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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 18-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349257304por 

Artigos

A influência do capacitismo no Decreto n° 10.502/2020 e no texto da PNEE 2020

Bianca dos Santos Soares1 
http://orcid.org/0009-0005-7952-3748

Iara Pereira Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0002-4085-695X

1-Universidade São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil


Resumo

A luta pela inclusão da pessoa com deficiência nas escolas regulares nacionais se intensificou a partir da ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, porém, a busca por aprimoramentos e avanços no sistema de ensino inclusivo do país recuou diante da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020), instituída pelo Decreto n° 10.502/2020, que propôs alterações significativas na concepção de educação inclusiva ao considerar como recursos e serviços da educação especial centros, classes e escolas destinados a tipos específicos de deficiências, bem como, em determinar que caberia ao aluno com deficiência e/ou sua família o direito de escolher entre matricular em escola regular inclusiva, especializada ou bilíngue. Por meio de análise comparativa dos instrumentos normativos se verificou que sob esse pretenso direito esconde uma política de segregação do aluno com deficiência do ambiente escolar, sendo discriminatória e capacitista, pois reproduz o pressuposto de inferioridade desse aluno em relação ao paradigma hierarquizado do funcionamento padrão (normativo) do corpo, concebendo a exclusão da escola regular como consequência da sua deficiência. Ressalta-se que embora o Decreto n° 11.370/2023 tenha revogado o Decreto n° 10.502/2020, a discussão proposta pelo artigo continua pertinente, tendo em vista a necessidade de efetivação da educação inclusiva.

Palavras-chave Pessoa com deficiência; Capacitismo; Educação inclusiva; Decreto n° 10.502/2020; PNEE 2020

Abstract

The fight for the inclusion of persons with disabilities in Brazilian regular schools intensified when Brazil ratified the Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência and issued the Lei Brasileira de Inclusão. However, the struggle for advancements and improvement in the Brazilian inclusive teaching system retreated after the Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020) was established by Decreto n° 10.502/2020. The reason is that it proposed significant changes in the conception of inclusive education when it considered the possibility of special education services, centers, or schools to meet specific disabilities, determining that students and/or their families would be free to choose between an inclusive, regular, or bilingual school. The normative instruments were compared, and a policy segregating students with disabilities in the school environment is hidden between the lines under this alleged right. Such policy is discriminatory and ableist as it reproduces the notion that, according to a hierarchical corponormativity paradigm, these students are inferior, thus, conceiving that they are excluded from regular school due to their disabilities. Even though Decreto n° 11.370/2023 revoked Decreto n° 10.502/2020, the discussion proposed here remains relevant, considering the need to effectively implement inclusive education in Brazil.

Keywords Persons with disability; Ableism; Inclusive Education; Decreto n° 10.502/2020; PNEE 2020

Introdução

A educação inclusiva preceitua a transformação da cultura, das práticas e políticas vigentes nos sistemas de ensino para garantir a igualdade de acesso, participação e aprendizado dos estudantes, sem qualquer discriminação, acolhendo a diversidade humana. O conceito de educação inclusiva é mais amplo que o de educação para alunos com deficiência, pois abarca a todos os educandos, compreendendo minorias raciais, étnicas, religiosas, de gênero, de sexualidade (população LGBTQIA+) 2 , e fundamentando-se no esforço de identificar e remover as barreiras que impedem o seu aprendizado ( BAGLIERI et al., 2011 ).

Apesar da educação inclusiva ser uma filosofia de ensino que abrange todos os estudantes ( BAGLIERI et al., 2011 ), o foco do presente trabalho é analisar a educação inclusiva sob a perspectiva do direito da pessoa com deficiência (PcD), investigando o Decreto n° 10.502/2020, o qual instituiu a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020) e propôs alterações significativas na concepção de educação inclusiva no sistema de ensino nacional.

O artigo investiga se a Política Nacional de Educação Especial (PNEE): Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, instituída pelo Decreto n° 10.502/2020, está em desacordo com a legislação vigente sobre o tema, a saber, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), a Constituição Federal, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e outros instrumentos normativos, e se retoma a segregação escolar da PcD, com o objetivo de concluir se a norma é (in) constitucional.

Para a realização do estudo utilizou-se a análise comparativa dos artigos do Decreto n° 10.502/2020 e do texto da PNEE 2020 com a legislação sobre o direito da PcD à educação inclusiva. Em relação ao referencial teórico, o artigo pautou-se nos estudos de Fiona Kumari Campbell e Anahi Guedes de Mello para delimitar o conceito de capacitismo.

A análise da influência do capacitismo na PNEE 2020 teve como referência os estudos sobre “educação anticapacitista”, em especial o livro Psicologia escolar e educacional: processos educacionais e debates contemporâneos, escrito em colaboração de diversos autores, dentre eles, a organizadora Marivete Gesser. Em relação a abordagem educacional, valeu-se dos textos das autoras Rosangela Machado e Maria Teresa Mantoan, com destaque para o livro Educação e inclusão: entendimentos, proposições e práticas.

Com base no levantamento normativo e no referencial teórico apresentado, o artigo propõe uma abordagem qualitativa, com a utilização do método indutivo, isto porque, parte-se da análise do Decreto n° 10.502/2020 e da PNEE 2020 (dados particulares) para concluir a sua dissonância com a legislação vigente sobre a educação inclusiva, bem como a relação com pressupostos capacitista (proposições gerais) 3 .

O artigo está dividido em três seções, sendo que a primeira apresenta o cenário normativo da educação inclusiva no país, a segunda a definição de capacitismo e sua influência na educação, para na terceira analisar o decreto e a nova política de forma comparativa a legislação vigente e identificando os pressupostos capacitistas.

A situação legal da educação inclusiva no Brasil

A legislação brasileira que trata do direito da PcD à educação inclusiva teve influência de atos normativos internacionais, os quais, a partir da segunda metade do séc. XX, impuseram a modificação da concepção de deficiência e a luta pelo reconhecimento dos mesmos direitos que eram concedidos às pessoas sem deficiência.

O direito ao acesso à educação é princípio fundamental da pessoa humana, regulamentado internacionalmente por diversos dispositivos normativos, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), promulgada em 1948, que dispõe no art. 26 que a educação é direito de todos e deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, proclamada em 1990, que aborda no art. 3° a universalização do acesso à educação de qualidade e a promoção da equidade; e a Declaração de Salamanca, proclamada em 1994, sendo o primeiro documento a preconizar a educação inclusiva ( ONU, 1948, 1990; UNESCO, 1994).

Apesar das Declarações citadas serem de grande relevância na luta pela educação para todos, o marco normativo que garantiu a efetivação desse direito em sistema de ensino geral inclusivo e revolucionou o conceito de deficiência foi a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu protocolo facultativo 4 .

A CDPD modificou a compreensão de deficiência ao retirar o foco do “corpo com lesão” para as barreiras impostas pelo ambiente social, rompendo com o modelo médico, o qual a PcD era vista como anormal, devendo receber cuidados unicamente biomédicos com intuito de reabilitação, e propondo o modelo social 5 , em que a deficiência é entendida como resultado da interação do corpo com lesão e a sociedade discriminatória ( DINIZ, 2007).

Logo no preâmbulo, na alínea e, a CDPD reconhece que deficiência é “um conceito em evolução”, pois deriva da interação entre a PcD e as barreiras, seja de atitudes humanas ou do ambiente, que impedem a plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidade com as demais pessoas sem deficiência ( BRASIL, 2009).

No mesmo sentido, a Lei nº 13.146 , de 06 de julho de 2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, definiu a PcD. O caput do art. 2º dispõe que será considerada PcD “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, prevendo, que se necessário avaliação para determinar a existência de deficiência, esta será biopsicossocial feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que avaliará o quanto os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo limitam o desempenho de atividades ou restringem a participação da PcD, levando em conta os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais (§1º do art. 2º), reforçando a mudança de paradigma com o modelo social da deficiência.

Quanto ao direito à educação, a CDPD dispõe no art. 24 que é dever dos Estados Partes assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis do aprendizado ao longo da vida. No item 2 do mesmo artigo, o documento assegura a não exclusão da PcD do ensino geral sob a alegação da deficiência, devendo ter acesso à educação de qualidade em igualdade de condições com as demais pessoas e recebendo apoio necessário para sua efetiva aprendizagem.

Do mesmo modo, a Constituição Federal estabelece o direito à educação no art. 6°, entre o rol de direitos sociais, e apresenta a sua regulamentação específica nos artigos 205 a 214, sendo que no art. 206, I, está previsto a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Ainda no seu art. 208, III, há a garantia do acesso à educação pela PcD, devendo o Estado assegurar o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Em 2008, sob influência da CDPD, implementou-se no país a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE 2008), ressignificando o sentido de educação especial ao abordar que esta é uma modalidade de ensino que atua de forma articulada ao ensino regular, não sendo substituto a ele. Portanto, a educação especial atua na realização do atendimento educacional especializado (AEE) e na disponibilização de serviços, recursos e orientações para a sua execução.

Assim como a PNEE 2008 fundamentou-se na CDPD, a LBI também a utilizou como referência sendo que o seu capítulo IV trata especificamente sobre o direito à educação. No art. 27, a referida lei assegura o acesso à educação igualitária pela PcD em todos os níveis de ensino e o aprendizado ao longo da vida, livre de qualquer discriminação, negligência ou violência.

Capacitismo

O termo capacitismo, em inglês ableism, foi traduzido e empregado pela primeira vez no Brasil pela antropóloga Anahi Guedes de Mello 6 em analogia às formas de discriminação já nomeadas na sociedade contemporânea, como racismo e sexismo, para referir-se à hierarquização das pessoas em função da adequação dos seus corpos à corponormatividade 7 , o que acarreta o julgamento moral de que as PcDs são incapazes e inferiores ( MELLO, 2016, p. 3.272). Posteriormente, o conceito de capacitismo foi abordado pela autora Adriana Dias como sendo “um neologismo que sugere um afastamento da capacidade, da aptidão, pela deficiência” ( DIAS, 2013, p. 5).

Apesar de no país a discussão a respeito do conceito de capacitismo ser recente, internacionalmente, este é amplamente abordado por autores como Campbell ( 2001, 2008), 2009, Wolbring ( 2008) e Taylor ( 2017). Segundo Fiona Campbell, o capacitismo define-se como “uma rede de crenças, processos e práticas que produzem um tipo particular de compreensão de si mesmo e do corpo (o padrão corporal), que é projetado como perfeito, típico da espécie, e, portanto, essencial e totalmente humano” 8 , deste modo, a PcD seria um estado diminuído de ser humano ( CAMPBELL, 2001, p. 44, tradução nossa).

Campbell defende a concepção de “capacitismo internalizado” ao esclarecer que o conceito transcende procedimentos, estruturas, instituições e valores sociais estando consolidado na cultura e, por isso, sendo responsável por moldar e formar os indivíduos, ainda que inconscientemente, na crença de que a deficiência é uma condição inerentemente negativa e deve ser, sempre que possível, amenizada, curada ou mesmo eliminada ( CAMPBELL, 2008). A patologização da deficiência encontra-se respaldada na oposição entre normalidade e desvio em relação aos padrões funcionais e a estrutura do corpo.

O capacitismo está diretamente relacionado aos discursos do modelo médico da deficiência, o qual, como já citado na seção anterior, reduz a PcD ao seu aspecto corporal, enfatizando a lesão e o distanciamento das normas de referências. Nessa perspectiva, Campbell resume os dois pontos centrais que caracterizam o capacitismo: “a noção do normativo (e normatizar o indivíduo) e a aplicação de uma divisão constitucional entre a humanidade naturalizada aperfeiçoada e o híbrido aberrante, impensado, quase humano e, portanto, não humano” 9 ( CAMPBELL, 2009, p. 6, tradução nossa).

Além disso, Campbell faz uma crítica ao raciocínio jurídico pelo fato de invocar normas “que contém uma já assumida ‘escala de corpos’, em que os fracos formam o exterior ontológico do ‘corpo de referência’” 10 ( CAMPBELL, 2009, p. 132, tradução nossa). Desse modo, a autora elucida que as próprias normas jurídicas reafirmam o capacitismo internalizado na sociedade, que não afeta apenas as PcDs, mas subjuga outros corpos vulnerabilizados, como mulheres e pessoas negras.

Após abordar a origem do termo capacitismo no Brasil e a sua definição cabe questionar: como o capacitismo influencia a educação? Para responder a essa pergunta deve-se pensar no processo de exclusão dos alunos com deficiência do ambiente escolar, o qual se fundamenta na estereotipação do aluno modelo, aquele que atende aos padrões de inteligência exigidos, para determinar que a PcD é incapaz de estar nesse ambiente, devendo frequentar a escola ou classe especializada, isto é, um espaço segregado do convívio social.

Nesse sentido, Gesser ( 2020) esclarece que o capacitismo está naturalizado nos processos de exclusão escolar na medida em que as dificuldades de permanência e aprendizado se encontram no próprio estudante e não na incompetência da escola ou do Estado em propiciar condições de aprendizagem a todos. Portanto, percebe-se que a lógica que orienta as escolas é a de que os alunos devem se adequar e se adaptar ao seu funcionamento, não propiciando a eliminação de barreiras e a acessibilidade para acolher a diversidade humana.

Igualmente, Nuernberg ( 2020) corrobora para o entendimento de que os modos de ensinar reafirmam o capacitismo internalizado na sociedade ao afirmar que os currículos escolares são voltados à “valorização das capacidades comuns do aluno neurotípico, que enxerga, anda, ouve e tem capacidade de raciocínio e memória”. O autor também afirma que apesar da ressignificação do conceito de deficiência pela CDPD e, posteriormente, pela LBI, as práticas da educação especial ainda se baseiam na noção de um aluno passivo e incapaz, com baixas expectativas de aprendizado e que precisa ser recuperado ( NUERNBERG, 2020).

Cabe agora analisar como o capacitismo apresenta-se nas entrelinhas do Decreto n°10.502/2020 e no texto da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020).

Decreto n° 10.502/2020 e a PNEE 2020

Em 30 de setembro de 2020 ocorreu a promulgação do Decreto n° 10.502/2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020), propondo alterações significativas na lógica que orienta a educação inclusiva no país. Tal dispositivo propõe regulamentar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LBDEN ( Lei n° 9.394/1996), o qual por si só já possui influência capacitista ao abordar o tema da Educação Especial em capítulo separado ao da Educação Básica, reiterando a exclusão dos alunos com deficiência do ensino regular e reproduzindo o posicionamento conservador da excepcionalidade desse grupo ( LIMA; FERREIRA; LOPES; 2020).

Além da LBDEN dedicar um capítulo específico à Educação Especial, o art. 58, § 2°, prevê que “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” ( BRASIL, 1996), o que mais uma vez mostra-se como pressuposto capacitista ao inferiorizar as PcDs, como se existissem alunos que são incapazes de serem incluídos no sistema educacional geral. O dispositivo também está em desacordo com a meta da inclusão plena defendida pela CDPD, que possui hierarquia superior às demais normas jurídicas nacionais.

Ademais, o Decreto n°10.502/2020 altera a compreensão de educação especial proposta pela PNEE 2008, que se apresentou como uma grande conquista à inclusão das PcDs nas escolas regulares, uma vez que o Decreto considera centros, classes e escolas destinados a tipos específicos de deficiências, como visual, auditiva, intelectual, mental e físico-motora, como recursos e serviços da educação especial (art. 7°). Portanto, a retomada dos ambientes de ensino segregado retrata a hegemônica ideia capacitista de “lugares de pertencimento pautada no paradigma alunos/as regulares e alunos/as de inclusão” para determinar aqueles que naturalmente pertencem à escola e os que estão nesse ambiente por benevolência ou consciência política parcial (ANGELUCCI; SANTOS; PEDOTT, 2020).

Outra modificação proposta pelo Decreto n° 10.502/2020 é a possibilidade de o aluno com deficiência escolher, juntamente com a sua família e a equipe multidisciplinar, o local onde deseja estudar, podendo ser a escola regular inclusiva, especializada ou bilíngue (art. 3º, VI; art. 6º, IV). A justificativa é de que o educando e sua família devem ter a liberdade de escolher a alternativa educacional mais adequada.

Apesar da família ter a liberdade de escolher onde matricular seu filho, esta não é ilimitada, devendo obedecer às regras vigentes que regulamentam o sistema educacional inclusivo brasileiro, assim, o ordenamento jurídico nacional não permite que a família decida por apartar o estudante com deficiência em instituições não inclusivas ( LOPES; REICHER, 2020). Observa-se que a PNEE 2020, em nome de uma falsa ideia de flexibilidade e liberdade, retoma a exclusão das pessoas com deficiência do ambiente escolar, pautando-se em pressuposto capacitista.

A PNEE 2020 também argumenta que alguns alunos “não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas” e, por isso, devem frequentar classes ou escolas especializadas para ter garantido o pleno direito ao aprendizado ( BRASIL, 2020, p. 42). Essa premissa mostra-se retrógrada, discriminatória e capacitista, pois todos os alunos, com e sem deficiência, beneficiam-se por frequentar ambiente inclusivo desde que seja oferecido condições de aprendizagem, acessibilidade e eliminação de barreiras.

A pesquisa “Os benefícios da educação inclusiva para estudantes com e sem deficiência”, desenvolvida pelo Instituto Alana, em parceria com a ABT Associates, demonstrou que alunos com deficiência incluídos apresentam melhorias na memória, na alfabetização, nas habilidades de linguagem e matemática, além de serem menos propensos a ter problemas comportamentais e serem mais aptos a completar o ensino médio, comparado com aqueles que não são incluídos ( HERIR et al., 2016 ). O estudo também aponta que pessoas sem deficiência que estudam em ambientes inclusivos têm opiniões menos preconceituosas e são mais receptivas às diferenças ( HERIR et al., 2016 ).

O Decreto n° 10.502/2020 ainda retoma o modelo médico da deficiência ao tratar do Plano de Desenvolvimento Individual e Escolar (PDIE), um documento de planejamento e organização das ações pedagógicas a serem desenvolvidas com o aluno com deficiência durante o ano letivo, contando com a participação da escola, da família e de outros profissionais que atendam o público-alvo da educação especial (art. 2°, XI). Tal dispositivo permite que profissionais da saúde atuem na elaboração do plano e que este seja baseado na “correção” de supostos desvios, pautando-se em práticas biomédicas e não pedagógicas.

Desse modo, percebe-se que há ainda uma grande preocupação das escolas em identificar e categorizar os alunos com deficiência de acordo com diagnósticos e laudos clínicos, como se o “tipo” de deficiência fosse o único atributo importante para determinar as práticas de ensino. Nessa perspectiva, a construção de uma escola inclusiva perpassa pela compreensão de conhecer o aluno com deficiência em sua interação com o ambiente de ensino, em suas experiências, em suas potencialidades e dificuldades, não partindo do pressuposto de que todas os estudantes com deficiência vivem da mesma forma que os outros que possuem a mesma deficiência (MACHADO, 2020).

Além do Plano de Desenvolvimento Individual e Escolar (PDIE), a PNEE 2020 também oferece nas classes especiais o Plano de Ensino Individual (PEI), um instrumento de planejamento pedagógico que garante adaptações no currículo escolar, a fim de atender “às singularidades dos educandos” ( BRASIL, 2020, p. 72). Tanto o PDIE quanto o PEI foram propostos na PNEE 2020 com foco na instituição, pautados nas limitações e/ou impedimentos das pessoas com deficiência, retomando o modelo médico da deficiência.

Enquanto que a compreensão atual é de que o PEI deve ser centrado no indivíduo, assumindo como objetivos o desenvolvimento do indivíduo e o aprofundamento de suas relações pessoais e de sua vida em comunidade ( MENDES; TANNÚS-VALADÃO, 2018). O PEI é um auxílio ao currículo oficial, ao especificar e estruturar o tipo de atividade e apoio profissional conveniente para o estudante com deficiência, de modo que não haja limite, mas estímulo ao processo de ensino-aprendizagem ( MENDES; TANNÚS-VALADÃO, 2018).

Ainda em outro momento, a PNEE 2020 retoma o discurso biomédico-reabilitativo ao esclarecer que “as escolas especializadas (ou especiais) devem existir com a perspectiva de retorno dos educandos, assim que possível, às escolas regulares inclusivas” ( BRASIL, 2020, p. 42). Desse modo, a política aborda as escolas especiais como ambientes que “corrigem” ou curam os alunos com deficiência para que apenas depois sejam incluídos nas escolas regulares, partindo do pressuposto capacitista de “normalizar” a PcD sempre que possível.

Para Maria Teresa Mantoan, o sistema educacional brasileiro não admite escolas especiais, não sendo regularizadas pela lei nacional, uma vez que a CF/88, mais precisamente o art. 208, I, garante o ensino obrigatório dos quatro aos dezessete anos (ensino básico) a todas as pessoas em escolas comuns do ensino regular ( WEBINÁRIO INTERNACIONAL, 2021; MANTOAN, 2003). Diante disso, Mantoan afirma que o que está previsto na CF/88 é o atendimento educacional especializado (AEE), um serviço da educação especial que não substitui a escola, e que quando o art. 208, III, do texto normativo estabelece que o AEE deve ser oferecido preferencialmente na rede regular de ensino significa que este pode acontecer em instituições, como por exemplo as APAEs, mas elas não são escolas, proporcionando um atendimento do ponto de vista clínico-terapêutico (MANTOAN, 2003).

Ao considerar o posicionamento de Mantoan para analisar o Decreto n° 10.502/2020 e a PNEE 2020 percebe-se que as escolas especiais não poderiam ser uma opção de escolha dos alunos e suas famílias, porque elas não estão regulamentadas legalmente, portanto esses documentos já seriam inconstitucionais. A partir de agora, o enfoque será para o AEE, abordando como o seu conceito é deturpado pelo Decreto.

O atendimento educacional especializado (AEE) é regulamentado pelo Decreto n°7.611/2011 , o qual o define como conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos oferecidos de forma complementar ou suplementar ao ensino regular, a fim de superar as barreiras de aprendizado (art. 2°, § 1°). Ainda de acordo com a Resolução 11 CEB/CNE nº 4 o AEE deve ser realizado prioritariamente na escola regular, podendo também acontecer em centro da rede pública ou em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, não sendo substitutivo às classes comuns (art. 5°). O AEE é um suporte pedagógico à inclusão, atuando de forma articulada com a escola regular.

Entretanto, o Decreto n° 10.502/2020 distorce o conceito de AEE ao tratar no art. 4°, III, que um dos seus objetivos é “assegurar o atendimento educacional especializado como diretriz constitucional, para além da institucionalização de tempos e espaços reservados para atividade complementar ou suplementar” ( BRASIL, 2020). Dessa forma, o artigo reconhece a possibilidade da oferta do AEE substituir o ensino regular, o que viola a legislação constitucional e infraconstitucional vigente e descaracteriza o serviço, que tem natureza de apoio à acessibilidade, identificando as barreiras enfrentadas pelo aluno e propondo recursos e mecanismo para superá-las, assim, o AEE não dispensa o ensino regular obrigatório oferecido nas salas comuns.

Tendo como paradigmas o estímulo à criação de espaços educacionais segregados e o retorno ao discurso do modelo médico da deficiência, percebe-se que o Decreto n°10.502/2020 possui pressupostos capacitistas e discriminatórios, retrocede os direitos educacionais conquistados pelas pessoas com deficiência e subverte a lógica que orienta a educação inclusiva no país. Em virtude da abordagem problemática trazida pelo Decreto, o Partido Socialista Brasileiro ajuizou ao STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6.590/2020 e o pedido de medida liminar, a fim de que o Tribunal determinasse a inconstitucionalidade do dispositivo e sustasse os seus efeitos.

No dia 1° de dezembro de 2020, o Ministro Relator Dias Toffoli acatou o pedido da ADI n° 6.590/2020 e decidiu monocraticamente pela suspensão cautelar dos efeitos do Decreto n° 10.502/2020 ao entender que a norma impugnada não possui caráter meramente regulamentador, uma vez que não se limita a pormenorizar os termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inovando no ordenamento jurídico ao estabelecer institutos, serviços e obrigações que não estavam anteriormente inseridos no sistema educacional do país ( BRASIL; STF, 2021). Desse modo, o ministro considerou que o Decreto possuía densidade normativa suficiente para ser submetido ao controle concentrado de constitucionalidade 12 pelo Tribunal.

No seu voto o Min. Dias Toffoli entendeu que o Decreto n° 10.502/2020 ao prever implementação de escolas e classes específicas para atendimento dos alunos com deficiência, em ambiente de aprendizagem separado dos demais educandos sem deficiências, contraria o compromisso do país com a educação inclusiva, garantida em diversos dispositivos normativos, como: art. 208, inc. III, da CF/88; o art. 24 da CDPD; e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais de 1994 ( BRASIL; STF, 2021).

O voto também menciona decisão anterior do STF, proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.357/DF, sobre a obrigatoriedade das escolas privadas, tanto quanto as escolas públicas, de implementação de atendimento educacional adequado e inclusivo às pessoas com deficiência em conformidade com a LBI, sendo vedada a exclusão da PcD do sistema geral de educação e o acréscimo no valor das matrículas dos alunos com deficiência pelas escolas particulares ( BRASIL; STF, 2016).

Sobre a existência de classes e escolas especiais, o voto do Min. Dias Toffoli esclarece que é admitida de forma excepcional pela LDBEN (arts. 4º, al. I, inc. III, e 58, § 2º), devendo ser prioridade a matrícula de todos os alunos no sistema geral (ADI n° 6.590, 2020, p. 31-32). Diferentemente, o art. 2°, X, do Decreto n° 10.502/2020 quando se refere às escolas regulares inclusivas, nas palavras de Dias Toffoli, “salta aos olhos”, pois “o dispositivo trata as escolas regulares inclusivas como uma categoria específica dentro do universo da educação especial, como se houvesse a possibilidade de existirem escolas regulares não-inclusivas” (BRASIL; STF, 2021, p. 34).

Nos dias 11 a 18 de dezembro de 2020, a decisão liminar do Ministro Dias Toffoli foi submetida ao Plenário do STF que a referendou para suspender a eficácia do Decreto nº 10.502/2020, sendo que o Ministro Roberto Barroso acompanhou o relator com ressalvas ao apontar a possibilidade de revisar a matéria relativa à educação bilíngue para surdos no julgamento de mérito da ação ( BRASIL; STF, 2021, p. 57). O Ministro Marco Aurélio divergiu do relator, e foi acompanhado pelo Ministro Nunes Marques, argumentando que o Decreto analisado não inovou na ordem jurídica e não se mostrou ato normativo abstrato autônomo 13 , inadmitindo a ADI n° 6.590/2020 ( BRASIL. STF, 2021, p. 53-54). Desse modo, por maioria de votos, o STF entendeu que o Decreto n° 10.502/2020 é inconstitucional, sustando os seus efeitos.

A ADI n° 6.590 não teve o seu mérito analisado pela Corte, mas em 1° de janeiro de 2023 entrou em vigência o Decreto n° 11.370, revogando o Decreto n° 10.502/2020, que instituiu a PNEE 2020, o que, como consequência, mantém em vigor a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE 2008).

A revogação do Decreto 10.502/2020 mostra-se uma conquista importante em relação ao direito educacional da PcD, porém, cabe esclarecer que a PNEE 2008, apesar de escrita com base na CF/88 e na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), está em vigor a quinze anos, sendo necessária à sua atualização com base nos desafios que surgiram na última década, principalmente no que se refere à educação inclusiva na prática.

Além disso, cabe esclarecer que apesar das críticas ao Decreto n° 10.502/2020 e a PNEE 2020, houve pessoas com deficiência e instituições de defesa dos direitos deste grupo que posicionaram de forma favorável às modificações propostas no sistema de educação inclusivo, sendo contrárias a revogação do dispositivo. Ainda, cabe destacar que a PNEE 2020 encontra respaldo em estudos desenvolvidos internacionalmente por pesquisadores da educação especial, como Garry Hornby e James M. Kauffman, sendo uma política defendida em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra. Por isso, é extremamente importante a continuidade do debate pela sociedade e da defesa dos direitos educacionais das PcDs, uma vez que estes ainda são conquistas recentes e frágeis, constantemente ameaçadas.

Conclusão

O Decreto n° 10.502/2020 e o texto da PNEE 2020 subvertem a lógica que orienta a educação inclusiva no país, mostrando-se um retrocesso aos direitos educacionais da PcD, ao legitimar a segregação dos alunos com deficiência em escolas especializadas (especiais), sem convívio com os demais alunos sem deficiências. Percebe-se também que tal política é influenciada pelo capacitismo (ableism), por reproduzir práticas, de forma consciente ou inconsciente, que acarretam tratamento diferencial ou desigual das pessoas em virtude de deficiências existentes ou presumidas ( CAMPBELL, 2009).

Essa política sustentada em pressupostos capacitista retoma o entendimento de “lugares de pertencimento” ( ANGELUCCI; SANTOS; PEDOTT, 2020), conforme o binômio normalidade/desvio, para estabelecer quais alunos são (in)capazes de frequentarem as escolas regulares, contribuindo no processo de exclusão de alunos com deficiência do ambiente escolar. A PNEE 2020 ao adotar o modelo médico da deficiência, em que a educação é pautada pelas limitações da deficiência, ignora a interação da PcD com o ambiente social e as barreiras por ele impostas, em desacordo com a visão biopsicossocial proposta pela LBI.

Os dispositivos do Decreto n° 10.502/2020 também estão em desacordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo, que como já dito anteriormente possui hierarquia constitucional, sendo que o ordenamento jurídico nacional não admite que as normas infraconstitucionais violem as suas disposições, sob a circunstância de serem consideradas inconstitucionais. Não há dúvida de que o Decreto n° 10.502/2020 é uma norma inconstitucional. Desse modo, conclui-se que o objetivo do artigo foi alcançado.

Ademais, pode-se desprender que o Decreto n° 10.502/2020 e o texto da PNEE 2020 reconhecem a incapacidade do Estado em garantir educação inclusiva que atenda às necessidades de todas as pessoas e garanta a sua efetiva aprendizagem, independentemente do tipo de deficiência, oferecendo a escola especial como uma “solução a isso” e retirando a sua responsabilidade em, cada vez mais, aprimorar e aperfeiçoar a escola regular para que atenda todas as PcDs. Assim, transfere-se a responsabilidade da aprendizagem à PcD e à sua família, pois se ela não estiver sendo beneficiada na escola comum então deve direcionar-se a escola especial, como se o “problema” fosse exclusivamente do aluno com deficiência, responsabilizando-o por suas dificuldades e desvantagens, e não da escola, que não oferece os devidos recursos e condições para que tenha uma educação satisfatória em ambiente inclusivo.

Importante salientar que o artigo não tem intenção de afirmar que a educação inclusiva está implementada no país de forma plena e adequada, como previsto pela legislação, muito pelo contrário, há necessidade de melhorias e aprimoramentos. Porém, isto só será possível com a continuação das lutas por um sistema educacional inclusivo e não com a inversão da sua lógica. Claro que se reconhece o fato de existirem alunos com deficiência que não estão efetivamente incluídos no ambiente escolar, muito em razão da falta de condições e recursos para a sua aprendizagem e, por isso, há a necessidade de entender as suas demandas e implementá-las nas escolas regulares. É a escola que precisa adequar-se para receber os alunos com deficiência e não o contrário.

Ao analisar a PNEE 2020 a partir do referencial normativo, o artigo não considerou os argumentos favoráveis ao documento por pessoas com deficiência e associações civis 14 , sendo esta uma limitação a ser considerada. Tampouco não realizou pesquisa para conhecer a opinião de pessoas com deficiência sobre educação inclusiva e sobre o Decreto n° 10.502/2020 e da PNEE 2020. Recomenda-se, por isso, a realização de estudo nesse sentido, para que seja conhecida a percepção de qual é a efetividade da inclusão escolar na visão de quem a vivencia 15 .

Vale ressaltar, que, o Decreto n° 10.502/2020 encontra-se revogado pelo Decreto n° 11.370/2023, mas apesar disso, o assunto continua atual e pertinente, visto que inúmeros são os desafios vivenciados pelos estudantes com deficiência nas escolas regulares, bem como há alunos com deficiência que ainda frequentam apenas as escolas especiais, mesmo podendo ser incluídos nas escolas comuns. Cabe aos órgãos do governo responsáveis pela educação do país e aos pesquisadores das ciências sociais a análise técnica e, principalmente, prática dos pontos positivos que foram implementados com a PNEE 2008 e também daqueles que precisam ser revistos para a formulação de uma nova política.

Por fim, cabe apontar a lição da antropóloga Anahi Guedes de Mello, de que as PcDs não são “especiais” nem têm “necessidades especiais” apenas por possuírem uma deficiência, esta é um atributo da condição humana, não um problema ou incapacidade, ela se manifesta em todas as pessoas durante o ciclo da vida, assemelhando-se a velhice, sendo, assim, uma condição inerente a todos ( MELLO, 2019). As novas legislações e as políticas públicas devem ser destinadas a desmistificar a visão capacitista que hierarquiza as pessoas conforme a funcionalidade dos seus corpos, a fim de transformar o entendimento social de que as pessoas com deficiência são inferiores e/ou incapazes.

Referências

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2A Declaração de Icheon para educação 2030 estabelece metas para garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, independentemente de características como sexo, idade, raça, religião, opinião política ou status social. Isso inclui especial atenção às pessoas com deficiência, migrantes, grupos indígenas, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade ( UNESCO, 2015).

3O referencial metodológico foi o livro Fundamentos de metodologia científica que define método indutivo como “processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal. O objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam” ( LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 97).

4A CDPD possui status de emenda constitucional no Brasil conforme o §3º do artigo 5º da CF/88, tendo sido instituída por meio do Decreto Legislativo n° 186/2008 e do Decreto Executivo n° 6.949/2009.

5O modelo social da deficiência surge no Reino Unido, em 1970, com teóricos homens que possuíam lesão medular, posteriormente, entre 1990 e 2000, a segunda geração do modelo social é formada por teóricas feministas, que tratavam de assuntos até então esquecidos, como cuidado, dor, dependência e interdependência ( DINIZ, 2007).

6A palavra capacitismo, enquanto categoria analítica, foi empregada inicialmente no artigo “Entre pesquisar e militar: engajamento político e construção da teoria feminista no Brasil”, texto de Anahi Guedes de Mello em coautoria com Felipe Fernandes e Miriam Grossi, publicado em 2013.

7Entende-se por corponormatividade a idealização de padrões corporais de beleza e de capacidade funcional.

8No original: “a network of beliefs, processes and practices that produce a particular kind of self and body (the corporeal standard) that is projected as the perfect, species-typical and therefore essential and fully human” ( CAMPBELL, 2001, p. 44).

9No original: “the notion of the normative (and normate individual) and the enforcement of a constitutional divide between perfected naturalised humanity and the aberrant, the unthinkable, quasi-human hybrid and therefore non-human” ( CAMPBELL, 2009, p. 6).

10No original: “legal reasoning invokes an ableist norm that contains an already assumed ‘scaling of bodies’ wherein the weak form the ‘benchmark body’s’ ontological exterior” ( CAMPBELL, 2009, p. 132).

11Resolução n° 4, de 2 de outubro de 2009, institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.

12O controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade compete ao Supremo Tribunal Federal que pode declarar a (in) constitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto e significa “verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais” ( MORAES, 2016, p. 1120).

13Para que um decreto presidencial tenha sua constitucionalidade analisada pelo Supremo Tribunal Federal é necessário que, no todo ou em parte, não se restrinja a regulamentar lei anterior, apresentando-se como decreto autônomo, isto é, lei em sentido formal ( MORAES, 2016). No caso do Decreto n° 10.502/2020, os Ministros Marco Aurélio e Nunes Marques entenderam que o Decreto regulamenta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei 9.394/1996), não sendo lei em sentido formal, mas decreto regulamentar, e por isso consideraram que caberia apenas a análise de legalidade, realizada pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, V, da CF/88.

14A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), como amicus curiae, defendeu a constitucionalidade do Decreto n° 10.502/2020 perante o STF durante o julgamento da ADI n° 6.590. O advogado da entidade, Bruno César Deschamps, em sustentação oral, argumentou que o decreto não deveria ser suspenso, especialmente em relação aos tópicos relacionados à comunidade surda, por entender que as escolas bilíngues são ambientes mais adequados para o desenvolvimento da identidade e cultura surda.

15A participação plena das PcDs na sociedade requer que sejam ouvidas na produção de leis, políticas públicas, programas e serviços que afetam seus interesses, seguindo o lema: “nada sobre nós, sem nós”. O lema, amplamente utilizado na luta pelos direitos da PcD, teve sua origem na Declaração de Madri de 2002 e enfatiza a necessidade de envolver as próprias pessoas com deficiência na tomada de decisões que as afetam ( SASSAKI, 2007).

Recebido: 16 de Outubro de 2021; Revisado: 13 de Fevereiro de 2023; Aceito: 28 de Março de 2023

Contato: biancasoares9@usp.br

Contato: iararibeiro@usp.br

Editora: Profa. Dra. Cláudia Valentina Assumpção Galian

Bianca dos Santos Soares é pesquisadora bolsista pelo Programa Unificado de Bolsas (PUB) na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP), com o desenvolvimento do tema o direito ao acesso à educação inclusiva pelas pessoas com deficiência.

Iara Pereira Ribeiro é docente em direito civil na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Doutora, mestre e graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), bacharelada e licenciada em letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

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