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Revista de Educação PUC-Campinas

versión impresa ISSN 1519-3993versión On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.25  Campinas  2020  Epub 06-Oct-2020

https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4585 

Seção Temática: O Ensino Médio no Brasil: quais possíveis rumos?

O Ensino Médio na Região Sul do Brasil: urgência do tempo presente

The High school in southern Brazil: Urgency of the present time

Gilvan Luiz Machado Costa1 
http://orcid.org/0000-0003-4882-6824

1Universidade do Sul de Santa Catarina, Departamento de Ciências da Educação, Humanidades e Arte, Programa de Pós-Graduação em Educação. Av. José Acácio Moreira, 787, Dehon, 88704-900, Tubarão, SC, Brasil. : <gilvan.costa@unisul.br>.


Resumo

O artigo tem como objetivo compreender aspectos do Ensino Médio no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. A discussão foi realizada com base em indicadores educacionais associados à qualidade social, com destaque aos relacionados à natureza da matrícula e ao trabalho docente. A análise explicita um contexto distante do proposto nas metas 3, 17 e 18 do Plano Nacional de Educação (2014-2024) e evidencia, nos três estados da Federação, desafios relacionados à universalização do acesso e às condições de trabalho do professor do Ensino Médio. Sugere-se que o problema da qualidade social do Ensino Médio não se resolverá com a flexibilização curricular proposta na Lei n°13.415/2017. A qualidade social reivindica, além de uma mudança curricular na perspectiva da formação integral, a universalização do acesso, mormente aos jovens de 15 a 17 anos, e a transformação da docência em uma profissão socialmente atraente. Há dimensões negligenciadas nos três estados da região do Sul do Brasil, destacadas nos Planos Estaduais de Educação (2015-2024) e subestimadas pelos defensores da reforma.

Palavras-chave:  Condições de trabalho docente; Ensino Médio; Políticas públicas em educação

Abstract

The article objective was to understand aspects of high school in Rio Grande do Sul, Santa Catarina and Paraná (Brazil). The discussion was based on educational indicators associated with social quality, especially the kind of registration and teachers’ work. The review reveals a context far from the goals 3, 17 and 18 proposed in the National Education Plan (2014-2024) and evidences the challenges in the three Brazilian States related to the universalization of access and working conditions of high school teachers. The review suggests that the problem of high school social quality will not be solved with the curricular flexibilization proposal of law 13,415/2017. Social quality claims, besides a curriculum change aiming at integral education, the universalization of access, especially for 15 to 17 years youth, and the transformation of teaching in a socially attractive profession. There are dimensions neglected in the three States of southern Brazil, prominent in the States education plans (2015-2024) and underestimated by the reform advocates.

Keywords : Teachers’ work conditions; High School; Public policies in education

Introdução

O debate sobre o Ensino Médio no Brasil, desde a promulgação da Lei nº9.394 de 1996, que lhe atribuiu estatuto de etapa da Educação Básica, tem sido intenso. As tentativas de reformulação do currículo do Ensino Médio são recorrentes, insipientes e evidenciam disputas em torno dos sentidos e finalidades desta etapa da Educação Básica. Ganha destaque, no tempo presente, a sanção da Lei nº13.415/20172, que traz uma proposta de reforma ancorada na flexibilização curricular (Krawczyk; Ferretti, 2017). Para os autores, o conteúdo da Lei não aponta para uma formação integral que permita ao jovem entender amplamente e de modo crítico “[...] tanto a sociedade em que vivem quanto a forma pela qual se estrutura o trabalho que realizam, tendo em vista a construção de formas mais humanas e igualitárias de produzir e viver” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.40).

A referida legislação, ao colocar holofotes sobre uma reforma curricular do Ensino Médio que se distancia de oportunizar uma formação integral, retira do centro das discussões a ausência de políticas públicas que promovam sua oferta com qualidade social (Krawczyk; Ferretti, 2017). O conceito de qualidade social conforma a articulação entre as dimensões extra e intraescolares. No âmbito das primeiras estão as condições socioeconômicas e culturais, dos direitos, das obrigações e garantias de todos. Já as “segundas referem-se a condições: (a) de oferta, de gestão e organização do trabalho nas instituições educativas; (b) de valorização, formação, profissionalização e ação pedagógica; (c) de acesso, permanência e desempenho escolar e acadêmico” (Fórum Nacional de Educação, 2017, p.19).

A articulação entre as relações sociais mais amplas e as dimensões intraescolares acomodam, portanto, o conceito de qualidade social do Ensino Médio. Mais especificamente, demanda um currículo que aponte para uma formação humana integral, acessível a todos, mormente aos jovens de 15 a 17 anos, professores licenciados nas disciplinas que lecionam e com carreira e condições de trabalho docente condignas. As dimensões intraescolares estão destacadas no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº13.005/2014 (Brasil, 2014). A universalização do acesso, por exemplo, é pautada na meta 3; e as condições de trabalho docente, especialmente as relações de emprego, estão presentes em algumas estratégias das metas 17 e 18. Com base em Oliveira e Assunção (2010), a noção de condições de trabalho docente designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho do professor, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e os meios de realização das atividades pedagógicas. Envolvem, também, no âmbito das relações de emprego, elementos concernentes à carreira docente, com destaque ao vínculo, à remuneração e à jornada de trabalho.

Diante do retro exposto, este artigo foca a análise na universalização do acesso e nas condições de trabalho dos professores, que são dimensões centrais no Ensino Médio com qualidade social, com intuito de contribuir com a necessária discussão sobre a última etapa da Educação Básica no domínio das mudanças trazidas pela Lei nº13.415/2017 (Brasil, 2017). Ademais, enfatiza os três estados do Sul, com intuito de problematizar as assimetrias estaduais e regionais apontadas por Dourado (2013). Para o autor, os obstáculos ao direito à Educação Básica de qualidade no Brasil ampliam-se quando se consideram indicadores educacionais “demarcados por assimetrias regionais, estaduais e municipais” (Dourado, 2013, p.772). Tem-se como pressuposto que os indicadores educacionais relacionados ao Ensino Médio no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná estão próximos da média nacional e, ao mesmo tempo, distantes dos apontados nas metas 3, 17 e 18 do PNE.

A partir dessas reflexões, problematizou-se: quais limites e perspectivas à universalização do acesso e às condições de trabalho dos professores do Ensino Médio atuam nas escolas estaduais3 dos estados da federação do Sul do Brasil?

Os subsídios empíricos para a referida problematização foram buscados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e no Censo Escolar da Educação Básica, sobretudo na Taxa de Atendimento Escolar (TAE), na Taxa Líquida de Matrícula (TLM), no indicador educacional Esforço Docente e nas metas 3,17 e 18 do PNE. Os dados foram cotejados com produção bibliográfica relacionada à temática do estudo. A análise pautou-se nas seguintes categorias de conteúdo: universalização do acesso no Ensino Médio e condições de trabalho do professor. Na análise, o objeto de estudo foi tomado na relação inseparável entre o plano estrutural e o conjuntural (Frigotto; Ciavatta, 2011). A partir do referido entendimento, foram utilizados os pressupostos teórico-metodológicos de imersão nos dados quantitativos e qualitativos, com intuito de ir além da compreensão imediata do Ensino Médio. Buscou-se compreender a universalização e os aspectos da valorização dos professores do Ensino Médio, explicitando, dialeticamente, suas relações com os contextos econômico, político, social e cultural (Nosella; Buffa, 2005).

Universalização do acesso ao Ensino Médio

A obrigatoriedade e a gratuidade da Educação Básica para a faixa etária de 4 a 17 anos estão assinaladas na Constituição Federal, via Emenda Constitucional nº59/2009 (Brasil, 2009). Esta conquista significativa tornaria o Ensino Médio obrigatório para os jovens de 15 a 17 anos, idade adequada para frequentá-lo “[...] não fossem as desigualdades de acesso à escola, os itinerários descontínuos e as distorções no âmbito do sistema educacional” (Silva, 2015, p.370).

Os limites de acesso ao Ensino Médio aparecem entre os jovens pertencentes ao grupo de idade 15 a 17 anos que estão fora da escola ou retidos no Ensino Fundamental. Uma situação ideal seria aquela em que todos os jovens com idade adequada estivessem no Ensino Médio. Neste caso, a Taxa de Atendimento Escolar (TAE) e a Taxa Líquida de Matrícula no Ensino Médio (TLM) seriam de 100%. Vale destacar que o primeiro indicador aponta o percentual da população de 15 a 17 anos que frequenta a escola ou já concluiu a Educação Básica, e o segundo expressa o percentual da população de 15 a 17 anos que frequenta o Ensino Médio ou possui Educação Básica completa (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2016a). A Tabela 1 permite avaliar o acesso da população de 15 a 17 anos ao Ensino Médio nos três estados do Sul do Brasil.

Tabela 1 Aspectos da matrícula na faixa de 15 a 17 anos nos estados do Sul do País (2016-2017). 

Estado Ano n° de pessoas
(x 1.000)
n° de matrículas
(1000)
TAE
(%)
TLM
(%)
Paraná 2016 583 457,6 84,6 71,3
Santa Catarina 2016 343 235,2 86,1 72,9
Rio Grande do Sul 2016 539 357,8 87,9 64,1
Paraná 2017 536 439,8 83,6 73,1
Santa Catarina 2017 313 221,7 86.6 73,3
Rio Grande do Sul 2017 501 347,6 87,7 62,6

Nota: TAE: Taxa de Atendimento Escolar; TLM: Taxa Líquida de Matrícula.

Fonte: Elaborada pelo autor (2019), com dados de Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018a) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018).

Os números do Ensino Médio no Sul do Brasil impressionam, quando se considera aproximadamente 1 milhão de matrículas em 2017. Por outro lado, evidenciam, no último ano, queda no índice de matrícula nos três estados. Assinala-se que os referidos números podem indicar que o Ensino Médio não é prioridade nas políticas educacionais, à revelia da Lei nº9.394/1996, que lhe atribui status de etapa da Educação Básica. Ao considerar que o lugar de jovens do grupo de idade 15 a 17 anos é na escola e que eles devem frequentar, preferencialmente, o Ensino Médio, questionam-se, com base em Saviani (2013), os limites e as possibilidades dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, em colaboração com a União e com municípios, de assumir o dever correlato de garantir a todos esse direito.

A análise da TAE aponta que, nos dois anos analisados, persiste a ocorrência de aproximadamente 15% de jovens de 15 a 17 anos fora da escola nos três estados da Região Sul. O estado do Paraná apresentou queda de um ponto percentual, ficando abaixo de 85% em 2017. Ao mesmo tempo, o exame da TLM permite inferir que praticamente 40% dos jovens de 15 a 17 anos não estão matriculados no Ensino Médio nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul. Explicita, além dos jovens fora da escola, que cerca de 140 mil estão “retidos” no Ensino Fundamental no referido estado.

Os números revelam que aproximadamente 80 mil, 135 mil e 200 mil dos jovens pertencentes ao grupo de idade 15 a 17 anos não estavam matriculados no Ensino Médio catarinense, paranaense e gaúcho, respectivamente. Logo, estão impedidos de se apropriar dos conhecimentos científicos historicamente produzidos, o que é “profunda contradição, diante da presença das ciências e da tecnologia na vida cotidiana” (Frigotto; Ciavatta, 2011, p.620). De todo modo, questiona-se: quem tem o dever de garantir o direito a uma escola média de qualidade aos jovens brasileiros? Os números apontam para a dependência administrativa estadual, responsável por 85% do total da matrícula no Ensino Médio. A universalização do Ensino Médio com qualidade pressupõe, segundo Kuenzer (2010), ações que visem à inclusão de todos no processo educativo, com garantia de acesso, permanência e conclusão de estudos com bom desempenho; respeito e atendimento à diversidade socioeconômica cultural (gênero, etnia e raça), incluindo questões de acessibilidade, promovendo igualdade de direitos; e o desenvolvimento da gestão democrática.

Os estados do Sul do Brasil têm uma grande dívida com o atendimento escolar dos jovens. A meta 3 do PNE apresenta-se como uma possiblidade ao estabelecer o seguinte: “Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento)” (Brasil, 2014, online).

A universalização do atendimento escolar para todos da faixa etária 15 a 17 anos estava indicada também nos Plano Estaduais de Educação do Rio Grande do Sul (PEE-RS), de Santa Catarina (PEE-SC) e do Paraná (PEE-PR) para 2016, não tendo se materializado em nenhum dos três estados. Em 2017 estavam matriculados, na Educação Básica, aproximadamente 85% desses jovens (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018a), apenas. Tratava-se, como se pode notar, de um passo necessário e urgente trazer todos para a escola. A existência de jovens pertencentes ao grupo etário de 15 a 17 anos sem frequentar nenhuma escola é incompatível com a qualidade social que se quer para a Educação Básica. Também é preocupante a permanência de milhares de jovens retidos no Ensino Fundamental.

De forma contraditória, não se vislumbra, com a Lei nº13.415/17 (Brasil, 2017), assegurar a todos os brasileiros do grupo de idade 15 a 17 anos o direito de acesso ao Ensino Médio nos próximos anos. Duas urgências foram silenciadas: uma delas era criar um contexto apropriado para a realização de um percurso formativo no Ensino Fundamental sem interrupções para todas as crianças de 6 a 14 anos; outra, ao mesmo tempo, era trazer para a escola os jovens que a abandonaram. A palavra de ordem que se evidencia a partir de 2016, com base no conjunto de mudanças contidas na MP nº746/16, transformada com algumas alterações na já mencionada Lei, é a flexibilização curricular (Krawczyk; Ferretti, 2017). A ênfase dos argumentos dos seus propositores é aproximar a “última etapa da educação básica a uma visão mercantil da escola pública e contrariam seu caráter público, inclusivo e universal” (Silva; Scheibe, 2017, p.28). Porém, a universalização não é pauta, e a flexibilização curricular proposta não se compromete em “assegurar o direito de cada brasileiro, provendo uma educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população” (Saviani, 2013, p.755).

Por outro lado, o entendimento legal de que o lugar de todos os jovens é na escola implica diminuir a distância entre a Educação Básica proclamada como direito e as responsabilidades dos entes federados, “de prover os meios para que o referido direito se efetive. Eis porque se impôs o entendimento de que a educação é direito do cidadão e dever do Estado” (Saviani, 2013, p.745). Praticamente metade da vigência do PNE já passou, e o primeiro objetivo da meta 3 não foi alcançado, indicando a existência dos obstáculos para dar “efetividade à bandeira da escola pública universal, obrigatória, gratuita e laica” (Saviani, 2013, p.745).

O proposto justifica-se quando se constata que aproximadamente 415 mil jovens pertencentes ao grupo de 15 a 17 anos não estavam matriculados no Ensino Médio em 2017 nas escolas dos três estados pesquisados. Com base na TAE e na TLM do Ensino Médio das décadas de 1990 e 2000, Costa (2013, p.2006) já apontava que “a universalização do Ensino Médio com qualidade social no Brasil só pode ser concretizada se a expansão da matrícula for retomada”. A sistemática negação do acesso e da permanência no Ensino Médio revela o desafio dos entes federados para levar a cabo o que a meta 3 dos Planos Estaduais de Educação do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná fixam para atendimento até 2024. Explicita a celeridade para que 100% dos jovens de 15 a 17 anos tenham acesso à escola e, “associado a esse desafio, a ampliação, até 2024, do contingente de jovens no EM também requer um crescimento considerável do acesso a esse nível de ensino” (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2016a, p.94).

Como contraponto “a corrosão do direito à educação, perceptível no conteúdo da lei n°13.415/2017” (Lima; Maciel, 2018, p.21), faz necessário incluir os milhares de jovens no Ensino Médio, que estão ausentes das escolas nesta etapa da Educação Básica no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Para Lima e Maciel (2018), todos os jovens de 15 a 17 anos têm direito de frequentar uma escola de qualidade socialmente referenciada. O que estudantes do Ensino Médio “não aguentam mais é uma escola sucateada, sem laboratórios, auditórios, espaços para desenvolvimento de atividades de cultura e lazer”. Eles reivindicam “nada mais que condições decentes para estudar” (Lima; Maciel, 2018, p.15).

Vislumbra-se que sejam oferecidas, a todos os jovens, “condições educativas para o aprendizado intelectual, o qual pressupõe denso tempo de leitura, laboratórios, espaço de lazer, arte e cultura” (Frigotto; Ciavatta, 2011, p.620). Essas demandas trazem novos desafios aos docentes que, segundo Oliveira (2014, p.451), “devem também estar em condições de desenvolver a autonomia dos alunos e o seu interesse em seguir aprendendo ao longo da vida”. Para enfrentar este desafio, as condições oferecidas aos docentes “não são muitas vezes minimamente adequadas em termos materiais, menos ainda em dimensões subjetivas, que precisam ser cada vez mais observadas” (Oliveira, 2014, p.451).

Um contexto de mais alunos e mais professores suscita problematizar as condições de trabalho docente da última etapa da Educação Básica. Este aspecto, associado à universalização, é central na busca da qualidade social do Ensino Médio, não tendo sido também pautado pelos arautos da reforma. Retomar a expansão da matrícula do Ensino Médio requer, ao mesmo tempo, atenção na carreira, na remuneração e na jornada de trabalho. Destaca-se a centralidade das condições de trabalho, considerada essencial quando se discute a valorização dos profissionais da Educação (Fórum Nacional de Educação, 2017).

Condições de trabalho docente no Ensino Médio

A discussão sobre a universalização do Ensino Médio com qualidade sugere problematizar as condições de trabalho. Essas condições são apontadas por Saviani (2011, p.12), ao defender para o professor a implantação da jornada de tempo integral em uma única escola, com tempo “dedicado à preparação de aulas, correção dos trabalhos dos alunos, atendimento diferenciado aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem”. Nesse sentido, importa que as políticas educacionais se articulem para garantir “[...] maior tempo remunerado para os docentes nas escolas, permitindo o desenvolvimento de maiores vínculos com seu trabalho e, logo, maior tempo de dedicação à educação desses jovens” (Oliveira, 2010, p.275).

Mencionadas compreensões são corroboradas por Saviani (2011, p.16), ao enfatizar que não é possível equacionar devidamente os problemas educacionais sem enfrentar simultaneamente “a questão das condições de exercício do trabalho docente”. A centralidade de problematizar no Ensino Médio, a organização de um currículo alinhado à formação integral dos estudantes, o tipo de vínculo, a remuneração e a jornada de trabalho dos professores são evidentes. Este entendimento se expressa no PNE, onde os aspectos relacionados às condições de trabalho estão diluídos nas diferentes metas e estratégias.

A Meta 184, em sua Estratégia 18.1, destaca a preocupação com o vínculo do professor, uma vez que propõe, “até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, noventa por cento, no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério [...] sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo” (Brasil, 2014, online). O conteúdo da estratégia 18.1 não se materializou nos três estados da federação pesquisados até 2018. A Tabela 2 demonstra que o número de professores efetivos do Ensino Médio das redes públicas estaduais de ensino dos estados pesquisados ainda está muito distante de 90%.

Tabela 2 Professores efetivos do Ensino Médio estadual nos estados da região Sul (2017-2018). 

Abrangência
(Estados)
Ano Total
(n)
Efetivos
(n)
% Temporários
(n)
%
Paraná 2017 30.247 20.021 66,1 9.136 30,2
Santa Catarina 2017 13.593 6.245 45,9 7.164 52,7
Rio Grande do Sul 2017 22.965 13.113 57,1 9.658 42,1
Paraná 2018 29.318 18.669 63,6 9.556 32,6
Santa Catarina 2018 14.942 6.265 41,9 8.472 56,7
Rio Grande do Sul 2018 21.915 12.034 54,9 9.576 43,7

Fonte: Elaborada pelo autor (2019), com dados de Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018a).

Os dados indicam que Santa Catarina apresentava, em 2018, números mais preocupantes, com aproximadamente 60% de professores sem vínculo efetivo. Como possibilidade, o Plano Estadual de Educação (PEE-SC) aponta em sua estratégia 17.6: “[...] estruturar as redes públicas de educação básica, com pelo menos 80% (oitenta por cento) dos profissionais do magistério [...] que sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e que estejam em exercício nas redes escolares a que se encontram vinculados, até o final do Plano” (Santa Catarina, 2015, p.31).

A situação do Rio Grande do Sul também é preocupante, dado o registro de 45,1% e, ao mesmo tempo, a omissão em estipular um percentual para o provimento efetivo em seu PEE/RS (Rio Grande do Sul, 2015). O estado do Paraná se destaca ao apresentar 36,4% dos professores sem vínculo efetivo e ao apontar na estratégia 18.2 do PPE-PR “Estruturar as redes públicas de Educação Básica de modo que 85,0%, no mínimo, de profissionais do magistério e 65,0%, no mínimo, de profissionais da educação não docentes sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo” (Paraná, 2015, p.92).

Ao mostrar um número expressivo de professores com contratos temporários de forma persistente, evidenciam-se limites em universalizar o Ensino Médio com qualidade social nos três estados da federação. De forma sistemática, “os professores temporários formam uma massa de trabalhadores permanentemente colocados na escola, sujeita, certamente, a uma série quase infinita de fragilidades sociais, políticas e laborais” (Seki et al., 2017, p.951). Vale destacar que os contratos temporários são desprovidos de garantias trabalhistas e previdenciárias e, por não assegurarem os mesmos direitos e garantias proporcionados aos professores efetivos, tornam “cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego” (Oliveira, 2006, p.216). Não pertencer ao quadro de efetivos tem consequências para a ação pedagógica, pois impede vínculos com a equipe da escola, com os alunos e com as relações familiares e comunitárias. A impossibilidade de construir uma carreira na rede estadual de ensino acarreta “entraves para seguir com a formação, especializações e pós-graduações, pois estão fora dos planos de carreiras” (Seki et al., 2017, p.952).

Por outro lado, uma carreira estável pode tornar a profissão docente mais atraente, ao possibilitar, segundo Camargo et al. (2006, p. 260), “maior segurança para a realização de seu trabalho, uma vez que não estaria sujeito a demissões ao final de licenças, de contratos ou ao final do ano”. Da mesma forma, permite ao professor do Ensino Médio “o desenvolvimento de maiores vínculos com seu trabalho e, logo, maior tempo de dedicação à educação desses jovens” (Oliveira, 2010, p.275). Os dados revelam uma das faces da precarização do trabalho docente no Ensino Médio nos três estados da região Sul, expressando um número de professores que trabalham todos os anos “sem ter a certeza da continuidade de suas atividades, privados da possibilidade de planejar em longo prazo suas relações didático-pedagógicas, alheados da escolha de recursos e materiais ou, mesmo, de planejamento” (Seki et al., 2017, p.942).

Valorizar os professores do Ensino Médio seria a natural opção política de estados da federação realmente comprometidos com a qualidade social dessa etapa da Educação Básica (Kuenzer, 2010). Ao considerar os professores que lecionam nas escolas estaduais, espera-se que eles sejam licenciados, efetivos e possuam condições de trabalho adequadas, como aponta a Lei nº11.738/20085 (Brasil, 2008), que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN).

Não obstante, levantamento realizado em 2016 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2016) explicita que a referida lei não é cumprida nos quesitos Piso e Jornada extraclasse por todos os estados da região Sul. O estado do Rio Grande do Sul não cumpriu os dois “quesitos”; Santa Catarina e Paraná não cumpriram um deles. O descumprimento da Lei nº11.738/2008 é uma afronta aos profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul decepcionam neste aspecto e não cumpriram a meta 18 do PNE. Os três estados possuem plano de carreira e remuneração dos profissionais do magistério vigente. Por outro lado, Rio Grande do Sul e Santa Catarina não possuem legislação prevendo o limite máximo de dois terços da carga horária dos profissionais do magistério para atividades de interação com os educandos, e Paraná apresenta Vencimento Básico menor que o PSNP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018b). Os três estados, com os Planos Estaduais de Educação alinhados ao PNE, não atendem simultaneamente aos três quesitos da Meta 18 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018b).

A garantia do PSPN é um passo para uma remuneração adequada, que oportunize ao professor “investir em formação continuada, estudo e aperfeiçoamento, além de garantir a sua sobrevivência como todos os demais trabalhadores” (Sobzinski; Diogo; Masson, 2015, p.1228). Como possibilidade aos professores dos três estados, vislumbra-se a materialização das metas dos Planos Estaduais, alinhada à meta 17 do PNE, que propõe “equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE” (Brasil, 2014, online). Para Masson (2016, p.161), “a equiparação salarial do professor com as demais profissões é condição indispensável para a atratividade e permanência na carreira, pois é a questão que mais determina a escolha dos jovens, embora isso não seja suficiente”.

A remuneração adequada do professor do Ensino Médio suscita uma jornada de trabalho realizada em uma única escola. Nessa instituição, dois terços do seu tempo seriam dedicados para as aulas e um terço para as demais atividades. Essas condições de trabalho alinham-se à universalização do Ensino Médio com qualidade social. Com base em Saviani (2007, p.1250), oportunizariam, aos professores, a preparação das aulas e a correção de trabalhos, além de acompanhar “os alunos, orientando-os em seus estudos e realizando atividades de reforço para aqueles que necessitassem”.

Na direção de contribuir com a compreensão das condições de trabalho, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) construiu o Indicador Esforço Docente. O referido Indicador considera o número de turnos de trabalho, as escolas e as etapas de atuação, além da quantidade de alunos atendidos, e articula-se à jornada de trabalho do professor da Educação Básica (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2016b). O nível 5 comporta o percentual de docentes que tem mais de 300 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas ou três etapas. Já o nível 6 é composto pelo Docente que tem mais de 400 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas ou três etapas. Os referidos níveis 5 e 6 expressam claramente a intensificação do trabalho docente nos três estados, apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 Percentual de docentes que atuam no Ensino Médio, segundo níveis do indicador de esforço docente, na dependência administrativa estadual nos estados da região Sul (2017-2018). 

Ano Abrangência
(Estados)
Nível 1
(%)
Nível 2
(%)
Nível 3
(%)
Nível 4
(%)
Nível 5
(%)
Nível 6
(%)
2017 Paraná 0,9 4,6 12,8 51,5 21,7 8,5
2017 Santa Catarina 2,2 7,9 12,3 46,0 23,5 8,1
2017 Rio Grande do Sul 0,5 6,9 18,7 49,3 18,1 6,5
2018 Paraná 0,9 4,5 12,6 51,0 22,1 8,9
2018 Santa Catarina 2,5 8,6 13,5 45,4 22,0 8,0
2018 Rio Grande do Sul 0,5 7,4 18,2 49,4 17,8 6,7

Fonte: Elaborada pelo autor (2019), com dados de Instituto Nacional de Estudos Educacionais e Pesquisas Anísio Teixeira (2018a).

Ressalta-se que, no período investigado, aproximadamente 24,5% dos professores do Ensino Médio das escolas estaduais do Rio Grande do Sul concentraram-se nos níveis 5 e 6, o que revela uma jornada extensa e intensa. Ao mesmo tempo, Paraná e Santa Catarina apresentaram percentuais mais elevados. Os referidos estados, em 2018, contavam com aproximadamente 30,0% dos docentes das escolas estaduais do Ensino Médio com muitos alunos, escolas, turnos e etapas.

A dedicação a apenas uma escola e com jornadas não exaustivas parece não ser a realidade dos professores do Ensino Médio na região pesquisada. Considera-se, ainda, a complexidade do currículo do Ensino Médio, com 13 componentes curriculares distribuídos em 25 aulas semanais, e os limites de um professor cumprir sua carga horária em um único estabelecimento. Todavia, com base em Camargo et al. (2006), tem-se que a construção da possibilidade de os professores das escolas estaduais do Ensino Médio se dedicarem a somente uma escola resulta na qualidade do trabalho pedagógico. Essa possibilidade se amplia com uma jornada de tempo integral em uma única escola, ao proporcionar tempo para preparação de aulas, orientação aos estudantes, participação na gestão da escola e reuniões pedagógicas.

Como contraponto a uma jornada de trabalho com muitas escolas, etapas, turnos e alunos, destaca-se a Estratégia 17.3 do PNE, que propôs implementar, nas redes públicas de ensino, planos de Carreira “com implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar” (Brasil, 2014, online). A materialização do proposto nas metas do PNE é condição necessária para a universalização do Ensino Médio com qualidade social. As metas que tratam da valorização docente apontam para a implantação de carreiras atrativas e condições de trabalho adequadas, articuladas a processos de formação inicial e continuada.

Em articulação, as dimensões da valorização voltam-se para o enriquecimento da prática educativa, e “são requisitos para a definição de uma equipe de profissionais com o perfil necessário à melhoria da qualidade da Educação Básica pública” (Sudbrack; Santos; Nogaro, 2018, p.14). A conquista de uma escola pública de qualidade para todos passa pela remuneração e jornada de trabalho adequadas, para que permitam dedicação exclusiva à docência em uma única escola. Equacionados estes dois componentes, “as condições necessárias, embora não suficientes, para um salto de qualidade na educação básica estarão dadas” (Alves; Pinto, 2011, p.633).

No âmbito do Ensino Médio, os indicadores visitados mostraram que a qualidade social está para ser conquistada. Nos três estados da região Sul é comum que jovens estejam fora da escola e do Ensino Médio, além da existência de professores com jornadas de trabalho intensas e extensas “esfacelados em seus tempos trabalhando em duas ou três escolas em três turnos para comporem um salário que não lhes permite ter satisfeitas as suas necessidades básicas” (Frigotto, 2016, p.3). Ao mesmo tempo, como possiblidade, na perspectiva da qualidade social do Ensino Médio (Kuenzer, 2010), sem desconsiderar suas vicissitudes, enfatiza-se o PNE, que aponta, nas metas que tratam da universalização do acesso e da valorização dos profissionais da educação, perspectivas virtuosas também para a última etapa da Educação Básica. Neste âmbito, diferente dos outros dois estados, Paraná aponta, em seu PEE/PR, na estratégia 17.3, “Implementar, no âmbito do Estado e dos municípios, planos de carreira para os profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica [...] com implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar” (Paraná, 2015, p.91).

Contraditoriamente, a reforma contida na Lei n°13.415/2017 silencia em aspectos indispensáveis à qualidade social do Ensino Médio, que reivindica formação integral. Com acento na proposta de flexibilização curricular, a reforma não oferece um caminho na direção da referida formação, ignora que sua conquista suscita um Ensino Médio para todos e desconsidera a centralidade de valorizar os professores, ampliando e qualificando sua formação inicial, em atenção às adequadas condições de trabalho docente. A qualidade social do Ensino Médio não será materializada com a ocorrência de escolas que “não possuem as condições básicas de funcionamento institucional nem do exercício do trabalho dos professores, oferecendo aos estudantes condições dignas de aprendizagem” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p.38).

Aspectos absolutamente fundamentais na conquista de um Ensino Médio dotado de qualidade socialmente referenciada mostraram-se ausentes nos três estados pesquisados. De forma contraditória, esses aspectos foram silenciados na reforma do Ensino Médio, que não pautou a necessária superação das precárias condições de funcionamento das escolas e de trabalho dos professores (Moura; Lima Filho, 2017). Neste âmbito, os autores apontam que os propositores da reforma do Ensino Médio são omissos, no que tange à “inexistência de quadro de professores e demais trabalhadores da educação contratados por concurso público; planos de carreiras e de formação, salários dignos e condições de trabalho adequadas” (Moura; Lima Filho, 2017, p.120). As mudanças no Ensino Médio não podem ignorar a urgência e a relevância de incluir todos os jovens de 15 a 17 anos no Ensino Médio; da mesma forma, não pode silenciar e ignorar os problemas relacionados às inadequadas condições de trabalho docente.

Considerações Finais

Este artigo procurou problematizar as categorias de conteúdo da universalização do acesso e condições de trabalho do professor no Ensino Médio nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e os desafios à materialização das metas 3, 17 e 18 do PNE.

No âmbito da universalização do acesso, há um problema quantitativo a ser superado: reiteradamente, milhares de jovens de 15 a 17 anos não frequentam o Ensino Médio nos três estados da federação pesquisados. A qualidade social não será alcançada sem a efetivação do atendimento escolar para todos da faixa etária de 15 a 17 anos, proposto em Lei para 2016, mas ainda não se materializou no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Os dados apontam a ocorrência de aproximadamente 15% de jovens de 15 a 17 anos fora da escola nos três estados da federação. O estado do Paraná ficou abaixo de 85% em 2017. Ao mesmo tempo, o exame da Taxa Líquida de Matrícula permite inferir que praticamente 40% dos jovens de 15 a 17 anos não estão matriculados no Ensino Médio nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul.

A Taxa de Atendimento Escolar no patamar de 100% contribuirá para elevar a Taxa Líquida de Matrícula do Ensino Médio para os patamares propostos nos Planos Estaduais de Educação dos estados da região Sul do Brasil até 2024, como propõe a meta 3. A persistência, a cada ano, de milhares de jovens pertencentes ao grupo etário de 15 a 17 anos não frequentarem nenhuma escola e retidos no Ensino Fundamental não condiz com a conquista de uma Educação de qualidade social nos estados da federação, que se quer republicana: pública, gratuita e para todos.

Com relação às condições de trabalho docente, ao considerar o número crescente de professores nos últimos anos, os indicadores educacionais visitados revelam entraves e desafios relacionados à valorização dos profissionais que lecionam no Ensino Médio em escolas estaduais do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Os dados apontaram que o Ensino Médio convive com professores não concursados, que trabalham em muitas escolas, com muitas turmas, alunos, etapas e turnos. Com relação ao contrato de trabalho, Santa Catarina apresentava, em 2018, números mais preocupantes, com aproximadamente 60,0% de professores sem vínculo efetivo. A situação dos professores do Rio Grande do Sul e Paraná também preocupa quando se tem 45,1% e 36,4%, respectivamente, de professores sem vínculo efetivo.

O estudo aponta que as condições de trabalho no Ensino Médio são muito desiguais, verificadas, por exemplo, em redes estaduais de ensino que sequer cumprem integralmente a Lei nº11.738/2008 nos quesitos “vencimento básico” e “carga horária”. Realça-se, mesmo com os limites do indicador “Esforço Docente”, que, no período investigado 31% e 30% dos professores do Ensino Médio das escolas estaduais do Paraná e Santa Catarina, respectivamente, concentraram-se nos níveis 5 e 6, o que revela uma jornada extensa e intensa, com muitos alunos, escolas, turnos e etapas.

Os três estados do Sul têm uma grande dívida com os jovens e com os profissionais da Educação. Evidencia-se que os estados alternam melhores indicadores. A Taxa de Atendimento Escolar é melhor no Rio Grande do Sul, mas a Taxa Líquida de Matrícula é maior em Santa Catarina. Ao mesmo tempo, o percentual de professores efetivos é maior no Paraná. No quesito carreira, Santa Catarina paga o Piso e o Paraná concede 1/3 de jornada extraclasse. Por outro lado, Rio Grande do Sul apresenta menor Esforço Docente.

O compromisso e a concretização das metas 3, 17 e 18 do PNE mostram-se fundamentais e constituem desafios também nos estados pesquisados. Mesmo ao considerar os melhores resultados de cada um dos estados nos indicadores visitados, ainda ficam distantes do preconizado no PNE e nos Planos Estaduais. A qualidade social do Ensino Médio só será materializada com todos os jovens na escola frequentando o Ensino Médio e com a efetiva valorização dos profissionais da Educação, consubstanciada em formação, remuneração, carreira e condições de trabalho adequadas. Somente com todos os professores valorizados e prestigiados, e com sólida formação teórica, é possível vislumbrar a garantia, a todos os jovens brasileiros, do direito social à conclusão do Ensino Médio.

A materialização da qualidade social do Ensino Médio sugere mais recursos financeiros para a Educação, e não o contrário. Considera-se igualmente a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação pública. Contraditoriamente, em 2016 foi instituído um Novo Regime Fiscal no país, por meio da Emenda Constitucional nº95, com limites às possibilidades da implementação de políticas públicas regulares que materializem a necessária universalização do Ensino Médio e a valorização dos professores desta etapa da Educação Básica nas escolas estaduais de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

O problema da qualidade social do Ensino Médio, colocado com muita intensidade no centro das discussões com a sanção da Lei n°13.415/2017, não se resolverá com a flexibilização curricular proposta. Supervalorizar as mudanças curriculares e apresentá-las como capazes de garantir a qualidade social do Ensino Médio é uma simplificação. Uma mudança na organização do currículo é necessária, mas não suficiente.

Para garantir o Ensino Médio com qualidade social, importa o desenvolvimento de um currículo amplo e articulado, que integre as dimensões da ciência, da tecnologia, da cultura e do trabalho, elevado investimento, professores qualificados e condições de trabalho adequadas. A qualidade social do Ensino Médio reivindica a universalização do acesso, mormente aos jovens de 15 a 17 anos, e a transformação da docência em uma profissão socialmente atraente. Referidas dimensões estão subestimadas nas discussões do tempo presente pelos defensores da reforma.

2Conversão da Medida Provisória nº746 de 2016, alterando as Leis nº9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional; e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação; a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº5.452, de 1º de maio de 1943; e o Decreto-Lei nº236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

3O foco deste trabalho é analisar aspectos do acesso e da valorização dos professores do Ensino Médio das escolas estaduais. A dependência administrativa estadual detém aproximadamente 85% da matrícula nesta etapa da Educação Básica.

4“Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos (as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal” (Brasil, 2014, online).

5Institui o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) para os profissionais do magistério público da Educação Básica.

Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (0822/2013-Obeduc).

Como citar este artigo/How to cite this article Costa, G.L.M. O Ensino Médio na Região Sul do Brasil: urgência do tempo presente. Revista de Educação PUC-Campinas, v.25, e204585, 2020. https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4585

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Recebido: 30 de Abril de 2019; Aceito: 18 de Novembro de 2019

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