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Revista de Educação PUC-Campinas

Print version ISSN 1519-3993On-line version ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.25  Campinas  2020  Epub June 17, 2020

https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4626 

Seção Temática: O Ensino Médio no Brasil: quais possíveis rumos?

Reforma do Ensino Médio: velhos problemas e novas alterações

Secondary School Reform: Old problems and new changes

Samuel Mendonça1 
http://orcid.org/0000-0002-2918-0952

Wanessa Cristiane Gonçalves Fialho2 
http://orcid.org/0000-0002-0896-1362

1Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Educação. R. Professor Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, 1516, Parque Rural Fazenda Santa Cândida, 13087-571, Campinas, SP, Brasil. Correpondência para/: S. MENDONÇA. : <samuelms@gmail.com>.

2Universidade Estadual de Goiás, Curso de Ciências Biológicas. Quirinópolis, GO, Brasil.


Resumo

O presente estudo objetiva apresentar uma retomada cronológica das mudanças ocorridas no Ensino Médio brasileiro, bem como discutir a atual Reforma Educativa, a partir da Lei nº 13.415, de 16/02/2017 e da Base Nacional Comum Curricular. O problema foi pensado por meio da pergunta: alterações do Ensino Médio são suficientes para qualificar a educação ao menos deste nível de ensino? A hipótese do texto é de que não há Reforma que qualifique um nível de ensino sem que se leve em consideração a correlação com outros níveis, neste caso, o Ensino Fundamental e o Ensino Superior. O método utilizado consistiu em pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo o exame da legislação que trata do Ensino Médio, mas também pesquisa qualitativa no que diz respeito ao exame de posições de autores que tratam do tema. A singularidade do artigo está na necessidade de se pensar uma Reforma ampla e não de apenas um nível de ensino. Como resultados, argumenta-se que a proposta de Reforma do Ensino Médio, operacionalizada pela Lei n°13.415 de 16/02/2017, não oferece possibilidade de qualificação do Ensino Médio por desconsiderar outros níveis de ensino, além das interferências na estrutura das provas dos vestibulares de universidades estaduais, confessionais e privadas, adequando-a às competências e habilidades; a alteração sobre o entendimento em relação à formação docente e, por fim, a transparência nas parcerias entre os sistemas de ensino, instituições de educação e o Ensino a Distância.

Palavras-chave:  Ensino Básico; Políticas Públicas; Reforma do Ensino Médio

Abstract

This paper addresses the background of the different changes that occurred in the Brazilian secondary school with a discussion on the current educational reform, starting with Law n°13,415 of 02/16/2017 and the Common National Curricular Basis. The paper’s topic was thought based on the question: are the secondary school changes sufficient to qualify education at least at this level? The hypothesis is that there is no Reform that qualifies one level of education without taking into account correlation with the other levels, in this case primary school and higher education. The method adopted was based on literature review and documental survey, especially the examination of the legislation concerning Secondary School but also on qualitative investigation regarding a number of authors’ opinion on the matter. The uniqueness of this essay stems from the need to think of a broad Educational Reform that is not limited by one level of education. As a result, it is argued that the proposal of Secondary School Reform according to Law N°13,415, dated 02/16/2017, does not offer the possibility of qualifying the Secondary School because it disregards the other levels of education, and, in addition, it interferes with the entrance exam structure of state, confessional and private universities, thereby adjusting those exams to their competence and abilities; it changes the understanding regarding teacher’s education and lastly, the partnership transparency between teaching systems, teaching institutions and distant learning.

Keywords : Basic Education; Public Policies; Secondary School Reform

Introdução

Existe um consenso entre diversos autores como: Krawczyk (2011); Ferreira e Silva (2017); Krawczyk e Ferretti (2017); Silva (2018); de que o Ensino Médio tem sido alvo de diversas reformas, principalmente nos últimos 15 anos. Ferretti (2016) afirma que as constantes reformas ocorridas ao longo da história da educação brasileira, no Ensino Médio, sempre foram pautadas “[...] predominantemente, à estrutura e conteúdo do currículo, ainda que outros aspectos também tenham sido abordados como, por exemplo, o financiamento” (Ferretti, 2016, p.72).

Essa etapa da Educação Básica apresenta diversas controvérsias devido, em parte, a problemas relacionados principalmente “[...] à sua qualidade, às questões do acesso e da permanência, à discussão sobre a sua identidade e finalidades. Na realidade, a discussão sobre Ensino Médio pode ser traduzida pela disputa por um projeto societário”, de acordo com Ferreira e Silva (2017, p.287).

Lima e Maciel (2018) demonstraram o contexto pouco republicano de aprovação da Lei n°13.415 de 16/02/2017. O então Presidente Michel Temer, por meio de uma Medida Provisória, de número n°746/2016 (Brasil, 2016), avaliada como instrumento autoritário pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação e também pelo Fórum Nacional da Educação, apressou a Reforma do Ensino Médio sem a devida articulação com outros níveis de ensino, sem o envolvimento de professores e, principalmente, sem o envolvimento de associações especializadas do campo educacional. É neste contexto que se desconfia da eficácia dessa medida para a qualificação do Ensino Médio.

Mesmo que o ensaio não tenha como centralidade a questão política, que contextualiza e explica a intencionalidade da Reforma, não seria possível ignorar este aspecto. De caráter autoritário, a Reforma marcou a falta de diálogo com associações do campo educacional. O ano de 2019, com um novo governo, tem sido marcado por cortes orçamentários e por críticas frequentes às universidades, ao conhecimento e aos institutos de pesquisa. A referência a velhos problemas e novas alterações no título do ensaio procura demonstrar a insistência da sociedade brasileira, por meio do poder público, em não eleger a educação como prioridade para o desenvolvimento do País.

Tendo como base as reformas constantes que têm ocorrido nesse nível de ensino brasileiro, o presente estudo tem como objetivo apresentar uma retomada cronológica das mudanças ocorridas no Ensino Médio brasileiro, bem como discutir a atual reforma educativa e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), buscando ainda apresentar o cenário da educação, no Ensino Médio e os desafios que esse nível de ensino encontra. Devido às últimas reformas terem sido realizadas recentemente, seja da Lei n°13.415 de 16/02/2017 ou, principalmente, com a publicação da BNCC do Ensino Médio em 14/12/2018, acredita-se que este artigo vem a somar aos outros textos recentes, de autores especialistas na área da Educação, que serão aqui apresentados. A singularidade do artigo está na necessidade de se pensar uma Reforma ampla e não de apenas de um nível de ensino.

Diante do exposto, o problema da pesquisa consiste na pergunta: alterações do Ensino Médio são suficientes para qualificar a educação ao menos deste nível de ensino? A hipótese do texto é de que não há Reforma que qualifique um nível de ensino sem que se leve em consideração a correlação com outros níveis, neste caso, o Ensino Fundamental e o Ensino Superior.

O jovem brasileiro nem sempre seguirá estudando ao chegar na idade escolar de frequentar o Ensino Médio. Somando-se a esta questão, esse nível de ensino apresenta diversos problemas que também desestimulam o estudante a seguir por esses caminhos. Entre os problemas do Ensino Médio destacam-se: “[...] infraestrutura precária das escolas, desvalorização docente (baixos salários, formas de contratação, vínculos com várias escolas), um formato escolar ultrapassado, entre outros [...]” Krawczyk e Ferretti, (2017, p.35), a partir disso, são muitos os obstáculos que a atual reforma proposta deve ser capaz de solucionar. E, para além desses obstáculos, o Ensino Médio tem sido alvo de constantes alterações devido à falta de consenso, entre os representantes, sobre um plano educacional de fundo, que parta da creche ao Ensino Superior, destacando o sentido do Ensino Médio no processo final da Educação Básica. Mais do que isso, indaga-se: qual o perfil que se quer formar do jovem esperado para a sociedade? (Ferretti, 2016).

Ao estruturar o artigo, far-se-á primeiramente a descrição da metodologia empregada. A seguir, apresentar-se-á um panorama das reformas com as principais alterações que o Ensino Médio vem passando. Também serão discutidos os pontos chaves da atual BNCC, bem como as perspectivas de mudanças para os jovens dessa etapa de ensino. Por fim, serão demonstrados os resultados alcançados, isto é, a necessidade de lançar luzes sobre um problema complexo que envolve a dimensão política, sobretudo no ano de 2019, em que o Ministério da Educação está paralisado. Após a análise cuidadosa da Reforma do Ensino Médio, não se encontrou referência ao Ensino Fundamental ou ao Ensino Superior, então, confirmou-se a hipótese de que não há reforma que qualifique um nível de ensino sem que se leve em consideração o todo educacional. Argumenta-se que a proposta de Reforma do Ensino Médio, operacionalizada pela Lei nº 13.415 de 16/02/2017, não oferece possibilidade de qualificação do Ensino Médio por desconsiderar outros níveis de ensino.

Procedimentos Metodológicos

A metodologia adotada consistiu em pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo o exame da legislação que trata do Ensino Médio, isto é, a Lei n°13.415 de 16/02/2017, que altera o atual Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular. Tratou-se de pesquisa qualitativa no que diz respeito ao exame de posições de autores que tratam do tema.

Para Richardson (2012), a pesquisa qualitativa é minuciosa, e procura desvendar, em profundidade, os significados e características do objeto investigado, como, por exemplo, situações relatadas numa entrevista, ao contrário da medida quantitativa de características e de comportamentos.

A análise de documentos foi utilizada como forma de esclarecer pontos de dúvida, durante a análise dos dados obtidos, bem como ainda, para complementar os dados qualitativos obtidos, ao se utilizar dos outros instrumentos metodológicos. A análise documental pode ser realizada a partir de qualquer documento escrito que revele informações sobre os sujeitos investigados, como, a partir de “[...] leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádios e televisão até livros, estatísticas e arquivos escolares” (Lüdke; André, 1986, p.38).

Além das leis, fizeram parte da pesquisa diversos documentos como fontes de dados, além de material bibliográfico para a fundamentação teórica como, por exemplo: Krawczyk (2011); Ferreira e Silva (2017); Krawczyk e Ferretti (2017); Silva (2018); entre outros.

Cronologia das reformas no Ensino Médio em diferentes momentos da educação brasileira

Ao longo da história da educação brasileira, várias reformas vêm sendo realizadas no Ensino Básico com diferentes motivos, tanto para a estruturação quanto para a organização dos diferentes níveis desse ensino. A primeira reforma foi realizada logo após a expulsão dos padres jesuítas, que faziam o papel de ensinar as crianças e jovens, por quase duzentos anos, tendo sido substituídos por professores, por volta de 1759, indicados por bispos, que recebiam o direito de ensinar diferentes disciplinas, em especial o latim (Piletti, 1988).

Outra reforma importante ocorreu com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n°4.024, de 20 de dezembro de 1961. A partir dela era permitido às escolas escolherem as disciplinas optativas a serem ofertadas, aumentando o poder de escolha e flexibilizando, dessa forma, o currículo existente na época. Entretanto, essa flexibilização curricular era permitida desde que respeitassem a obrigatoriedade de oferta de algumas disciplinas, a saber: Português, Matemática, Ciências, Geografia e História (Bald, Fassini, 2017).

Nova alteração importante surgiu dez anos depois, em 1971, com a conhecida Lei n°5.652/71, que instituiu o “Ensino Médio Único e Integrado”, assim, a formação especial prevalecia sobre a formação geral. A partir dessa lei surgiu o ciclo de 1o Grau e o 2o Grau. Também a partir dessa lei criou-se o Currículo Comum para todo o Brasil, bem como também ficou prevista uma carga-horária mínima para se conseguir o diploma de formação profissional. Desse modo, cada habilitação teria uma carga-horária específica, de acordo com Bald e Fassini (2017). Devido a uma série de problemas, desde o início dessa alteração, em 1982 o Ensino Médio profissionalizante foi tido como facultativo e não mais obrigatório (Piletti, 1988). Posteriormente surgiu a Lei Federal nº9.394 de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que assim definiu o Ensino Médio:

[...] Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de 3 (três) anos, terá como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Brasil, 2017a, online).

Na definição do perfil do estudante a ser formado, na LDB, Lei n°9.394 de 1996, acima citada ficou bem clara a preocupação com a formação do indivíduo de forma integral, tanto para o mercado de trabalho quanto para a integração à sociedade, de forma plena (Brasil, 2017b). Também ficou bastante claro que a formação dada no Ensino Médio deveria ser capaz de auxiliar o estudante a ser preparado tanto para o mercado de trabalho quanto para os estudos, alcançando outros níveis de ensino.

Após a LDB, promulgada em 1996, recentemente foi promulgada a Lei nº13.415 de 16/02/2017, que alterou a Lei nº9.394/96. Entre as principais mudanças no atual texto da Lei que regulamenta a estrutura do Ensino Médio, tem-se:

[...] Art. 24.........................................................................................................

I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;

§ 1º A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017 (Brasil, 2017a, online).

Como visto anteriormente, o texto antigo da LDB, citado no art. 24, I, previa uma carga horária mínima de oitocentas horas, devendo ser alterada, como descrito no parágrafo 1o, para o mínimo de mil e quatrocentas horas, a partir de 2 de março de 2017.

Outra alteração realizada na LDB n°9.394/96 foi em relação aos conteúdos obrigatórios para os três anos do Ensino Médio. Antes eram obrigatórios apenas os conteúdos de português e matemática, para as séries citadas, agora, no novo formato da Lei n°13.415 de 16/02/2017, em vigor, voltam a ser obrigatórios outros conteúdos, inclusive a língua inglesa:

[...] Art. 35A

§ 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.

§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.

§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino (Brasil, 2017a, online).

Apesar de haver a obrigatoriedade de conhecimentos antes desprestigiados, a atual Lei n°13.415, de 16/02/2017, impôs a criação de habilidades e competências, atrelados à BNCC. A BNCC define as competências que os estudantes deverão ter, ao final dessa etapa do Ensino Básico. Assim: “[...] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (Brasil, 2018, p.8).

A BNCC elenca dez competências gerais, além das competências específicas, por áreas dos conhecimentos. As competências gerais podem ser assim definidas, de forma resumida, de acordo com a BNCC: valorizar os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade; incentivar a curiosidade e valorizar o conhecimento científico; valorizar as diversas formas artísticas culturais; utilizar de diversas formas de linguagens verbais e não verbais; utilizar as diferentes tecnologias da informação e da comunicação; valorizar os diversos tipos de saber relacionando-os ao mundo do trabalho; saber se posicionar sobre diversos assuntos, discutindo-os de forma crítica; conhecer a si mesmo, cuidando de sua saúde; exercitar o diálogo e a resolução de problemas; e agir de forma autônoma (Brasil, 2018).

Por outro lado, o discurso das competências utilizado pela BNCC já vem sendo utilizado por Estados e municípios brasileiros, desde os anos finais do século XX, na construção de seus currículos, logo:

[...] Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem ‘saber’. (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem ‘saber fazer’ (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC (Brasil, 2018, p.13).

Além desse discurso sobre o que os alunos devem saber e fazer, a BNCC também define uma série de competências específicas por área do conhecimento, que devem ser articuladas, em todos os anos do Ensino Básico, em cada área do conhecimento, explicando como as dez competências gerais devem ser explicitadas em cada área do conhecimento. Assim:

[...] Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos –, que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas (Brasil, 2018, p.28).

Dessa forma, a BNCC apresenta as dez competências gerais e as competências específicas, em cada área, tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio. Este último vem articulado ao Ensino Fundamental, e todas essas competências são articuladas aos conteúdos curriculares, em cada capítulo visto.

Assim, quanto às competências específicas para o Ensino Médio, tem-se que: “[...] na BNCC dessa etapa, o foco passa a estar no reconhecimento das potencialidades das tecnologias digitais para a realização de uma série de atividades relacionadas a todas as áreas do conhecimento, a diversas práticas sociais e ao mundo do trabalho” (Brasil, 2018, p.474).

Embora no texto da BNCC haja um discurso voltado para a inserção do indivíduo na sociedade, para a sociedade do conhecimento e para o uso das tecnologias, nota-se o discurso de preparação do estudante para o mercado de trabalho, como também sobre as condições para a capacitação para o referido contexto.

No contexto atual, serão cobrados dos estudantes, de acordo com a BNCC, competências gerais e específicas, por áreas de conhecimento. Mas esse discurso de competências exigidas é cerceado de controle, uma vez que:

O projeto formativo proposto na BNCC e nos textos dos anos 1990 alude a uma formação para a autonomia e ao respeito à diversidade cultural, prescreve, porém, a adequação da formação humana a restritivos imperativos de formação para a adaptação. Evidencia-se um tratamento formal das ‘diferenças’, ao mesmo tempo em que se persegue a padronização e integração. A noção de competências, por sua origem, polissemia e fluidez, viabiliza a adequação do discurso a esses imperativos (Silva, 2018, p.11).

Para Silva (2018), o discurso das competências pode ser resumido em formação humana voltada exclusivamente para o mercado de trabalho, ou seja, com a ausência de formação crítica, com um controle do que é ensinado e aprendido, a partir das provas, que se justificam unicamente para a verificação do aprendizado dos alunos. Em relação aos alunos “[...] seu desempenho mostraria a eficácia das proposições, ou a ausência dela. No caso desta segunda possibilidade, o controle deveria recair mais sobre os professores, que falharam por não incorporarem com exatidão as proposições” (Silva, 2018, p.12, grifo nosso).

Em relação ao controle, por meio de provas, Silva (2018) argumenta que a BNCC traz, tanto para os alunos quanto para o trabalho dos professores, uma justificativa no discurso apresentado, como pode ser lido a seguir:

[...] o foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol). Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências (Brasil, 2018, p.13).

Esse discurso de avaliação da aprendizagem por meio de provas externas também é encontrado na nova Lei n°13.415 de 16/02/2017, referindo-se à BNCC, em seu Art. 35A, que foi acrescentado à Lei, “§6º A União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional Comum Curricular” (Brasil, 2017a, online).

E, ao se orientar a partir das avaliações externas para promover a aprendizagem pelas competências, avaliam-se a aprendizagem dos alunos e o trabalho docente, quando se compara os resultados dos alunos brasileiros com os de outros países.

Essa lógica de atrelar o currículo do Ensino Médio às provas estaduais já vem sendo utilizada em vários estados brasileiros, como bem informam vários autores. Como exemplo, cita-se Campos (2017) ao descrever como as provas do Estado de São Paulo interferem no cotidiano curricular das escolas paulistas.

Assim, ainda nessa última mudança da lei que regulamenta o Ensino Médio, há alterações nos conteúdos, prevalecendo, agora, as habilidades e competências, descritas na BNCC, de acordo com itinerários formativos, como descrito abaixo, na Lei n°13.415 de 16/02/2017:

[...] Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:

I - Linguagens e suas tecnologias;

II - Matemática e suas tecnologias;

III - Ciências da natureza e suas tecnologias;

IV - Ciências humanas e sociais aplicadas;

V - Formação técnica e profissional.

§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino

I – (revogado);

II – (revogado) (Brasil, 2017a, online).

Como foi demonstrado, nas áreas dos conhecimentos previstas para a aprendizagem dos estudantes foi acrescentado o item V – a oferta de ensino técnico e profissional, no Ensino Médio, novamente. Além do mais, o Ensino Básico ficou atrelado à BNCC, conforme determinação acima citada, no atual artigo 36 da Lei n°13.415 de 16/02/2017.

Em relação ao Ensino Técnico, este passou a ter o mesmo peso das outras quatro áreas do conhecimento, como visto anteriormente, além de o aluno ter a possibilidade de “vivenciar experiências práticas no mercado de trabalho”, conforme o texto atual da lei:

[...] Art. 36

§ 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação com ênfase técnica e profissional considerará:

I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional (Brasil, 2017a, online).

Na atual proposta de oferecimento de Ensino Técnico, cada escola ficará encarregada de realizar as parcerias, públicas e/ou com setores privados, para o oferecimento desse ensino, que pode ocorrer tanto na própria escola como em outro local, a ser definido.

Em relação à Educação Profissional a ser oferecida, nesse “novo” Ensino Médio, a atual lei apenas oferece o que também já foi alvo de debates anteriores, a partir do Decreto 2208/1997, que oferecia a Educação Profissional concomitante com uma carga-horária mínima comum, das outras disciplinas, a partir do segundo ano. Por outro lado, quanto à nova lei, convém questionar: será que esse ensino ofertado é melhor que o anterior? Essa questão é importante, considerando que no “novo” ensino os cursos profissionalizantes entram como itinerários formativos e não têm a concomitância que existia anteriormente com o Ensino Médio propedêutico (Krawczyk; Ferretti, 2017).

Já com relação à organização curricular, proposta no Art. 36 “§1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino” (Brasil, 2017a, online). Citado anteriormente, Krawczyk e Ferretti (2017) afirmam que esta ficou dividida entre uma parte comum, que deve ser oferecida a todos os estudantes brasileiros, e uma parte diversificada, tendo sido estipulado o total de 1.800 horas, mas não foi definida a quantidade mínima de horas, em cada um dos três anos do Ensino Médio que deverão ser destinados a formação comum para todos os alunos. Para os autores acima citados, ficam obrigatórias apenas “[...] as disciplinas Português, Matemática e Inglês. O resto fica distribuído nas duas outras categorias que são: componente curricular obrigatório e estudos e práticas obrigatórias (Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia)” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.37).

Em relação às opções formativas, “[...] a outra parte da nova organização curricular, subsequente à formação comum, está organizada de forma diversificada em percursos formativos por área (Linguagens, Matemática, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Educação Profissional)” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.38). Analisando o tempo destinado a essa parte diversificada, no currículo das escolas, fica clara a importância dada a ela, em relação à parte comum.

Ainda sobre a parte diversificada, outros autores também concordam com os anteriormente citados, ao afirmarem que a nova lei que regulamenta o Ensino Médio divide os conteúdos curriculares em dois grandes grupos: um dos conteúdos básicos comuns e outro dos conteúdos diversificados “[...] subdivido em cinco itinerários formativos (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional) dos quais cada estudante faz apenas um” (Silva, 2018, p.4).

Quando se visualizam os itinerários formativos por áreas, é possível deduzir que os jovens não terão escolha livre entre quais desses itinerários poderão escolher, como descrito no Art. 36, §1º, descrito anteriormente, pois isso ficará a critério de cada estado, município ou escola, dependendo da proposta de cada um e dos professores que melhor poderão ser escolhidos para esses projetos. Além do mais:

[...] a reforma educativa concebida através da Lei nº 13.415 propõe explicitamente, para efeitos de “cumprimento das exigências curriculares de ensino médio”, que as propostas estaduais de itinerários formativos contemplem a privatização de parte do serviço educativo, através de parcerias com instituições que ofereçam educação presencial e/ou à distância em consonância com a flexibilização da alocação dos recursos, sempre que demonstrem “notório reconhecimento (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.39).

A partir do que foiapresentado, cada Estado fica obrigado a contratar pessoal para lecionar nas áreas diversificadas, ou seja, eles têm liberdade para contratar pessoal do setor público ou privado, por meio de parcerias, para o oferecimento de cursos profissionalizantes, que podem inclusive ser ofertados tanto de forma presencial como a distância. Além do mais, quando os cursos são fornecidos por pessoas que tenham “notório saber”, isso acaba desqualificando o trabalho docente daqueles que se prepararam e passaram por um curso superior de licenciatura, para serem professores legítimos.

Em relação às mudanças ocorridas no atual Ensino Médio, ainda pode-se afirmar que “[...] as posições contrárias à reforma se deram pela não concordância com as duas grandes mudanças propostas: a organização pedagógica e curricular e as regras dos usos dos recursos públicos para a educação”, de acordo com Ferreira e Silva (2017, p.288). Ou seja, mudanças que alteram o conteúdo e a carga-horária de todo o Ensino Médio, além da gerência financeira e forma de parcerias a serem firmadas entre o Estado e o setor privado, para o oferecimento de cursos profissionalizantes, inclusive a distância. Nesse sentido “[...] passa a ser permitido o uso de recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (FUNDEB) para realização de parcerias entre as redes públicas e o setor privado, anunciando uma ampla ação de privatização da escola pública de Ensino Médio” (Ferreira; Silva, 2017, p.289).

Em concordância com Ferreira e Silva (2017), com relação aos conteúdos, esses pontos já foram esclarecidos, anteriormente, inclusive as alterações que dizem respeito à inclusão dos cursos técnicos novamente. Agora, em relação ao segundo ponto de discordância, quanto ao uso dos recursos do FUNDEB, estes estão claros no artigo 36, a seguir: “§11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento [...]” (Brasil, 2017a, online).

Diante do exposto, há dois pontos a serem discutidos com mais propriedade pela sociedade, que não foram bem esclarecidos: as formas de parcerias realizadas entre os sistemas de ensino e instituições de educação e o Ensino a Distância, a ser ofertado para o Ensino Médio. Nesse sentido, terão de ser revistos a forma de oferecimento desse ensino a distância, gerência dos recursos, bem como estrutura física disponível, qualidade do ensino oferecido e apoio técnico as escolas.

Outro ponto de mudança na Lei nº13.415 de 16/02/2017 vai alterar a obrigatoriedade na formação docente, que era, como descrito no texto da Lei Federal nº9.394 de 1996:

[...] Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009).

II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009).

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009) (Brasil, 2016, online).

No texto da Lei atual, nº13.415 de 16/02/2017, fica desobrigada essa formação para se lecionar, como descrito:

[...] O Art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:

..........................................................................................................................

IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do Art. 36;

V - Profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2017a, online).

A partir dessa inclusão dos incisos IV e V, anteriormente citados, são desvalorizados os profissionais que tiveram três ou quatro anos de curso superior específico nas licenciaturas, para dar lugar a outros profissionais que não se dedicaram tanto assim, mas que tem “notório saber” para estarem na sala de aula, ou simplesmente são profissionais bacharéis que fizeram uma complementação para lecionar.

Também ficou definido que as Universidades, antes livres para o processo seletivo de vestibular, na escolha dos conteúdos das provas a serem aplicadas, agora ficam obrigadas a selecionar para as provas apenas as habilidades e competências previstas na BNCC, conforme escrito na n°13.415 de 16/02/2017:

[...] O Art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

“Art. 44. ............................................................................................................

..........................................................................................................................

§ 3º O processo seletivo referido no inciso II considerará as competências e as habilidades definidas na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017a, online).

Como visto nas diversas mudanças da atual reforma do Ensino Médio, há muitos pontos de discordância a serem vencidos, sendo um deles em relação às sociedades comum e a intelectual, que não aceitam as reformas da maneira como foram impostas, sem um debate coletivo em que todos pudessem participar, em especial os especialistas da educação. Prova disso foi constatada pela tomada de várias escolas, na época por alunos secundaristas, bem como pelas notas e discussões promovidas pelas associações acadêmicas, como por exemplo:

Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Fórum Nacional de Diretores das Faculdades de Educação (FORUMDIR), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Ação Educativa, Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (CONIF), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) (Ferreira; Silva, 2017, p.288).

Diante da tomada das escolas pelos estudantes e dos debates promovidos pelas inúmeras associações acadêmicas apontadas, anteriormente, essas manifestações foram simplesmente apagadas da memória, não sendo ouvidas para um maior equilíbrio do perfil esperado para o Ensino Médio, a partir das mudanças impostas, de forma unilateral, pelo Ministério da Educação.

A atual reforma do Ensino Médio representa um retrocesso, quando comparada à LDB anterior, que resultou de inúmeros debates, com diferentes atores, assim afirmam especialistas da Educação brasileira e de outros países. De acordo com Bald e Fassini (2017), há António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, ao demonstrar em uma entrevista recente, em 2017, dada à Revista Carta Capital, sua discordância em relação a alguns tópicos da reforma, afirmando que a escola atual não pode oferecer apenas disciplinas como a língua portuguesa e matemática. Além do mais, de acordo com esse autor, antigamente a expectativa de vida era bem menor que a de hoje, o que não justifica um jovem de 14 anos entrar no mercado de trabalho. Por último, Nóvoa fez uma crítica em relação a suposta retirada de conteúdos de formação humanística, como a Filosofia e a Sociologia, afirmando, na entrevista que “[...] nós queremos pessoas que saibam pensar” (Nóvoa, 2017).

Outros autores também concordam que as atuais reformas trazem muitos pontos que devem ainda ser discutidos e modificados, uma vez que “[...] a Lei nº 13.415 de 16/02/2017 ‘flexibiliza’ o tempo escolar, a organização e conteúdo curricular, o oferecimento do serviço educativo (parcerias) a profissão docente e a responsabilidade da União e dos Estados” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.37).

Outro ponto de mudança da Lei nº13.415 de 16/02/2017 que merece destaque é em relação ao oferecimento do Ensino Médio em tempo integral, uma vez que não há explicações plausíveis para essa extensão da carga-horária docente e discente. Dessa forma, quais são os motivos para se manter os jovens, em idade de trabalho, em tempo integral numa escola com estrutura precária e poucas opções de diversificação curricular?

A Lei nº13.415 de 16/02/2017 é explícita em seu Art. 13, que:

Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Parágrafo único. A Política de Fomento de que trata o caput prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por escola, contado da data de início da implementação do ensino médio integral na respectiva escola, de acordo com termo de compromisso a ser formalizado entre as partes, que deverá conter, no mínimo:

I - identificação e delimitação das ações a serem financiadas;

II - metas quantitativas;

III - cronograma de execução físico-financeira;

IV - previsão de início e fim de execução das ações e da conclusão das etapas ou fases programadas (Brasil, 2017a, online).

Conforme descrito no texto da Lei nº13.415, há uma previsão orçamentária de repasse de dinheiro para o custeio dessas escolas em tempo integral pelo prazo de dez anos, depois disso não se sabe o que acontecerá, ou seja, é um novo ponto de mudança que pode acontecer na Lei, futuramente, com a sua continuidade ou descontinuidade, de acordo com o governo vigente na época que virá. Além do mais, o texto da Lei não é claro com relação ao tipo de ações, metas e cronogramas a serem realizados para que esse projeto do “novo” Ensino Médio seja, de fato, cumprido.

Ainda há outros pontos a serem discutidos com relação aos desafios e perspectivas para o “novo” Ensino Médio, sendo um deles referente ao modo como a escola se comporta frente às novas formas de comunicação e de informação as quais os estudantes interagem o tempo inteiro. Ou seja “[...] os meios de comunicação produzem linguagens, conhecimentos, modos de vida, valores etc., que desafiam a escola, quer na sua função de transmitir conhecimentos, quer no seu caráter socializador” (Krawczyk, 2011, p.761). E a escola, na maioria das vezes, não está preparada para esse desafio, ou porque não possui infraestrutura adequada para o uso de novas tecnologias ou porque seus profissionais não foram preparados para essas novas formas de interações.

A BNCC descreve como deve ser a relação entre as tecnologias da informação e da comunicação, escola e os conteúdos curriculares propostos para o Ensino Médio, uma vez que a sociedade contemporânea vivencia transformações provenientes do uso de tecnologias. Assim, a escola deve preparar seus alunos para um mundo tecnológico e de novas profissões que irão surgir com o advento das tecnologias.

Diante disso, a BNCC sinaliza a maneira como as tecnologias devem ser inseridas nos currículos a partir das transformações que elas causam na sociedade, ao afirmar que esse assunto já está descrito desde o início do texto, nas competências gerais para a Educação Básica, e que “[...] diferentes dimensões que caracterizam a computação e as tecnologias digitais são tematizadas, tanto no que diz respeito a conhecimentos e habilidades quanto a atitudes e valores” (Brasil, 2018, p.473).

Em seguida, na BNCC, são elencadas essas dimensões, a saber: pensamento computacional, mundo digital e cultura digital, que são definidos de acordo com diferentes competências que os alunos deverão ser capazes de alcançar, ao final do Ensino Básico. Depois são apontadas ainda as competências específicas relativas as tecnologias tanto para a Educação Infantil quanto para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Para o Ensino Médio, o foco da BNCC é o aprofundamento dos conhecimentos vistos nas etapas anteriores. Assim:

[...] na BNCC dessa etapa, o foco passa a estar no reconhecimento das potencialidades das tecnologias digitais para a realização de uma série de atividades relacionadas a todas as áreas do conhecimento, a diversas práticas sociais e ao mundo do trabalho. São definidas competências e habilidades, nas diferentes áreas (Brasil, 2018, p. 474).

Mais uma vez a BNCC traz em seu texto a importância dada ao uso de competências e habilidades na formação voltada para o mercado de trabalho, como explicitado acima, na citação do documento. Sobre esse assunto das tecnologias e seus usos, a nova Lei nº13.415 de 16/02/2017 também aponta como esse tema deve ser tratado no Ensino Médio, em seu Art. 35 A, que foi acrescido, conforme demonstrado a seguir:

§8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I - Domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II - Conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (Brasil, 2017a, online).

Como demonstrado na Lei nº13.415, ela também dá ênfase ao conhecimento para a inserção no mercado de trabalho, além da inclusão de novas metodologias nas aulas, inclusive de atividades online.

A escola, nesse novo paradigma de sociedade do conhecimento e informação tecnológica, é chamada a educar seus estudantes para essas novas interações com as máquinas, com os textos informatizados e cheios de informação, a pensarem de forma crítica em relação ao conhecimento que não existia antes (Krawczyk, 2011).

No entanto, é preciso reconhecer que as tecnologias podem ser importantes aliadas na obtenção de conhecimentos, e saber manejá-las é importante para o desenvolvimento crítico. Nessa perspectiva “[...] os meios devem ser o próprio objeto de estudo: como eles interferem no cotidiano, na forma de ver o mundo, nos valores sociais, nos modos de conceber as diferenças sociais, a pobreza” (Krawczyk, 2011, p.762).

Se por um lado os estudantes precisam mudar sua forma de se relacionar com as tecnologias, de outro lado, os professores também precisam mudar em diferentes aspectos “[...] cognitivo, pedagógico, psicológico, social e político. São exigências que apontam para habilidades que os docentes não possuem e colocam a necessidade de ressocialização e reprofissionalização” (Krawczyk, 2011, p.762). Dessa maneira, é preciso avançar em termos de formação docente, para que estes possam acompanhar as inovações tecnológicas que surgem e, assim, possam auxiliar os estudantes a aprenderem no mundo tecnológico.

Em relação às mudanças na formação docente, para o acompanhamento tecnológico e também das novas mudanças curriculares vigentes na BNCC, também foi modificado o Art. 62, da LDB, que passou a vigorar o seguinte texto: “Art. 62 §8º Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular (NR)” (Brasil, 2017a, online). Com mais essa alteração, os cursos de licenciatura e a Pedagogia também terão que modificar os seus currículos para se adequarem às novas alterações propostas na BNCC para o ensino básico brasileiro, inclusive de inserção de novas formas de se comunicar, via tecnologias.

Considerações Finais

As reformas para o Ensino Médio estão ocorrendo novamente, depois de tantas idas e vindas, como tantas outras que já ocorreram. Novamente as preconizações são apresentadas por meio de narrativas antigas e desgastadas, de preparação para o mercado de trabalho, a partir do oferecimento de cursos técnicos profissionalizantes, concomitantemente com o Ensino Médio, mas de forma mais abreviada e superficial.

A novidade das atuais mudanças e da Lei n°13.415 de 16/02/2017, que substituiu a Lei Federal n°9.394 de 1996, é que a BNCC veio para vincular os conteúdos curriculares a provas externas como forma de avaliar e atestar tanto a aprendizagem dos estudantes quanto o ensino dos professores, interferindo nas provas de vestibulares que as universidades aplicam, ano a ano, uma vez que estas, agora, devem ser feitas pensando em habilidades e competências que os estudantes devem alcançar ao término do Ensino Médio.

Por um lado, um dos desafios atuais para a escola é acompanhar as alterações que a sociedade do conhecimento tecnológico promove no cotidiano e na vida dos jovens, que estão desestimulados com o ensino tradicional. Por outro lado, a escola atual continua com uma estrutura precária, com professores mal remunerados e que têm uma formação tanto inicial como continuada insuficiente para dar conta de tantos desafios que a sociedade demanda.

Retoma-se a indagação do presente artigo: alterações do Ensino Médio são suficientes para qualificar a educação ao menos deste nível de ensino? Houve confirmação da hipótese, após a análise cuidadosa de documentos em torno das alterações da Reforma do Ensino Médio, isto é, não há reforma que qualifique um nível de ensino sem que se leve em consideração a correlação com outros níveis, neste caso, o Ensino Fundamental e o Ensino Superior. Não houve articulação ou sequer referência a outros níveis de ensino, então, entende-se que as alterações da legislação não alcançam o propósito de qualificação do Ensino Médio.

Além do mais, entende-se, como outros resultados encontrados na pesquisa, que a atual reforma do Ensino Médio também interfere na estrutura das provas dos vestibulares de universidades estaduais, confessionais e privadas, adequando-a às competências e habilidades; ocorre a alteração sobre o entendimento em relação à formação docente e, por fim, a transparência nas parcerias entre os sistemas de ensino, instituições de educação e o ensino a distância

Mesmo que não se tenha entrado na discussão política que contextualiza a Reforma do Ensino Médio, é inevitável deixar de apontar, pelo menos, o caráter autoritário de sua tramitação, conforme argumentaram Lima e Maciel (2018). Se uma Medida Provisória, a nº746/2016 (Brasil, 2016) serviu para alterar o Ensino Médio, isso não significa que tenha havido compreensão de professores de seu sentido. Pelo contrário, instrumentos autoritários desconsideram o âmbito dialógico por meio do qual uma Reforma poderia, efetivamente, qualificar a educação.

Assim, ao eleger como título deste ensaio “Reforma do Ensino Médio: velhos problemas e novas alterações”, pretendeu-se enfatizar a dificuldade da sociedade brasileira, por meio do poder púbico, de fazer avançar a educação por meio de políticas públicas. Por fim, entende-se que a contribuição do ensaio está em lançar luzes sobre um problema complexo que envolve a dimensão política, sobretudo no ano de 2019, em que o Ministério da Educação está paralisado.

Como citar este artigo/ How to cite this article: Mendonça, S.; Fialho, W.C.G. Reforma do Ensino Médio: velhos problemas e novas alterações. Revista de Educação PUC-Campinas, v.25, e204626, 2020. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4626

Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Bolsa Prosuc Processo nº 88887.148459/2017-00) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Bolsa Produtividade em Pesquisa CA 2, Processo nº 311111/2017-3).

Referências

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Recebido: 19 de Maio de 2019; Aceito: 09 de Dezembro de 2019

Colaboradores: S. MENDONÇA e W.C.G. FIALHO contribuíram na concepção, análise, interpretação e realização do artigo.

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