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Educação e Pesquisa

Print version ISSN 1517-9702On-line version ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub Aug 29, 2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349261414 

Artigos

Orientadores no Instagram: crise acadêmica e uberização da práxis do pesquisador

Guidance counselors on Instagram: academic crisis and the uberization of researchers’ praxis

Diego de Oliveira Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-1103-5474

1-Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, Alagoas, Brasil. Contato:


Resumo

Em meio ao uso cada vez maior da Internet nas várias esferas da vida, constatou-se a existência da oferta de serviços de orientação de pesquisas acadêmicas nas redes sociais. Ao refletir acerca das possíveis contradições e efeitos que essa prática pode trazer à ciência brasileira, este estudo definiu, como objetivo, analisar os perfis de pesquisadores que oferecem orientação acadêmica na rede social Instagram. A pesquisa tem caráter exploratório, com abordagem qualitativa, realizando a análise de conteúdo das mensagens presentes na bio dos perfis da referida rede social e sustentada na teoria social marxista. Constatou-se a maior presença de pesquisadores do gênero feminino, ligados às áreas das ciências humanas e sociais, desempregados, com vínculos empregatícios temporários ou, exclusivamente, empreendedores. As mensagens da bio dos perfis apontam para três núcleos de conteúdo: orientação/ajuda na realização da pesquisa; descomplicação/facilitação/aceleração da pesquisa e execução da pesquisa ou de etapas dela. Este estudo sugere que o fenômeno está imbricado à crise acadêmica hoje experimentada no Brasil, que, por sua vez, está organicamente associada às expressões da crise estrutural do capital, a exemplo do crescente processo de uberização do trabalho, também alcançando a práxis dos pesquisadores.

Palavras-chave Capitalismo; Ciência; Pesquisa; Rede Social; Trabalho

Abstract

It has been observed, In the midst of the increasing use of the Internet in various spheres of life, the existence of academic research guidance services on social networks. By reflecting on the possible contradictions and effects that this practice can bring to Brazilian science, this study aimed to analyze the profiles of researchers who offer academic guidance on the social network Instagram. The research has an exploratory character, with a qualitative approach, performing the content analysis of the messages present in the bio of the profiles of the referred social network and supported by the Marxist social theory. There was a greater presence of female researchers, linked to the areas of humanities and social sciences, unemployed, with temporary employment relationships or, exclusively, entrepreneurs. The bio messages of the profiles point to three content cores: guidance/help in carrying out the research; uncomplication/facilitation/acceleration of the research and execution of the research or its stages. This study suggests that the phenomenon is intertwined with the academic crisis experienced today in Brazil, which, in turn, is organically associated with the expressions of the structural crisis of capital, such as the growing process of uberization of work, also reaching the praxis of researchers.

Keywords Capitalism; Science; Research; Social network; Labor

Introdução

Vivemos tempos de uso massificado da Internet, trazendo mediações dialéticas para diversas áreas das relações sociais. Trata-se de mediações dialéticas, porque ao mesmo tempo que trazem contribuições e facilidades nas relações, fazem-nas pelas determinações hegemônicas de uma sociedade estruturalmente mercantil e desigual, de relações superficiais e aceleradas.

Essa discussão aponta para as contradições típicas da tecnologia de base cognitiva capitalista, pois elas nos servem para resolver os problemas cotidianos, mas, ao mesmo tempo, são fruto de um modo de produção que gera os problemas sobre os quais incidem; grosso modo, a suposta solução retroalimenta, em algum nível, as determinações causais dos problemas que busca resolver ( SOUZA, 2021). A internet e, em particular, as redes sociais, estão inseridas nesse espiral de avanços e fetiches no bojo das relações sociais, inclusive no âmbito educacional e científico.

No campo educacional, essas contradições estão expressas no uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s). Sardi e Carvalho ( 2022) conferem ênfase ao potencial reificador do uso das TIC’s no ensino superior, com ênfase na modalidade EaD (Educação a distância), uma vez que:

A EaD apresenta-se como uma possibilidade de educação controlada em seu conteúdo e em suas relações. Ela cria as condições para exercer um controle sobre o que está sendo discutido e ensinado na educação superior em maior grau do que na educação presencial. Sua expansão, enraizada pelo discurso econômico e empresarial, apresenta consequências políticas. Esse formato é uma modalidade de ensino que possibilita a separação dos corpos. Os discentes não se relacionam com os colegas de curso. O sistema mediado pelas tecnologias da informação isola os discentes dos debates em sala de aula, impossibilita a convivência nos campi e os impede de experimentar uma relação mais direta com os docentes e com os demais estudantes. ( SARDI; CARVALHO, 2022, p. 12).

O caráter destacado por Sardi e Carvalho ( 2022) contribui para pensar como as determinações do capital materializam-se em determinada forma de tecnologia, direcionando seu uso de acordo com os interesses dominantes. Apesar disso, existe uma faceta desse processo que, em geral, é destacada por aqueles que advogam a favor da EaD, uma vez que ela teria potencial de ser mais atrativa para os jovens que nasceram e cresceram na era digital, assim como possibilitaria a expansão do ensino superior para regiões de difícil acesso. Ferreira e Castiglione ( 2018) apontam para o cerne das diferentes análises sobre as TIC’s na educação:

Os discursos acerca das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na educação refletem concepções da tecnologia geralmente posicionadas em um de dois extremos identificados por Rüdiger ( 2011): por um lado, visões ditas prometeicas, exageradamente otimistas, que elevam a tecnologia ao status de caminho para a redenção do humano; por outro, visões fáusticas, que nos alertam sobre os perigos da desumanização por ela causada ( FERREIRA; CASTIGLIONE, 2018, p. 2).

Da mesma forma, existem dilemas no campo científico. Ralin Neto; Porto e Conceição ( 2020, p.160) afirmam que:

[...] diante do avanço das plataformas sociais dentro do ambiente digital, é inevitável a presença de um maior número possível de pessoas nas redes. Logo, não faz sentido continuar a centralizar a divulgação dos resultados de pesquisa científicas apenas em meios tradicionais.

Navas et al. ( 2020) corroboram ao destacar que a Revista CoDAS ganhou maior visibilidade com as postagens no Twitter. Os autores concluem que:

[...] a repercussão do trabalho da equipe de divulgação da CoDAS realizado até o presente momento permite afirmar que as mídias sociais são eficazes na ampla propagação da produção científica e permitem um diálogo mais próximo e ágil com a comunidade profissional e científica ( NAVAS et al., 2020, p. 2).

Por outro lado, a inteligência artificial presente nas redes sociais pode induzir os cientistas a adotarem certo padrão de engajamento, passando a pautar e direcionar, por vezes sutilmente, não só o tipo de divulgação, mas aquilo que se investiga ( SOUZA, 2021). Castiel; Sanz-Valero; Red MeI-CYTED ( 2007, p. 3042) sintetizam esse terreno de contradições:

Inegavelmente, a adoção de recursos informáticos e a existência da Internet viabilizaram uma impressionante difusão e uma concomitante ampliação das possibilidades de acesso à produção acadêmica. Com esses recursos, como se sabe, é cada vez mais acessível pesquisar e obter fontes bibliográficas, utilizar bancos de informações, analisar dados e redigir artigos científicos. Em geral, convive-se com a impressão de haver se tornado bem menos atribulada a produção de projetos e, caso sejam obtidos financiamentos, a realização de pesquisas. Mas, esta maior disponibilidade investigatória não ocorre sem efeitos colaterais indesejados.

Portanto, reconhecemos a importância de a ciência ocupar esse espaço, ainda mais no sentido da divulgação científica do trabalho sério realizado por instituições de ensino e pesquisa, cujos resultados têm potencial de contribuir com a sociedade e precisam ser amplamente conhecidos. É bom frisar que a divulgação científica, embora importante, carrega ela mesma suas contradições, uma vez que seu ponto de partida é a separação a priori entre cientistas e sociedade, para depois tentar uni-los. Para além de cientistas que produzem à parte do restante da sociedade e depois divulgam seus achados, deve-se vislumbrar uma ciência que esteja umbilicalmente presente nas relações sociais, assim como, em contrapartida, que os vários setores da sociedade participem ativamente nos rumos da ciência ( MASSOLA; CHOCHÍK; SVARTMAN, 2015).

Contudo, nosso foco de análise não se constitui na divulgação científica via Internet, embora se relacione com ela. Isso porque temos observado outro fenômeno no âmbito digital, em especial no ambiente particular das redes sociais. Cada vez mais, observamos a presença de pesquisadores oferecendo suporte para pesquisas científicas em redes sociais, autodenominando-se empreendedores. São serviços que parecem ocorrer externamente ao processo acadêmico formal, que nada tem de relação com as instituições de ensino e pesquisa (e seu trabalho de divulgação científica), mas que almejam um público de estudantes que realiza pesquisa nessas instituições. Notadamente, as contradições que apontamos no campo educacional e científico se imbricam aqui, uma vez que a atividade de orientação de pesquisas acadêmicas é um dos eixos para o processo de formação no ensino superior, desde a graduação, mas assumindo papel central na pós-graduação (SOARES; SEVERINO, 2018).

Alguns questionamentos surgem da observação desse fenômeno: Quem são esses pesquisadores e que tipo de serviço oferecem? Quais as determinações sociais dessa prática? Como o caráter dialético das tecnologias se expressa na mediação desse tipo de serviço, componente contemporâneo da práxis desses pesquisadores? A fim de contribuir com a resolução dessas questões, apresentamos esta pesquisa, cujo objetivo é analisar os perfis de pesquisadores que oferecem orientação acadêmica na rede social Instagram, no contexto brasileiro.

A escolha dessa rede social deve-se à sua popularização, com mecanismos de engajamento consolidados (curtidas, compartilhamento, comentários, filtros em imagens etc.) e sua linguagem não verbal mais acessível (basicamente, imagens) (AVELINO; SILVA; LEAL, 2018), assim como o seu uso recorrente por pessoas que esperam gerar renda nesse ambiente, oferecendo serviços ou gerando conteúdo que atrai seguidores e, consequentemente, patrocinadores, investidores, parceiros comerciais etc. Trata-se, portanto, de uma rede frequentemente utilizada por empreendedores e a partir da qual, inclusive, identificamos a existência do fenômeno aqui delimitado como problema de pesquisa.

Metodologia

A pesquisa seguiu a abordagem qualitativa, a fim de interpretar a mensagem passada por esses pesquisadores e, para além disso, as determinações sociais que lhe subjazem. Tem, ainda, caráter exploratório, pois consiste em uma aproximação inicial a fim de gerar hipóteses para aprofundamentos ulteriores.

Realizamos sete buscas na opção pesquisar perfis no Instagram, utilizando expressões definidas pelo pesquisador. A maior parte dessas expressões giram em torno do termo orientação, definidor do fenômeno estudado, acompanhado por termos que indicam os diferentes trabalhos acadêmicos, nos diferentes níveis (Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, dissertação ou tese), ou um termo genérico (acadêmica). Pensamos em termos alternativos à orientação, considerando o vocabulário do empreendedorismo digital. Nesse caso, a escolha foi por assessoria ou consultoria. Assim, as expressões de busca foram: orientação acadêmica, assessoria acadêmica, consultoria acadêmica, mentoria acadêmica, orientação TCC, orientação dissertação e orientação tese.

A seleção dos perfis deu-se por meio dos seguintes critérios: possuir o mínimo de 1.000 seguidores, possibilitar a identificação do(s) pesquisador(es) responsáveis pelo perfil e ter atuação no âmbito brasileiro. A princípio, adotamos o número mínimo de 1.350 seguidores (10% do maior perfil encontrado – 13.500 seguidores) como critério. Na sequência, observamos que ganharíamos 11 perfis na amostra caso arredondássemos o número mínimo para 1.000 seguidores, o que enriqueceria a análise. Consideramos, então, a variação entre 1.000 e 13.500 seguidores como uma faixa na qual se encontrava um número razoável de perfis a serem analisados (28 perfis, ao todo).

Foram coletadas as informações da bio do perfil, área logo abaixo da foto, onde são compartilhadas informações pessoais ou profissionais (tipo do serviço oferecido, como é oferecido e outras mensagens de apresentação). Foram realizadas capturas de tela para posterior análise.

O critério de seleção que diz respeito à possibilidade de identificação do(s) pesquisador(es) no Instagram foi importante para podermos caracterizá-los. Consideramos as seguintes características: gênero, área de formação (grande área de conhecimento), titulação e vínculo trabalhista. Como pode ser visto, apenas a característica gênero figura entre aquelas de cunho pessoal, uma vez que não foi possível obter dados como idade, raça/cor da pele (pelo critério da autodeclaração) ou estado civil. Todas as outras características são de teor profissional. Quando algumas dessas características não constavam no próprio Instagram, buscamos pelo nome do pesquisador na plataforma Lattes (1ª opção, aplicada em seis casos) e LinkedIn (2ª opção, aplicada para um caso em que não foi encontrado na plataforma Lattes). Ainda assim, houve sete casos nos quais não conseguimos identificar área de formação. Foram excluídos, portanto, os perfis que não revelam, publicamente, os responsáveis pelos serviços oferecidos, mantendo-se no anonimato.

A análise de conteúdo deu-se pela categorização das descrições contidas na bio dos perfis (análise das telas capturadas). Foram identificados os núcleos definidores da descrição, observando-se os mais frequentes para agrupamento em categorias de discussão. Essas categorias foram submetidas a analogias analíticas em face da literatura científica, sob o prisma do materialismo histórico-dialético, a fim de gerar hipóteses a serem recuperadas em outros estudos.

Ainda que as informações nos perfis do Instagram estejam abertas para acesso público, optamos por preservar a identidade de todos os perfis selecionados nessa pesquisa. Como o estudo não contou com intervenção direta com seres humano (preenchimento de questionários, entrevistas, grupos focais etc.), não houve necessidade de apreciação do comitê de ética em pesquisa. Decerto, seguimos as orientações da legislação brasileira sobre ética em pesquisa, por meio das Resoluções 466 de 2012 e 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Resultados

Uma primeira questão a ser destacada é o retorno que obtivemos com as buscas de perfis no Instagram. Aplicando os critérios de seleção, chegamos a um total de 28 perfis selecionados (apenas a expressão orientação dissertação não retornou resultados elegíveis). Convém salientar que, além dos selecionados, outros 11 perfis atendiam ao critério de número mínimo de seguidores, mas não apresentavam a identificação dos pesquisadores responsáveis pelo serviço oferecido, o que implicou a exclusão desses perfis. Além disso, três perfis são mantidos por duplas de pesquisadoras e mais um apresenta uma equipe composta por seis pesquisadores, o que resultou em uma amostra de 36 pesquisadores, apesar de serem 28 perfis.

Juntos, os perfis somam 79.580 seguidores, um número que merece ponderação, uma vez que pode haver repetição de seguidores entre perfis que abordam a mesma temática. O perfil com o maior número de seguidores possui 13.500, enquanto o de menor número, 1.036 seguidores. A média de seguidores ficou em 2.842,14.

A maioria dos pesquisadores era do gênero feminino (94,44%), da área de Ciências Humanas (19,44%), seguida da área de Linguística, Letras e Artes (16,67%), com titulação de mestre (30,56%) e sendo unicamente empreendedores (66,67%). Em relação a esse último dado, vínculo trabalhista, se contabilizarmos aqueles que além de empreendedores possuem outra atividade sem estabilidade (bolsistas, estagiários e empregos temporários), o percentual sobe para 77,78%, ao passo que apenas 13,89% possuem vínculo estatutário. Na Tabela 1, é possível verificar a descrição dos pesquisadores selecionados com frequências absolutas (F) e relativas (%) das variáveis consideradas.

Tabela 1 – Frequência absoluta (N = 36) e relativa das variáveis gênero, área de formação (grande área de conhecimento), titulação e vínculo trabalhista dos pesquisadores selecionados no Instagram, Brasil, 2021  

Gênero Masculino Feminino
F % F %
2 5,56 34 94,9
Grande área de formação Ciências Humanas Linguística Ciências Sociais Ciências Agrárias Ciência Saúde Ciência Biológicas Engenharias e Ciências exatas e da terra Não identificada
F % F % F % F % F % F % F % F %
7 19,44 6 16,67 5 13,89 3 8,33 3 8,33 3 8,33 2 5,56 7 19,44
Titulação Mestrado Graduação Especialização Doutorado Gradução em andamento Não identificada
F % F % F % F % F % F %
11 30,56 8 22,22 7 19,44 5 13,89 2 5,56 3 8,33
   
Vínculo trabalhista Empreendedor Estatutário Bolsista Emprego temporário Estagiário Não identificado
F % F % F % F % F % F %
24 66,67 5 13,89 2 5,56 1 2,78 1 2,78 3 8,33

Fonte: Elaboração do pesquisador.

Em relação às mensagens presentes na bio dos perfis, constatamos que elas giram em torno da constituição de um mercado de orientações paralelas/concorrentes à orientação formal nas Instituições de Ensino Superior (IES). Essa questão mais genérica pode ser destrinchada em três núcleos mais eminentes: 1) orientação/ajuda na realização da pesquisa - onde constam as mensagens que incluem os termos/expressões orientação, ajuda, encontrar o que precisa e variações. Essa categoria manteve apenas as mensagens que mencionam uma orientação genérica, sem qualificá-la ou diferenciá-la da orientação formal; 2) descomplicação/facilitação/aceleração da pesquisa – categoria marcada por termos que indicam uma orientação diferenciada, seja porque implica maior rapidez ou aceleramento da pesquisa, simplificação, descomplicação ou situações congêneres, como tornar a pesquisa mais fácil, com sentido ou livre de estresse; 3) execução da pesquisa ou de etapas dela – nessa categoria se consideram mensagens que vão além da orientação, mas oferecem o serviço de execução de etapas da pesquisa, como delimitação de problema ou objetivo, definição do desenho metodológico, realização da coleta ou análise de dados, formatação e organização do texto etc. A seguir, apresentamos o Quadro 1, contendo as frases selecionadas em cada um desses núcleos, destacando termos ou expressões em itálico que guiaram a categorização.

Quadro 1 – Frases presentes na bio dos perfis dos pesquisadores no Instagram de acordo com o núcleo categorial  

Orientação/ajuda na realização da pesquisa Ajudo aos graduandos serem aprovados no TCC através de orientações
Ajudo investigadores universitários a terem uma tese e defesa brilhantes
Orientação para trabalhos acadêmicos em todas as áreas
Orientação na elaboração do TCC
Precisa de ajuda no seu trabalho acadêmico?

Ajudamos alinhar seus sonhos com sua rotina até que eles se tornem realidade

Orientação e revisão de TCC

Ajudo mulheres conquistar os seus objetivos durante a trajetória acadêmica
Aqui você e ncontra tudo que precisa para alcançar os objetivos acadêmicos e profissionais
Descomplicação/facilitação/aceleração da pesquisa Há 10 anos simplificando vidas acadêmicas [...]
Ajudo você a fazer seu TCC 3x mais rápido
Descomplico seu TCC com um atendimento personalizado!
Te ajudo a descomplicar a pesquisa científica
Descomplique AQUI o seu TCC. Não deixe para “a última hora”. Posso lhe ajudar! Vem comigo!
Facilito sua pesquisa nas c. humanas
Ajudo acadêmicos a escreverem o TCC sem estresse
Facilitando a vida de graduandos e pós-graduandos desde 2016
Veja sentido na atividade de pesquisar Direito
Te ensino a fazer sua monografia ou artigo em até 6 semanas
Execução da pesquisa ou de etapas dela [...] transcrição de áudios, orientação de trabalho e criação de conteúdos [...]
Delimite seu problema de pesquisa comigo!
Orientação, organização e formatação de trabalhos acadêmicos

Fonte: elaboração do pesquisador

A seguir, discutiremos esses núcleos, correlacionando-os com a caracterização dos perfis.

Discussão

A nosso ver, a correlação da caracterização dos perfis e as mensagens das bio aqui analisadas apontam para alguns desdobramentos da crise da ciência e universidades brasileiras, o que chamaremos de crise acadêmica. Essa crise, além de institucional, implica a precarização da práxis daqueles que tentam fazer pesquisa no país. Essa condição, aliada ao fetichismo das redes sociais, compõem um prolixo mosaico que atrai pesquisadores para atuarem no âmbito digital, também atrativa para estudantes que estão realizando alguma pesquisa, em busca de suporte ou, até mesmo, de encontrar quem faça a pesquisa em seu lugar.

Tomemos, de início, o caso das mensagens da categoria “orientação/ajuda na realização da pesquisa”. A esse respeito, é preciso destacar que entendemos que a orientação se constitui em processo fundamental na realização das pesquisas científicas, sobretudo porque constitui o ponto de suporte para um pesquisador iniciante entender as etapas e possíveis caminhos a serem seguidos, a partir da condução de alguém que possui competência e experiência na área pesquisada ( FERREIRA; FURTADO; SILVEIRA, 2009).

A existência de pesquisadores que realizam a orientação (ou ajudam nela) em um ambiente alternativo (redes sociais, no caso, Instagram) pode se dar por diversos motivos, para os quais levantaremos algumas hipóteses. Primeiramente, devemos destacar que, de fato, existe um mercado consumidor, um público que procura essa orientação/ajuda, seja porque a orientação formal existente na sua IES não esteja sendo suficiente ou efetiva, seja porque, por motivos pessoais, não se tenha conseguido o envolvimento necessário nas etapas e exigências do processo. Aqui, não temos como considerar a variabilidade das contingências pessoais, uma vez que conhecê-las demanda um outro tipo de metodologia, capaz de dialogar com aqueles que consomem esses serviços. Portanto, resta-nos indagar: por que as orientações formais não são suficientes ou efetivas?

Um segundo grupo de razões que contribuem com essa prática está ligado ao outro polo da relação: os orientadores no Instagram. Esse polo pressupõe a existências de pesquisadores que, por diversas razões, encontraram nessa prática uma possível fonte de renda, mirando a demanda gerada por um público potencialmente consumidor. Contudo, cabe outro questionamento: Por que esses pesquisadores estão ocupando esse espaço em vez de estarem realizando pesquisas em instituições formais, tendo seus nomes inseridos nos produtos dessas orientações (dissertações, teses, artigos etc.) e, com isso, gozando dos méritos científicos?

As duas questões levantadas convergem para um ponto fundamental: existe uma crise acadêmica que fragiliza o trabalho daqueles que estão no interior das instituições formais de ensino e pesquisa, ao mesmo tempo que dificulta a assimilação de novos pesquisadores por essas instituições. Essa crise tem se acirrado ante os cortes orçamentários em educação, ciência e tecnologia no Brasil, asfixiando financeiramente as instituições.

Em nota técnica do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revelou-se que o investimento federal em ciência e tecnologia, no Brasil, era de cerca de R$ 19 bilhões em 2009. Considerando os valores de 2020, corrigidos pela inflação do período, constatou-se que esteve abaixo da série histórica, caindo para R$ 17,2 bilhões. Houve uma tendência de aumento, desde 2009 até 2013, quando se atingiu R$ 27,3 bilhões, caindo a partir daí. Entre 2013 e 2020, a variação negativa atingiu 37%, o que revela a decadência orçamentária ( DE NEGRI, 2021).

Os cortes incidem diretamente nas atividades da IES públicas e, consequentemente, quase que na totalidade da ciência brasileira, uma vez que são as instituições públicas que realizam mais de 95% das pesquisas científicas no Brasil ( UNFESP, 2019). Desde 2019, a insegurança orçamentária vem aumentando, porquanto os recursos já decadentes passaram a ser retidos. No referido ano, por exemplo, foi contingenciado 30% dos recursos, apenas liberados em outubro, provocando a interrupção, diminuição ou adiamento de várias atividades acadêmicas, inclusive pesquisas ( VENTURINI, 2021).

Além disso, ganharam força as narrativas que desfavorecem certas áreas, a exemplo das Ciências Sociais e Humanas, amplificando desigualdades e preconceitos, o que acaba refletindo na universidade como um todo, taxada de improdutiva e lócus de doutrinação ideológica. O Governo Federal, de forma continuada, afirma que investir em áreas como sociologia e filosofia representa desperdício de recursos, o que tem reverberado nas políticas de órgãos de fomento à pesquisa, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que excluiu as Ciências Humanas das prioridades de projetos financiados ( VENTURINI, 2021).

A conjuntura sugere, portanto, que a crise acadêmica seja mais contundente nas grandes áreas ligadas ao social e humanidades, o que contribui para explicar o fato da maior busca por novos espaços por parte de pesquisadores dessas áreas. Nossos achados podem ser reflexo desse processo, uma vez que 50% da formação dos pesquisadores selecionados nesta pesquisa é das referidas áreas (soma de Ciências Humanas; Ciências Sociais Aplicadas; e Linguística, Letras e Artes). Considerando, ainda, que quase 20% dos pesquisadores não tiveram sua área de formação identificada, o percentual de orientadores no Instagram nas referidas áreas pode ser ainda maior.

A crise institucional estabelecida a partir daí mostra-se como faceta da crise acadêmica, com graves implicações para sua comunidade interna. Para Souza et al. ( 2017), a questão da precarização do trabalho do pesquisador (em sua maioria, professores universitários em Instituições de Ensino Superior públicas - IES) é expressão da crise, traduzida em baixos salários, dificuldades na progressão na carreira, sobrecarga de trabalho com pressão por produtividade, ausência de concurso para novos professores/pesquisadores, interrupção de pesquisa ou resultados científicos aquém do esperado devido ao desfinanciamento, entre outros aspectos que, a nosso ver, repercutem na qualidade do processo e, por consequência, na relação orientador-orientando.

Entre tantas, uma das válvulas de escape parece residir na procura por ajuda em ambientes alternativos. Ou seja, o orientando procura quem lhe oriente ou complemente sua orientação; e o orientador oferece um serviço em ambiente alternativo ao institucional na tentativa de escapar dos efeitos da crise, seja com a promessa do aumento da renda e sucesso a reboque dos likes, seja para fugir do desemprego, no caso daqueles que sequer conseguiram inserção em uma instituição de ensino e pesquisa.

Some-se a isso o fato de que a ascensão das redes sociais exerce um poder fetichizante e dinamizador das relações sociais contemporâneas. Seja pela possibilidade de criar uma imagem ideal do eu, seja pela falácia da democracia do sucesso midiático, as relações passaram a ocupar, cada vez mais, o “espetáculo” das redes sociais ( GOMES; LEITE JÚNIOR, 2021). O mundo do trabalho não está isento dessa espetacularização virtual (AVELINO; SILVA; LEAL, 2018), tanto no sentido de ela ser via para divulgação de trabalhos já realizados nos moldes tradicionais, quanto no sentido de abrir um novo lócus de trabalho, com potencial de renda e sucesso (espetáculo).

O processo é muito mais complexo do que nos cabe descrever neste artigo, embora os elementos pontuados sugiram que as redes sociais se constituem como espaço atrativo para pesquisadores precarizados e/ou desempregados. Vejamos que, no perfil aqui já descrito, 77,78% dos orientadores são pesquisadores com vínculos empregatícios precários ou ausentes, sendo a maioria (66,67% do total) autodenominados empreendedores ( Tabela 1). Concordamos com Tavares ( 2021, p. 231), quando afirma que:

[...] o empreendedorismo, em lugar de atribuir liberdade, escraviza, uma vez que o capital pode, sem obrigações sociais atribuídas ao emprego, apropriar-se de todo tempo do sujeito empreendedor, como se fosse seu empregado.

E, mais à frente, complementa:

Nesse sentido, as saídas oferecidas para a crise [...] apelam à autonomia e à independência do trabalho, revelando que a ausência de patrão, fonte de orgulho dos empreendedores, é uma grande mentira. Uns mais, outros menos, todos estão submetidos ao mesmo senhor, todos têm o mercado como patrão. O pior dos patrões. ( TAVARES, 2021, p. 233).

Diante disso, a falácia do empreendedorismo comparece como promessa de solução para o desemprego, mas sendo uma solução a serviço do capital, dirimindo os efeitos da sua crise, ao permitir a continuidade da apropriação do tempo de trabalho (crescentemente) do trabalhador via mercado, ainda que sob uma camuflagem de exercício autônomo. Para Dardot e Laval ( 2016), essa é a racionalidade do neoliberalismo que, ao mesmo tempo que promete modernizar as relações de trabalho (pelo culto ao empreendedorismo), desfinancia políticas públicas de emprego e renda, educação, saúde etc.

De forma complementar, não podemos deixar de mencionar que as estratégias de precarização do trabalho encontram no setor de serviços um lócusfértil para se desenvolver, ainda mais porque, nele, as possibilidades para a suposta criatividade empreendedora são ampliadas. Esse caminho converge para outro, também produtivo para o capital, no sentido de influenciar as lutas feministas na direção de ocupação do setor de serviços, com o culto ao empreendedorismo e empoderamento, mas sem considerar as mediações precarizantes que existem nessa seara, tal qual Tavares ( 2021) apontou. Não à toa, esse setor tem sido, cada vez mais, ocupado pelo gênero feminino, o que pode também ser sugerido na caracterização dos perfis analisados na nossa pesquisa ( Tabela 1). Sobre isso, Hirata ( 2011, p. 17) argumenta que:

Atualmente, as mulheres constituem a minoria na classe operária fabril; em contrapartida, constituem a maioria no comércio e nos serviços. Assim, a precarização do trabalho que atinge a categoria dos trabalhadores do terciário deve ser correlacionada à sua composição sexuada. Conforme indicadores, há uma marcada divisão sexual da precariedade do trabalho, visto que as mulheres são mais numerosas do que os homens tanto no trabalho informal quanto no trabalho em tempo parcial, com um número inferior de horas trabalhadas e também níveis mais baixos na escala de qualificação formal [...].

Todos esses elementos compõem a crise acadêmica e, de algum modo, compartilham das determinações da crise em geral estabelecida socialmente. Conforme Mészáros ( 2009), trata-se de uma crise crônica do sistema do capital, incapaz de deslocar ou mascarar suas contradições, como fazia outrora. Trata-se de crise de todos os complexos sociais, para além da economia, o que inclui a ciência, a universidade, a educação, a cultura etc., porque se revela estrutural. Não por um acaso, desde a emersão da crise, em meados da década de 1970, assiste-se à amplificação das diversas formas de precarização do trabalho, dinamizando a economia flexível por meio do aumento da extração da mais-valia (maior apropriação do tempo livre do trabalhador), disfarçada de modernização trabalhista. Informalidade, terceirização, empregos temporários, empreendedorismo individual etc. são facetas de um mesmo processo, típico do regime de acumulação flexível ( HARVEY, 1992).

A face mais recente da precarização estabelece-se pela mediação das TIC’s, sobretudo com as plataformas digitais. No mundo do trabalho, essas plataformas ganharam notoriedade a partir dos serviços de motoristas de aplicativo (plataforma digital), com pioneirismo da Uber. Daí se origina o termo uberização, para designar uma série de atividades (entrega de alimentos, frete de mercadorias, serviços domésticos etc.) realizadas pela mediação subordinadora dessas plataformas. Trata-se de uma eficiente manobra do capitalismo contemporâneo, que consegue juridicamente se eximir do vínculo trabalhista, mas mantém o controle sobre a exploração do trabalho dos (pseudo)autônomos ( SLEE, 2017).

Os traços mais marcantes do processo de uberização podem ser presumidos do caso que analisamos, uma vez que se constata que há uma forma de manifestação da precarização do trabalho, disfarçada de empreendedorismo e mediada (de forma subordinada) pelas TIC’s (no caso, redes sociais). Obviamente, é um processo análogo, mas sem absoluta identidade, uma vez que a plataforma em xeque ( Instagram) não consiste em plataforma elaborada especificamente para o trabalho (um tipo de atividade ou serviço), mas uma rede social na qual diversos tipo de relação (lazer, amizade etc.) são estabelecidas.

Em casos como da Uber, 99 ou Ifood, a atividade laboral é clara, ainda que maquilada pela falácia da autogestão (o trabalhador sendo seu próprio chefe), o que produz maiores potencialidades de, até mesmo, se reivindicar vínculo trabalhista (existem projetos de lei no parlamento brasileiro que defendem essa posição, assim como casos particulares em tribunais regionais do trabalho nos quais o vínculo foi reconhecido). No caso das redes sociais, a subsunção do trabalhador ao capital é ainda mais sofisticada, pois dificilmente se pode atribuir responsabilidade trabalhista por parte da rede social em relação aos seus usuários ( HUWS, 2020). A decisão de utilizá-la como espaço laboral, ou, ao menos, espaço propulsor de alguma atividade laboral, parece ser uma livre iniciativa do indivíduo empreendedor.

Ainda que, de fato, a rede social não esteja oferecendo, explicitamente, uma oportunidade de trabalho, como fazem as plataformas com os motoristas e entregadores, ela obtém vantagens em cima daqueles que utilizam a sua plataforma para fins laborais. Isso porque o engajamento dos usuários aumenta, retroalimentando os algoritmos que controlam a oferta de qual conteúdo vai aparecer na página do usuário, quais propagandas comerciais, a sugestão de perfis para serem seguidos, a dinâmica e modelos de postagem, enfim, toda as possibilidades de interação que ocorrem naquele ambiente.

Essa dinâmica tem sido descrita como gamificação, ou ainda, gerenciamento por algoritmo, quando associada à atividade laboral ( ABÍLIO, 2020). É nesse ponto que há as maiores convergências entre a forma como são controlados motoristas e entregadores de aplicativo e os empreendedores de rede social, aqui no nosso caso, orientadores no Instagram. Para Abílio ( 2020, p. 118-119):

Cada vez mais o termo gamificação (Scholz, 2013) parece fazer sentido, em um processo de trabalho que assume características de um jogo, cujas regras, porém, não estão claras e são extremamente flexíveis. Fica evidente que o autogerenciamento do trabalhador just-in-time – suas decisões pessoais sobre o nível de engajamento no trabalho – é subordinado às determinações da empresa [da plataforma digital, que pode ser uma rede social]; ela detém os meios de controle sobre o trabalho, ou, em outros termos, de determinação das próprias regras do jogo.

O Instagram cria formas de interação, definindo os tipos distintos de postagens, compartilhamento, comentários, curtidas etc., assim como induz a padronização da linguagem, do melhor horário e da periodicidade, moldando o comportamento do usuário ou criando gatilhos de engajamento. Se esse usuário almeja dar visibilidade ao seu trabalho nessa plataforma, logo precisa seguir esse padrão, ser atrativo para o tipo de consumidor característico desse ambiente e, assim, aumentar a probabilidade de vender seu serviço.

Trata-se de uma forma de atuação que exerce algum controle sobre a práxis dos pesquisadores que optam por usar essa ferramenta, ainda que não a defina em absoluto. Também se trata de uma prática instável, sem rendimentos garantidos, à margem da proteção trabalhista e, na maioria das vezes, sendo uma alternativa de sair do desemprego. Com efeito, a orientação no Instagram entre perfis de menor alcance de seguidores (a exemplo dos que analisamos) se mostra uma via potencial para uberização da práxis do pesquisador, no contexto de crise estrutural.

Vale ressaltar que os elementos definidores desse contexto de crise não nascem abruptamente em dado momento específico, mas compõem um processo histórico. Em se tratando de ciência, diríamos que antes mesmo da crise estrutural estão postos elementos potencialmente capazes de levar a academia ao ocaso, ainda que, contraditoriamente, tenha impulsionado alguns de seus avanços. Referimo-nos ao modelo vigente, que embora heterogêneo, é fortemente marcado pela lógica mercadológica e produtivista, espelhando o modo de produção do qual faz parte.

Trata-se de um modelo direcionado à competição e à transformação do conhecimento em mediação para o lucro, seja porque ele será aplicado na cadeia produtiva do capital, seja porque ele mesmo é vendido no comércio de revistas científicas, eventos etc. Castiel, Sanz-valero e Red MeI-CYTED (2007) dissertam sobre isso, destacando que as publicações científicas se transformaram em métricas de produtividade, capazes de serem convertidas em vantagens competitivas entre os cientistas que buscam status, melhores posições na carreira e financiamento público ou privado. Com isso, o conhecimento torna-se muito mais aligeirado, superficial, porquanto se priorize a quantidade de publicações e, não, necessariamente a produção de conhecimento.

Essa lógica coaduna-se com a ideia de educação como mercadoria, compondo um mosaico mercantil no bojo das IES, extremamente desfavorável à relação entre ciência e reais necessidades sociais. Mesmo na esfera pública, o fetiche do produtivismo direciona as pesquisas aos interesses dominantes, que mantêm “a roda capitalista girando”, ainda que em meio à tensão e ao conflito de perspectivas. Não por um acaso, essa ciência se torna sem sentido, estressante, difícil ou complicada para o iniciante, tal como sugerem as mensagens apresentadas pelos orientadores no segundo grupo categórico de nossa pesquisa: descomplicação/facilitação/aceleração da pesquisa.

Salientamos que o referido grupo de mensagens consiste em particularidade do anterior, destacando-se dele ao receber um qualificativo. Isto é, são mensagens que continuam oferecer orientação/ajuda; porém, do tipo qualificada, pois descomplica, facilita ou acelera. Nessa perspectiva, subjaz o entendimento de pesquisa como algo complicado, difícil ou sem sentido, independentemente da crise que assola o mundo acadêmico, apesar de potencializada por ela. Nesses termos, justifica-se a necessidade de uma orientação alternativa que descomplique e facilite a realização da pesquisa.

Ora, considerando a tônica do espírito produtivista, a produção também precisa ser acelerada, possibilitando rápido retorno, o que pode explicar os complementos presentes nas frases das bio, tais quais “Ajudo você a fazer seu TCC 3x mais rápido” ou “Te Ensino a fazer sua Monografia ou Artigo em até 6 semanas”. Quantidade e pressa marcam o ethos da ciência vigente, mesmo fora do Instagram. Portanto, um serviço oferecido fora do ambiente formal de pesquisa, mas que atinge atores desse ambiente, precisa incorporar e exponenciar o ethos vigente.

Esse ethos implica, ainda, priorizar resultados imediatos em vez de processos sólidos, o que contribui para que se geste uma problemática ético-moral no bojo da crise acadêmica. Como vimos no terceiro grupo de mensagens coletadas, nem sempre se trata apenas de orientação ou ajuda para realizar a pesquisa (rápida e descomplicada), o que por si só já seria eticamente questionável, pois ocorre à revelia do orientador formal. Além disso, também se trata de um serviço que se propõe a executar a pesquisa em si, ou etapas delas, substituindo o pesquisador. O grupo de frases aqui classificados como Execução da pesquisa ou de etapas dela inclui perfis de orientadores no Instagram que transcrevem áudios, fazem análises, organizam e formatam o trabalho, tarefas que são responsabilidade do orientando, claro, sob supervisão.

É preciso destacar que, em nossas buscas, além dos 28 perfis selecionados, encontramos mais três que vendiam trabalhos feitos, o que revela explicitamente o componente ético da crise acadêmica a que nos referimos. Esses perfis não foram selecionados para análise, uma vez que os seus responsáveis se escondem sob o véu do anonimato digital, mas precisam ser registrados, porquanto indicam a absorção (e potencialização) pelas redes sociais de uma prática que é anterior ao surgimento dos orientadores no Instagram.

Grieger ( 2007) realizou uma pesquisa que denunciou essa prática, investigando 18 páginas que oferecem a venda de trabalhos acadêmicos prontos. A pesquisadora entrou em contato com as empresas, encomendando uma pesquisa que deveria ser submetida a comitê de ética, coletar dados empíricos e ser entregue pronta. Dez empresas aceitaram a encomenda, com pagamentos que variavam, na época, entre R$ 200,00 e R$ 1.200,00. As empresas que negaram a encomenda não sustentaram sua justificativa em questões éticas, mas na falta de pessoal especializado para o tipo de pesquisa solicitada.

Constatamos, então, que a Internet em geral, não só as redes sociais, tem exponenciado esse comércio clandestino, com escritores fantasmas ( GRIEGER, 2007), mas essa prática certamente antecede a existência da Internet, uma vez que o modelo mercadológico e de priorização de resultados rápidos é bastante fecundo a vários tipos de fraude ( CASTIEL; SANZ-VALERO; RED MEI-CYTED, 2007; GRIEGER, 2007).

Nesta pesquisa, os perfis selecionados não estão no anonimato, uma vez que, em sua maioria, oferecem uma orientação informal que não necessariamente constitui fraude. Apesar disso, os orientadores no Instagram acabam sendo, também, orientadores e/ou escritores fantasmas, porquanto a situação de informalidade e o pagamento que recebem pelo serviço determina a abdicação dos láureos acadêmico-produtivistas nas publicações.

Considerações finais

Constatamos que os pesquisadores que oferecem orientação acadêmica no Instagram, no recorte aqui selecionado, são pesquisadores em formação, sem emprego estável ou larga experiência em instituições de ensino e pesquisa. Nesta investigação exploratória, sugerimos que esses pesquisadores são reflexo de uma ciência e educação precarizadas, em um processo particular de crise que retroalimenta a crise genérica do sistema do capital.

Assim como no mundo do trabalho em geral, a precarização da práxis do pesquisador parece se camuflar no empreendedorismo, atingindo o gênero feminino de forma mais contundente e, cada vez mais, mediada pelas TIC’s. Essa última condição demonstra potencial para consubstanciar a subordinação dos orientadores no Instagram aos algoritmos da plataforma digital. Fatores como o desfinanciamento da ciência brasileira parecem contribuir para o processo crítico, a exemplo de áreas menos valorizadas e mais atingidas pelos cortes orçamentários, como as Ciências Sociais e Humanas.

O ethos produtivista e acelerado, ligado à lógica mercadológica que está na base da sociedade em geral, é reproduzido pelos perfis de pesquisadores selecionados neste estudo, algumas vezes, inclusive, oferecendo a execução da pesquisa em si ou de partes dela.

Devemos pontuar que nossa pesquisa possui limitações, uma vez que, certamente, há inúmeros perfis de Instagram que não selecionamos, pois não estão vinculados a expressões que utilizamos nas nossas buscas. Alguns desses perfis podem até possuir um número mais representativo de seguidores, sobretudo quando adentram a seara de produção de conteúdo digital (aulas, conferências, lives, palestras etc.). As possibilidades e variações são inúmeras, em um ambiente tão heterogêneo e dinâmico como uma rede social. Sugerimos, inclusive, que novos estudos sejam realizados, com buscas mais amplas ou, até mesmo, dialogando diretamente com esses pesquisadores em formação, entendendo mais profundamente elementos particulares do processo.

A nosso ver, nosso estudo é uma contribuição preliminar que lança luz sobre o problema da uberização da práxis dos pesquisadores como desdobramento da crise acadêmica ora estabelecida no Brasil; e que reflete um processo de crise estrutural do capital, universalmente.

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Recebido: 23 de Fevereiro de 2022; Revisado: 06 de Maio de 2022; Aceito: 18 de Agosto de 2022

Contato: diego.souza@arapiraca.ufal.br

Editor:

Prof. Dr. Fernando Luiz Cássio

Diego de Oliveira Souza

é doutor em serviço social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em serviço social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), especialista em saúde do trabalhador pela Faculdade de Tecnologia Internacional e graduado em enfermagem pela UFAL. Tem pesquisado e publicado sobre a categoria trabalho e relação trabalho-saúde.

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