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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.25  Campinas  2020  Epub 12-Dez-2019

https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4584 

Seção Temática: O Ensino Médio no Brasil: quais possíveis rumos?

Os Cursos Técnicos Integrados do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul1

The Technical Courses Integrated from Federal Institute of Mato Grosso do Sul (Brazil)

Tânia Mara Dias Gonçalves Brizueña2 
http://orcid.org/0000-0003-4841-6446

Kátia Cristina Nascimento Figueira3 
http://orcid.org/0000-0003-4101-9480

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS, Brasil.

3Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação. Av. Dom Antônio Barbosa, 4155, Jardim Santo Amaro, 79115-898, Campo Grande, MS, Brasil.


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a constituição dos Cursos Técnicos Integrados de Nível Médio no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Campo Grande, no período de 2011 a 2015. Trata-se de estudo qualitativo, que tem como metodologia a análise documental, o uso de questionários e a entrevista semiestruturada. A pesquisa é norteada pela relação entre trabalho e educação, por meio das categorias de análise propostas por Petitat (espaço, tempo e conteúdos). Os sujeitos da pesquisa foram 20 estudantes egressos, 19 docentes e 1 diretor, os quais participaram dos 3 cursos (Informática, Eletrotécnica e Mecânica). Constatou-se que, apesar da existência da proposta de integração, a dualidade histórica não foi totalmente superada, pois, segundo os egressos dos cursos, nem sempre ocorre integração entre as unidades curriculares; além disso, na percepção da maioria, a referida integração ocorre apenas de forma parcial. Somente um quarto dos sujeitos afirmou perceber a integração, de acordo com a constatação de que 57,8% dos docentes compreendem a concepção de integração do Ensino Médio com a Educação Profissional com vistas ao desenvolvimento integral dos estudantes. Com isso, sinaliza-se que há aspectos a serem aprimorados pela comunidade acadêmica.

Palavras-chave:  Curso Técnico; Ensino Médio; Ensino Profissional; Escola-Instituição

Abstract

This article aims to analyze the development of mid-level integrate technical courses in the Federal Institute of Mato Grosso do Sul, Campo Grande Campus, from 2011 to 2015. It is a qualitative investigation using a documental analyzes methodology, a questionnaire and semi-structured interviews. The investigation is based on the relationship between work and education, using the analyses categories indicated by Petitat: Space, Time and Contents. The subjects of the investigation were twenty former students, nineteen educators and one director who participated in three courses (Data Processing, Electrotechnology and Mechanics). It was observed that, despite the integration proposal, the historical duality has not been completely overcome since, according to students who completed the courses, not always integration occurs among the curricular unities, and the majority of the students feels that the integration mentioned is only partial. Only a quarter of the subjects could perceive this integration, considering that only 57,8% of the educators understand the conception of high school integration with professional education with view at providing a full development of the students. Therefore, there are aspects to be improved by the academic community.

Keywords:  Technical Courses; Mid-Level Education; Professional Education; School-Institution

Introdução

Encontram-se em curso alterações no Ensino Médio que têm produzido análises dos educadores sobre os condicionantes dessas mudanças. De acordo com Silva (2018), incide na proposta, dentre outros aspectos, a retomada dos princípios constantes nos Parâmetros Curriculares Nacionais dos anos 1990, ao indicar o princípio da competência como eixo central no currículo, com viés de adequação ao mercado e desvalorização da cultura:

Nos dispositivos que orientam as proposições curriculares com base em competências, prepondera, assim, uma concepção de formação humana marcada pela intenção de adequação à lógica do mercado e à adaptação à sociedade por meio de uma abstrata noção de cidadania. Esse discurso é marcado, também, pelo não reconhecimento da dimensão da cultura como elemento que produz, ao mesmo tempo, a identidade e a diferença. A noção de competências, ora como resultado de uma abordagem biologista e/ou inatista da formação, ora em virtude de seu caráter instrumentalizador e eficienticista, consolida uma perspectiva de educação escolar que, contraditoriamente, promete e restringe a formação para a autonomia (Silva, 2018, p.11).

Para Silva (2018), o respeito à pluralidade permanece na esfera formal do texto ao mesmo tempo em que diversos mecanismos de avaliação e de controle das experiências evidenciam que a prescrição da competência vincula-se a critérios de eficiência e produtividade.

Além desse aspecto, as mudanças desconsideram o diálogo com os professores como forma de construção coletiva de propostas que possam incorporar os saberes advindos de suas práticas reais. Assim, o descompasso permanece, visto que há permanência da forma histórica de um currículo prescritivo exterior à escola que reafirma a “dimensão autoritária dos enunciadores do discurso oficial e reitera uma perspectiva tradicional de proposição curricular: encontrar-se-ia na teoria, na intenção, no currículo prescrito, as saídas para os problemas da escola” (Silva, 2018, p.13).

Tomando como referência os retrocessos que remetem à década de 1990 e, dessa maneira, contrapondo-se ao anacronismo que se impõe, apresenta-se a experiência da materialização de uma instituição escolar, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), e dos cursos técnicos integrados implantados em Mato Grosso do Sul, os quais representam as possibilidades abertas pela mudança em âmbito legal em 2004, por meio do Decreto n°5.254/2004.

A Educação Profissional e os Cursos Técnicos Integrados do IFMS

No texto do Decreto n°5.154/2004, a educação profissional no Brasil incorporou o pressuposto do trabalho como princípio educativo ao mesmo tempo em que superava, no âmbito normativo, as premissas presentes no Decreto n°2.208/1997, que trazia a concepção da formação de um trabalhador adaptado, adestrado e treinado.

A problematização da educação profissional foi retomada em debates que representaram, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a disputa entre os setores progressistas e conservadores da sociedade brasileira pela hegemonia nesse campo.

[...] uma das mais relevantes, em razão do seu fundamento político e por se tratar de um compromisso assumido com a sociedade na proposta de governo, foi a revogação do Decreto n.º2.208/97, restabelecendo-se a possibilidade de integração curricular dos ensinos médio e técnico (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005, p.1089).

Dessa forma, as bases para a reestruturação de Cursos Técnicos foram explicitadas ao possibilitar a utilização do potencial que lhes é característico, visto que a categoria “trabalho” passou a ser vinculada com a educação, por meio da perspectiva de superação da dualidade existente entre formação específica e formação geral (Brasil, 2007).

Definia-se, portanto, no Decreto n°5.154/2004, a defesa da integração da formação geral (propedêutica) à formação profissional (técnica), partindo dos eixos correspondentes a trabalho, ciência, cultura e tecnologia:

A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social (Brasil, 2007, p.41).

Dessa maneira, assentadas na compreensão da integração do Ensino Técnico Profissional com o Ensino Médio e numa conjuntura política favorável impulsionada pelo debate do campo, as instituições educativas federais voltadas para a educação profissional ampliaram-se. Essa condição sinaliza pensar, ainda que brevemente, sobre o percurso que ensejou a ampliação das instituições voltadas para essa modalidade de ensino, pois ele representa o contexto em que foram criados o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul e os cursos técnicos integrados ofertados em Campo Grande.

A transformação em curso foi reiterada pela Lei n°11.195/2005 ao definir que a expansão da oferta da Educação Profissional ocorreria, preferencialmente, em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo e Organizações não Governamentais. Com esse amparo legal, foi lançada a primeira fase do Plano de Expansão da Rede Federal, por meio da construção de 64 novas unidades de ensino pelo Governo Federal, além da transferência do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET/Paraná) para a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que se tornou a primeira universidade especializada nessa modalidade de ensino.

A segunda fase do Plano de Expansão da Rede Federal foi lançada em 2007, com a meta de construir 150 novas unidades. Estabelecia, ainda, para 2010, o objetivo de alcançar o total de 354 unidades na Rede Federal. No ano de 2010, ainda foi lançado o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos.

No ano seguinte, com vistas à criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, extinguiram-se em 29 de dezembro de 2008, 31 Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), 75 Unidades Descentralizadas de Ensino (UNED), 39 Escolas Agrotécnicas, 7 Escolas Técnicas Federais e 8 Escolas Vinculadas a Universidades.

Esse processo de expansão pode ser evidenciado por meio dos seguintes dados: de 1909 a 2002, foram construídas 140 Escolas Técnicas; entre 2003 e 2010, mais 214 novas unidades foram entregues; de 2011 a 2014, o País contabilizava 562 unidades da Rede Federal em atividade. Atendendo ao plano de expansão da Educação Profissional, o ano de 2016 totalizou 644 campi em funcionamento. Cabe ressaltar que o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado por meio da Lei n°12.513/2011, a fim de ampliar a oferta de Educação Profissional e Tecnológica através de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira (Brasil, 2018).

Atualmente, a Rede Federal é formada por 38 Institutos Federais, 2 Centros Federais de Educação Tecnológica, 25 Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais, à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), ao Colégio Pedro II e a uma Universidade Tecnológica (Brasil, 2018).

A finalidade da Rede Federal, que abrange todo o território nacional, é formar e qualificar profissionais nos vários níveis e modalidades de ensino para vários setores da economia; além disso, pretende realizar pesquisa, desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços em articulação com os setores produtivos e com a sociedade. Deve, também, fornecer mecanismos para a educação continuada (Brasil, 2018).

A forte expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica a partir de 2003 ensejou a criação do campus de Campo Grande do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), com início de suas atividades em 2011 e conclusão de pelo menos duas turmas em 2015. No entanto, o modelo educacional da Rede Federal pode ser ameaçado com a reforma do Ensino Médio.

A reforma do Ensino Médio teve como argumento o fracasso do modelo praticado no Brasil, que é entendido como desconectado da realidade do mercado de trabalho e pouco atrativo aos jovens, acarretando em grande evasão. Nessa lógica, defendeu-se que era imperativa a busca por um novo modelo que atendesse às exigências dos educandos e do País. Ancorada nos resultados das avaliações do índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), a defesa pela mudança foi proposta na publicação da Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016, com força de Lei, pelo presidente Michel Temer.

Entretanto, no que se refere aos Institutos Federais, houve a seguinte situação:

Na divulgação do resultado do Enem 2015, houve um suposto erro da equipe técnica do Inep, ao fazer os cálculos para divulgar o resultado por escola e deixar de incluir os institutos federais. Após a pressão feita pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal (CONIF), o Inep reprocessou os dados e, assim, incluiu os institutos federais. O que, inversamente ao divulgado referente ao resultado fracassado dos estudantes no Enem, demonstrou que o desempenho dos institutos federais por escola foi muito acima das escolas particulares e da rede estadual, possibilitando perceber que o ensino público federal não é um fracasso. Já no que tange aos resultados do Brasil no Pisa, no qual ficou em 63.º lugar entre 72 países, verificamos que o desempenho dos institutos federais foi equivalente ao de países asiáticos, como a Coréia do Sul. Se fosse uma extração das ‘federais’, o Brasil alcançaria o 11.º lugar no ranking internacional (Brizueña, 2017, p.127).

Esses dados não foram considerados para a adoção de uma proposta de modelo educacional na reforma. O que foi realizado com o intuito de discutir com a comunidade acadêmica e civil foram as audiências públicas. Apesar de haver audiências públicas em alguns estados, como no estado de Mato Grosso do Sul, com a participação no senador Pedro Chaves (Partido Social Cristão, MS), relator da Medida Provisória nº746/2016, elas configuraram-se muito mais como cumprimento de protocolos, sem a devida incorporação das críticas e manifestações contrárias à proposta (Peres, 2016).

A aprovação da Medida Provisória nº746/2016 pelo Senado brasileiro converteu-a na Lei n°13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Isso se traduz em mudanças em outros dispositivos legais, como a LDB n°9394/96; a Lei n°11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e a revogação da Lei nº11.161, de 5 de agosto de 2005, que instituía a obrigatoriedade do ensino de espanhol na Educação Básica. Para implementar a mudança, criou-se o Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral por meio da Portaria 1023, de 4 de outubro de 2018.

De acordo com Petitat (1994, p.36), a instituição escolar participa “de maneira direta de uma produção social, da definição cultural de camadas que buscam não somente reproduzir-se assim como a suas diferenças, mas também produzir-se, dentro de um processo de diferenciação, de distinção e de afirmação”. Ela é, portanto, local de produção e reprodução de culturas, de projetos de classes e grupos sociais. Por serem relacionais com a sociedade envolvente, “a educação e a escola não podem ser compreendidas fora do contexto das relações que mantém com o restante da sociedade” (Petitat, 1994, p.37).

Assim, deve-se articular a análise da educação com a compreensão histórica dos aspectos político, ideológico e social do momento em que ocorre o processo educativo. Essas premissas são tomadas como ponto de referência quando são discutidas questões relativas a essa instituição escolar no Mato Grosso do Sul.

Procedimentos Metodológicos

A fim de alcançar o objetivo proposto, utilizou-se o levantamento do estado do conhecimento, análise documental da legislação pertinente ao tema e dos documentos institucionais. No que se refere à análise documental, esta é compreendida, nos termos de Lüdke e André (1986), como fonte que propicia evidências de um dado contexto para o pesquisador.

Foi utilizado, ainda, o questionário misto como instrumento para a abordagem quantitativa e a realização de entrevistas semiestruturadas como abordagem qualitativa. Entende-se que o questionário permite captar dados passíveis de serem mensurados, e a entrevista evidencia os aspectos subjetivos do entrevistado conforme discutem Espósito e Bicudo (1997). Ambos os procedimentos possibilitaram o levantamento e a produção de fontes com os sujeitos da pesquisa delimitados em um universo amostral de 40 participantes.

Os sujeitos da pesquisa foram estudantes egressos, professores e diretores que participaram dos três cursos técnicos integrados de Nível Médio ofertado no Campus Campo Grande durante o período de 2011 a 2015: Informática, Eletrotécnica e Mecânica. A Instituição oferta, ainda, o Curso Técnico Integrado em Manutenção e Suporte em Informática na modalidade Proeja, não analisado devido à especificidade de seu público alvo, que são os jovens e adultos.

O questionário aplicado aos estudantes egressos foi enviado pelo formulário do Google a 40 respondentes. Desses, foram recebidas devolutivas de 20 participações, sendo que, dentre os respondentes, 50% cursaram o Curso Técnico Integrado em Informática, 30% o Curso Técnico Integrado em Mecânica e 20% o Curso Técnico Integrado em Eletrotécnica. O questionário aplicado aos docentes foi enviado pelo formulário do Google a 45 professores efetivos, exceto aos que ingressaram no ano de 2016 em razão do limite temporal no ano 2015. Dos docentes que efetivamente tiveram participações, foram registradas 19 respostas, bem como foi entrevistado um gestor da instituição. Os docentes respondentes pertencem à Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, composta pelos cargos de provimento efetivo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), de que trata a Lei n°11.784, de 22 de setembro de 2008, que foi regulamentada e reestruturada pela Lei n°12.772, de dezembro de 2012. Dessa forma, eles ministram aulas em todos os níveis e modalidades de cursos ofertados no IFMS, e assim, nos três cursos investigados. A pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Protocolo CAAE n°57769416.9.0000.0021).

Tomadas como elementos importantes para se compreender a materialização de uma instituição escolar, as três categorias de análise de Petitat (1994) – espaço, tempo e conteúdos –, levaram a empreender o trabalho analítico nos seguintes termos:

Os espaços configuram-se em locais onde o ensino acontece, bem como evidenciam as relações internas e externas de poder; os tempos são sistematizados e divididos por atividades, por matéria, por momentos de ensinar e de verificar o que foi ensinado; e os conteúdos como as formas de seleção do quê e do como se deveria ensinar, estabelecendo-se um fechamento e uma total regulação do que se fazia e do que se esperava que fosse feito pelos estudantes e professores, sendo estes estabelecidos por meio dos Projetos Pedagógicos de Curso - PPC (Brizueña, 2017, p.32).

Em consonância com essa perspectiva, Buffa assinala:

Assim há que se investigar o processo de criação e de instalação da escola, a caracterização e a utilização do espaço físico (os elementos arquitetônicos do prédio, sua implantação no terreno, seu entorno e acabamento), o espaço do poder (diretoria, secretaria, sala dos professores), a organização do uso do tempo, a seleção dos conteúdos escolares, a origem social da clientela escolar, os professores, a legislação, as normas e a administração da escola. Essas categorias permitem traçar um retrato da escola com seus atores, aspectos de sua organização, seu cotidiano, seus rituais, sua cultura e seu significado para aquela sociedade (Buffa, 2001, p.84).

Resultados e Discussão

Quanto à categoria espaços escolares, tomou-se como ponto de partida discorrer sobre a gênese do espaço físico para, na sequência, analisar como o local da instituição escolar incidiu sobre as percepções da comunidade acadêmica.

A partir da reestruturação da Educação Profissional no Brasil por meio do Decreto nº5.154, de 23 de julho de 2004, os Institutos Federais, dadas as especificidades de sua organização didático-pedagógica, propugnam um novo modelo de trabalho pedagógico. Este modelo incorpora as exigências do mundo de trabalho, cada vez mais competitivo e excludente, ao Ensino Médio Integrado, que assume a função de propiciar o domínio dos saberes historicamente construídos, fornecendo aos jovens instrumentos para a análise crítica da sociedade em que vivem. A definição dos Institutos Federais está explicitada no texto legal pela Lei n°11.892/2008:

[...] possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. [...] são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (Brasil, 2008, online).

Dentre as finalidades dos institutos federais, estabelecidas pela Lei n° 11.892/2008, está a de “ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos” (Brasil, 2008, online), devendo ser destinadas, no mínimo, 50% de suas vagas para atender a essa determinação. As propostas de oferta de cursos devem ser consoantes ao Catálogo Nacional de Cursos Técnicos ou Catálogo Nacional de Cursos Superiores. Há, portanto, uma autonomia relativa, pois se segue o prescrito pelo Estado, que se responsabiliza em âmbito formal desde sua gênese até sua regulação.

Apesar de a presença da Educação Profissional no estado de Mato Grosso do Sul ser anterior à instalação do IFMS, a oferta do Curso Técnico Integrado na esfera federal deu-se inicialmente em 2010, no município de Nova Andradina (MS). No ano seguinte, sua presença ocorreu em outros seis campi, tornando o IFMS a primeira instituição federal de Educação Profissional, Técnica e Tecnológica de Mato Grosso do Sul, estado assentado em uma economia majoritariamente agropecuária.

Desde sua criação, o IFMS funcionou em dois locais provisórios até ter um lugar definitivo em 2017. Em razão da inexistência de sede própria, inicialmente o campus funcionou na Av. Júlio de Castilho, 4960, Bairro Sílvia Regina. Os espaços escolares são importantes de serem mencionados, pois podem se constituir em elementos indicadores das relações sociais travadas entre os membros do grupo. É o lugar da socialização, marcador de identidade, onde o ensino acontece e onde as relações de poder são construídas tanto interna quanto externamente, como, por exemplo, a diretoria, a secretaria e a sala dos professores (Petitat, 1994).

A insatisfação da comunidade interna com o primeiro espaço escolar foi informada pelos sujeitos da pesquisa, que consideraram a infraestrutura inadequada para a realização das atividades acadêmicas e administrativas. Essa insatisfação foi explicitada por 94,7% dos docentes e por 95,0% dos alunos. Segundo o gestor entrevistado, a expectativa era de que o espaço provisório do Bairro Sílvia Regina “seria por um período curto e que a gente mudaria para sede definitiva” (Gestor A). Ainda houve necessidade de um segundo espaço provisório, que, de acordo com o gestor, “era melhor, mas também provisório” e que “apresentava vários problemas também, de acessibilidade principalmente” (Gestor A). A execução da proposta pedagógica esbarrava nos limites materiais que impunham restrições para a sua execução.

A transferência para o segundo espaço provisório ocorreu em março de 2015 com uma nova estrutura dotada de cerca de 2 mil metros quadrados, com 13 salas de aula, cinco laboratórios, biblioteca, salas de estudo, de artes, além de quadra poliesportiva coberta e cantina (Aragão, 2015).

De acordo com os estudantes, esse local provisório, localizado na Rua Treze de Maio, 3072, no centro de Campo Grande, propiciou “vivências positivas” e possibilidade de “expressão dos estudantes”. Entende-se que o espaço escolar se constitui em lócus de identificações sociais dos indivíduos, percebida ao afirmarem que “tem cara de escola”, “conta com uma quadra” e o “acesso é fácil, uma vez que conta várias linhas de ônibus na região”. A menção à quadra deu-se porque, no primeiro espaço, as aulas de educação física, segundo os entrevistados, eram feitas externamente no Centro de Formação da Polícia Militar (Cefap). O terceiro espaço do Campus Campo Grande ocorreu de forma definitiva em 2017, com a construção de cerca de 8 mil m2 de área. As atividades acadêmicas na nova sede ocorreram em 31 de julho do mesmo ano (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2017).

De acordo com o Relatório de Gestão IFMS 2011, a oferta educacional no Campus Campo Grande iniciou-se a partir do ano de 2011, por meio do Edital nº12/10 – Exame de Seleção – IFMS:

O Curso Técnico Integrado que teve início no Campus Nova Andradina em 2010 passou a ser ofertado no primeiro semestre de 2011 em outros seis campi do IFMS na modalidade presencial e integrado, atendendo simultaneamente às exigências da Educação Básica e da Educação Profissional, ofertando 1.360 vagas em diferentes eixos tecnológicos. Inclui-se aqui estudantes do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2011a, p.1).

Em 2011 havia 240 vagas distribuídas entre os Cursos Técnicos em Eletrotécnica, Mecânica e Informática, bem como 40 vagas ofertadas ao Curso Técnico em Manutenção e Suporte em Informática, na modalidade Proeja. A fim de incluir os egressos da Escola Pública, 50% das vagas ofertadas foram destinadas a candidatos cotistas.

Quanto à organização curricular, que engloba o tempo e o conteúdo (Petitat, 1994) considerados como elementos importantes para a análise das instituições escolares, identificou-se que nem todos os professores conheciam os Projetos Pedagógicos. Ainda que numa margem pequena, 94,7% dos respondentes afirmaram total conhecimento e 5,3% desconhecimento. Sobre a participação na elaboração dos Projetos Pedagógicos dos Cursos Técnicos Integrados ou em sua melhoria, constatou-se que 63,2% dos respondentes afirmaram sua participação e 36,8%, a não participação, o que leva a inferir a falta de efetivo comprometimento, pois eles preferiam seguir o “programa determinado”.

Dentre os dados obtidos entre os docentes, foram encontrados relatos como: “Infelizmente muitos docentes entram no IFMS e acreditam que não precisam fazer mais nada, pois adquiriram sua estabilidade, por essa razão, não vejo o esforço coletivo para buscar a melhoria continua dos processos e disciplinas” (Docente A).

Esses aspectos são importantes, se tomados como indicativos de uma realidade que demanda participação para a promoção da mudança e do engajamento na construção de uma proposta coletiva.

A partir do entendimento de que a Educação Básica é fundamental como estratégia para a construção da nação, Frigotto; Ciavatta e Ramos (2012, p.73) assinalam que “quanto mais regressivo e desigual o capitalismo realmente existente, mais ênfase se tem dado ao papel da educação, e uma educação marcada pelo viés economicista, fragmentário e tecnicista”. É, portanto, do embate entre concepções de sociedade e trabalho que emerge a disputa pela educação como prática mediadora do processo de produção, processo político, ideológico e cultural.

Saviani (2007) defende que a especialização que ocorre no processo produtivo não deve ser reproduzida pela escola no Ensino Médio, o qual deve organizar-se de modo a “propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos” (Saviani, 2007, p.161).

Nesse sentido, a politecnia implica em “uma educação que possibilita a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas” (Ramos, 2008, p.3). A integração no currículo efetiva-se na articulação de três sentidos complementares: “como concepção de formação humana; como forma de relacionar ensino médio e educação profissional; e como relação entre parte e totalidade na proposta curricular” (Ramos, 2008, p.3).

A estrutura curricular dos cursos técnicos constante nos Projetos Pedagógicos analisados compõe-se de unidades curriculares de formação específica, de unidades comuns a todos os Cursos Técnicos Integrados e outras unidades da parte diversificada.

[...] apresenta bases científicas, tecnológicas e de gestão de nível médio, dimensionadas e direcionadas à área de formação. Estas bases são inseridas no currículo, em unidades curriculares específicas ou nas unidades curriculares de base tecnológica, no momento em que elas se fazem necessárias (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2011b, p.16).

A integração pode ser alcançada porque os estudantes podem realizar, além das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nos Projetos Pedagógicos dos cursos analisados, há intenção de se romper com a histórica dualidade no modelo hegemônico de educação, estabelecendo como centralidade os processos formativos, com foco na profissionalização, ao mesmo tempo em que incorpora as dimensões da Ciência e Tecnologia, como forma de não dissociar teoria e prática. Assim, o IFMS “fez opção por tecer o seu trabalho educativo na perspectiva de romper com a prática tradicional e conservadora que a cultura da educação impõe na formação técnica” (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2011c, p.5).

Os Projetos Pedagógicos dos Cursos Técnicos em Eletrotécnica, Mecânica e Informática, estabelecem o propósito de abarcar “processos formativos diversos, onde podem ser incluídas iniciativas visando à qualificação profissional, ao desenvolvimento comunitário, à formação política e a inúmeras questões culturais pautadas em outros espaços que não o escolar” (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2011d, p.5).

Apesar de os Projetos Pedagógicos apontarem para a superação da dicotomia existente historicamente, os dados da pesquisa revelam que essa visão, ainda, não foi totalmente superada, pois a proposta do currículo integrado é uma relação entre partes e totalidade:

[...] cuja formulação incorpora contribuições já existentes sobre o mesmo tema, mas pressupõe a possibilidade de se pensar um currículo convergente com os propósitos da formação integrada – formação do sujeito em múltiplas dimensões, portanto, omnilateral – e da superação da dualidade estrutural da sociedade e da educação brasileiras (Ramos, 2011, p.775).

Assim, sobre o entendimento dos docentes do currículo integrado, as respostas recebidas (57,8%) se aproximaram do referido conceito. Dentre as percepções dos docentes a respeito do currículo integrado, obteve-se: “Aquele que integra a formação básica a Profissional/Técnica e quando ocorre também a integração entre as unidades curriculares!” (Docente B); “Integração de todas as disciplinas, independente de serem técnicas ou do núcleo comum, a fim de formar o cidadão e o profissional para o mercado de trabalho” (Docente C); “A união do Ensino Médio regular com disciplinas de formação profissional” (Docente D).

Ao serem questionados se as atividades integradas entre as diversas unidades curriculares, no decorrer do curso, costumavam ser efetivas, houve a seguinte resposta dos estudantes egressos: 25% percebia a integração, 20% afirmou que não havia integração e 55% afirmou que a integração era parcial. Dentre o apontado pelos egressos, destaca-se: “Principalmente nas matérias técnicas, no decorrer do curso chega um momento em que o conhecimento adquirido em uma matéria é visivelmente aplicado em outra” (Egresso A). “Todas as aulas eram extremamente fechadas em seu mundo, até mesmo nas matérias de humanidade (sociologia e filosofia) não se relacionavam. Hoje visualizo que tanto poderia ter sido feito” (Egresso B).

Sobre a contribuição do Curso Técnico Integrado para sua formação, 70% dos egressos afirmou que contribuiu, 15% afirmou que contribuiu parcialmente, 10% afirmou que o curso não contribuiu e 5% não se manifestou. Indagados sobre os elementos necessários para a melhoria do Curso Técnico Integrado para a formação, os estudantes pontuaram: alteração na duração do curso de 3,5 anos para 4 anos; melhoria na infraestrutura física; reestruturação dos projetos pedagógicos de curso; parcerias para realização de estágios; formação dos docentes para trabalhar com o Ensino Médio Integrado; oferta de cursos em outros eixos tecnológicos; e realização de mais aulas práticas em laboratórios.

Em razão de os Institutos Federais poderem realizar ensino, pesquisa e extensão e, ainda, dada a repercussão positiva dos resultados dessas ações supervisionadas por orientadores, mais de 70% dos alunos egressos participantes declararam o envolvimento nessas atividades; ao mesmo tempo, 5% não realizaram extensão e 10% não realizaram pesquisa ao longo do curso.

Em relação aos docentes, 84,2% envolveram alunos nas atividades de pesquisa e 63,2% em atividades extensionistas. Ainda que sejam bons números, constatou-se que havia uma parcela de alunos que não participou de nenhuma dessas atividades, o que leva a inferir que há uma demanda, ainda que pequena, a ser atendida.

Esse envolvimento correlaciona-se com as indicações das facilidades existentes no curso técnico integrado ao Ensino Médio, as quais foram relatadas pelos estudantes: relacionar os conceitos estudados com situações práticas; formação para atuação profissional; inserção na extensão e na pesquisa e aprendizagem que motiva o ritmo nos estudos. Dentre as dificuldades, foram elencadas: a ausência de maturidade dos estudantes em lidar com um modelo que exige muita dedicação; pouco campo de estágio e a duração do curso em 3,5 anos.

Considerado pelos alunos um curso de pouca duração, ele é composto de aulas ministradas em seis tempos durante a semana, em um regime semestral em que são cumpridos cem dias letivos, com inclusão de alguns sábados. Essa estrutura é normatizada pela LDB nº9.394/1996 e pelo Regulamento da Organização-Pedagógica dos Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, 2011a, p.10).

Pelo exposto, infere-se que a constituição do IFMS, no Estado de Mato Grosso do Sul, traz contribuição significativa ao processo de escolarização, porém é preciso debruçar-se sobre as contradições e as possibilidades que se impõem ao Ensino Técnico Integrado, visto que principalmente na atual conjuntura “as dificuldades de se implantar uma proposta contra-hegemônica não são somente de ordem conceitual, mas uma expressão da capacidade da classe dirigente em manter seus princípios vigorando no senso comum da sociedade” (Ramos, 2011, p.773).

Considerações Finais

A constituição dos Cursos Técnicos Integrados no Campus Campo Grande do IFMS insere-se na política de expansão da Rede Federal iniciada no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e continuada pela presidente Dilma Rouseff. Essa expansão substituiu o modelo no qual a oferta era de cursos sequenciais destinados aos que já haviam concluído o Ensino Médio ou cursos técnicos ofertados em concomitância aos alunos que cursavam o Ensino Médio e tinham intenção de se profissionalizar.

O modelo dos cursos técnicos integrados implantados no estado pelo IFMS foi bem aceito pela comunidade em razão do potencial de formação para a atuação profissional e da integração dos conceitos estudados no ensino, pesquisa e extensão. Apesar disso, o conceito de Ensino Médio Integrado que tem o trabalho como princípio educativo ainda não se concretizou efetivamente.

Os limites encontram liame na defesa hegemônica em curso de um Ensino Médio de caráter pragmático e adestrador, restrito à preparação para o mercado de trabalho, que se contrapõe à proposta de uma escola democrática, justa e que considere como possível a articulação entre o trabalho manual e intelectual ainda não alcançado em sua plenitude pelo IFMS.

No âmbito interno, verificou-se pouca maturidade dos alunos em lidar com a proposta que exige mais dedicação. Além disso, foram constatadas lacunas existentes entre as unidades curriculares trabalhadas de forma isolada por alguns docentes, falta de campo de estágio e, por fim, espera de um semestre pelos alunos para o ingresso nos cursos superiores, visto que a duração dos cursos técnicos integrados é de 3,5 anos.

Entende-se que uma formação sólida que estabeleça o sujeito no centro da organização do trabalho educativo é uma tarefa difícil que demanda mudanças profundas na concepção educacional do País, na profissionalização docente, entre outros aspectos. Assim, é possível superar as dificuldades que se enfrentam nos âmbitos interno e externo das instituições escolares, mas que incidem em toda a comunidade acadêmica. A formação do cidadão para o mundo do trabalho não é tarefa autônoma de uma instituição, mas deve ser uma Política de Estado como projeto efetivo de toda a sociedade.

Tomando como parâmetro o Ensino Médio ofertado no País, ainda com os limites evidenciados, entende-se que o modelo de Ensino Médio Integrado adotado pelo IFMS tem trazido resultados significativos. No entanto, a reforma do Ensino Médio pode colocar em risco o modelo praticado pelo IFMS.

Os dados utilizados, de acordo com o Inep, para corroborarem a justificativa da mudança, convertida na Lei nº13.415/2017, mostram que o Brasil possuía 8 milhões de matrículas de estudantes no Ensino Médio, porém com baixo rendimento, visto que, segundo dados divulgados em 2016 referentes ao ano de 2015, a meta era alcançar 4,3, e o resultado foi de 3,7 no IDEB. Em relação ao PISA, que testa alunos de 15 anos em 70 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificou-se que o Brasil continua nas últimas posições nas três áreas avaliadas. Além disso, o Inep ressaltou que os resultados obtidos por escola no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015 também foram utilizados para reforçar a justificativa da necessidade de se reformar o Ensino Médio brasileiro.

Nos resultados obtidos pelos Institutos Federais no Enem 2015, nota-se o destaque no âmbito educacional nacional, o que fica evidenciado também na avaliação do Pisa após auferir as matérias de ciências, leitura e matemática em que a Rede Federal obteve média acima das instituições particulares e/ou com rendimento igual. Cabe pontuar que se o resultado da avaliação fosse comparado com resultados de outros países a Rede Federal lograria média superior à dos países desenvolvidos. Essa condição que revela os bons resultados foi excluída dos discursos que preconizavam o fracasso da educação brasileira.

Assim, o modelo educacional da Rede Federal deixou de ser mencionado nas discussões, mesmo os resultados positivos. O referido modelo dos institutos federais aproxima-se do proposto do ideal de um Ensino Médio unitário cuja concepção assenta-se no entendimento de que o trabalho, a ciência e a cultura são princípios estruturantes, que visam resolver problemas de seu tempo.

A possibilidade de articular Ensino, Ciência e Tecnologia, em sintonia com as demandas do desenvolvimento local e regional vincula-se à formação dos docentes que possuem professores graduados, mestres e doutores que constroem vínculos em diferentes níveis e modalidades de ensino, assim como em diversos níveis da formação profissional. Isso é possível em razão do desenho institucional proposto e o amparo à carreira por meio do Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) constante na Lei nº 12.772/2012, que prevê, dentre outras, a possibilidade dos docentes desenvolverem projetos de pesquisa e extensão aliados ao ensino.

Essa configuração permitiu que um aluno do curso de informática do IFMS, orientado por um professor de informática e coorientado por outro docente de matemática obtivesse, em 2016, o primeiro lugar na Feira Internacional de Ciências e Engenharia, área Biomédica na Intel ISEF, considerado o evento mais importante em ciências do mundo para alunos do ensino médio, com participação de 1.700 estudantes de Ensino Médio de mais de 75 países.

Além de alcançar o primeiro lugar, o aluno foi premiado com o melhor projeto da Categoria Engenharia Biomédica, prêmio Philip V Streich Memorial Award, que prevê viagem de duas semanas a Londres com outros jovens cientistas, bem como o batismo de um asteroide com seu nome. O projeto, denominado “Prendendo fantasmas em robôs: um novo método de controle e design para próteses mioelétricas transradiais e rearranjo neuronal do Mapa de Penfield para feedback tátil”, teve como foco a síndrome do membro fantasma que acomete grande parte dos amputados. Com isso, o referido projeto desenvolveu um protótipo que simulava o membro perdido em ambiente virtual, bem como construiu um aparelho que promovia a sensação do membro perdido, possibilitada por meio de vibrações de um celular conectado ao corpo do amputado. A outra etapa previa a construção de um antebraço em 3D com sensores de força e temperatura que reproduziam o sentido do toque, criando ilusão de estímulo no membro perdido.

Em 2019, o IFMS estava com 14 finalistas em outra feira de ciências, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), com projetos em 12 áreas distintas, o que corrobora a relevância da Educação Básica.

Essas descrições pretendem evidenciar que esse modelo de educação pública e gratuita, consolidado na Rede Federal, poderia ser contemplado nas discussões sobre a reforma do Ensino Médio por meio do diálogo com a comunidade acadêmica, que tem efetiva experiência exitosa juntamente com a sociedade civil.

Pelo exposto, entende-se que possivelmente haverá um retrocesso da educação, pois há fragmentação dos percursos formativos, reiteração dos problemas advindos com a dualidade histórica, danficação do princípio educativo que estabelece o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica, e um encaminhamento pari passu com o comprometimento da execução do Plano Nacional de Educação (PNE) por conta da PEC 55, que limita os gastos públicos. Resta claro que o investimento orçamentário no custo-aluno do Ensino Médio e a valorização dos professores são situações emergentes.

Nesse sentido, cabe ressaltar que o investimento em educação feito pelo Brasil é menos da metade do que a média dos países da OCDE. Não há como alcançar melhores índices apenas alterando o currículo, sem olhar para o interior da escola, sua infraestrutura e seus profissionais. Por que não investir em mais unidades de institutos federais, já que esse modelo deu certo? A intenção será mesmo de melhoria ou o barateamento da educação? São questões que merecem reflexão.

1Artigo elaborado a partir da dissertação de T.M.D.G. BRIZUEÑA, intitulada “Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS) e os cursos técnicos integrados em Campo Grande, MS, de 2011 a 2015”. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, 2017.

Como citar este artigo/How to cite this articleBrizueña, T.M.D.G.; Figueira, K.C.N. Os Cursos Técnicos Integrados do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. Revista de Educação PUC-Campinas, v.25, e204584, 2020. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4584

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Recebido: 30 de Abril de 2019; Revisado: 18 de Julho de 2019; Aceito: 31 de Julho de 2019

Correspondência para/Correspondence to: K.C.N. FIGUEIRA. E-mail: <katiafigueira@uems.br>.

Todas as autoras contribuíram de forma igual na elaboração da redação final do texto.

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