3 anos continuaram crescendo mesmo após a EC nº 59/2009, o que nos leva a refletir sobre a demanda da sociedade pelo acesso à creche. O contexto social e econômico das famílias brasileiras é um dos elementos de tensão sobre o poder público e essa pressão por parte da sociedade pode ser uma das explicações para o fato da oferta em creche ter se crescido mesmo diante a compulsoriedade do atendimento de 4 e 5 anos.

A questão que se coloca é se essa expansão tem sido suficiente para minimizar a dívida que o estado brasileiro tem para com as crianças pequenas. Quando se consideram as baixas taxas de matrícula na faixa etária de 0 a 3 anos e o fato de que, em 2018, alguns municípios ainda não haviam universalizado o atendimento de 4 e 5 anos, percebe-se a necessidade de um esforço maior para a ampliação do acesso à EI.

Diante desse cenário, como já mencionado, é preciso reconhecer que enquanto o estado brasileiro não garantir “o acesso a todas as crianças cujas famílias manifestem interesse, na creche, e a todas as crianças de 4 e 5 anos, na pré-escola, o acesso deve ser considerado como parte do conteúdo da qualidade da Educação Infantil” (TAPOROSKY, 2017, p. 80). Desse modo, pensar a garantia e a materialização do direito à EI requer considerar duas importantes dimensões: o aumento das oportunidades educacionais e a qualidade das condições em que se dará a sua oferta. Isso porque uma concepção democrática de qualidade não pode se esquivar de considerar o tipo de acesso que a população tem às creches e pré-escolas (CAMPOS; FULLGRAF; WIGGERS, 2006).

Além das desigualdades de acesso, também as condições desiguais da qualidade da educação oferecida às crianças configuram-se em violações de direitos constitucionais das mesmas (BRASIL, 2009). Isso porque entende-se que o princípio constitucional da garantia de um padrão de qualidade na EI será garantido quando todas as crianças, sem qualquer tipo de restrição ou distinção, tiverem assegurado o direito de serem cuidadas e educadas, para além do contexto familiar, em uma instituição que possua todas as condições necessárias para proporcionar o seu desenvolvimento integral. Dessa forma, a oferta de uma Educação Infantil em condições de qualidade, além de um direito das crianças, consiste em um instrumento de justiça social, uma forma de superar as desigualdades e de fortalecer a democracia.

Tornar isso possível exige que o Estado assuma sua responsabilidade na educação coletiva das crianças, complementando a ação das famílias, o que, entre outros aspectos, requer a oferta de atendimento em instituições que considerem as necessidades e especificidades do trabalho pedagógico com crianças de 0 a 5 anos.

Assim como no contexto do acesso, o contexto das condições de oferta da EI nos municípios selecionados mostrou que creche e pré-escola percorreram caminhos diferentes. Por um lado, foi possível observar na creche uma proporção muito menor de profissionais com formação em ES específica para o trabalho com crianças de 0 a 5 anos; por outro, o crescimento dessa oferta tem ocorrido em instituições que ofertam exclusivamente EI, em grade parte, em tempo integral. Na pré-escola, mesmo contando com os maiores percentuais de profissionais com ES, as matrículas têm sido expandidas utilizando como estratégias a parcialização do atendimento e a lotação em instituições que não ofertavam exclusivamente a EI.

O aumento na proporção de matrículas de pré-escola em instituições que não ofertavam exclusivamente a EI e a falta de adequação das escolas que atendem creche e pré-escola também foi observado por Flores e Albuquerque ( 2016) em parte dos municípios gaúchos. Ao analisar as estratégias utilizadas por municípios que aderiram ao programa Proinfância para a construção de novas unidades, as autoras identificaram que grande parte deles optou pela criação de novas turmas de pré-escola em salas ociosas em escolas que antes atendiam exclusivamenste ao EF.

Ao tratar esta estratégia como um dos possíveis efeitos da obrigatoriedade da pré-escola, Flores e Albuquerque ( 2016) alertam para o fato de que tais efeitos se articulam ou se sustentam nas fragilidades das políticas públicas para a EI. As autoras ainda chamam a atenção para a complexidade desse contexto, pois a ampliação do acesso sem as condições necessárias para um atendimento de qualidade e adequado às crianças de 0 a 5 anos pode implicar alguns retrocessos com perdas significativas para as crianças no processo de implementação de uma legislação, que deveria, ao contrário, promover a ampliação de direitos das mesmas (FLORES; ALBUQUERQUE, 2016).

Neste estudo, aplicado o coeficiente de correlação de Pearson, foi possível observar que, para esse grupo de municípios, considerando os indicadores utilizados, a capacidade orçamentária parece estar mais associada ao gasto aluno/ano e às condições de oferta. Nesses municípios, o crescimento das matrículas mostrou-se pouco associado à capacidade financeira e ao gasto aluno. Além disso, foi possível observar que, em alguns casos, o crescimento das matrículas está associado a menores índices de condições de oferta, o que pode indicar que a ampliação nem sempre tem sido acompanhada da garantia de condições necessárias para uma oferta de qualidade.

Para que a materialização do direito à EI se concretize, garantindo ampliação do acesso e condições de qualidade, é necessário o investimento financeiro por parte do Estado. Trata-se de requer prever os insumos necessários para que se ofertem as melhores condições e recursos construídos histórica e culturalmente, para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais, podendo se manifestar e ver essas manifestações acolhidas, na condição de sujeito de direitos (BRASIL, 2009).

Por fim, é pertinente destacar que os municípios têm desafios de diferentes proporções no que se refere ao acesso e às condições de oferta da educação infantil. Os recursos técnicos e financeiros para superar esses desafios não são os mesmos para todos, o que evidencia a pertinência de um pacto federativo que, de fato, seja cooperativo. Garantir uma oferta em condições de qualidade pressupõe ampliar o gasto das redes municipais com educação em todos os municípios, mesmo naqueles que apresentam os maiores valores nesse indicador. Diante disso, é urgente aumentar as receitas para potencializar a oferta de uma educação adequada. Em alguns casos, essa ampliação de recursos deve acontecer com a complementação da União e dos estados.

Referências

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4Em 01 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), em apreciação ao processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 292, proposta em 2013, pela Procuradoria-Geral da República, que questionava a constitucionalidade das Resoluções 1/2010 e 6/2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB) que fixava a data corte para ingresso no ensino fundamental em 31 de março, decidiu que é constitucional a exigência de idade para ingresso na pré-escola e no ensino fundamental e que cabe ao Ministério da Educação a definição de data corte cabe ao Poder Executivo.

Recebido: 08 de Julho de 2021; Revisado: 07 de Fevereiro de 2022; Aceito: 21 de Março de 2022

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Dados disponíveis em: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1CIAMAwfSwl4xvf4Ioaz4h_UcrT_a1SGM/edit#gid=88659857

Contato: dhaienebruno@gmail.com

Contato: adrianadragone@yahoo.com.br

Editora:

Profa. Dra. Fernanda Müller

Dhaiene de Jesus dos Reis Bruno

é doutoranda e mestre em educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) na linha de políticas educacionais, atua como professora e pedagoga na Rede Municipal de Ensino de Curitiba (PR).

Adriana Aparecida Dragone Silveira

é professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atua no Departamento de Planejamento e Administração Escolar e no Programa de Pós-Graduação, na linha de políticas educacionais. É doutora e mestre em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pedagoga pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

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