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Educação e Pesquisa

versión impresa ISSN 1517-9702versión On-line ISSN 1678-4634

Educ. Pesqui. vol.49  São Paulo  2023  Epub 06-Oct-2023

https://doi.org/10.1590/s1678-4634202349261454 

Artigos

Os cursos de Licenciatura em Educação Básica em Portugal: uma análise comparativa

Bachelor’s degree in Basic Education in Portugal: a comparative analysis

1-Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, Portugal. Contatos: bianorv@eselx.ipl.pt; teresal@eselx.ipl.pt

2-Agrupamento de Escolas Passos Manuel/Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, Portugal. Contato: mariana.feio@gmail.com


Resumo

Em Portugal, a Licenciatura em Educação Básica, criada em virtude da reformulação dos cursos decorrente do Processo de Bolonha, constituiu uma novidade no âmbito da formação inicial de professores e uma especificidade da formação dos profissionais que educam crianças entre 0 e 12 anos. No presente trabalho procurou-se compreender como as diferentes instituições de ensino superior operacionalizaram as orientações da tutela, relativamente ao desenho curricular da Licenciatura em Educação Básica, e que decisões tomaram no âmbito da sua autonomia. Para tal, procedeu-se a uma análise comparativa dos planos de estudo de 25 cursos de Licenciatura em Educação Básica existentes no país e em vigor no ano letivo de 2021/2022, quanto à organização das diferentes componentes de formação da licenciatura (formação na área de docência, formação educacional geral, didáticas específicas e iniciação à prática profissional). Fruto da análise realizada, é possível concluir que os cursos de Licenciatura em Educação Básica se caracterizam por uma valorização, no âmbito da autonomia das instituições, da componente de formação educacional geral e por uma organização curricular alicerçada numa lógica eminentemente disciplinar. No entanto, sobressaem grandes diferenças relativamente à forma como a iniciação à prática é operacionalizada, nomeadamente quanto: ao número de créditos e às horas de estágio; ao número de contextos que a iniciação à prática profissional contempla; e ao momento de introdução destas unidades curriculares/disciplinas ao longo do curso.

Palavras-chave Formação inicial de professores em Portugal; Processo de Bolonha; Iniciação à prática profissional; Licenciatura em Educação Básica

Abstract

In Portugal, the Bachelor´s Degree in Basic Education, created as a result of the Bologna Process, was a novelty in the context of initial teacher training and a specificity in the training of professionals who educate children between 0 and 12 years old. This work is an attempt to understand how the different higher education institutions put in place the legal guidelines concerning the curricular design of the Bachelor´s Degree in Basic Education and the decisions they made within the scope of their autonomy. For this purpose, a comparative analysis has been conducted of the study plans of 25 Basic Education programs available in Portugal along the 2021–2022 academic year regarding the organization of the different training components (teacher education, general educational training, specific teaching methods, and introduction to professional practice). As a result of the analysis, it is possible to conclude that Basic Education courses are characterized by the appreciation, within the scope of the higher education institutions’ autonomy, of the general educational training component and by a discipline-based model of curriculum design. However, major differences stand out regarding the way in which the introduction into professional practice is implemented, namely: the number of credits and hours of internship; the number of contexts included in the introduction into professional practice; and the moment these curricular units/disciplines are introduced throughout the course.

Keywords Initial teacher training in Portugal; Bologna Process; Introduction to professional practice; Bachelor´s Degree in Basic Education

Introdução

Em Portugal, os cursos de formação inicial de professores organizavam-se, até o Processo de Bolonha (PB), de acordo com três componentes de formação: uma componente de formação pessoal, social, cultural, científica, tecnológica, técnica ou artística ajustada à futura docência, uma componente de ciências da educação, e uma componente de prática pedagógica (PORTUGAL, 1989). Durante esse período coexistiam dois modelos de formação dominantes: o modelo integrado, majoritariamente adotado pelas Escolas Superiores de Educação e pelas Universidades novas3, em que as três componentes de formação eram lecionadas em paralelo; e o modelo sequencial, predominante nas Universidades clássicas e privadas, em que a componente educacional e a aproximação à prática surgiam apenas na fase final da formação, depois de realizadas as aprendizagens científicas na área da especialidade (PINTASSILGO; OLIVEIRA, 2013; SANTOS; MARTINS, 2016). Todavia, mesmo nos cursos considerados integrados, existiam diferenças quanto ao grau de articulação entre teoria e prática (ESTRELA; ESTEVES; RODRIGUES, 2002) sendo a relação entre estas predominantemente aditiva, separando as componentes de concepção e de ação (ROLDÃO, 2011).

Embora a implementação do PB tenha tido, em termos globais, um enorme impacto no sistema de ensino superior português, tendo implicado na reformulação e reorganização de vários cursos, esse impacto foi ainda maior no âmbito da formação inicial de professores, obrigando à criação de novos cursos, assentes em novos pressupostos, acarretando mudanças profundas na formação até então existente (MOURAZ; LEITE; FERNANDES, 2012; BRITO, 2015).

Na sequência da reorganização do sistema de graus e diplomas do ensino superior (PORTUGAL, 2006) e da promulgação do regime jurídico da Habilitação Profissional para a docência na Educação Pré-Escolar e nos Ensinos Básico e Secundário (PORTUGAL, 2007), a formação inicial de professores passou a ser estruturada segundo um modelo bietápico, organizado em dois ciclos de formação, licenciatura e mestrado profissionalizante, sendo a escolha da área de especialização realizada apenas no mestrado. No entanto, o modelo apresenta especificidades consoante às áreas de especialização. Na formação de professores do 3º Ciclo do Ensino Básico (CEB) e do ensino secundário4, a licenciatura terá de contemplar, apenas, um número mínimo de créditos na(s) área(s) de conteúdo(s) a ser(em) ensinado(s), para garantir o pré-requisito necessário para o ingresso no mestrado em ensino. Já na formação de educadores de infância, de docentes do 1º CEB e de docentes de Matemática e Ciências Naturais/Português e História e Geografia de Portugal no 2º CEB, a licenciatura é obrigatoriamente em Educação Básica (LEB). A LEB constituiu-se, assim, uma novidade no panorama nacional ao nível da formação inicial de professores e uma especificidade da formação dos profissionais que educam crianças entre 0 e 12 anos.

A licenciatura, estruturada em 180 créditos, com a duração de seis semestres, pretende dar cumprimento a dois objetivos distintos; por um lado, conferir condições de acesso ao mercado de trabalho no campo da educação. Contudo, a natureza do mercado de trabalho, assim como as próprias possibilidades de atuação do diplomado em LEB fora do contexto escolar ou em áreas não docentes, têm sido aspectos amplamente questionados e debatidos (ANDRADE; ALARCÃO; SANTOS, 2008); por outro lado, cumprir os requisitos legais de forma a permitir aos diplomados o ingresso no mestrado que confere habilitação para a docência, de acordo com o domínio da sua opção.

Como já afirmavam Leite e Arez, em 2011, essa particularidade cria uma ambiguidade em relação à orientação geral da formação. Essa ambiguidade, por sua vez, parece estar na origem de alguma indefinição sobre o modelo de formação, o desenho do plano curricular e as orientações metodológicas, com especial relevo para o papel da Iniciação à Prática Profissional (IPP) e a sua desejável articulação com as outras componentes formativas.

O desenho curricular do curso de LEB, contrariamente à maioria das licenciaturas em Portugal, é condicionado por determinações legais que ditam as componentes de formação que nele devem ser incluídas e o respectivo peso em créditos ECTS (European Credit Transfer System). Dos 180 créditos do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Educação Básica, 170 estão obrigatoriamente distribuídos da seguinte forma:

    -. um mínimo de 125 créditos na Formação na Área de Docência (FAD), uma componente que visa complementar, reforçar e aprofundar a formação acadêmica, incidindo sobre os conhecimentos da(s) área(s) de conteúdo(s) a ensinar;

    -. um mínimo de 15 créditos na Formação Educacional Geral (FEG), uma componente que abrange os conhecimentos, as capacidades e as atitudes relevantes para o desempenho na sala de atividades ou na sala de aula, nas instituições de educação e na relação com a família e a comunidade;

    -. um mínimo de 15 créditos em Didáticas Específicas (DE), uma componente que inclui os conhecimentos, as capacidades e as atitudes relativos ao ensino de diferentes áreas de conteúdo – conhecimento pedagógico de conteúdo;

    -. um mínimo de 15 créditos na Iniciação à Prática Profissional (IPP), componente que deverá realizar-se em diferentes grupos ou turmas dos diferentes níveis e ciclos de educação e de ensino e deverá incluir a observação e a colaboração em situações de educação e ensino, a prática supervisionada na sala de atividades ou na sala de aula e experiências de planificação, ensino e avaliação (PORTUGAL, 2014).

Apesar da forte regulamentação por parte da tutela, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm autonomia para determinar a componente de formação dos restantes 10 créditos, o que corresponde a um intervalo entre as 250 e 280 horas de trabalho do estudante.

Alguma autonomia é também dada às IES na atribuição de créditos na componente FAD. Do mínimo de 125 créditos, a tutela apenas indica que, em cada uma das áreas (Ciências da Natureza e História e Geografia de Portugal, Português, Matemática e Expressões) deve ser atribuído um mínimo de 30 ECTS, ou seja, apenas determina a distribuição de 120 créditos. Consequentemente, todos os créditos, para além dos 120 alocados à FAD, podem ser atribuídos à(s) área(s) disciplinar(es) que a IES considerar mais adequada(s).

As IES têm, igualmente, autonomia para determinar as Unidades Curriculares/disciplinas (UCs) em cada componente de formação, a natureza das UCs, a atribuição de ECTS a cada uma dessas UCs, entre outros aspectos com repercussão direta na estrutura das propostas curriculares e no perfil dos licenciados.

Portanto, se o Processo de Bolonha veio alterar definitivamente o modelo de formação para o 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, eliminando as práticas pedagógicas na licenciatura, a formação de educadores, de docentes do 1º CEB e de Matemática e Ciências Físico-Naturais/Português e História e Geografia de Portugal no 2º CEB, pode aproximar-se de um modelo integrado, em função de decisões tomadas pelas respectivas IES ao nível da articulação entre as componentes de formação, em particular a IPP.

No presente estudo procuraremos perceber de que modo as diferentes IES operacionalizam a sua margem de autonomia, no que diz respeito ao desenho curricular do curso de LEB. Para tal, foi realizada uma análise comparativa dos diferentes planos curriculares dos cursos de LEB existentes no país e em vigor no ano letivo de 2021/2022. A concretização deste objetivo é particularmente importante pois permite compreender diferenças e semelhanças entre os planos curriculares e, consequentemente, refletir acerca da existência de diferentes perfis de diplomados em Educação Básica nas diferentes IES.

A existência de diferentes perfis, em virtude da formação proporcionada pela LEB, é uma informação relevante, tanto para os estudantes que pretendem ingressar na licenciatura, como para as próprias IES que, ao nível dos mestrados profissionalizantes, podem receber diplomados de LEB de qualquer instituição.

Importa ainda referir que essa análise tem lugar cerca de dez anos após a criação dos primeiros planos curriculares da LEB. Ao longo deste período, essas licenciaturas foram alvo de processos de avaliação externa que, entre muitos outros aspectos, analisaram e teceram comentários e sugestões de melhoria sobre o plano curricular.

Metodologia

O presente estudo baseia-se na análise documental, feita a partir dos planos curriculares dos cursos de LEB em diferentes IES. Para a recolha documental e constituição do corpus da investigação foram adotados os procedimentos que descrevemos em seguida.

Através da consulta no portal da Direção-Geral de Ensino Superior5, identificaram-se as 30 instituições que, nas suas ofertas formativas, incluem o curso de LEB. Posteriormente, procedeu-se à pesquisa no portal do Diário da República Eletrónico6, de despachos ou portarias em que constasse o código do registo inicial de cada curso. Dentre os documentos listados para cada código, selecionou-se o mais atual, referente à última alteração do plano curricular.

Importa referir que esses planos curriculares apresentam diferenças quanto à informação disponibilizada. Em particular, 5 instituições não explicitam a componente de formação de cada UC de acordo com o Decreto-Lei nº 79/2014, de 14 de maio (PORTUGAL, 2014) e, como tal, não foram contempladas no presente estudo (uma Universidade e quatro Institutos Politécnicos).

Das 25 IES restantes, 6 são Universidades, sendo 1 privada e 5 públicas; 18 são Institutos Politécnicos, dos quais 6 são privados e 13 públicos. Quanto à distribuição geográfica, 6 IES situam-se no norte do país, 6 no centro, 7 na região metropolitana de Lisboa, 3 no Alentejo, 1 no Algarve e 1 em cada uma das regiões autônomas da Madeira e Açores.

Com base na informação presente nos 25 planos curriculares considerados foi construída uma base de dados em SPSS contendo as seguintes variáveis: nome da UC, créditos atribuídos, carga horária por tipologia, área e componente de formação, duração, ano curricular, natureza da UC (eletiva/obrigatória). Importa referir que o número de horas de trabalho previstas para a concretização dos 180 ECTS da LEB pode variar entre 4500 e 5040 horas. Isto significa que um ECTS corresponde a um intervalo entre 25 e 28 horas de trabalho total efetuado pelo estudante (incluindo aulas, trabalho de campo, estágio e horas de trabalho autônomo, de acordo as orientações europeias). Cabe a cada IES definir a relação entre horas de contato e horas de trabalho autônomo, assim como a tipologia de horas contato.

Por fim, as IES foram comparadas quanto aos créditos atribuídos às diferentes componentes de formação e quanto às UCs que contemplam. Além disso, foi feita uma comparação quanto à estrutura e organização da iniciação à prática profissional.

Apresentação e discussão de resultados

Distribuição de ECTS pelas componentes de formação

Tal como é evidente na Figura 1, há uma grande diversidade de opções no que diz respeito à atribuição dos 10 ECTS, cuja componente de formação não se encontra determinada pela tutela. Há instituições que distribuem esses créditos pelas quatro, três, duas ou mesmo apenas por uma das componentes de formação.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 1 - Distribuição dos 10 ECTS não determinados pela tutela para as diferentes componentes de formação, nos diferentes cursos de LEB 

A Formação Educacional Geral (FEG) é, no âmbito da autonomia das IES, a componente mais valorizada, apresentando em média mais 4,34 ECTS para além dos legalmente definidos. É de salientar que na Universidade de Évora os 10 créditos são atribuídos apenas a essa componente de formação.

As componentes das Didáticas Específicas/Conhecimento pedagógico de conteúdo (DE) e de Iniciação à Prática Profissional (IPP) surgem como as segunda e terceira componentes mais valorizadas, apresentando em média mais 2,36 e mais 2,30 ECTS, respectivamente. Já a componente de Formação na Área de Docência/Áreas de conteúdo a ensinar (FAD) é a menos valorizada. Apenas 11 instituições atribuem a essa componente créditos, além do mínimo legalmente definido (num intervalo de 1 a 5 créditos), o que poderá ser explicado, em parte, pelo número mínimo já elevado fixado pela tutela (125 créditos). O IP Leiria é a instituição que atribui mais créditos a essa componente de formação (5 créditos).

Relativamente à Formação na Área de Docência (FAD), as instituições têm ainda autonomia ao nível da atribuição da área disciplinar (Ciências da Natureza e História e Geografia de Portugal, Português, Matemática e Expressões). Do mínimo de 125 créditos, a tutela apenas determina a área disciplinar de 120 créditos. Tal como é evidente na Figura 2, as IES adotam diferentes estratégias no que respeita à distribuição destes créditos. A estratégia mais frequente, presente em oito IES, corresponde à disponibilização de UCs eletivas de diferentes áreas, ficando ao critério do estudante decidir qual pretende frequentar. Já a segunda estratégia mais frequente corresponde à atribuição dos créditos a apenas uma das áreas (5 IES atribuem à área de Ciências da Natureza e História e Geografia de Portugal; 1 IES à área do Português).

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 2 - Distribuição dos ECTS da FAD não determinados pela tutela pelas diferentes áreas disciplinares, nos diferentes cursos de LEB 

Distribuição das componentes de formação pelos anos curriculares

A Tabela 1 evidencia a distribuição de ECTS de cada componente de formação pelos anos curriculares. Em todas as IES, a componente de FAD encontra-se distribuída pelos diferentes anos curriculares. No entanto, na maior parte dos casos, a distribuição não é equitativa, havendo um número inferior de ECTS no 3º ano.

A presença de créditos em todos os anos é também a estratégia dominante no âmbito da componente de FEG. Apenas em 7 IES um dos anos curriculares não contempla créditos de FEG (5 IES no 3º ano, 1 IES no 2º ano e 1 IES no 1º ano).

Tabela 1 - Distribuição de ECTS de cada componente de formação pelos anos curriculares 

FAD FEG IPP DE
IP Coimbra 52 44 29 4 10 6 4 6 5 20
IP Leiria 47 50 33 9 6 3 4 4 8 16
IP Lusofonia 48 47 30 6 9 3 6 4 7 20
IP Portalegre 49 44 32 8 11 3 3 5 10 15
ISEC 49 49 27 9 5 4 2 6 12 17
U Açores 48 48 30 9 6 6 3 6 6 18
U Madeira 48 48 29 6 6 9 6 6 6 16
ISPA 48 42 36 9 3 6 3 6 9 9 9
IP Beja 50 49 26 10 4 4 7 10 20
IP Lisboa 56,5 49,5 20 3,5 5 13 5,5 10 17
U Évora 50 45 30 10 10 5 5 10 15
U Minho 55 40 30 5 10 5 10 5 20
IP Castelo Branco 49 42 34 11 7 3 8 8 3 15
IP Setúbal 55 44 26 5 8 3 4 15 4 16
ESE Fafe 50 55 20 6 5 4 4 16 20
ISCE 49 53 23 8 7 3 3 16 18
ISCE Douro 49 53 23 11 7 3 16 18
IP Guarda 47 55 24 13 5 3 16 17
IP Santarém 42 44 42 14 6 4 8 4 8 8
ESE João de Deus 45 40 40 10 10 5 5 10 5 10
IP Viana do Castelo 49 47 30 8 7 3 6 10 20
U Algarve 39 51 36 13 4 8 5 5 19
IP Bragança 43 53 32 17 3 4 12 16
IP Viseu 44 38 43 14 4 9 11 2 9 6
UTAD 60 45 24 9 9 6 12 15

Fonte: Dados da pesquisa.

Na IPP a distribuição parece ser pautada por estratégias mais diversas. Há 2 IES que atribuem todos os créditos desta componente no 3º ano da licenciatura, 9 distribuem pelo 2º e 3º ano e apenas 1 instituição distribui pelo 1º e 3º anos curriculares.

Relativamente à DE, a esmagadora maioria das IES (19) apenas inclui UCs desta componente no último ano do curso, 5 introduzem no 2º ano e apenas 1, o IP de Viseu, inclui uma UC no 1º ano (Tecnologia de Informação e Comunicação).

Portanto, o 1º ano dos cursos de LEB é caracterizado por um predomínio de UCs de FAD, complementado por UCs de FEG. Em algumas IES há ainda UCs de IPP e apenas uma UC de DE. No 2º ano, além da forte expressão de FAD, complementado por FEG, a maioria das instituições introduzem UCs de IPP e apenas numa minoria UCs de DE. No último ano são as DE que ganham relevo, seguidas da IPP.

A estruturação da formação inicial de professores em duas etapas, em que na primeira é realizada a formação específica de especialidade e, na segunda, a formação didático-pedagógica, fez com que diferentes autores passassem a considerar o modelo sequencial como o modelo de formação inicial de professores vigente em Portugal (ALMEIDA; LOPO, 2015; EUROPEAN COMMISSION/EACEA/EURYDICE, 2015). No entanto, trata-se de uma generalização abusiva, sendo apenas válida no âmbito da formação dos professores do 3º CEB e Secundário, uma vez que o pré-requisito necessário para o ingresso no mestrado em ensino para estes profissionais corresponde a uma licenciatura sem práticas pedagógicas, contemplando apenas o(s) conteúdo(s) a ser(em) ensinado(s). No caso da LEB, e ainda que fosse possível, do ponto de vista aritmético, separar a FAD das restantes componentes de formação, alocando 120 créditos dessa componente aos dois primeiros anos da licenciatura, nenhuma das IES que forma para estes níveis educativos optou por este tipo de desenho curricular. Na maioria das IES, a FEG apresenta uma elevada representatividade logo no primeiro ano curricular e está patente, ainda que de forma não equitativa, ao longo dos três anos o que denota uma organização tendencialmente integrada do ponto de vista científico-pedagógico. Apenas uma IES optou por, no 1º ano, contemplar apenas UCs de FAD.

Formação na Área da Docência (FAD)

No total das IES analisadas existem 594 UCs no âmbito da FAD, sendo 552 de natureza obrigatória (Tabela 2). A área de Ciências Naturais e História e Geografia de Portugal (CN-HGP) é a área com maior número de UCs. Nessa área é evidente alguma variabilidade no que diz respeito à designação atribuída às UCs, sendo organizadas por grandes campos do conhecimento, por disciplinas, por temas ou adotando a designação existente no currículo do 1º CEB - Estudo do Meio. Essa variabilidade bem como o maior número de UCs podem ser explicados pela diversidade dos saberes científicos incluídos nessa área (Química, Física, Biologia, Geografia Humana, Geografia Física etc.).

No caso da área da Matemática, da Língua Portuguesa e das Expressões parece existir uma maior harmonia no que diz respeito à designação das UCs.

Tabela 2 - UCs de FAD por área disciplinar e tipo de UC 

Nº UCs obrigatórias Nº UCs eletivas
FAD PORT 132 6
FAD MAT 130 7
FAD CN-HGP 147 7
FAD EXP 141 7
Outra FAD 2 15
Total 552 42

Fonte: Dados da pesquisa.

A categoria “outra FAD” abrange UCs que, em essência, incluem mais do que uma área ou em que o plano curricular permite ao estudante selecionar UCs de áreas distintas. As duas UCs obrigatórias contempladas nessa categoria - Perspetivas Integradas sobre a Realidade Social (IP Lisboa) e Seminário de Integração de Saberes (ISPA) – constituem os únicos exemplos de UCs que visam a integração de saberes de diferentes áreas disciplinares.

A existência de uma organização curricular alicerçada numa lógica eminentemente disciplinar é uma das grandes semelhanças encontradas na formação na área da docência dos cursos de LEB. A quase total ausência de UCs especificamente vocacionadas para a interdisciplinaridade é, em nosso entender, um aspecto que merece reflexão.

Se a interdisciplinaridade é fundamental na formação de qualquer licenciado para que se alcance uma compreensão da complexidade do real (JACOB, 2015), afigura-se ainda mais premente na formação de professores para os primeiros anos, na medida em que se espera que eles próprios adotem um ensino com essas características (PORTUGAL, 2018). Em estudo levado a cabo através de parceria entre uma IES portuguesa e uma brasileira, percebeu-se a importância do caráter interdisciplinar na formação inicial por potenciar o desenvolvimento de competências de planificação, implementação e avaliação de práticas interdisciplinares, incluindo as que incentivem ligações com contextos formais e não formais (CAPELO et al., 2017).

A este nível é importante relembrar que aprender a ensinar é um continuum que se inicia muito antes do ingresso no mestrado profissionalizante, dada a grande familiaridade dos candidatos a professores com o contexto no qual vão exercer sua função. Essa aprendizagem por observação, apesar de inconsciente e não intencional, contribui para a configuração de um sistema de crenças acerca do ensino e do que significa ser professor (FEIMAN-NEMSER, 2001). Como tal, a pedagogia adotada na FAD deve ser uma preocupação. Como Russell e Flores (2020) referem “o modo como [os futuros professores] são ensinados conta, pois eles estão sempre a pensar no modo como eles próprios irão ensinar” (RUSSELL; FLORES, 2020 p. 11). Naturalmente, quando as perspetivas de ensino preconizadas nos programas de formação são adotadas nos próprios programas, o processo de aprender a ensinar é potenciado (FLORES, 2015).

Formação Educacional Geral (FEG)

No âmbito da FEG fazem parte 123 UCs obrigatórias, no conjunto das diferentes IES. Embora seja marcante alguma heterogeneidade de designações nas várias IES analisadas, conseguimos encontrar temas agregadores. Assim, fruto dessa análise, verifica-se que os conteúdos mais frequentes nessa componente de formação são os ligados à Psicologia da Educação (28 UCs), os que se referem a Metodologias de Investigação (19 UCs), à Sociologia da Educação (16 UCs) e ao Desenvolvimento Curricular (14 UCs). Seguem-se UCs ligadas às Tecnologias de Informação e Comunicação (13 UCs) e à Educação Especial e Educação Inclusiva (9 UCs). Com menos expressão encontramos UCs ligadas à Pedagogia, Administração e Gestão Educacional, Multiculturalidade e História e Filosofia da Educação. Também, em um número muito reduzido de instituições existem UCs de Línguas Estrangeiras e Ética e Deontologia Profissional.

Tendo em conta, por um lado, o amplo espectro de áreas científicas que essa componente abarca e, por outro lado, a impossibilidade de cobrir todos os conteúdos dessas áreas em virtude do reduzido número de ECTS alocados a essa componente, as IES tomaram decisões sobre quais as áreas a valorizar. Em termos genéricos, essas escolhas evidenciam uma desvalorização das dimensões filosófica, histórica e ética, e um predomínio da Psicologia e das Metodologias de Investigação. Portanto, apesar de, com o Decreto-Lei nº 79/2014, de 14 de maio, a formação em Metodologias de Investigação Educacional ter perdido o estatuto de componente de formação autonomizada (PORTUGAL, 2014), tal fato não parece ter contribuído para uma desvalorização dessa área.

Didáticas Específicas (DEs)

Analisando as UCs oferecidas pelas IES na componente de Didática Específica é possível identificar a existência de quatro situações distintas (Tabela 3):

    a). instituições que distribuem os créditos das DEs de forma equitativa pelas quatro áreas disciplinares (Português, Matemática, Estudo do Meio e Expressões).

    b). instituições que, apesar de distribuírem por quatro áreas, fazem-no de forma não equitativa. Dentro dessa abordagem há duas estratégias distintas que variam no protagonista da distribuição. Numa das estratégias são as instituições que determinam qual(is) a(s) área(s) a valorizar. A maioria das instituições que optam por essa estratégia atribui mais créditos à área do Estudo do Meio e/ou das Expressões. Essa situação parece ser consequência do fato de estas áreas incluírem conteúdos e metodologias de diferentes disciplinas. Por exemplo, quase todas as instituições que valorizam a área de Estudo do Meio possuem uma UC de Didática das Ciências da Natureza e outra de Didática da História e da Geografia. As únicas exceções são a ESE João de Deus em que a valorização resulta da existência de uma UC de Didática do Estudo do Meio e outra de Didática das Ciências Experimentais e a U Algarve em que o estudante para além da UC obrigatória de Didática do Estudo do Meio escolhe uma UC eletiva de entre 3 que focam metodologias específicas da área das Ciências. Na outra estratégia é o estudante, ao selecionar a UC eletiva (de entre um conjunto abrangente de áreas), o responsável por valorizar mais uma área em detrimento de outras.

    c). instituições que apenas distribuem os créditos por 3 áreas. As duas IES que adotam essa estratégia não incluem a área das Expressões (ISEC e U Évora). Neste ponto, importa ainda referir que o ISEC disponibiliza apenas no âmbito do Estudo do Meio a UC de “Descoberta das Ciências da Terra e da Vida”, não havendo nenhuma referência à História e Geografia.

    d). instituições que oferecem apenas didáticas integradas (IP Viseu e IP Portalegre).

É de frisar a existência de UCs classificadas como sendo de DE e que se focam no Currículo (ISPA e IP Setúbal) e nas Tecnologias de Informação e Comunicação (IP Viseu).

Tabela 3 - Créditos atribuídos às diferentes UCs da componente de DEs 

Estratégia EM EXP MAT PORT Eletivas Didáticas Integradas Outras áreas
ESE Fafe a) 5 5 5 5
IP Beja 5 5 5 5
IP Bragança 4 4 4 4
IP Setúbal 4 4 4 4 4
U Madeira 4 4 4 4
U Minho 5 5 5 5
IP Leiria 4 4 4 4
IP Santarém 4 4 4 4
ISPA b1) 4,5 4,5 3 3 3
IP Castelo Branco 4 6 4 4
IP Coimbra 8 4 4 4
IP Guarda 4 5 4 4
IP Lisboa 4 6 3,5 3,5
IP Lusofonia 8 4 4 4
IP Viana do Castelo 9 3 5 4
U Açores 6 6 3 3
U Algarve 4 4 4 4 3*
UTAD 6 3 3 3
ESE João de Deus 5 2,5 2,5 2,5 2,5
ISCE b2) 4 4 4 4 2**
ISCE Douro 4 4 4 4 2**
ISEC c) 7   6 4
UÉvora 5 5 5
IP Portalegre c) 15
IP Viseu 15 2

Fonte: dados da pesquisa.

*As UC oferecidas são todas da mesma área;

**As UCs oferecidas são de áreas distintas;

Iniciação à Prática Profissional

No conjunto de todas as IES existem 93 UCs classificadas como sendo de IPP. Como foi referido anteriormente, o número de créditos da IPP varia entre 15 (o mínimo legal) e 20 créditos. No entanto, para o mesmo número de créditos, diferentes instituições atribuem um número muito díspar de horas de trabalho de campo/estágio. Nas IES analisadas o número de horas de trabalho de campo e/ou de estágio no âmbito da IPP varia entre 0 e 312 h (Tabela 4).

A fim de verificar se há uma relação entre o número de ECTS atribuídos à IPP e o número de horas de estágio/trabalho de campo foi realizada uma correlação de Pearson entre as duas variáveis. O resultado (r=0.213, p=0.306) indica que não há uma relação significativa entre as duas variáveis. Portanto, os créditos associados à IPP não constituem um indicador do número de horas alocadas às Horas de Campo ou Horas de Estágio. É de destacar o IP Leiria que não apresenta horas de campo ou de estágio previstas no plano curricular.

Tabela 4 - UC no âmbito da Iniciação à Prática Profissional 

1º ano 2º ano 3º ano Total Diferentes valências
UC ECTS HC+E UC ECTS HC+E UC ECTS HC+E HC+E no PE
ESE João de Deus 2 5 72 2 5 72 2 10 168 312
IP Coimbra 2 4 40 2 6 60 1 5 60 160
IP Lusofonia 2 6 60 1 4 30 2 7 60 150 Sim
IP Santarém 1 4 50 2 8 100 1 4 50 200 Sim
ISEC 1 2 20 2* 6 50 2* 12 120 190
ISPA 1 3 32 2 6 80 2 9 130 242 Sim
U Açores 1 3 15 2 6 60 2 6 60 135 Sim
UAlgarve 2 8 30 1 5 45 1 5 45 120
U Madeira 2 6 20 2 6 20 2 6 20 60
IP Portalegre 1 3 1 5 40 1 10 95 135
IP V. do Castelo 1 3 1* 6 24 1* 10 54 78
UÉvora 0 1 5 60 2 10 80 140 Sim
UMinho 0 2 10 15 1 5 15 30
IP Beja 0 1 7 75 2 10 100 175 Sim
IP Bragança 0 1 4 24 2* 12 63 87
IP Castelo Branco 0 2 8 120 2 8 120 240 Sim
IP Lisboa 0 1 5,5 43 1 10 145 188
IP Viseu 0 2 9 67,5 2 11 90 157,5
IP Setúbal 0 1 4 2* 15 54 54
ESE Fafe 1 4 0 2 16 190 190
IP Guarda 0 0 2 16 150 150
ISCE 1 3 0 2 16 200 200
ISCE Douro 0 0 2 16 200 200
UTAD 0 2 6 2 12 75 75 .
IP Leiria 1 4 1 4 1 8 0

Fonte: Dados da pesquisa.

*UCs anuais

Tendo em conta a designação das UCs de IPP, é possível perceber que as mesmas apresentam duas naturezas distintas:

  • UCs cujo foco é a observação de situações educativas e/ou intervenção por parte dos estudantes. Nessa categoria estão incluídas UCs com designações diferentes como Iniciação à Prática Profissional, Intervenção Educativa, Projetos de Intervenção, Prática Pedagógica, entre outras. A grande maioria das UCs incluídas neste grupo prevê horas de trabalho de campo ou horas de estágio. As UCs do IP Leiria constituem a grande exceção. Além disso, há ainda uma UC do IP Setúbal (Contextos Educativos e Prática Pedagógica) e outra do IP Portalegre (Iniciação à Prática Profissional I) que também não incluem essas tipologias de horas.

  • UCs que se focam em outros aspectos particulares da iniciação à prática profissional como as Metodologias de Investigação, a Planificação e Avaliação, e as Tecnologias de Informação. A maioria dessas UCs não contempla horas de trabalho de campo ou de estágio. Neste grupo foi ainda incluída uma UC de natureza muito singular, oferecida pelo IP Setúbal e que se intitula “Carteira de Competências”.

A operacionalização das UCs de IPP com horas de trabalho de campo/estágio parece ser pautada por lógicas distintas quanto ao momento da sua introdução na LEB, assim como quanto às valências que as mesmas contemplam. Quanto ao primeiro aspecto, verifica-se que 9 IES contemplam UCs dessa natureza logo a partir do 1º ano do curso, 9 apenas a partir do 2º ano e 6 apenas o fazem no 3º ano. Quanto ao segundo aspecto, há IES que afetam no plano curricular cada UC de IPP a uma determinada valência (pré-escolar, 1º ciclo, 2º ciclo ou contextos não formais), fazendo com que o estudante observe e/ou intervenha nas várias valências no decorrer do curso, enquanto outras IES não especificam a valência na qual o estudante irá observar e/ou intervir.

Apesar da LEB obedecer a um modelo integrado e da tutela determinar o número mínimo de créditos associados à IPP, as IES têm autonomia para determinar o número de horas de prática e os contextos onde a mesma tem lugar, bem como a forma como a IPP se articula com as restantes componentes de formação. Em outras palavras, a centralidade da prática pedagógica fica dependente das concepções de formação e das decisões que cada IES tomou. Analisando essas decisões é evidente que a IPP não é operacionalizada da mesma forma nas diferentes IES. Em primeiro lugar, foram detectadas diferenças quanto ao número de ECTS atribuídos à IPP (15-20) e ao número de horas de estágio das UCs de IPP (0-312 h). Neste ponto, é de realçar a inexistência de uma correlação significativa entre o número de ECTS atribuídos à IPP e o número de horas de estágio o que levanta, no nosso entendimento, dúvidas quanto à pertinência da tutela estabelecer um número mínimo de ECTS para esta componente de formação.

Em segundo lugar, foram detectadas diferenças quanto ao número de contextos que a IPP contempla. Essas diferenças parecem indicar posicionamentos distintos quanto à(s) finalidade(s) da LEB. Alguns cursos, ao não proporcionarem uma efetiva aproximação do estudante aos contextos profissionais (em número de horas e em diversidade de contextos), parecem encarar a LEB mais como um trampolim para o mestrado profissionalizante do que uma formação vocacionada para o mercado de trabalho. Por outro lado, outras IES, parecem valorizar as condições de empregabilidade em contextos educativos formais (jardins de infância, escolas) e não formais (serviços educativos de bibliotecas, museus e autarquias, centros de acolhimento etc.), ao valorizarem a diversidade de contextos de IPP e um maior número de horas de imersão.

Por fim, foram detectadas diferenças relativamente ao momento de introdução das UCs de IPP e da prática pedagógica propriamente dita, na medida em que nem todas as UCs de IPP contemplam horas de estágio/campo. Num extremo, temos cursos de LEB em que os estudantes têm contato com o contexto real de trabalho logo na parte inicial do curso enquanto, no outro extremo, temos cursos em que esse contato apenas é possível no último ano. Se a existência de um contato precoce com o contexto real de trabalho não garante a articulação teoria-prática, um contato tardio dificulta, naturalmente, essa articulação. Esse aspecto é particularmente importante, na medida em que a ausência de articulação tem sido apontada como um dos aspectos críticos e problemáticos da formação inicial de professores (DARLING-HAMMOND, 2017; KORTHAGEN, 2012).

A esse nível importa também destacar diferenças na forma como as UCs de metodologias de investigação são integradas nos planos de estudo: na maioria dos casos são classificadas como sendo UCs da componente FEG, noutros casos, como IPP; a maioria das UCs apenas contempla horas teórico-práticas, enquanto uma minoria contempla horas de trabalho de campo/estágio. Essas diferenças parecem denunciar formas distintas de perspectivar o papel da investigação na formação de professores - investigação enquanto conteúdo de formação versus investigação enquanto prática de formação.

Se cada um dos aspectos anteriormente mencionados, por si só, já nos permitem denunciar diferentes posicionamentos sobre a formação de diplomados em Educação Básica, o cruzamento dessas variáveis imprime ainda maior complexidade a essa análise e realça a existência de diferentes perfis de licenciados de Educação Básica.

Considerações finais

No presente trabalho procurou-se compreender como as diferentes IES operacionalizaram as orientações da tutela e que decisões tomaram no âmbito da sua autonomia, após o PB. Para tal, procedeu-se a uma análise comparativa do plano de estudo da LEB de 25 IES, análise que realçou semelhanças, mas também diferenças e singularidades.

Em Portugal, o PB introduziu alterações relevantes na formação de professores, desde logo a sua organização em dois ciclos de formação (correspondentes a licenciatura e mestrado), o que deu origem a uma incidência dos cursos de 1º ciclo na componente de FAD. Embora se possa afirmar que, nas licenciaturas que dão acesso à formação de professores para os primeiros anos, se mantém o sistema integrado (ao contrário da formação para outros níveis de ensino), os modelos que se podem inferir a partir dos planos de estudo parecem orientar-se sobretudo para a concorrência temporal de UCs das diferentes componentes do plano curricular. Com efeito, salvo em algumas UCs esporádicas, não é discernível nos planos de estudo analisados nem a articulação entre o conhecimento dos conteúdos e o conhecimento pedagógico e didático, nem a articulação entre teoria e prática. As opções prescritas num plano curricular em relação a essas articulações constituem a chave para a compreensão do nível em que o modelo integrado se situa.

Mas, a maior alteração introduzida pelo PB na formação de professores foi a introdução da investigação nos planos de estudo de forma sistemática e consistente. Iniciando-se logo na LEB, essa área surge com alguma relevância em quase todos os planos de estudo. No entanto, a transversalidade que o Decreto-Lei nº 79/2014 lhe confere, em detrimento da exigência de uma componente específica que vigorou entre 2007 e 2014, foi assumida de forma diferente pelas várias IEs, uma vez que essa abordagem surge, em alguns planos de estudo, como UCs de FAD e, noutros, inserida nas UCs de IPP. As opções tomadas em relação à abordagem da investigação são também elas indicadoras do nível em que se situa o modelo integrado em cada plano curricular. Efetivamente, a inserção da investigação na FP, ainda que assumida como pertinente e necessária pelas IEs, tem sido objetivo de múltiplos questionamentos e perplexidades, uma vez que agora se torna necessário conciliar não apenas a formação em conteúdos específicos das áreas disciplinares com a formação pedagógica e didática e estas com a formação prática, mas ainda inserir neste quadro a formação em investigação (ainda que a um nível introdutório na LEB).

O modo como cada IES procura resolver os dilemas decorrentes da complexidade das variáveis em jogo depende, em primeira instância, da concepção de formação de professores e, em última instância, da concepção sobre a profissão docente. Nas situações e condições concretas, depende da capacidade dos atores da formação e das suas lideranças para, em cada IES, conseguirem traçar uma orientação consensual sobre o perfil de profissional da educação a formar.

Tendo em conta a diversidade de modos e tempos, no âmbito do desenho curricular dos cursos de LEB, acreditamos que seria benéfico incrementar o diálogo e o debate entre as IES. É, muitas vezes, no confronto com outras realidades e opções que se desenvolve uma maior consciência das decisões tomadas por cada IES e um conhecimento mais crítico e holístico da formação inicial de professores, das suas semelhanças e diferenças o que, por sua vez, pode ser uma valorização no momento da remodelação dos cursos. Nesse diálogo seria bastante benéfico compreender algumas das singularidades encontradas, como a opção por Didáticas Integradas em substituição de Didáticas Específicas, os benefícios/desafios da existência de espaços curriculares destinados à construção de um olhar interdisciplinar ou as razões subjacentes à não inclusão da área das expressões no âmbito das didáticas. Destacamos, ainda, a necessidade de melhor compreender as (des)articulações curriculares e os seus efeitos na aprendizagem profissional através do recurso a metodologias mais qualitativas, como o inquérito por questionário, a entrevista ou a observação.

Referências

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1EscolaSuperiordeEducaçãodeLisboa, InstitutoPolitécnicodeLisboa, Lisboa, Portugal. Contatos: bianorv@eselx.ipl.pt; teresal@eselx.ipl.pt

2AgrupamentodeEscolasPassosManuel/EscolaSuperiordeEducaçãodeLisboa, InstitutoPolitécnicodeLisboa, Lisboa, Portugal. Contato: mariana.feio@gmail.com

3- As Universidades criadas após 1974 (transição do Estado Novo para o regime democrático) são designadas Universidades Novas por oposição às Universidades clássicas (PINTASSILGO; OLIVEIRA 2013).

4- Correspondente, no sistema educativo brasileiro, ao 3o ciclo do ensino fundamental (7o ao 9o ano) e todo o ensino médio.

6- Ver: https://dre.pt/

Recebido: 24 de Fevereiro de 2022; Aceito: 13 de Setembro de 2022; Revisado: 06 de Junho de 2022

bianorv@eselx.ipl.pt

mariana.feio@gmail.com

teresal@eselx.ipl.pt

Editora:

Profa Dra. Danusa Munford

Bianor Valente é doutora em educação, com especialização em didática das ciências pela Universidade de Lisboa. Tem desenvolvido trabalho de formação e de investigação no âmbito da formação de professores e no âmbito da didática das ciências.

Mariana Feio é doutora em educação, com especialização em formação de professores pela Universidade de Lisboa. Tem desenvolvido trabalho de formação e investigação no âmbito da formação de professores e no âmbito da ética e cidadania.

Teresa Leite é doutora em educação, com especialização em formação de professores pela Universidade de Lisboa. Tem desenvolvido trabalho de formação e investigação na área de formação de professores, currículo do ensino básico e inclusão de alunos com necessidades educativas especiais.

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