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Revista de Educação PUC-Campinas

versión impresa ISSN 1519-3993versión On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.25  Campinas  2020  Epub 26-Jun-2020

https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4606 

Artigos

Planejamento de gestão universitária: identidade e regulação

University management planning: Identity and regulation

Soraia Kfouri Salerno1 
http://orcid.org/0000-0001-5912-7733

João Carlos Batista Leite1 
http://orcid.org/0000-0002-4154-9281

1Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Educação, Pós-Graduação em Docência da Educação Superior. Rod. Celso Garcia Cid, Km 380, Universitário, 86057-970, Londrina, PR, Brasil. Correspondência para/: S.K. SALERNO. : <soraiakfouri@uel.br>.


Resumo

O presente estudo analisa o planejamento de gestão universitária como construção de identidade e regulação para a Instituição de Educação Superior. O instrumento de planejamento em questão é o Plano de Desenvolvimento Institucional, pois é um recurso de gestão que estabelece diretrizes pedagógicas, estrutura organizacional e estratégias a serem utilizadas para atingir metas, objetivos e ações que a instituição pretende desenvolver, explicitando sua identidade. Utilizou-se do método de pesquisa qualitativa, por pesquisa bibliográfica, com respaldo teórico no Planejamento Estratégico Situacional à luz da abordagem de Carlos Matus. A análise documental de fontes como Plano de Desenvolvimento Institucional da Universidade Estadual de Londrina, bem como a aplicação de entrevista semiestruturada foram utilizadas para trazer elementos de uma universidade para reflexão. Objetivou-se com este estudo reconhecer quais os desafios encontrados pela Universidade para a elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional, em especial a Universidade Estadual de Londrina, considerando o processo recente de elaboração pela instituição e sua regulação pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. No complexo papel da universidade, o processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional tem apresentado desafios internos sobre a mobilização e a participação da comunidade acadêmica.

Palavras-chave:  Gestão universitária; Planejamento educacional; Planejamento estratégico

Abstract

The present study approaches the university management planning as construction of identity and regulation for the Higher Education Institution. The planning instrument in question is the Institutional Development Plan, because it is a management resource that establishes pedagogical guidelines, organizational structure, strategies to be used to achieve goals, objectives and actions that the institution intends to develop, explaining its identity. We used the qualitative research method, by bibliographic research, with theoretical support for Situational Strategic Planning in light of the Carlos Matus approach. The documentary analysis of sources such as Institutional Development Plan of the State University of Londrina, as well as the application of semi-structured interviews were used to bring elements of a university for reflection. The objective of this study was to recognize the challenges faced by the university for the development of the Institutional Development Plan, especially the State University of Londrina, considering the recent process of elaboration by the institution and its regulation by the National System of Evaluation of HigheEducation In the complex role of the university, the process of drafting the Institutional Development Plan has presented internal challenges regarding the mobilization and participation of the academic community.

Keywords : University management; Educational planning; Strategic planning

Introdução

A Educação Superior, especialmente a Universidade, passa por amplos processos de mudança, quer seja pela sua expansão quer pela sua administração e organização. Intensos debates pairam sobre seu papel social com fins relevantes a um país e como promotora de identidade social, pela produção e disseminação de ciência e da tecnologia, que impacta no desenvolvimento econômico e social.

Questões sobre o seu papel social e a forma de organização acentuam os debates, levantando-se defesas e/ou resistências quanto ao modo como ela se coloca enquanto instituição e sobre a organização feita para caracterizar sua identidade. Marilena Chauí afirma que:

Desde seu surgimento (no século XIII europeu), a universidade sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela (Chauí, 1999, p.6).

A sociedade desenvolveu-se sob a égide de um padrão social regido pela necessidade de que a universidade, enquanto instituição social, tenha um modelo de funcionamento organizacional. Para Chauí (1999), uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática social, qual seja, a de sua instrumentalidade: ela está inserida no conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular.

Desse modo, Chauí (1999), questiona a passagem da universidade de uma instituição social à organização social, apontando diferenças e indicando que, enquanto instituição, a Universidade está voltada para seu aspecto de universalidade e para o reconhecimento de sua função e lugar no espaço de luta de classe. Já como organização social, passa a ser regida pela competição, tendo apenas a si mesma como referência.

O conceito de organização social questionado por Chauí passa pelo contexto de discussão com a perspectiva utilizada por Bresser-Pereira, então Ministro da Administração e Reforma do Estado (MARE), o qual defende um modelo institucional de organização social a partir de universidades competitivas, à luz do modelo norte-americano de mercado (Brasil, 1998).

Neste trabalho distancia-se da defesa de organização social defendida por Bresser-Pereira, pois este abarca um caráter economicista sob uma lógica de eficiência para as Instituições de Educação Superior (IES). No entanto, os conceitos de instituição e de organização não são excludentes para a universidade, cabendo o seu reconhecimento, a sua clareza e o seu limite conceitual, pois, enquanto instituição social, também contempla um modelo de funcionamento organizacional, caracterizado por um arranjo de tempo, espaço, recursos e pessoas para o alcance de fins, o que configura o papel da universidade.

A partir dessas proposições, convém questionar: os modelos referem-se a uma instituição organizacional ou uma organização instituída? Para além do trocadilho, Silva Junior e Ferretti (2004, p.62) apontam que: “[...] embora instituição e organização não se confundam, estão intimamente articuladas. Isto significa que organização não existe por si mesma, mas apenas por referência à instituição”.

Sendo assim, a instituição organizacional, possuidora de uma identidade num amplo complexo de valores construídos socialmente para a formação de pessoas, produção e disseminação de conhecimento, materializa-se num processo histórico e geográfico, requerendo elementos para isso, como tempo, espaço, recursos físicos e financeiros e pessoas com práticas institucionais específicas. Mencionados elementos precisam de instrumental para essa materialidade. O planejamento e o plano são o processo e o produto de uma instituição organizacional que elucida fins, levanta expectativas e necessidades, define percursos, condições e tempos para o alcance dos anseios sociais. O planejamento constitui o instrumento qualificador do trabalho, em relevo as decisões e seu processo.

Para Marx, os meios de trabalho referem-se ao instrumental, pois o processo de trabalho para atingir certo patamar de desenvolvimento requer instrumentos mais elaborados: “Desse modo, faz de uma coisa da natureza órgão de sua própria atividade, um órgão que acrescenta a seus próprios órgãos corporais, aumentando seu próprio corpo natural [...]” (Marx, 2002, p.213).

O instrumento não é neutro, pois vem carregado de intencionalidade, devendo ser visto como a extensão do próprio homem que dele faz uso. O uso do planejamento como um instrumento de uma instituição organizacional tem o papel de trazer as intencionalidades daquela coletividade, suas prioridades e ações para o cumprimento do papel social, promovendo transparência e trazendo à luz os marcos dos relacionamentos e percursos institucionais.

O planejamento distancia-se de um caráter meramente técnico, no âmbito da administração de uma IES, pois é um instrumento político de transformação da realidade, um processo de construção identitária, que é elaborado pelo/para o coletivo e traz a intencionalidade para os que participam, mesmo num contexto contraditório de interesses diversos, como se apresenta a universidade no Brasil.

Predominantemente a partir do século XXI, tem-se o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) como um planejamento de gestão universitária, sendo o instrumento em que se descrevem os objetivos de longo prazo e as medidas necessárias para a realização desses objetivos. Portanto, é o meio pelo qual a instituição mostra o que ela espera do futuro e os caminhos que pretende seguir.

Sendo assim, propõe-se reconhecer os desafios encontrados pela universidade para a elaboração do PDI, especificamente pela Universidade Estadual de Londrina. Objetiva-se discutir o papel político deste instrumento, considerando o processo recente de elaboração do PDI pela instituição e sua regulação pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

O planejamento: marco teórico

O planejamento é resultado de uma ação profissionalizada que, pela indissociabilidade técnico-política, pode promover a participação, o estabelecimento de prioridades, a transparência de decisões e suas lógicas. Como prática educacional o planejamento não é uma nova ferramenta no campo educacional enquanto manifestação dos atores em seu uso e (ou) execução, nem mesmo enquanto elemento teórico fruto de diversas abordagens.

A defesa pelo planejamento e a sua aparente rejeição não são recentes na história. É uma defesa pela necessidade do homem que se constitui nas relações com outros homens e com seu espaço e vem motivado por sua ação de transformação, pelo desejo, pela necessidade ou pela incipiente curiosidade, o que configura um passo adiante à posição de mera adaptação à natureza. É a ação de transformação que se desencadeia por estar carregada de intencionalidade e pela busca da ação qualificada.

A aparente rejeição, no entanto, ocorre com o distanciamento da intencionalidade com a ação qualificada, segundo padrões que se distanciam dos que executam e do contexto em que corriqueiramente ocorre o intento, o pensado – a alienação que se revela pelo desdobramento político e cultural, segregando o homem de si mesmo.

Para Marx (1989), a alienação ocorre não apenas no fato de que os meios e desejos de uma pessoa pertencem a um outro, mas pelo fato de que tudo é diferente do que se percebe na atividade. A alienação perpassa o contexto da sociedade capitalista, uma vez que sua raiz se baseia na organização do trabalho e no modo de produção, pela exploração da força de trabalho do homem por outros homens, retirando-lhe o controle do resultado. Assim, entende-se que já não é ele que estabelece o que alcançar.

A alienação ocorre por mediações manifestas, sendo o próprio modo de organização do trabalho a expropriação do resultado da produção, perceptível no recente mecanismo de reapropriação decretada, quando responsabiliza o trabalhador por resultados não controláveis, já que dependem de determinantes do âmbito da superestrutura, passando pelo papel do Estado.

Sendo assim, instituições educacionais não resultam somente de seus desejos e intenções, mas de determinantes históricos, políticos, econômicos e sociais. Neste cenário, presenciam-se mecanismos de reapropriação, responsabilizando trabalhadores por determinações que antecedem sua atividade profissional.

Tomou forma, assim, o discurso midiático de reapropriação humana, que é uma forma de legitimar as políticas “financeiristas” que promovem o desmantelamento do setor público, pela crença de que os indivíduos têm condições de tomar decisões livres e racionais. Num contexto conturbado, pulveriza-se o sentido do planejamento como ferramenta, gerando descrença para os que por meio dele poderiam buscar qualificar a ação como resultado de objetivos claros.

O planejamento como ferramenta para conceber a manifestação dos que o executam e (ou) dele participam não pode partir somente de uma microvisão – a instituição –, mas deve reconhecer a rede de influências sociais, econômicas, políticas e culturais integradas ao sistema educacional.

A IES, em seu papel social, passa pela responsabilidade administrativa direta (microestrutura) e por determinações sistêmicas que estabelecem condicionalidades normativas num dado sistema educacional (macroestrutura). Passa também por elementos de mediação dos profissionais já que, no bojo de um processo administrativo, o planejamento tem o papel de dar relevo às intenções políticas, expondo o perfil organizacional que possui a serviço dos fins institucionais.

A instituição não é um universo fechado e isolado do contexto macrossocial, nem uma simples reprodutora de determinismos, pois, se assim fosse, seria desprezável a aparente rejeição de grande proporção dos profissionais no campo educacional, que se traduzem como focos de resistência diante de uma suposta neutralidade do planejamento e/ou do caráter revolucionário que se possa propagar como um fim em si mesmo.

A cultura organizacional da IES passa pelo processo de produção coletiva, num campo minado pelo jogo de interesses. Não se pode ignorar que a IES traz traços de uma organização nascida na luta travada em cada chão, que desencadeia avanços e recuos manifestos por propostas inovadoras e/ou reacionárias, numa dinâmica de focos de resistências para a manutenção de uma cultura conservadora e de mecanismos de manipulação de outrem.

O planejamento situa-se numa perspectiva de construção na rede de influências sociais, econômicas, políticas e culturais das quais participam instâncias administrativas (departamentos, conselhos) e grupos de concepções distintas num jogo de redefinição constante.

Pelo motor da sua própria contradição, o espaço da IES assume formas de regulação e/ou de libertação. É nesta encruzilhada que grupos sociais lutam por legitimidade e poder ao mesmo tempo em que permitem a ação de profissionais que compreendam a dimensão política de sua atuação, buscando romper com a alienada rotina impessoal e racionalizada da burocracia (Salerno, 2007).

O planejamento como instrumento político

O planejamento envolve o processo de discussão, de negociação, de tomada de decisões; já o plano é o registro formal do processo e o corte necessário para o estabelecimento de ações num período, o que define e expressa as ações a realizar (Salerno, 2007).

De acordo com Matus (2007), o plano é o produto momentâneo do processo pelo qual um ato seleciona uma cadeia de ações para alcançar seus objetivos. Para o autor, pode-se falar de plano de ação como algo inevitável na prática humana, pois há ação intencional, que é própria do humano.

Em um aspecto amplo, é possível evidenciar que o contexto onde se inserem as organizações do setor privado ou do setor público caracteriza-se por ser dinâmico e complexo. Dessa forma, é imprescindível às organizações estabelecerem os resultados que pretendem alcançar e os meios para alcançá-los. Assim, pode-se dizer que o planejamento é a função da administração responsável pela definição dos objetivos e a concepção de planos que integram e coordenam as ações (Freitas; Oliveira, 2014).

Para cumprir sua função social, uma instituição deve possuir recursos adequados, sendo o potencial humano necessário para atuar com eficiência, eficácia e efetividade, em benefício da sociedade. Para atuar de forma positiva, é necessária a adoção de ferramentas que orientem a administração na melhoria de seu desempenho.

Assim é possível reconhecer que a utilização do planejamento se apresenta como uma ferramenta política com vistas à intervenção e à transformação para o alcance de um futuro desejável.

Esclarece-se que o planejamento é uma ferramenta requerida por vertentes diversas. Para Dagnino (2009), é considerado uma extensão do pensamento marxista, na medida em que estava nele implícita a possibilidade de conferir ao Estado herdado do capitalismo um papel destacado na organização das tarefas associadas à transição ao socialismo.

O planejamento se firmou como um instrumento de organização da economia socialista para a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, potencializando a organização e a consecução das metas econômico-produtivas, permitindo atingir níveis de produção agrícola e industrial vigentes antes da destruição causada pela guerra, pela revolução e pela sabotagem contrarrevolucionária (Dagnino, 2009). Ainda, o planejamento gerou positivos efeitos socioeconômicos na antiga União Soviética, proporcionando uma rápida industrialização e um crescimento expressivo da produção agrícola.

O planejamento passou a ser visto como uma possibilidade de superar as relações sociais e técnicas de produção capitalistas na direção de algum tipo de socialismo. Já para o campo empresarial, o planejamento é tido como uma maneira de evitar as ‘falhas de mercado’, sendo o instrumento regulador e alocador de recursos (Dagnino, 2009). Esta característica foi fortemente utilizada pelo Governo Militar no Brasil como mera distribuição de orçamentária.

O papel político do planejamento para a IES ultrapassa a visão meramente técnica e normativa, implicando no reconhecimento da complexidade da instituição e de seus determinantes internos e externos para o saber fazer mobilizador dos sujeitos no processo de tomada de decisões.

O Planejamento estratégico situacional

O Planejamento Estratégico Situacional (PES) é uma proposta que se distancia do modelo de planejamento estratégico normativo, muito utilizado no contexto norte-americano, que se assemelha a um receituário. Diz respeito à gestão de governo, ou melhor, à arte de governar. Foi sistematizado originalmente por Carlos Matus2, o qual concebeu o planejamento como um processo dinâmico e contínuo que precede e preside a ação, situação e os múltiplos atores sociais, reconhecendo a complexidade centrada em problemas e em operações para o desenvolvimento da organização com vistas a aumentar a capacidade de governar.

Esse método surgiu na década de 1970 em atividade governamental por dirigentes públicos, objetivando promover uma ferramenta de suporte a ações de caráter científico e político (Dagnino, 2009). Os tradicionais métodos de planejamento são simples e inadequados para analisar e acompanhar sistemas complexos, como os problemas administrativos econômicos e sociais:

Para tais casos, desenvolveu-se, recentemente, o método de Planejamento Estratégico Situacional ou, abreviadamente, PES. Ele é flexível e se adapta às constantes mudanças da situação real. E, o mais importante, não separa as funções de planejamento das de execução, pois não opera com “receitas” prontas, mas realiza análises situacionais para orientar o dirigente no momento da ação (Iida, 2003, p.114).

O esforço de governar em situações complexas exige a adoção profunda da prática do planejamento estratégico. Nesse sentido, destaca-se o PES, que aborda alguns princípios e concepções filosóficas relevantes sobre a produção social, a liberdade humana e o papel dos governos, governante e dos governados.

Nesse sentido, o processo de planejamento diz respeito a um conjunto de princípios teóricos, procedimentos metodológicos e técnicas de grupo que podem ser aplicados a qualquer tipo de organização social que demanda um objetivo, que persegue uma mudança situacional futura. O planejamento, além de buscar antecipar o futuro, questiona qual é o futuro das decisões que se pretende adotar (Matus, 2007).

Para Matus (1997), embora alguns acreditem que basta transplantar o estilo de gestão do setor privado para o setor público, aspecto difundido pelas escolas de planejamento tradicional de cunho gerencialista, essa crença não se sustenta, pois setor privado e setor público possuem vocação e valores distintos, confirmando o fato de que os métodos de planejamento não podem ser padronizados. Se o problema fosse tão simples assim, já teria sido resolvido, inclusive na América Latina, onde as soluções de planejamento e a gestão são limitadas. Nesse caso, a cultura organizacional não evolui com o uso de instrumentos que partem tão somente de uma racionalidade instrumental.

Dessa forma, o método PES se coloca como contraproposta epistemológica ao planejamento de tipo economicista que, por operar sobre variáveis quantitativas, frequentemente de natureza econômica, dá a enganosa impressão de exatidão e racionalidade (Dagnino, 2009). Vale ressaltar que o PES se orienta para a análise estratégica das questões relativas às relações de poder entre atores sociais, ou seja, os aspectos políticos que envolvem a elaboração da viabilidade e vulnerabilidade do Plano (Matus, 2007).

O PES se apresenta como um método participativo de gestão e organização, no qual o planejamento é precedido e acompanhado por uma análise ambiental, não sendo o futuro projetado simplesmente pelos eventos passados e de forma passiva (Duarte; Nascimento; Rodrigues, 2017). No PES todos os atores têm participação ativa na definição e na execução dos planos de ação.

Ultrapassa-se então a mera visão normativa de cunho determinístico pelo reconhecimento do complexo campo das relações humanas num jogo social, não sendo possível um único diagnóstico da realidade, no qual o elemento econômico em análise não é só financeirista, mas também configura um potencial humano num campo de correlações de forças subjetivas, com vistas ao alcance dos fins.

O planejamento na Universidade e o Plano de Desenvolvimento Institucional

As universidades possuem uma estrutura complexa e sua gestão enfrenta inúmeros desafios. Num rol de determinantes internos e externos, que exigem elementos gerenciais de eficiência e eficácia, IES passam pelo enfrentamento desses desafios. Os gestores têm utilizado de algumas metodologias de gestão, uma vez que os métodos tradicionais de planejamento se tornaram insuficientes para administrar um sistema tão complexo.

Para promover o planejamento participativo e com visibilidade aos participantes, é importante o estabelecimento de critérios claros no processo de tomada de decisão. Assim, é possível tornar a intervenção sobre a realidade mais segura, minimizando os riscos das ações em decisões coletivas no complexo ambiente de correlações de forças institucionais.

O PDI tem suas origens com o Decreto n°3.860 de 2001 (Brasil, 2001), que dispõe sobre a organização do Ensino Superior e as avaliações dos cursos, no Governo de Fernando Henrique Cardoso. Isso se torna mais claro com a Lei n°10.861 de 2004 (Brasil, 2004), no Governo de Luís Inácio Lula da Silva, ao instituir o Sinaes, que traz como critério obrigatório de avaliação o PDI, sendo um de seus principais eixos de referência. Em 2017, no Governo de Michel Temer, foi expedida a Portaria n°1.382 de 2017(Brasil, 2017), que aprova extratos e indicadores de avaliação nos quais o PDI ganha maior destaque como elemento do processo institucional para a caracterização e construção identitária da IES.

Tem-se, assim, o PDI como um processo gerencial que importa na formulação de objetivos que favorecerão o cumprimento da missão das IES:

É um instrumento que fornece informações relevantes sobre as instituições de ensino superior. Essas informações revelam a identidade das universidades e expressam metas e ações visando à qualidade de ensino. Este instrumento serve como apoio ao controle dos recursos financeiros, planejamento de novos investimentos e de novas tecnologias, visando o desenvolvimento (Dal Magro; Rausch, 2012, p.427).

O PDI advém de duas atribuições definidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que são de competência do MEC: credenciamento e avaliação institucional (Brasil, 1996).

Dal Moro (2003) aponta que um PDI pode ser visto como um planejamento estratégico, específico de IES e pautado por legislações. Como um planejamento estratégico, o PDI estabelece a missão, os objetivos e as metas da instituição, ressaltando que o credenciamento e o recredenciamento de Instituições de Ensino Superior, cumpridas todas as exigências legais, ficam condicionados à aprovação de seu PDI pelo Ministério da Educação.

Esse planejamento para as IES passa por um processo intenso de contradições, como exigência interna de caráter regulatório e ao mesmo tempo como um instrumento de construção identitária, quando desenvolvido pela abordagem de planejamento participativo.

O percurso do Plano de Desenvolvimento Institucional/Universidade Estadual de Londrina

A Universidade Estadual de Londrina (UEL) possui dois PDI: o primeiro PDI 2010-2015 (PDI/2010) e o atual PDI 2016-2021 (PDI/2016), os quais configuram planos de vigência de cinco anos, que devem expressar a identidade institucional e definir as ações para o período em seu desenvolvimento institucional.

A UEL apresenta em seu PDI/2010 e 2016 a posição de destaque no cenário nacional e internacional, mostrando que sua história se confunde com a história da própria cidade que a abriga. Reconhecida por oferecer um ensino de excelência e avaliada como uma das melhores universidades do país, a UEL tornou-se o ideal de estudantes de diversas regiões do Brasil, que todos os anos vão a Londrina objetivando materializar um sonho.

No PDI/2016, a Instituição expõe seu papel de integração com as demandas da sociedade, a qual declara como missão:

A gestão democrática, com plena autonomia didático-científica, comprometida com o desenvolvimento e a transformação social, econômica, política e cultural do Estado do Paraná e do Brasil busca garantir a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a igualdade de condições de acesso e de permanência discente, a liberdade e respeito ao pluralismo de ideias, tendo como finalidade a produção e disseminação do conhecimento, formando cidadãos e profissionais com competência técnica e humanística, orientada por valores éticos de liberdade, igualdade e justiça social (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.93).

No atual PDI/2016, aponta-se que o planejamento sempre esteve presente na história da UEL e apresentou diferentes perspectivas, conforme o Estado Brasileiro definia novas orientações buscando alcançar “maior racionalidade dos processos de planejamento, dos mecanismos de gestão, de avaliação e de prestações de contas das atividades desenvolvidas pelas instituições públicas” (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.32).

A UEL deve a sua importância e reconhecimento aos planos que foram elaborados desde a sua fundação, mas que, a partir da década de 1990, buscaram romper com o centralismo, conforme é declarado em seu PDI/2016. Embora de caráter centralizador, esses planos serviram de orientação à administração superior nas tomadas de decisões e orientaram a Instituição até a posição em que hoje se encontra (Universidade Estadual de Londrina, 2016).

Cecílio (2001) aponta que participou de uma iniciativa de implantação de planejamento estratégico na UEL, no qual cita a iniciativa de referida implantação:

Tivemos a oportunidade de acompanhar e apoiar uma iniciativa de implantação de planejamento na Universidade Estadual de Londrina, após a definição, pela reitoria, de que uma das marcas da sua gestão seria a implantação de uma ‘cultura de planejamento na UEL’. O detonador adotado foi um amplo processo de sensibilização e capacitação de dirigentes em todos os níveis para iniciar um processo de planejamento de baixo para cima, tendo como mote a definição compartilhada da missão de cada instituto, centro ou órgão de apoio, o reconhecimento dos principais problemas que resultam no não-cumprimento da missão e a elaboração de planos altamente descentralizados para que as unidades cumpram sua missão (Cecílio, 2001, p.5).

O autor entende que é necessário definir um ponto de partida, algo como um detonador do processo, que tenha relação com a discussão sobre a formulação de estratégias na universidade.

Cecílio (2001), ao discutir sobre o planejamento na universidade, indica que se respalda no método de se pensar o Planejamento Estratégico Situacional (PES), de inspiração do chileno Carlos Matus. Nesta direção, busca-se ultrapassar a mera visão normativa em defesa do reconhecimento do complexo campo das relações humanas num jogo social, não sendo possível um único diagnóstico da realidade e de uma realidade instável, nos quais os recursos não são só econômicos, mas de correlações de forças subjetivas.

Embora o planejamento estratégico à luz do PES tenha sido discutido na UEL, na transição do século XX para XXI, conforme apontado por Cecílio, nem o conceito nem seu termo aparecem nos PDI da Instituição.

Sendo assim, entende-se que a estrutura organizacional da universidade é complexa pelos seus espaços de múltiplos governos, em que a proposta do PES é o de não fechar diagnósticos, mas compreender quais sejam os atores sociais, a produção social e o conceito da situação. Considera-se que a escassez não é só de recursos, mas de poder, de conhecimento e de capacidade organizacional.

Conforme já apontado, o PES, para Matus, proporciona maior governabilidade no setor público, elemento que poderia ser contemplado no processo de construção do PDI/UEL. Outro aspecto observado nos documentos foi que, diante do histórico de formalismo e de descontinuidade que existia nos planos anteriores, em 2002 foi orientado pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Planejamento (Forplad) que a metodologia adotada fosse o Planejamento Estratégico Institucional (PEI), por se tratar de uma metodologia que combina diretrizes e metas com estratégias operacionais (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.32).

Da entrevista

A entrevista semiestruturada como instrumento de pesquisa foi escolhida por atender a necessidade de ultrapassar a análise documental e alcançar a subjetividade do processo, o conhecimento de fenômenos sociais pelo olhar dos sujeitos que experenciaram esses fenômenos. Segundo Triviños (1987), a entrevista semiestruturada favorece não só a descrição de fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade, com a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações.

O instrumento contou com um roteiro de oito questões, as quais oportunizaram ampla exposição ao entrevistado, viabilizando assim o reconhecimento de elementos não previstos, mas que poderiam contribuir para a compreensão da totalidade. Todavia, neste trabalho serão expostos os pontos cruciais que explicitam os desafios identificados pelo servidor/gestor na construção do PDI.

No sentido de resguardar a identidade do sujeito entrevistado, utilizou-se a identificação servidor/gestor, apontando seu papel diretamente relacionado com a construção do PDI na UEL, sendo parte integrante da comissão e da sistematização do primeiro PDI 2010-2015 e do segundo PDI 2016-2021. A pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética sob n°2.038.996.

O entrevistado relatou que a UEL começou tardiamente o processo de elaboração do PDI, o qual tinha um esboço de projeto que mudava conforme ocorriam mudanças na administração. Segundo relato, havia a impressão de que o PDI era um projeto político de gestão, e não um projeto de ações que seriam executadas durante aquela gestão. Esse aspecto de descontinuidade dos planos de gestão também aparece no Relatório da Comissão (Universidade Estadual de Londrina, 2009) e na Introdução do PDI/2016 (Universidade Estadual de Londrina, 2016).

Para o servidor/gestor, antes mesmo da elaboração do PDI passar a ser uma determinação da legislação, já havia discussões a respeito do tema e uma vontade de estruturá-lo, por parte da equipe de Planejamento.

Esta fala do entrevistado remete ao depoimento de Cecílio (2001), citado anteriormente, sobre a implantação do planejamento na UEL, indicando que era necessário um ponto de partida com estratégias.

A UEL ainda não tinha PDI, quando isso já era uma exigência para as universidades federais e para as universidades particulares. No entanto, desde 1996 e, mais intensamente, a partir do ano 2000, falava-se no PDI, conforme se pode perceber pelo histórico do PDI 2016-2021:

De 1995 a 1998, a antiga Assessoria de Planejamento e Controle (APC), atualmente Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN), conduziu processos de elaboração de planos de desenvolvimento institucional, resultando nos documentos PDI/UEL-1995 (Disposições preliminares) e PDI/UEL Gestão 1998-2002 (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.32).

Numa questão, foi indagado qual a relação do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) com o PDI, para a UEL. O servidor/gestor explicou que inicialmente a legislação separava o PPI do PDI. Quando as instituições eram avaliadas, apresentavam-se os dois documentos. Posteriormente, com a alteração da legislação, o PPI passou a ser a parte 2 do PDI, sendo integrado a ele.

Na época, o PPI ficava a encargo da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), porque era voltado para a gestão de ensino, pesquisa e extensão.

O Projeto Pedagógico Institucional (PPI), como parte integrante e indissociável do PDI, orienta todas as políticas originadas nos segmentos e instâncias institucionais acadêmicas que foram nele consubstanciadas (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.15).

As Políticas Acadêmicas abrangem as dimensões que envolvem as Políticas para o Ensino Pesquisa e Extensão que estão inseridos no PPI (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.140).

Nesse sentido vale destacar um documento3 elaborado em parceria pelo Conselho Nacional de Educação e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Brasil, 2014), em que a UEL é citada como a única dentre as Universidades Estaduais da região Sul, e até mesmo dentre as Universidades Federais do Brasil, que integrou o PPI com o PDI:

Na Região Sul foram selecionadas quatro Instituições de Educação Superior (IES), sendo uma estadual e três federais: a Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade do Paraná (UFPR), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os documentos analisados para verificar a efetivação da gestão democrática nas quatro IES integrantes da amostra foram o Estatuto, o Regimento Geral, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Projeto Político Institucional (PPI). Observamos que todas as instituições apresentam o seu PPI como parte do PDI. Na organização da UEL existe um mecanismo que permite constatar a gestão democrática transcendendo os espaços escolares, que é o Conselho de Interação, cuja analise será feita no âmbito do seu Regimento (Brasil, 2014, p.112).

O servidor/gestor entende que não há por que existirem dois projetos estanques. Em discussões realizadas no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (INEP) debatia-se que não era necessário existirem dois documentos diferentes se eles visavam ter um efeito integrado.

Em relação à elaboração do PDI, foi declarado que o projeto foi construído independentemente da ideologia política de cada administração, levando-se em conta que no processo obtiveram posicionamentos bem distintos.

O entrevistado relata que houve um envolvimento grande, por volta do ano 2000, no qual os documentos foram enviados aos departamentos para serem discutidos, tendo sido resgatados. Ocorreu grande participação das pró-reitorias e de todas as instâncias da instituição. Todos os Centros, Departamentos e Prefeitura foram consultados e todas as sugestões foram encaminhadas e aproveitadas à época.

No entanto, como apontado pela Comissão (Universidade Estadual de Londrina, 2009), quase ao final da primeira década, ainda havia grandes avanços na elaboração do PDI, resultando numa “imposição”, como relata o servidor/gestor abaixo.

O servidor/gestor relatou que o primeiro documento foi somente um esboço de PDI. Quando o primeiro documento foi aprovado (PDI 2010-2015), foi uma grande vitória, mas, mesmo assim, a proposta foi insuficiente porque foi imposta pela reitoria uma aprovação em 6 meses, atendendo a determinações externas. Dessa forma, as pessoas envolvidas na elaboração daquele PDI consideraram que o documento foi insuficiente em alguns aspectos. Já em 2012, essas pessoas começaram a pensar em uma reavaliação do mencionado documento.

Em suma, o servidor relata que houve muito trabalho integrado. Apesar das falhas, o PDI elaborado serviu de modelo para outras instituições. O entrevistado aponta que a comissão da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), na ocasião, pediu o PDI, não tinha nenhum documento como modelo. Isso demonstrou que, apesar dos percalços, o documento foi tido como referência por órgãos externos.

Na parte introdutória do PDI 2016-2021, é indicado que este documento toma a Lei nº10.861/2004 (Sinaes) como referência, em suas dimensões e indicadores: “O PDI UEL 2016–2021 manteve como referência as dimensões, os indicadores e os respectivos critérios de análise, em conformidade com o artigo 3º, parágrafo 3º, Lei nº10.861, de 14 de abril de 2004” (Universidade Estadual de Londrina, 2016, p.36).

Dessa forma, isso foi impactado no processo de elaboração, pois o planejamento atendia a um processo de regulação externa.

Estudos apontam, segundo o servidor/gestor, que um dos grandes problemas para a construção do PDI, em diversas instituições, tem sido a falta de participação e o envolvimento da comunidade universitária. Atualmente existe uma preocupação e um interesse em tomar conhecimento, no entanto, muitos professores desconhecem o documento.

Nesse sentido, perguntou-se ao servidor/gestor o que ele considerava sobre o alcance (acesso e conhecimento) da comunidade universitária quanto ao papel e ao conteúdo do PDI. O servidor/gestor relatou que muitas audiências públicas foram feitas e que ele participou de todas. Menciona ainda que foi em todos os Centros, Departamentos e Conselhos falar a respeito, expondo detalhadamente o PDI, incluindo cada eixo.

Ainda discorreu sobre a realização de um trabalho de conscientização muito grande, no qual foram coletadas sugestões e demandas. Os chefes dos Centros e diretores dos Departamentos foram cobrados sobre o envio das sugestões. Mesmo com grande incentivo para que todos participassem, não se alcançou o pretendido.

Para o entrevistado, a Universidade é dinâmica e precisa se renovar, sendo seu grande desafio, porque a instituição por sua essência é efervescente e movimentada, mas pela configuração é burocrática e protelatória. O corporativismo é muito forte e fragmenta a instituição, resultando em ‘cada um cuida do seu canto’.

O servidor/gestor compreende que todo professor deveria conhecer o PDI de sua instituição, para que conheça qual a missão da sua instituição, os objetivos, as oportunidades de crescimento crescer, a possibilidade de investir em graduação, em pesquisa e em laboratórios. Ele apontou, contudo, que infelizmente existe muito desinteresse.

Ao final da entrevista, foi proposto um balanço das principais dificuldades encontradas no processo de trabalho para elaboração do planejamento institucional. O servidor/gestor elencou vários aspectos: que não houve falta de acompanhamento e avaliação das ações, que não houve falta de conhecimento dos processos organizacionais nem de know-how administrativo dos gestores. Afirma, ainda, ocorreram interferências de questões políticas, principalmente, devido a mudanças no Governo Estadual e Federal, acarretando inconstância/instabilidade financeira, política e legal. Apontou a ausência de visão sistêmica da organização pelos funcionários, resistências culturais (cultura avessa a mudanças) e falhas na comunicação interna.

Considerações Finais

No complexo papel das IES, entra em cena o PDI no início do século XXI, um documento importante para a gestão universitária, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições pelo Governo Federal e ao mesmo tempo tem o papel de registrar o processo de construção identitária da instituição. Nessa trama de construção da identidade e da regulação externa, discutiu-se a importância do planejamento no âmbito da gestão universitária e o seu papel político.

Este trabalho apresentou a defesa do planejamento como instrumento político, distanciando-se de uma vertente meramente funcionalista/normativa de interesse financeirista. A ancoragem teórica deste trabalho respalda-se no Planejamento Estratégico Situacional, à luz da abordagem de Carlos Matus, o qual concebe o planejamento como um processo dinâmico e contínuo que precede e preside a ação, situação e os múltiplos atores sociais, reconhecendo a complexidade e centrando-se em problemas e em operações para o desenvolvimento da organização com vistas a aumentar a capacidade de governar.

Buscou-se identificar os desafios encontrados a partir da experiência da Universidade Estadual de Londrina, no processo de elaboração do PDI ao longo do século XXI, num processo recente de elaboração pela regulação do Sinaes.

A pesquisa bibliográfica e o estudo de documentos foram utilizados neste trabalho, bem como entrevista semiestruturada a um servidor/gestor ligado a funções da administração central, que revelou importantes aspectos sobre os desafios vivenciados na construção do PDI/UEL.

Os dados de campo revelaram um percurso complexo envolvendo determinações externas de regulação, ocasionando ingerências à autonomia universitária e um processo de mobilização interna com dificuldades no envolvimento da comunidade acadêmica.

Quanto à mobilização interna na UEL, o participante entrevistado expressou um percurso contraditório, pois ao mesmo tempo em que identifica a extensão do documento pelas contribuições que os Centros encaminharam, as quais não podiam ser desconsideradas, revela fragilidades no envolvimento dos profissionais, envolvimento esse considerado um desafio ainda a ser enfrentado.

Diante destes dados, conjecturou-se que a participação não tenha ocorrido nas bases, promovida pela esfera administrativa dos Centros, mas somente pelos chefes de Centros e representações da cúpula administrativa.

Desse modo, percebeu-se que planejar na universidade é um desafio em curso, implicando em escolhas dos que representam os diferentes atores do contexto acadêmico, uma vez que é notório que a universidade, por sua natureza, expressa um espaço de múltiplos governos que compõem um contexto de múltiplas arenas políticas.

2 Ministro de Economia do Governo Allende (1973) e consultor do ILPES/CEPAL, falecido em dezembro de 1998, ministrou vários cursos no Brasil nos anos noventa (Escolas Sindicais, IPEA, Ministérios, Governos Estaduais e Municipais). Criou a Fundação ALTADIR com sede na Venezuela para difundir o método e capacitar dirigentes. Introduzido no Brasil a partir do final dos anos oitenta, o PES foi disseminado e adaptado amplamente nos locais onde foi utilizado, particularmente no setor público (Dagnino, 2009, p.85).

3 O Termo de Referência nº03/2014, referente ao Projeto CNE/UNESCO – 914BRZ1144.3 – “Desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação nacional de qualidade”, teve como objetivo subsidiar o Conselho Nacional de Educação (CNE) na elaboração de estudo para instituir Diretrizes Gerais sobre a gestão democrática do Ensino Público, aplicáveis, em âmbito nacional, à Educação Básica e à Educação Superior no Brasil (Brasil, 2014, p.10).

Como citar este artigo/How to cite this article Salerno, S.K.; Leite, J.C.B. Planejamento de gestão universitária: identidade e regulação. Revista de Educação PUC-Campinas, v.25, e204606, 2020. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4606

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Recebido: 06 de Maio de 2019; Aceito: 18 de Outubro de 2019

S.K. SALERNO e J.C.B. LEITE contribuíram na concepção, análise, interpretação e realização do artigo.

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