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Revista de Educação PUC-Campinas

versión impresa ISSN 1519-3993versión On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.24 no.3 Campinas set./dic 2019

https://doi.org/10.24220/2318-0870v24n3a4397 

Artigos

Europeização: progresso e educação brasileira1

Europeization: Progress and Brazilian education

Hevisley Ferreira2 
http://orcid.org/0000-0002-4553-5725

Sônia Aparecida Siquelli2 
http://orcid.org/0000-0002-8992-1898

2Centro Universitário da Fundação Octávio Bastos, Curso de Pedagogia, Programa de Iniciação Científica. Av. Dr. Otávio da Silva Bastos, 2439, Jardim Nova São Joao, 13874-149, São João da Boa Vista, SP, Brasil.


Resumo

O presente artigo, oriundo de uma pesquisa bibliográficade natureza exploratória com abordagem qualitativa,apresenta o conceito de “progresso” em seus diversossignificados, apresentados com semblantes e aparências,movidos pelo questionamento de como esse “progresso”se apresentou na educação brasileira em seu períodoformativo. Sendo assim, analisa-se o conceito de“progresso” para desvelar as suas mais diversas facetasao longo da história, com ênfase especial na escolapositivista de Comte, que foi muito influente no Brasil ecujo pensamento deu fundamento à noção de ordeme progresso que deveria guiar as instituições de ensinono País segundo seus seguidores. Aponta-se entãoquais foram as bases intelectuais, de acentuado caráter positivista, sobre as quais se construiu a educação no Brasil. Na sequência, aborda-se a perspectivacrítica de Adorno sobre o “progresso”, o que nos permite apresentar a historicidade do conceito e ver deque maneira ele está indissociavelmente atrelado às próprias relações de poder que fundamentarama sua difusão progressiva nos séculos XVIII e XIX.

Palavras-chave Educação; Educação Escolar; Positivismo; Progresso

Abstract

In this article, which is based on an exploratory bibliographical research with a qualitative approach, it ispresented the concept of progress in its various meanings, with its semblants and appearances, driven bythe questioning of how this progress has been presented in the Brazilian education in its formative period.Thus, the concept of progress is analyzed in order to reveal its many facets throughout history, with a specialemphasis on the positivist school of Comte, which was very influential in Brazil and whose thinking gave riseto the notion of order and progress that should guide the educational institutions in the country, accordingto its followers. It is then pointed out their intellectual bases, which were of solid positivist character, on whicheducation was built in the country. In the sequence, Adorno’s critical perspective on progress is approached,which allows us to historicize the concept and to see how it is inextricably linked to the very relations of powerthat underpinned its progressive diffusion in the eighteenth and nineteenth centuries.

Keywords Education; Schooling; Positivism; Progress

Introdução

Uma análise inicial e relevante sobre qual significado e quais são as significâncias do termo “progresso” não é suficiente se abranger apenas o alvorecer do século XXI; ao contrário, necessita considerar também as mais diversas e graves parcelas da história humana dos séculos XIX e XX. Existiu desde sempre um padrão ou o termo foi se transmutando ao longo dos anseios das diversas sociedades? Existe uma relação do termo “progresso” com as capacidades e habilidades humanas de compreensão e conhecimento segundo o seu tempo? Existe uma fronteira, mesmo que tênue, entre “progresso humano” e “progresso tecnológico?”. Enfim, existe realmente uma história da ideia de progresso?

Provido de uma aparência aparentemente inabalável, o termo “progresso” tomou ao longo dos anos dessemelhantes sentidos conceituais até seu estancamento clássico observado no Positivismo forjado por Saint-Simon e Comte na Europa da metade do século XIX e XX. Uma de suas principais idealizações encontrava seu espaço de atuação no campo educacional. A Ciência da Educação, para Comte, deveria abarcar os conhecimentos positivos de forma empirista, em que a organização do currículo escolar se daria por faixas etárias e a família seria fundamental nesse processo – parte sensível dos itens concebidos por Comte é perceptível na concepção que orientou a própria formação da educação brasileira.

Os trilhos deixados pelas ações do Apostolado Positivista no Brasil entre 1870 e 1930 visavam estabelecer a ordem num país onde, segundo os próprios positivistas, encontrava-se em situação de transtorno no final do período monárquico. Situação símil acontecia na Europa de Saint-Simon e Comte. Para ambos, o desalinho europeu precisava de soluções urgentes que trariam a ordem e, consequentemente, o “progresso”. A educação era, então, o principal alicerce para se alcançar o tão almejado progresso.

De todo modo, as significâncias do termo “progresso” foram se alterando ao longo dos séculos e em diferentes áreas do conhecimento. Portanto, torna-se necessário delinear os caminhos e descaminhos que o referido termo tomou entre os séculos XVIII, XIX e XX, inclusive sua cristalização clássica idealizada pelos positivistas tradicionais. Nesse sentido, o presente artigo pretende traçar o caminho da evolução conceitual que a própria noção de “progresso” teve ao longo da história do pensamento ocidental, buscando compreender como ela reverbera na constituição da instituição educacional no País, em que pese a influência significativa que exercida pela escola positivista sobre a referida ideia. Na sequência, a fim de estabelecer uma reflexão conceitual de como a ideia de “progresso” penetra de maneira oblíqua no universo do pensamento positivista, utiliza-se da discussão que Adorno (1985,1992) empreende sobre o tema.

Procedimentos Metodológicos

A metodologia que embasou o desenvolvimento do artigo foi de natureza exploratória com abordagem qualitativa, organizada a partir de um levantamento bibliográfico que visou compreender, em suas linhas gerais, a construção do conceito de “progresso” ao longo da história recente do pensamento ocidental e a maneira como o mencionado conceito se refletiu de maneira substantiva na formação do pensamento positivista – pensamento este que foi extremamente influente na composição da educação no Brasil.

Para tanto, em um primeiro momento, há uma apreciação das descrições históricas da evolução da noção de “progresso” contida na obra de Robert Nisbe, sociólogo americano que desenvolveu uma obra dedicada exatamente a esse tema. Na sequência, são apontadas as definições de progresso trazidas pelos dicionários de Ciência Política e de Sociologia, com o intuito de cristalizar quais são as perspectivas canônicas atribuídas ao termo nessas disciplinas. A fim de apontar as contradições que podem ser identificadas em tais definições, haverá uma aproximação do pensamento de Gilberto Dupas, autor que busca diferenciar as noções de progresso técnico, visto por ele como indissociável da lógica totalizante do aumento da produção e da distribuição de mercadorias pela lógica capitalista e progresso humano.

Em seguida, procede-se a uma análise geral sobre a constituição da escola de pensamento positivista a partir de uma averiguação das ideias de seus principais pensadores: Nicolas de Condercet, Claude Henri de Saint-Simon e Augusto Comte. Há continuidades e rupturas no que se refere ao pensamento dos dois primeiros e do último, autor cuja abordagem é mais relevante para o estudo em questão. Após o exame das diferentes concepções, analisa-se de maneira mais detida o pensamento comteano no tocante à tripartição evolutiva entre o pensamento teológico, metafísico e positivo, e no que diz respeito ao papel essencial que a educação deveria desempenhar na solidificação do pensamento positivo ou científico.

Com o objetivo de compreender a influência que a escola de pensamento positivista desempenhou no Brasil, na sequência discute-se como a queda do regime monárquico permitiu que a sociedade brasileira passasse a ser vista como caótica e desestruturada por uma camada crescente de indivíduos com acesso ao pensamento que se desenvolvia no velho continente. Inclusive, esse ambiente foi extremamente fértil para a inserção do positivismo no Brasil. Afinal, compreender e combater a desestruturação social foi um objetivo primordial para a próxima constituição da Sociologia enquanto ciência, de forma geral, e para o pensamento positivista, em particular, segundo o qual a educação seria o caminho mais adequado para tanto. Nesse sentido, busca-se apontar como a ascendência positivista na educação Nacional trouxe uma série de tendências educacionais que seriam implantadas no momento da popularização da escolarização no País. Essas tendências tinham acentuado caráter tecnicista e produtivista, o que, por sua vez, está amplamente associado à ideia de progresso segundo a ótica positivista.

Finalmente, com o intuito de arrematar a análise teórica acerca da noção de “progresso” e suas reverberações conceituais, procede-se à análise do trabalho de Adorno, filósofo e sociólogo alemão, expoente da Escola de Frankfurt na primeira metade do século XX, que aborda exatamente esse tema, mas de acordo com uma perspectiva dialética. Segundo Adorno (1995), é possível historicizar a diferenciação entre progresso técnico e progresso humano e melhor contextualizar as relações sociais de poder que se articulam de maneira determinante na própria composição da ideia de progresso segundo o Positivismo – corrente de pensamento que exerceu influência muito representativa no pensamento nacional e na própria concretização de um projeto de educação para o Brasil.

A noção de progresso e suas contradições

O ideário da Igreja Positivista trazia consigo um arcabouço de forte influência europeia, em especial dos positivistas europeus, e encontrou na crise de fins do período monárquico o forame para que as propostas da Igreja Positivista no Brasil fossem apreciadas e inseridas em vários setores da sociedade, sobretudo o da educação. Um traço particularmente representativo de tal ideário é a noção de “progresso” e a maneira como ela se constituiu como uma perspectiva basilar do próprio Positivismo. Para compreender melhor como essa situação se materializou de fato, é mister que sejam feitas aproximações das definições clássicas que se atribui ao “progresso” enquanto elemento chave da modernidade e da modernização da vida humana, além das contradições que essas definições inserem.

Nisbet (1985, p.16) preconiza historicamente o termo ao destacar que “nenhuma ideia por si só, foi mais importante, ou talvez tão importante quanto a ideia de progresso na civilização ocidental, durante quase três mil anos”. É evidente que outros conceitos e outras idealizações também foram basilares no conduto do pensamento das civilizações, porém a concepção de síntese do passado e impulso do presente como profecia do futuro funciona não apenas como uma contemplação do transcurso da história em si, mas como uma tendência influente que nela se enraíza.

O atual sistema capitalista hegemônico vigente, aliado a um saber científico conciliado à técnica, parece não ter um fim no horizonte da ciência e, ao mesmo tempo, parece não parar de transformar o estilo de vida dos homens. O cientista social Gilberto Dupas (Dupas, 2006, p.11) suspeita de tal desenvolvimento incondicional quando diz que “[...] esse modelo vencedor exibe fissuras e fraturas; percebe-se, cada vez com mais clareza e perplexidade, que suas construções são revogáveis e que seus efeitos podem ser muito perversos”.

Se, de um lado, admite-se a sensação (alimentada pela mídia, pelas nações e fomentada pelas massas) de que nada mais é impossível, de que o culto desse otimismo parece algo possível, de outro Balandier (1999, p.8) aponta “um medo crescente e o claro sentimento de impotência diante dos impasses, dos riscos, da instabilidade dos sinais que orientam os percursos da vida e da precariedade das conquistas”.

Na busca de definições e interpretações que conceituem o termo “progresso”, é imprescindível relatar o que os dicionários especializados mais notórios indicam. O “Dicionário de Sociologia” de Boudon et al. (1990, p.25) afirma que: “A noção de progresso implica que a história tem um sentido e que esse sentido é linear, contínuo, que vai da noite para o dia, da indigência para a abundância, da selvajaria para a civilização, em suma, vai em direção ao Verdadeiro e ao Bem confundidos num só objetivo”.

O “Dicionário de Política”, segundo Bobbio, Mateucci e Pasquino (1998, p.1009), afirma que:

A ideia de progresso pode ser definida como ideia de que o curso das coisas, especialmente da civilização, conta desde o início com um gradual crescimento do bem-estar ou da felicidade, com uma melhora do indivíduo e da humanidade, constituindo um movimento em direção a um objetivo desejável. A ideia de um universo em perpétuo fluxo não basta, pois, para formar a ideia de progresso; é necessária também uma finalidade, um objetivo último do movimento. É na concretização deste objetivo na história que se acha a medida do progresso. É por isso que se fala de ‘fé no progresso’.

Para ambos, o significado de “progresso” é algo de fluxo interminável, uma noção de transição rumo a algo sempre melhor, mais definido e mais organizado. Porém, o termo parece ambíguo, sem arestas que o amparem ou que deem um real sentido à palavra em sua conjuntura atual ou histórica.

Nisbet (1985) percorre o mesmo caminho elucidativo da palavra, mas se preocupa com a associação do termo a fenômenos de contingências e eventualidades ao afirmar que “a ideia não deve ser concebida como sendo relacionada com um mero acidente ou um capricho; ela deve ser concebida como constituindo uma parte do verdadeiro esquema das coisas no universo e na sociedade” (Nisbet, 1985, p.17). Sua concepção assume um transcorrer linear dos eventos nos quais o “avanço do inferior para o superior deve parecer tão real e certo como qualquer outro aspecto das leis da natureza” (Nisbet, 1985, p.17).

O intermédio entre as duas grandes guerras mundiais do século XX pontua uma mudança radical na cultura contemporânea e no domínio da filosofia. O termo “progresso”, então, enfraquece-se, não é mais compreendido, de forma geral, como um axioma. O providencialismo, antes encontrado em pensadores do século XIX, vai progressivamente dando lugar ao temor diante de um mundo fora do equilíbrio e fora de controle. A reflexão benjaminiana considera que a história em sua dual significância, aparentemente paradoxal, é, na verdade, paralela: “Benjamin mantém distância em relação ao sociologismo de alguns autores marxistas e, de maneira paralela, coloca em questão a teoria socialdemocrata do progresso histórico” (Gagnebin, 1993, p.53).

Tal dualismo visa enaltecer a unicidade de cada momento da história humana e ao mesmo tempo compor uma crítica ao historicismo – Filosofia da História mais atuante de sua época. Dupas (2006) evidencia sua análise tomando como argumento a ideia de progresso como mito restaurado na intenção de uma história certeira, linear e com um fim glorioso. Para isso, o autor se orienta por elementos históricos, semânticas, interpretações e significados para desconstruir o discurso dominante do capital sobre a globalização associada à ideia de um progresso fatal.

Ao estabelecer uma ponte entre o ideário acerca de “progresso” e “neoliberalismo”, ele “tentou ressuscitar o conceito de progresso associando-o à liberdade dos mercados globais e a um ciclo benévolo da lógica do capital” (Dupas, 2006, p.90). A lógica capitalista engendra-se como uma entidade sem pátrias, mas ao mesmo tempo de todas elas. O progresso não estende espaços, muito menos relações, ele se estreita numa fluidez de movimentos que são contraditórios em sua essência.

Exaustivamente propagandeando a noção de melhorias, a progressão humana rumo a algo ainda não tangível ou suscetível é capitaneada pelas melhorias e avanços do meio técnico-científico, mas permanece incoerente, ditando a incongruência da nova lógica capitalista global, que é desigual e mostra sinais, sobretudo ambientais, de sobrecarga. O pensamento de Dupas estabelece o mito do progresso como um falso arcabouço ideológico disfarçado que oculta interesses meramente hegemônicos.

A ideia confortável de progresso funciona como um recôndito que torna difusa a percepção das consequências nefastas de um mundo em crise nas esferas econômica, científica, médica e ambiental. De um pessimismo latente em sua perspectiva na atualidade e de uma visão não mais esperançosa para a posteridade, o autor duvida da chegada de um sistema transformador.

A questão central é que lutar contra esse sistema, que bem ou mal mantém a máquina econômica em movimento, é atacar os próprios princípios do capitalismo em um momento em que nenhum outro sistema – ainda que sob a forma de utopia – aparece no horizonte como alternativa real

(Dupas, 2006, p.143).

O destino certo e glorioso da humanidade parece ser fomentado pelo encantamento e consequente omissão das multidões que pouco percebem – ou não se fazem perceber –, as ações e incessantes intromissões provindas das críticas tecidas pelos setores eruditos. Rodeados pelas belezas tecnológicas e estéticas do mundo moderno, todos presenciam atônitos, através das incessantes propagandas, a sensação de pequenez frente aos meios de comunicação e transporte e a busca aparentemente inabalável pelo prolongamento da vida e pelo conforto e praticidade que os modernos aparelhos nascidos da Terceira Revolução Industrial oferecem.

Discursos e amostras parecem ilimitados e dão a noção de algo linear, rumo a algo sempre melhor, mas para Dupas (2006, p.290) “a tentativa de compatibilização dos vetores tecnológicos decorrentes das opções do capital – visando o seu máximo retorno –, com as efetivas necessidades da civilização é um processo de avanços e retrocessos, de ganhos e perdas”.

Como se observa, não existe, então, um consenso geral acerca do conceito do termo “progresso”. A meta do progresso ou avanço como empreendimento da humanidade em sua essência, se apartada da natureza do conhecimento, toma caminhos diferentes no curso da história e do pensamento acerca da ideia de progresso. Esses caminhos formulados parecem ter uma relação inversa entre si, ou seja, a conquista da perfeição moral e da bem-aventurança espiritual exige, como sua condição, obter ou acrescer conhecimento. Porém, os dois percursos são trilhados por distâncias diferentes em velocidades diferentes. Salvo exceções pontuais, o progresso tecnológico caminha regularmente no curso da história como elemento propulsor de uma melhoria científica do bem-estar humano. O progresso humano traça rotas alternativas nessa trajetória histórica e seu fluxo não é contínuo; por vezes é circular e mais lento que seu progresso tecnológico.

O positivismo, o progresso e a educação

O pensamento que permeou o século XIX não foi guiado exclusivamente por transformações sociais e econômicas. Nesse contexto, a Ciência e a Filosofia devem ser encaradas como fontes esclarecedoras para a compreensão da conjuntura histórica. Dentre os vários e diferentes segmentos filosóficos que a obra de Immanuel Kant deixou à interpretação, o Positivismo desenvolve importantes reflexões sobre as possibilidades e limites da razão. Admitindo apenas o que é factual, concreto, inquestionável, que se fundamenta na experiência, o positivismo influenciou de maneira significativa a sociedade nos séculos XIX e XX.

Conforme Rossi (2000) observa, a ideia moderna de progresso tomou a sua formatação clássica nos textos de Condorcet e de Turgot e, depois, nos de Saint-Simon e de Comte. A referida noção consolidou-se na segunda metade do século XIX e se deparou com sua primeira crise entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

O Positivismo herdou do Iluminismo o culto à ciência, ao empirismo e à Razão, mas renunciou ao seu prisma negativista para que assim fomentasse o intuito de organizar a sociedade e dar fim às desigualdades e problemas sociais despontados a partir do cenário econômico e industrial. O ideário positivista se atenta à história como uma sobreposição linear de eventos regidos por ideias. Nesse processo de supervalorização da ciência – a ponto de transformá-la em algo próximo de um escopo de fé –, o Positivismo transfigurou o saber científico numa ideologia que poderia solucionar todos os problemas.

No bojo dos pensadores de tal segmento filosófico, o francês Augusto Comte é o mais notório como precursor de tal corrente positivista. Mesmo não sendo o fundador, nem do termo, nem das ideias positivistas (Nicolas de Condorcet (1666-1790) e Claude Henri de Saint-Simon (1760-1852) são cronologicamente anteriores ao pensamento de Comte e também influências do pensamento comteano), Comte está intimamente ligado ao positivismo e desenvolveu contribuições para a reflexão social e política ainda no século XIX, no seu curso de “Filosofia Positiva”.

Mas foi Claude Henri de Saint-Simon (1760-1852) o precursor na utilização da etimologia positiva, determinando o positivismo também lógico. Para ele, o raciocínio carece de uma base nos fatos observados e discutidos e, apesar da notabilidade de Augusto Comte em relação à gênese da Sociologia, à crença no progresso e na ciência e de suas atribuições em relação à etimologia do Positivismo, foi Saint-Simon e não Comte o pioneiro e responsável por uma visão panorâmica da história e do progresso científico.

Nisbet (1985, p.257), orientando-se pelo pensamento de Saint-Simon, afirma que “cada nova ciência deriva da anterior, sendo capaz de se tornar uma ciência em sentido completo somente quando a anterior se tiver tornado definida e exata”. Um entusiasta pela razão e ao mesmo tempo contrário às ideias de liberdade individual, igualdade e soberania popular, Saint-Simon acreditava que estes eram conflitantes com a reorganização científica da sociedade – fenômeno defendido posteriormente por pensadores positivistas no século XX. Algo de paradoxal reside no entusiasmo do filósofo e economista pela transformação e sua admiração pelo futuro secular ou pelo progresso, visto que existe uma forte parametrização conservadora em sua obra, a qual é reconhecida pelo próprio autor.

Havia na França contemporânea a Saint-Simon a prática, entre os intelectuais, de dar um sentido, explicar, justificar ou até mesmo extirpar a sensação de desordem, alienação e mal-estar que pensavam existir em toda a Europa do século XVI. Era necessário substituir a anarquia que estava em sua volta através da crença num progresso científico outorgado às indústrias e escolas científicas que tinham a sacralização da ciência como fundamento da ordem e união dos cidadãos. Não haveria espaço para “liberdade de pensamento” numa sociedade que fosse conduzida por cientistas, industriais e todos que tivessem seu trabalho orientado para e a partir do conhecimento verdadeiro.

O Novo Cristianismo formulado por Saint-Simon pretendia a criação de um parlamento constituído de três casas: a “casa de invenção”, constituída de cientistas, inventores, escultores, poetas, pintores e arquitetos, com a capacidade e autoridade para propor leis, tendo a disposição de projetos referentes ao bem-estar do povo e devendo tomar as demais determinações vitais; a casa de “exame”, constituída por físicos, matemáticos e pensadores em geral com predisposição crítica, que formariam esse segmento do parlamento com a intenção de averiguar a efetividade das leis e dos projetos da primeira casa; e a casa onde estariam os homens de negócio, banqueiros e responsáveis pelo setor industrial. Em tal segmento, a ocupação principal seria executar as leis e projetos propostos na “casa de invenção”.

Nessa elaborada e minuciosa teoria do desenvolvimento e progresso, Saint-Simon foi considerado utópico e fantasioso por marxistas e outras correntes. Foi na qualidade de revolucionário social ou de teórico do progresso necessário, desde o passado até o presente, que Saint-Simon desenvolveu sua tese na crença profética de um progresso inexorável – tão desenvolvida por teóricos posteriormente dentro da corrente positivista.

O progresso é fruto do paradigma positivista, que segundo Marcondes (1994), sob uma perspectiva platônica, concebe um paradigma como um padrão, uma referência que toma um caráter normativo em determinado período. Mas seu advento não se dá dentro dessa corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX.

Nisbet (1985) afirma que, no mundo clássico grego e romano, a noção de que a humanidade tem avançado vagarosa, gradual e continuamente no campo das artes, ciências e de sua própria situação na terra já era percebida. É importante, no entanto, conceber o positivismo como o paradigma que se utiliza da noção de progresso como essência de sua perspectiva.

No século XIX, Comte padroniza o ideário positivista, não apenas defendendo uma orientação epistemológica, mas sobretudo apresentando um viés do pensamento e realização efetiva das transformações sociais. Rompendo precocemente com Saint-Simon, do qual foi colaborador, amigo e recebera profunda influência, Comte traz consigo uma mudança brusca em defesa do liberalismo político e econômico. Mas para Comte, o pensamento deveria ser apenas positivo: não há sentido em se pensar em nenhuma dimensão revolucionária do positivismo.

De uma maneira geral, o pensamento comteano manifesta, como preocupação basilar, uma filosofia da história que seja alicerçada no positivismo e nas três fases da evolução do pensamento, sendo eles o teológico, o metafísico e o positivo. Com a intenção de desobstruir o caminho da teoria social que encontra em sua frente a teologia e a metafísica, Comte forja o termo “espírito autêntico” dentro do positivismo.

Existe em Comte, bem como em Saint-Simon, uma preocupação com a “anarquia”, visualizada por eles no panorama político e social da Europa e do mundo entre os séculos XVIII e XIX. Sua fé messiânica no progresso foi se alargando ao longo de sua vida. Nisbet (1985, p.260) concebe dois segmentos que convergem dentro no pensamento comteano: “o ponto comum dos dois Comtes é a fé no progresso – passado, presente e futuro”.

O pensador aponta uma série de acontecimentos no Ocidente como causa do que ele próprio chamou de “anarquia espiritual”: a Reforma, o Iluminismo e, por último, a Revolução. Em sua obra “Philosophie Positive”, deixa claro que já estava formulado o princípio vital comteano – messiânico e até escatológico. Seu objetivo é, assim como o de Saint-Simon, demonstrar cronologicamente o inexorável progresso que a mente humana traçou desde tempos mais remotos.

A diferença entre os dois pensadores reside nas argumentações científicas que Comte encontrou nos seus três estágios: o teológico, o metafísico e, finalmente, o positivo ou científico. No plano teológico, todas as interpretações e explicações são concluídas, organizadas ou articuladas tendo como padrão formulações divinas. No plano metafísico, as entidades espirituais ou sem fundamentações empíricas são recursos às explicações formuladas. E, finalmente, no plano positivo ou científico – evolução natural da mente humana –, as explicações tornam-se genuinamente científicas, são orientadas pelo estudo da natureza e pela descoberta de suas leis.

Dessa forma, a dinâmica estabelecida por Comte funcionaria no intuito de fornecer a verdadeira teoria do “progresso” para uma prática política, enquanto a estática “torna-se, para o positivismo, uma simples aplicação do princípio fundamental que por toda parte subordina o homem ao mundo” (Comte, 1978, p.206). Dentro da segunda esfera de estudos da Sociologia, aparece então uma noção chave: a da dinâmica. Provindo da ordem, o “progresso” aperfeiçoa os elementos perenes de qualquer sociedade: religião, família, posses, relações etc.

Comte disseminou a ideia de que não existia uma noção de progresso nos mundos clássico e medieval. Seus apontamentos cronológicos dão crédito a Turgot, Condorcet e alguns filósofos do Iluminismo por seus trabalhos que antecedem o que chama de dinâmica social. Comte aponta a unificação dos princípios da ordem e do progresso em uma lei mestra como sendo seu mais importante esforço para a contribuição do mundo do conhecimento e reorganização do Ocidente.

No conjunto de ideias relativas ao curso linear da história e do homem, “progresso, desenvolvimento e evolução têm os mesmos atributos para Comte. O melhoramento é inevitável porque ele deriva do processo de desenvolvimento” (Nisbet, 1985, p.262). A teoria do movimento é, então, subordinada à da existência e constitui as transformações que regem a constante evolução, configurando todo o “progresso” como o desenvolvimento da ordem. Anuncia-o “como destino necessário de toda nossa existência, [...] sobretudo, de nossa natureza, enquanto comportar, em todas as esferas, o conjunto das leis reais exteriores ou interiores” (Comte, 1978, p.69).

Apresentando a mesma visão de continuidade essencial e plenitude que o pensamento europeu desde os gregos, a despeito de não ter consciência desse fato, Comte forneceu um número considerável de determinações e, posteriormente, apreciações sobre a teoria “positiva” da sociedade e de cada um de seus elementos – sempre com a perspectiva de um eterno melhoramento da sociedade. Nisbet (1985, p.263) analisa a obra de Comte como sendo utópica: “são poucas as utopias descritas com tantos detalhes como a de Comte. Tudo é descrito, desde os ritos e cerimônias da Religião da Humanidade [...] até as vestimentas de cientistas e leigos”.

Quando Comte apontou o “progresso” como linha motriz de todo o sistema positivista, ele esperava uma gradativa substituição do universo católico e messiânico de sua época, “reconstruindo os esquemas de superioridade e de submissão, proporcionando assim ao indivíduo, um lar espiritual novo e sistemático, que venha a ocupar o lugar da santidade religiosa” (Nisbet, 1985, p.264).

Esse processo preciso e impreterível do “progresso” humano compôs toda a base filosófica do Positivismo comteano não apenas em seu ideário, mas em práticas que foram estabelecidas para a reconfiguração da Europa, que, aos olhos de Comte, atravessaria naturalmente esse processo.

Dentro dos critérios positivistas, a educação foi tomada como atividade de interesse geral e urgente, tendo em vista a propagação e estabelecimento da filosofia positiva. Comte já admitia a educação como um dos elementos chave que desprenderiam a Europa de um passado e presente “anárquico” e a aplicação das ideias positivistas na mesma regeneraria não só a educação, mas, por consequência, toda a sociedade europeia.

O desígnio maior era o de anular a influência da Igreja Católica nos estabelecimentos de educação, lutar para o fomento do ensino leigo das ciências e conduzi-lo de uma forma fragmentada. Iskandar e Leal (2002, p.3) apontam que características concebidas na Europa dos séculos XIX e XX persistem até os dias atuais, ao afirmar que “o currículo multidisciplinar – fragmentado –, é fruto da influência positivista [...]”.

A classificação das ciências proposta por Comte tem reflexos na educação em função da fragmentação do conhecimento e da especialização. Admitindo somente o que é real e inquestionável, aquilo que se fundamenta na experiência, a escola deveria dar valor maior ao que é clarividente, de utilidade atestada e de praticidade assegurada. Nesse sentido, ascendem, então, as ciências exatas e suas práticas pedagógicas. Essas práticas tinham como base a seleção, a observação, a hierarquização, a verificação e a previsão, tudo sob a aplicação do método científico.

Comte (1978) acreditava que o estabelecimento de uma ordem científica e industrial norteada por uma educação laica baseada no empirismo traria, por consequência, o progresso da sociedade. Seu bordão elementar era o já citado “a ordem por base, o amor por princípio, o progresso por fim. O positivismo tende poderosamente [...] a consolidar a ordem pública, através do desenvolvimento de uma sábia resignação” (Moraes Filho, 1983, p.31).

Preocupado com toda a estrutura e funcionamento também da família positivista, Comte legitima a importância desse grupo no contexto da educação; a composição familiar teria um papel estratégico nesse contexto, de forma que o autor valoriza “a educação espontânea que se realiza no seio da família” (Comte, 1978). Sob a tutela educacional da mãe, a criança receberia o que Comte chama de “Educação Universal”. O período de instrução dirigido pela mãe ocorrerá até o momento em que a criança tiver recebido todo o “ensinamento universal” necessário. “Até então, deve ter-se vedado cuidadosamente à criança todo estudo propriamente dito, ainda mesmo de leitura ou de escrita, salvo as aquisições verdadeiramente espontâneas” (Comte, 1978, p.510).

A elite científica comandaria essencialmente todo o conhecimento que seria transmitido à sociedade. Articulada pela família, num primeiro momento, e posteriormente pelas instituições, a educação passaria, então, por verificações e avaliações, tanto dos métodos de ensino como do desempenho do aluno. Também iria se fundamentar na observação dos fenômenos sociais por meio da experiência e do empirismo.

Diante de um período da história francesa e também europeia em que se alternavam regimes despóticos e revoluções (sublevação que levou não só a um descontentamento geral com a política como a uma crise dos valores tradicionais), Comte acreditava estoicamente na educação como um dos pilares para o corpo teórico e prático do positivismo. Isso colocaria a sociedade novamente no caminho do progresso (que provém da ordem) e realçaria os elementos perenes de qualquer estrutura social: família, religião, linguagem, propriedade, acordo entre poder espiritual e temporal etc.

Uma vez apresentadas as diferentes concepções que o termo “progresso” tomou ao longo da história humana, a partir de seu conteúdo sociológico e filosófico, mostrou-se que, de uma forma geral, o progresso serviu como peça fundamental na crença de um porvir que supera o passado e o presente dos acontecimentos e ações humanas. Nesse sentido, o pensamento positivista desempenha um papel extremamente representativo, e traz a ideia de que caberia à educação alicerçar a concatenação do “progresso”, elemento que seria fundamentado na própria noção de ordem positiva que embasa essa escola de pensamento.

Os movimentos das reflexões acerca do termo acompanham necessariamente os momentos históricos e políticos de uma nação. É assim que surgem as ideologias no eterno jogo de formulação de discursos que se colocam como universais, mas que ocultam as contradições e assumem o posto de outros discursos e ideologias. Será visto, na sequência, como isso tomou forma na inserção do pensamento positivista no Brasil e em suas influências na educação das pessoas.

O positivismo e a educação no Brasil

No Brasil, a queda do Império se deu em meio às modificações intempestivas na economia e na sociedade que ocorreram em meados do século XIX. A oposição de vários setores da sociedade à monarquia tornou possível o brando golpe político que estabeleceu a república no Brasil. Os senhores de escravos ainda não haviam se resignado frente à abolição da escravidão, com nenhuma indenização do governo. O sentimento geral era de abandono pela monarquia, o que os levou então a apoiar a causa republicana.

O Exército Brasileiro começou a adquirir mais importância na sociedade nos tempos que antecedem a queda do Império, que continuava indiferente à instituição militar. Somou-se a isso a punição de importantes oficiais por atitudes de denúncia e manifestações contra corrupção e escravatura, o que transformou o Exército em mais um antagonista do regime monárquico.

A Igreja Católica, por sua vez, foi perdendo progressivamente sua afinidade e sua identidade com o Império, principalmente por ser, no Brasil, uma instituição submetida ao Estado, e não ao Papa, pelo regime do padroado. A estrutura política e administrativa tornou-se alvo de inúmeras críticas, que passaram a florescer no decorrer do Segundo Reinado. Todas essas críticas apontavam a estrutura política e administrativa do Império como grande culpada pela desorganizada e tumultuada situação do País no momento.

Concomitante a isso, um novo ideário surge no afloramento do Brasil República: o positivismo de Augusto Comte, fundado sobre um embasamento de “progresso”, democracia e pensamento liberal para a instalação de um novo mundo: “só a filosofia positiva pode ser considerada a única base sólida da reorganização social, que deve terminar o estado de crise no qual se encontram, há tanto tempo, as nações mais civilizadas” (Comte, 1978, p.39).

Esse posicionamento reacionário colocava a necessidade de reorganizar o País sob uma primazia política e social que deveria combater essa desordem moral e mental dominante no fim do Brasil Império. Segundo os próprios pensadores que defendiam a causa, essa desordem só teria fim mediante uma doutrina religiosa universal, isto é, o positivismo, que deveria sobrelevar-se de forma unânime: “O progresso estava associado à ideia de ordem” (Lima, 2017, p.39).

Werneck Sodré (1966, p.271) descreve tal momento do Brasil no qual “[...] o regime deixava de atender às necessidades de parcelas importantes da sociedade, parcelas que tinham condições para expressar seu descontentamento”. É nesse contexto – ortodoxos e heterodoxos buscando espaços de ação – que surge, em 1879 e, a partir da formação da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro (SPRJ), a Igreja Positivista no Brasil. Entre os positivistas que se sobressaíram no campo intelectual estão Teixeira Mendes, Miguel Lemos, Benjamin Constant e Pereira Barreto (Silva, 2016, p.59).

A República brasileira, que teve seus primórdios no final do século XIX, marcou a inserção, disseminação e desenvolvimento do positivismo como doutrina de forte prestígio nas questões acerca desse novo País que surgia. Colocando-se na posição de reformadores, os positivistas no Brasil idealizaram uma nova faceta política, econômica e cultural a ser fomentada e alicerçada no otimismo da ordem e do “progresso” material contra a doutrina confessional católica, que até o momento era a reflexão intelectual existente.

As aspirações de modernização e progresso tinham nas experiências dos países ocidentais da Europa e dos Estados Unidos da América seus principais modelos. Nesses lugares, buscava-se uma aproximação das concepções de progresso técnico, científico e social vigentes – percebidos como modelos mundiais na “esteira da expansão capitalista” (Lima, 2017, p.37).

A própria bandeira nacional que surgiria alguns anos depois do pensamento positivista ter chegado ao Brasil já revelava de forma abreviada o que Comte organizou como firmamentos: Ordem e Progresso.

O principal ponto que fundamenta o pensamento de Comte é a fé no “progresso” – passado, presente e futuro. Ele mesmo acreditava ser o único pioneiro na chamada “lei do progresso” e a define como sua mais importante contribuição para o mundo do conhecimento, além de defender a unificação dos conceitos da ordem e do “progresso” numa lei mestra (Nisbet, 1985). Com visão de plenitude, história humana linear e continuidade orgânica sobre o progresso similar à do pensamento europeu desde os gregos (incluindo-se a Idade Média), porém sem consciência do fato, Comte alicerçava seus princípios aos conceitos de ordem e de “progresso”, indicando que estes são indissociáveis na dinâmica social. Segundo ele, não se poderia primeiramente desconhecer a aptidão espontânea dessa filosofia a constituir diretamente a conciliação fundamental, ainda procurada de tão vãs maneiras, entre as exigências simultâneas da ordem e do “progresso” (Comte, 1978).

O bordão político “Ordem e Progresso” teve sua gênese instituída sobre o lema religioso e expressa o significado de “conservar melhorando”, isto é, manter e aperfeiçoar aquilo que existe de bom (Ordem) através da correção e supressão daquilo que é ruim (Progresso). No intuito de preconizar a realização dos ideais republicanos, a doutrina religiosa positivista busca a manutenção de condições basilares dentro do âmbito social (respeito aos seres humanos, salários dignos etc.) e o crescimento do país (em termos materiais, intelectuais e, principalmente, morais).

Fulgurado na bandeira brasileira, porém engendrado dentro do pensamento positivista, o termo “progresso” em sua concepção comtiana passaria a fazer parte substancial do vocabulário político e econômico brasileiro, além de outros campos, como da Filosofia, Sociologia etc. Isso já era de amplo afeito na Europa, onde era notório o impulso do capitalismo e, por consequência, a valorização da propriedade, o livre mercado e a produção de riqueza para a acumulação desigual de renda.

Era necessária a propagação de novos modelos culturais e um novo país parecia estar surgindo sobre os escombros da Monarquia. Foi necessário o estabelecimento de novos valores, novas escolas de ideias, padrões de conduta e movimentos que fizessem com que o ideário do positivismo não ficasse apenas inserido nos grupos de pensadores defensores da doutrina. A intenção era de promover profundas reformas na sociedade brasileira em suas mais diversas esferas – inclusive no desígnio de alcançar outros países da América do Sul –, num intenso processo de contestação e debate.

Silva (2016, p.25) caracteriza o espaço de tempo que se estendeu de 1881 até 1927 como o “período heroico do Positivismo, [...] marcado por sua propaganda e ação política”. Em ambos os aspectos de ação, o propósito era estabelecer a comunicação entre os filiados e simpatizantes, desenvolver alegações contra as atitudes do Império em relação às políticas centralizadoras de Estado (especialmente no campo da educação) e forjar projeções com o estabelecimento da República. O que estava em jogo era uma nova concepção de país: padrões culturais, regulamentações políticas, valores de conduta, correntes de ideias e arquétipos de pensamento frente a um Brasil catártico em tempos de incertezas e paradoxos.

É nesse sentido que a educação aparece como o elemento decisivo que estaria apto a reconstruir os escombros da sociedade brasileira pós-monárquica e fazer com que os ponteiros fossem acertados com uma nova realidade fundada na ordem e no “progresso”. Como se deu, então, diretamente a influência do legado positivista na formação da instituição educacional no País?

O Apostolado Positivista no Brasil formulou e tornou públicas as propostas educacionais para o Brasil entre 1870 e 1930. Para Silva (2016), seus realizadores buscavam desenvolver um projeto pedagógico próprio e, a partir dele, formar um novo homem face às novas exigências da ordem advinda da burguesia.

Convergindo com a perspectiva de Comte em sua percepção da Europa do século XIX, a Igreja Positivista no Brasil em fins do século XIX tinha a visão de que a sociedade estava em crise. Era de extrema necessidade um conjunto de providências para a “reabilitação moral” da sociedade em questão. As concepções de educação em Comte, a maioria delas espraiada no agregado de sua obra, foram, então, a influência máxima do Apostolado Positivista no Brasil, no intuito de reorganizar a sociedade brasileira. Frente a um cenário de mazelas e descréditos de um Império visto como um regime elitista, corrupto e incapaz de fazer do Brasil uma verdadeira nação (Silva, 2016), era improtelável a necessidade de se repensar a formação dos indivíduos.

Períodos de crise anseiam por novas respostas: intelectuais, industriais e os próprios trabalhadores de categorias de base viam a conjuntura do período como um ciclo em fins de funcionamento. O positivismo representava a doutrina que consolidaria a ordem pública, desenvolvendo nas pessoas uma “sábia resignação” à sua condição para Gadotti (2003).

O Apostolado Positivista entendia que o uso da violência ou da coerção não poderia ser tomado no reestabelecimento da ordem social e moral. Tendo como um de seus sustentáculos a fraternidade, o esclarecimento da sociedade como um todo se daria pela sua fundação, ou seja, pela educação/formação dos indivíduos. Caberia então à educação a organização e o fomento da compreensão da sociedade, tendo como parâmetros as tendências do regime industrial e as leis que regem os fenômenos, isto é, o positivismo em si.

Não se tratava realmente de uma libertação das camadas de base ou da classe operária, mas sobretudo de um controle com o escopo de esmorecer ideais revolucionários que trariam a desordem. Qualquer tipo de manifestação violenta ou conflituosa era considerado método de embate político incongruente.

O método de prostração de um corpo social conturbado e que aspira mudanças se daria pela esfera moral: “ser culto, moderno, significa, para o brasileiro do século XIX e começo do XX, estar em dia com as ideias liberais, acentuando o domínio da ordem natural, perturbada sempre que o Estado intervém na atividade particular” (Faoro, 1976, p.51).

Silva (2006, p.12) enxerga o século XIX como um período imerso a “algumas tendências educacionais como organização de um sistema de ensino, maior participação do Estado no ensino, formação para o trabalho industrial, organização de uma educação nacional, universal, gratuita, obrigatória, pública e laica”. Era necessário instaurar uma nova filosofia de educação, com bases fundamentadas na formação científica, divergente do que era estabelecido até então pela filosofia católica. Num período marcado por convulsões das relações sociais, “reformar” foi a expressão constantemente utilizada para se evocar uma nova definição da sociedade. Dentro do âmbito educacional, era impreterível uma reorganização do saber baseada na inserção nos princípios filosóficos e científicos.

Ponderando o positivismo além de um método científico, tal sistema estava envolto de uma filosofia da história, ou seja, de um projeto político, de uma doutrina religiosa e também de um projeto de educação que tiveram seu período áureo entre os anos de 1870 a 1920 no Brasil. A defesa essencial amparada pelos positivistas focalizava os ideais de liberdades: ideias, religiões, trabalho e circulação de capital estrangeiro entre os países. Tal posicionamento se intensificou no início do século XX, tendo se caracterizado pelo debate de noções liberais sobre o processo de escolarização, que era considerado como o grande instrumento de participação política.

O papel indispensável da escola e do sistema pedagógico era exercer a reforma na educação através de, primeiramente, uma transformação das instituições. A questão do ensino público preencheu um lugar importante nessa investida de modernização brasileira que, para Silva (2006), era fundamentada no ideário de soberania econômica como suporte para a ordenação de um poder nacional de apologia aos ideais marcados pelo “progresso”, mas sem renunciar às liberdades.

“Progresso e liberdade” eram, então, expressões entoadas não só pela igreja positivista, mas por diferentes grupos que convergiram no intuito de evidenciar a condição incoerente e a desorganizada situação do ensino brasileiro em seus diferentes níveis. A igreja católica fora acusada de se opor às ideias de um progresso que, segundo os próprios positivistas, encontrava-se em franca expansão em todo o resto do mundo. “A ideia de progresso, no Brasil, consistia em emancipar a população e a sociedade em geral do jugo eclesiástico e das antigas tradições e crenças, cujos valores religiosos ainda estavam arraigados nas diferentes classes sociais” (Silva, 2016, p.100).

A educação, nesse contexto, consistia num processo que abrangeria duas modalidades: instruir e educar. Porém, isso ocorreria não somente de um modo formal, no que diz respeito às instituições, mas em diferentes ambientes e circunstâncias. Assim, a preconização da ciência e do saber em detrimento de outros setores, o otimismo e a esperança no futuro através de um “progresso” instaurado paulatinamente na sociedade marcam o ideário positivista não só nas instituições de ensino, mas em todo e qualquer local em que o conceito de educação (ampliado pelos positivistas) esteja introduzido.

A propagação do positivismo no campo educacional deu-se nos documentos oficiais, por decorrência das reformas educacionais que buscavam, influenciadas por Comte, elementos para a formulação do projeto republicano. Segundo os partidários da república e outros contemporâneos de princípios convergentes, parte do caos intelectual em que se encontrava a sociedade da época se devia à hegemonia pedagógica de base cristã enraizada no período imperial.

Silva (2016) salienta algumas tendências educacionais que se tornariam base para sua implantação no século XIX, como: organização de uma estrutura de ensino; maior participação do Estado; formação para o trabalho industrial; arranjo em torno de uma educação nacional, gratuita, obrigatória, pública e laica de instrução pública; e escolarização em massa. De forte teor tecnicista e produtivista, o positivismo introduzido na educação do Brasil tinha, na indústria e nas ciências e tecnologia, a crença de que nesses alicerces o desenvolvimento da sociedade seria gradual e natural.

Essa perspectiva estava amplamente condizente com a instalação do regime republicano. De acordo com a apostila positivista comtiana, cabia à educação apregoar, na formação dos novos discípulos republicanos, o respeito pelas instituições da economia burguesa e da vida citadina e fabril. Com a intenção de aumentar a eficiência e a produção, o positivismo infiltra-se no âmbito educacional com bases no cientificismo, na precisão e na previsibilidade. Os indicadores quantitativos passam a ser um dos pilares de um ensino voltado à formação do futuro operário. Silva (2016, p.130) mostra que o prisma industriário positivista no processo educacional:

[...] apresentava uma perspectiva otimista em relação ao futuro, cultivando a esperança de edificar uma nova realidade, por conta do desenvolvimento da indústria na Europa. O Apostolado achava-se envolvido na luta teórica e prática pela instauração de uma nova proposta pedagógica, ou seja, de um novo conteúdo nas escolas, para formar um novo homem. O surto da industrialização, do nacionalismo e do patriotismo conquistavam cada vez mais uma importante parcela dos intelectuais.

O agregado de ideias no movimento de instauração da República brasileira acompanhou como um todo o processo de modernização nacional. Não se pode esquecer que o momento histórico vivenciado por Comte refletia os conflitos sociais, ou seja, o desarranjo da sociedade moderna. A proposta de solução para a desorganização seria a reorganização dos costumes, da ciência e do pensamento científico e do enaltecimento da sociedade industrial. Nesse contexto, a educação é vista como instrumento substancial no processo de reforma social. Com o desígnio de reedificar a ordem, a educação tensionada pelo projeto positivista no Brasil é contextualizada num momento de mudanças, porém revela a intenção de controle político-ideológico da sociedade e da difusão do mundo industrial, valorizando o trabalho e com vistas ao processo de aceleração do que eles concebiam como o movimento histórico do “progresso” no país.

Seja como for, a conclusão a que se chega é a de que a própria constituição e maturação da educação nacional enquanto algo que deveria atingir, se não todos os indivíduos, uma camada maciça de cidadãos em formação, está indissociavelmente ligada a um processo de acomodação dos valores europeus, burgueses, capitalistas e industriais à realidade nacional. Para tanto, foi decisiva a influência do pensamento positivista, sobretudo o de Augusto Comte, já que a realidade desestruturada que teve sua gênese com o desmantelamento e derrocada do Império estabeleceu uma configuração extremamente fecunda para sua introdução.

A noção de progresso em Adorno e o pensamento positivista

Mas uma questão importante deve ser colocada a fim de que se complemente a reflexão teórica associada à discussão aqui realizada: de que forma uma ideia “progressista” por natureza, a de “progresso”, pode se coadunar com uma escola de pensamento que em seus princípios mais elementares e fundamentais é assumidamente conservadora, como o positivismo? Para responder de maneira apropriada a essa questão, um caminho bastante elucidativo envolve a apreciação do texto de Adorno (1992), que estabelece uma profunda arqueologia do tema, intitulando-o como “O Progresso”.

Nessa obra, o texto principia trazendo à tona a dificuldade para se conceituar apropriadamente o termo “progresso” para além dos seus usos mais hodiernos ou empíricos. O que inviabiliza a sua definição, para o autor, é o fato de que a noção de progresso não pode ser tomada como algo estanque, dissociada de sua existência no mundo real e galgada apenas em uma abstração conceitual atemporal. Nesse sentido, entende-se o apontamento das questões que ele elenca ainda no início de sua abordagem: “progresso do que? Para que? Em relação a que?” (Adorno, 1992, p.217). Na sequência, ele apresenta uma reflexão que é iluminadora para a compreensão de sua linha de argumentação:

Somente são verdadeiras aquelas reflexões sobre o progresso que mergulham nele, mantendo, contudo, distância, e que evitam os fatos paralisadores e os significados especializados. Hoje, tais reflexões culminam nas considerações sobre se a humanidade será capaz de evitar a catástrofe

(Adorno, 1992, p.218).

A realização do progresso se fundamentaria, então, na possibilidade de se afastar a catástrofe: nisso deveriam repousar todas as questões relativas à ideia de progresso. Como uma dessas catástrofes, Adorno aponta significativamente a penúria material. Levando-se em conta o avanço conseguido pelas forças produtivas técnicas, nenhum indivíduo na face da Terra deveria padecer de fome; ou seja, a evolução material que a humanidade alçara já à sua época seria suficiente para que a penúria de outrora fosse totalmente superada. Nesse ponto da argumentação, o autor explicita uma perspectiva central: para ele, uma vez superadas as barreiras técnicas que levavam à penúria e à fome, o expurgo de ambas dependeria “exclusivamente [...] da organização racional da sociedade total, como humanidade” (Adorno, 1992, p.217).

A importância decisiva de tal passagem é que ela abre caminho para que seja estabelecida uma diferenciação dualista entre duas noções de “progresso”: uma associada à evolução técnica das formas produtivas que permitiria ao homem, em tese, livrar-se de suas angústias materiais – ou um progresso técnico; e outra, ancorada à ideia de que a humanidade racionalmente se organizaria (ou deveria se organizar) para que essa evolução técnica de fato levasse a libertação da escassez para todos os indivíduos –, então um “progresso” humano.

Para que essa análise avance, é essencial compreender o que Adorno (1992) reitera seguidamente durante sua argumentação: a essência da noção de progresso está baseada na concepção de temporalidade cristã, com o tempo linear fluindo inexoravelmente – e teleologicamente –, em direção a um fim pré-estabelecido. Mas, se assim fosse de fato, como poderia ser concebida a dissociação entre o que foi chamado acima de “progresso” técnico e “progresso” humano?

Diferente da perspectiva unívoca da tradição cristã, estabelece-se uma compreensão dialética dos processos de longa duração que acompanham os devires históricos da humanidade. Dessa maneira, não é numa perspectiva atemporal e a-histórica que se deve buscar a resposta para a indagação acima: é na história; mais precisamente, no momento em que o “progresso” técnico passou a assumir um caráter extremamente representativo na organização social:

Enquanto a classe burguesa permaneceu oprimida, pelo menos no plano das formas políticas, opôs-se com a palavra de ordem do progresso à situação estacionária vigente; seu patos era eco desta. Somente depois de esta classe já ter conquistado as posições de poder decisivas, o conceito de progresso ‘degenerou’ em ‘ideologia’, que logo foi imputado pela vácua profundidade ideológica, ao século XVIII. O XIX chegou aos limites da sociedade burguesa; esta não podia realizar sua razão, seus ideais de liberdade, justiça e espontaneidade, a não ser superando seu próprio ordenamento

(Adorno, 1992, p.229, grifo nosso).

Para o autor, a burguesia enquanto classe revolucionária ascendente, ao destituir o regime feudal e a velha ordem social articulada em torno dos privilégios, introduziu algo de essencialmente progressista – ele lembra que não se deve esquecer que o próprio Marx, no seu famoso manifesto, atribuiu àquela classe esse papel no movimento dialético no qual surgiu como a resposta, a síntese, para as contradições inerentes ao modo de produção feudal, patriarcal e estacionário. Segundo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que nesse seu momento heroico, a burguesia era a anunciadora e a edificadora de um “progresso” que era técnico e humano a um só tempo. De que forma se operou, então, a fratura entre os dois “progressos”?

No momento em que essa classe toma o poder, seja através de uma revolução burguesa, seja por uma reacomodação das classes diretivas, o conceito de “progresso” se transforma em ideologia, segundo o filósofo frankfurtiano. Naturalmente, a ideologia precisa ser compreendida aqui a partir de seu sentido marxista tradicional de algo que funciona como uma falsa consciência, como um elemento alienante – que impede os indivíduos de compreender as relações de dominação a que estão submetidos. É essencial evidenciar a dinâmica dialética por trás de tal concepção: no momento em que a síntese se concretiza, ela volta naturalmente ao processo dialético que abrira.

É possível inclusive estabelecer um paralelo entre essa reflexão adorniana e aquela desenvolvida em sua obra mais conhecida, “A Dialética do Esclarecimento” (Adorno, 1985). Nesta última, buscou-se evidenciar de que forma a racionalidade (científica) iluminista funcionou primeiramente como uma força progressista que tencionava varrer do globo terrestre as interpretações mitológicas do mundo que traziam narrativas que eram inverdades puras e simples para, num segundo momento constituir-se, ela mesma, como uma narrativa mitológica e totalizadora, que se blindava de contradições em sua univocidade. Ao se materializar como classe dominante, a burguesia engendra uma ruptura entre os dois “progressos” que representava: isso fica claro na passagem acima, quando Adorno (1992) afirma que no século XIX a burguesia não podia mais realizar seus ideais de liberdade e justiça. No entanto, seus ideais de “progresso” técnico continuavam a todo vapor e não tinham motivo para serem questionados: afinal, quem colocaria em xeque as benfeitorias associadas à evolução da técnica e da ciência?

É exatamente nesse movimento que a ideia de “progresso” se consolida como uma ideologia, como algo que dá sustentação ao discurso dominante. Não por acaso, na segunda metade do século XIX, essa noção positiva (e positivista) de “progresso” chega ao auge e se torna universalmente aceita. A crença na razão e no poder dos homens se faz canônica, e a ciência e a tecnologia parecem sustentar a promessa de avanços ilimitados para a humanidade.

A partir da discussão empreendida por Adorno (1992), pode-se dizer que há um ponto de inflexão para historicizar e compreender mais a fundo as bases do pensamento positivista que influenciaram a educação no Brasil – bases essas sedimentadas na ideia de que a evolução técnica seria o grande bálsamo para as questões de ordem social e moral. O “progresso” buscado pelo Apostolado Positivista no Brasil, segundo essa interpretação, nada mais era do que uma ideologia de classe aclimatada aos trópicos. Por esse viés, é possível compreender porque a técnica, a ciência e a valorização da sociedade industrial que lhes corresponde era a bandeira da educação positivista no Brasil.

Considerações Finais

Buscou-se discutir o tema do “progresso” e as influências que ele estabeleceu na área da educação, mais especificamente no caso do Brasil e da relação que o pensamento positivista desempenhou com o ensino no País no momento em que a escolarização passava a se difundir para uma camada mais significativa da população.

Para tanto, principiou-se com uma discussão mais geral acerca da noção de “progresso” a partir de autores que se ocuparam da definição e da apreciação histórica da mesma. Na sequência, foi abordada de maneira mais detida a escola do pensamento positivista e seus principais expoentes, sobretudo Comte, já que a referida escola está visceralmente associada à valorização da ideia do “progresso” no século XIX. Como um dos precursores da Sociologia, esse autor deteve-se na busca da compreensão das causas da intensa desestruturação social que ele vivenciou, e buscou estabelecer alternativas viáveis para a superação dessa situação.

Não por acaso, seu pensamento foi introduzido no País num momento em que, com a derrocada do Império, a situação era vista como caótica e carente de elementos aglutinadores. Segundo a perspectiva comteana, como foi abordado na sequência, a educação seria precisamente o vetor que mais teria condições de amalgamar as contradições e fazer pairar a ordem. Nesse contexto, ganhou força o Apostolado Positivista no Brasil, que buscou conceber um modelo educacional cientificista e enciclopédico que fosse capaz de se alinhar com o “progresso” europeu.

Após a descrição de como o positivismo foi o esteio intelectual para o processo de escolarização no País, foram abordadas as discussões filosóficas e conceituais de Adorno sobre o “progresso”. Assim, foi possível relativizar a ideia de progresso como algo inexorável e posicioná-la como um elemento ideológico na maturação do sistema social capitalista e na proeminência da classe social que a representa, a burguesia.

1Artigo elaborado a partir da dissertação de H. FERREIRA, intitulada “Semblantes do progresso na educação brasileira”. Universidade do Vale do Sapucaí, 2018.

Como citar este artigo/How to cite this article

Ferreira, H.; Siquelli, S.A. Europeização: progresso e educação brasileira. Revista de Educação PUC-Campinas, v.24, n.3, p.477-495, 2019. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v24n3a4397

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Recebido: 25 de Outubro de 2018; Revisado: 11 de Março de 2019; Aceito: 21 de Março de 2019

Correspondência para/Correspondence to: S.A SIQUELLI. E-mail: soniapsiquelli@gmail.com.

Colaboradores

H. FERREIRA contribuiu na elaboração e adequação do artigo. S.A. SIQUEIRA promoveu reflexões e discussõespara a adequação do artigo.

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