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Revista de Educação PUC-Campinas

versión impresa ISSN 1519-3993versión On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.25  Campinas  2020

https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4689 

Artigos

O portfólio na Educação Infantil e o desenvolvimento profissional: contribuições da Psicologia Escolar Crítica1

The portfolio in Early Childhood Education and the professional development: Contributions by Critical School Psychology

Thatiane Duarte Mendes Arantes2 
http://orcid.org/0000-0002-7489-7338

Silvia Maria Cintra da Silva3 
http://orcid.org/0000-0003-0834-5671

2Coordenadora Pedagógica da Escola Navegantes.

3Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Av. Maranhão s/n., Jardim Umuarama, 38408-144, Uberlândia, MG, Brasil.


Resumo

A avaliação escolar é um aspecto importante no universo escolar; portanto, pesquisar sobre instrumentos de avaliação se faz muito relevante. Esta pesquisa objetiva refletir, à luz da Psicologia Escolar Crítica, a construção do portfólio como um instrumento que promove reflexão e desenvolvimento profissional, a partir da mediação de uma coordenadora pedagógica junto a uma professora de Educação Infantil. Para tanto, trabalhou-se com a pesquisa qualitativa, em especial a pesquisa participante. O estudo se realizou em uma escola da rede privada de Uberlândia (MG) com duas participantes, sendo a coordenadora pedagógica com formação em Psicologia e uma professora da Educação Infantil. Os dados foram construídos por meio de entrevista semiestruturada; da análise do portfólio e do diário de campo da pesquisadora. Três eixos de análise foram elaborados, os quais versam sobre a professora e sua prática e sobre a mediação da coordenadora junto à docente a partir da análise e construção do portfólio. Ficou claro que este consiste em um rico instrumento de reflexão sobre as práticas escolares, pois evidencia elementos sobre o processo de aprendizagem das crianças, o desenvolvimento profissional da professora e o trabalho da escola como um todo. Sendo assim, esse material pode se configurar como um ótimo instrumento para ajudar o psicólogo escolar a compreender a prática do professor e a elaborar intervenções com vistas a colaborar com o desenvolvimento profissional deste.

Palavras-chave Educação Infantil; Portfólio; Professor; Psicologia Escolar

Abstract

School assessment is an important aspect of the school universe; in this context, research on assessment tools is extremely relevant. This research aims to reflect, in light of the Critical School Psychology, about the construction of portfolios as a tool that promotes reflection and professional development, through the mediation of a pedagogical coordinator alongside a teacher of Early Childhood Education. For that, we developed a qualitative research, particularly participative research. The study was carried out in a private school in the city of Uberlândia (MG), with two participants, a pedagogical coordinator with a degree in Psychology and a teacher of Early Childhood Education. The data were gathered from a semi-structured interview and the analysis of the researcher’s portfolio and field journal. Three axes of analysis were elaborated, which address the teacher and her practice, as well as the mediation of the coordinator with the teacher regarding the analysis and construction of the portfolio. It is clear that the portfolio is a rich tool for reflection on school practices, since it highlights elements of children’s learning processes, the professional development of the teacher, and the work of the school as a whole. Thus, this material can be used as an excellent tool to help the school psychologist understand the teacher’s practice and elaborate interventions to collaborate with his or her professional development.

Keywords Early Childhood Education; Portfolio; Teacher; School Psychology

Introdução

A educação e a escola exercem um papel fundamental na constituição da sociedade de maneira geral e na vida de cada sujeito. Desse modo, estudos sobre essas temáticas são muito relevantes. Este artigo versa sobre uma pesquisa de mestrado realizada em uma escola da rede privada de Uberlândia (MG). O objetivo foi compreender, à luz da Psicologia Escolar em uma vertente crítica4, a construção do portfólio como um instrumento que promove reflexão e desenvolvimento profissional a partir da mediação de uma coordenadora pedagógica com formação em Psicologia junto a uma professora de Educação Infantil.

Partindo do pressuposto de que a escola para crianças pequenas precisa trabalhar para que elas se desenvolvam integralmente, aprendam, construam seus saberes, cresçam e constituam-se como sujeitos, entende-se que o momento da avaliação escolar é fundamental para garantir um trabalho de qualidade que esteja em constante desenvolvimento e aprimoramento. De maneira geral, quando se fala em avaliação escolar no Brasil nos diferentes níveis de ensino, há uma forte presença de um modelo rígido, padronizado. Luckesi (2008) critica esse modelo de avaliação por ele denominado de Pedagogia do Exame, em que o processo de aprendizagem fica à margem, enquanto o centro é uma prática pedagógica polarizada por provas e exames. Nesse contexto, há um predomínio das notas, das expectativas de aprovação ou de reprovação.

Segundo Zabalza (2006), esses velhos estereótipos da avaliação do exame, da mensuração por meio de provas, da classificação, da quantificação, da angústia, dos êxitos e dos fracassos não são pertinentes à Educação Infantil. Nesse sentido, é importante discutir mais sobre o assunto. Porém, não é incomum encontrar práticas avaliativas fortemente marcadas por esse modelo classificatório e excludente. Mendes e Ciasca (2009) e Hoffmann (2015) apontam para a existência de instrumentos padronizados como fichas de avaliação, em formato de escalas ou de pareceres descritivos, que são documentos breves e superficiais, geralmente preenchidos ao final de algum período de tempo e na maioria das vezes descontextualizados do processo de escolarização da criança e do trabalho pedagógico do professor e da escola. As prioridades nesses instrumentos são as atitudes da criança, comparadas, muitas vezes, com um padrão ideal inexistente; nesse contexto, há muito julgamento de valor e o documento em diversas ocasiões não se refere ao desenvolvimento da criança.

Em contrapartida, Hoffmann (2001, 2015), Rios (2005), Luckesi (2008) e Mendes e Ciasca (2009) propõem formas alternativas de pensar sobre a avaliação na Educação Infantil, e neste trabalho destaca-se o conceito de avaliação mediadora, que Hoffmann desenvolveu há alguns anos. Segundo Hoffmann (2001), ao avaliar as crianças na Educação Infantil, o professor precisa realizar uma observação atenta e cuidadosa em relação às manifestações de seu desenvolvimento. Essa observação deve ser sempre acompanhada de reflexão, de forma que o docente busque compreender o processo de escolarização como um todo. O conceito de avaliação mediadora, segundo Hoffmann (2015), considera o ato de avaliar como uma forma de acompanhar a criança em seu processo educativo, procurando perceber os seus diferentes ritmos e formas de aprender para a partir de então planejar e replanejar as ações educativas de modo a melhorar as oportunidades de aprendizagem oferecidas.

Partindo dessa concepção de avaliação escolar processual, mediadora e reflexiva, depara-se com o instrumento do portfólio como uma rica possibilidade de desenvolver essa avaliação na Educação Infantil. Adiante, será possível compreender o conceito e o uso desse instrumento no trabalho com crianças pequenas.

O uso do portfólio como um instrumento de avaliação mediadora

O portfólio vem sendo discutido em vários países como um instrumento interessante nas práticas avaliativas escolares. Sá-Chaves (2005) define-o como uma estratégia de evidenciar o processo pessoal de um sujeito que se apropria da informação e reconstrói seu conhecimento prévio. Silva e Sá-Chaves (2008) apontam que, ao trabalhar com o portfólio, o estudante tem a oportunidade de autoavaliar seu desempenho e autorregular sua aprendizagem. Nesse sentido, para Hernández (2000), esse instrumento promove a reconstrução e a reelaboração do processo de aprendizagem do estudante ao longo da situação de ensino. Dessa forma, segundo Simão (2005), quando o aluno pensa sobre o seu processo de conhecimento, ele pode regular a sua própria aprendizagem.

O portfólio pode ser considerado uma coleção organizada e fundamentada de trabalho significativos sobre o processo de aprendizagem do estudante (Moreira, 2010). Ou seja, o discente olha para seu próprio processo de aprender, para suas produções, elege as mais significativas e organiza-as de forma a revelar o seu percurso de aprendizagem. Sendo assim, o formato e a composição do portfólio são bem diversos e, segundo Nunes e Moreira (2005) pode conter textos, fichas, composições, colagens, fichas de leitura, reflexões pessoais, trabalhos de casa, feedback escrito de colegas e professores, gráficos, folhas de cálculo, entre outros elementos. Pode, ainda, assumir diversas formas, como conjunto de papéis, caixas, fichário, caixa multimídia, algum suporte digital, etc. É importante conter um índice para facilitar a organização e a apreciação do material.

Villas Boas (2005) aponta como um princípio norteador do portfólio o fato de que a avaliação com esse instrumento acontece por meio da parceria do professor com o estudante. Não se trata de um trabalho solitário, ou unilateral, no qual o primeiro detém o poder de avaliar o segundo. Nesse caso, o docente deixa de ser o único avaliador e o estudante assume um papel ativo e colaborativo. De acordo com Nunes e Moreira (2005) e Silva e Sá-Chaves (2008), no trabalho de construção do portfólio, o educador se assume como mediador. Cabe a este, portanto, acompanhar o processo de construção do material, fazer pontuações e considerações, enriquecer o processo e estimular a reflexão. Assim, pode-se ter uma visão ampla dos processos e dos resultados que determinaram a construção desse instrumento.

Na Educação Infantil, especificamente, Barbosa e Horn (2008) definem o portfólio como obra em processo, pois ele é capaz de documentar os processos educacionais, permitindo que se acompanhe as aprendizagens da criança, valorizando todo o processo e não apenas o resultado final. Eles podem ter o formato de caixas ou de pastas que recolhem trabalhos produzidos pelas crianças em um determinado período de tempo, sendo que esses materiais são acompanhados por estas, educadores e familiares. Nessa perspectiva, segundo Shores e Grace (2001), o portfólio encoraja a criança a refletir sobre seu próprio trabalho, estimulando que faça reflexões entre tópicos e experiências, que são base de sua atividade intelectual e criativa. Carvalho (2007) argumenta que o objetivo não é comparar o indivíduo com outros e sim compará-lo com o seu próprio desenvolvimento cognitivo, social, emocional e físico.

Uma questão a se considerar é que as crianças em idade pré-escolar, em geral, ainda não dominam a linguagem escrita, então o professor tem uma importante atuação de mediador. Segundo Carvalho (2007) e Gaspar (2010), ele precisa ser um bom observador, anotar suas impressões e observações, ouvir atentamente as ideias e sugestões das crianças e auxiliá-las na seleção e na organização dos materiais a serem incluídos. É importante também que ele busque alternativas para apresentar a autoavaliação da criança, de forma que possa expressar suas reflexões em relação ao processo de aprendizagem, em relação tanto às conquistas como aos desafios. É de suma importância que o portfólio seja um material vivo, revisitado em vários momentos, para que sua construção seja de fato processual.

Outro aspecto fundamental desse instrumento para esta pesquisa é o fato de que ele permite que se avalie também o trabalho do professor. Para Moreira (2010), o portfólio pode ser considerado uma ferramenta de autoavaliação, que orienta um trabalho de reflexão sobre o que se ensinou e sobre quais métodos foram utilizados. Trata-se de repensar as estratégias de ensino e aprendizagem desenvolvidas e de refletir e tomar decisões sobre a prática docente.

Vários autores apontam a existência de pontos que dificultam o trabalho com portfólios, como: (1) o medo e a insegurança inicial que geralmente as pessoas sentem ao trabalhar com eles pela primeira vez; (2) a sensação de falta de referência ou de modelos a serem seguidos, visto que eles abrem amplas possibilidades de formas de construção; (3) a resistência em escrever de modo autoral e criativo, algo comum entre os estudantes; e (4) o tempo despendido na sua elaboração, pois se trata de um instrumento minucioso e bastante particular que exige muito tempo de dedicação do estudante e do professor (Amaral, 2005; Grilo; Machado, 2005; Nunes; Moreira, 2005; Simão, 2005; Villas Boas, 2005).

O portfólio pode se configurar nesse rico material descrito acima, porém não se pode deixar de considerar o seu contexto de elaboração. Sabe-se que as condições brasileiras de educação, no atual contexto econômico, político, social e histórico, não se mostram favoráveis e/ou convidativas para o desenvolvimento de um instrumento que exige investimento de tempo, empenho e estudo. Os professores vivem condições de trabalho difíceis, são desvalorizados e muitas vezes têm jornada tripla de trabalho, o que dificulta a implementação de um instrumento que lhes demande ainda mais tempo e dedicação. Outro ponto a ser considerado tem relação com a formação inicial dos professores; segundo Arce (2001), sob influência da lógica neoliberal, eles são formados para se tornarem meros executores ou técnicos e não profissionais autônomos e críticos. Desse modo, pode-se constatar que o portfólio sozinho não tem o poder de garantir uma educação emancipadora, embora tenha em si uma potência que incentiva uma avaliação reflexiva e processual do desenvolvimento escolar, apontando para uma educação mais libertadora.

Na pesquisa desenvolvida, parte-se do pressuposto de que a coordenadora pedagógica, embasada em seus referenciais da Psicologia Escolar, e a professora podem trabalhar em parceria, mediadas pelo processo de construção de portfólios. Assim, vão construindo e reconstruindo sentidos e significações para sua prática educativa. Nesse sentido, com base na Psicologia Escolar em uma vertente crítica, apresentada anteriormente, pode-se utilizar a análise e a produção do portfólio como forma de compreender as demandas educacionais que se apresentarem em seu trabalho dentro da escola, e, ainda, por meio da compreensão da construção desse recurso, é possível propor estratégias de intervenção junto aos professores.

Nessa vertente, considera-se o professor como elemento fundamental no processo de ensino e aprendizagem, visto que é o principal agente mediador entre o estudante e o conhecimento. Portanto, trabalhar com a formação desse profissional é de extrema relevância. Para Galdini e Aguiar (2003), o psicólogo pode trabalhar colaborando na formação continuada do professor, de forma que promova uma mudança efetiva em seu modo de pensar e agir, desmistificando velhas concepções e rompendo com o cotidiano. Para tanto, é fundamental promover uma reflexão sobre esse cotidiano, pois a intervenção do psicólogo poderá indicar novos caminhos e novas formas de apreensão do mundo. Essa intervenção precisa considerar o professor como um sujeito que deixa marcas e que se percebe como um dos determinantes constitutivos dos estudantes e vice-versa.

Vale ressaltar que é importante considerar que o docente não é um sujeito que vive isolado de sua realidade social e histórica. É preciso conhecer o seu contexto, o da escola onde atua, as suas condições de trabalho, a sua história pessoal e de formação docente, a sua experiência profissional, bem como o sentido que ele próprio atribui a todos esses pontos levantados. Portanto, o psicólogo pode se colocar como um mediador para contribuir nas questões que lhe são pertinentes para a abertura de espaços de discussão e de resgate da capacidade de pensamento crítico dos sujeitos que compõem o processo educativo (Tanamachi; Meira, 2003). Nesse sentido, sua mediação junto ao educador por meio do portfólio delineia-se como possibilidade diferenciada de trabalho na escola.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa sedimentou-se sob os pilares da pesquisa qualitativa. Partiu-se do pressuposto, de que essa modalidade estuda o mundo social, por meio da interpretação dos fenômenos, investigando vivências, experiências e a cotidianidade (Romagnoli, 2009). Elegeu-se a pesquisa participante como opção metodológica para a construção e para a análise dos dados do estudo realizado. Nela, o pesquisador está inserido no campo de investigação formado pela vida social e cultural de um outro. Este outro é convocado a participar da investigação como informante, colaborador ou interlocutor. Nesse caso, pesquisador e pesquisado constituem-se sujeitos e objetos do conhecimento, e as relações estabelecidas entre eles ficam no centro das reflexões. A pesquisa participante pode abrigar a diversidade e a pluralidade dos modos de viver e de pensar a alteridade e a autorreflexão na produção do conhecimento sobre a diversidade humana (Schmidt, 2006). A partir disso, busca-se uma integração entre teoria e prática, com o objetivo de refletir criticamente sobre as práticas. Como o processo e os resultados da pesquisa intervêm nas práticas sociais, trata-se então de um processo que pode promover uma transformação social (Brandão; Borges, 2007).

Onde tudo se passou

A Escola Caminhos5 foi o cenário onde os dados deste estudo foram construídos. Trata-se de uma escola de Educação Infantil, da rede particular de ensino da cidade de Uberlândia (MG). No ano em que esta investigação se passou, a instituição contou com sete turmas de Educação Infantil (com crianças de 2 a 5 anos), sete professoras e sete monitoras (auxiliares de sala) e um total de 120 crianças. Também ofereceu aulas com professores especializados em artes visuais, música, capoeira e inglês. No colégio, há duas coordenadoras pedagógicas, que se dividem no acompanhamento das turmas e dos professores; uma diretora pedagógica e uma diretora administrativa. Os espaços não são grandes, mas algo marcante sobre eles é o fato de serem acolhedores e agradáveis, pois os ambientes são lúdicos, bem cuidados e ricos em estímulos. Em vários lugares, é comum encontrar obras das crianças contando sobre suas vivências, hipóteses, experiências e saberes.

Algumas opções pedagógicas colaboram na construção da identidade da escola. Entre elas pode-se destacar o trabalho com a Pedagogia de Projetos. Segundo Hernández e Ventura (1998), desenvolver um projeto é uma forma de favorecer a criação de estratégias para que o estudante possa construir seus conhecimentos, fazendo relação com diferentes conteúdos em torno de problemas ou de hipóteses, por meio de pesquisas e de procedimentos de tratamento da informação, de forma que possa transformar as informações precedentes em conhecimento próprio. A avaliação é outro ponto relevante na proposta pedagógica da escola. Considera-se de suma importância realizar uma avaliação que seja reflexiva, processual, que valorize e incentive a aprendizagem e o desenvolvimento integral das crianças e dos educadores. Para tanto, optou-se por trabalhar com dois instrumentos: o portfólio e o relatório individual da criança.

Participantes da pesquisa: coordenadora pedagógica e professora – mediadoras

As participantes da pesquisa foram duas educadoras, as quais se encontram e relacionam-se de forma colaborativa para o bom desenvolvimento do trabalho educacional na escola. Uma delas é pesquisadora, psicóloga escolar por formação, atualmente na função de coordenadora pedagógica; a outra é a professora Helena, que trabalha com crianças de cinco anos. A pesquisadora atuou nos primeiros anos na escola como psicóloga escolar e posteriormente foi convidada a assumir a coordenação pedagógica. Ao mudar de cargo, percebeu o quanto os seus conhecimentos, como psicóloga escolar, eram importantes e coerentes para a nova função.

A professora Helena graduou-se em História e posteriormente em Pedagogia; tem experiência com Educação Infantil, Ensino Fundamental 1 e 2, Ensino Médio e Educação para Jovens e Adultos. Em 2015, trabalhou com uma turma de crianças de 2º período, que tinham em média 5 anos de idade. Na turma, estudavam 18 alunos. A professora também contava com Ruth, estudante de pedagogia e monitora que a auxiliava. Helena trabalhava como professora regente no período da tarde e no da manhã como auxiliar de coordenação pedagógica, também na escola.

Procedimentos para a construção e o registro dos dados

Foram sistematizadas três formas, em especial, para a construção dos dados a serem analisados. Uma delas foi a realização de entrevistas semiestruturadas com a professora, outra foi a análise de portfólios construídos pela turma com Helena naquele ano e, por último, foi a análise das notas de campo da pesquisadora. A entrevista, que aconteceu em três encontros na própria escola, foi gravada e depois transcrita. No roteiro de entrevista, buscou-se compreender o contexto histórico da docente, as suas concepções e motivações no trabalho com educação. Também havia perguntas sobre o trabalho dela naquela instituição, de maneira geral, e com os portfólios.

Procedimento para análise de dados

Alguns procedimentos utilizados foram a escuta do áudio e a transcrição das entrevistas, a digitação das notas de campo e a leitura recorrente e reflexiva de todo esse material. Buscou-se aporte teórico e metodológico na análise de conteúdo para realizar a interpretação dos dados, por meio do estabelecimento de eixos de análise, considerando-se também o objetivo desta investigação e o referencial teórico que a sustenta. A análise de conteúdo, pode ajudar o pesquisador a produzir interpretações sobre as mensagens com as quais vai trabalhar, uma vez que elas estão vinculadas ao contexto de seus produtores, o qual envolve as condições históricas, sociais, culturais e econômicas nas quais estão inseridos (Franco, 2003).

A professora, o portfólio, a coordenadora pedagógica e suas construções: um exercício de análise

Três eixos de análise foram elencados a partir da leitura atenta e reflexiva de todo o material da pesquisa, com o objetivo de compreender, à luz da Psicologia Escolar em uma vertente crítica, a construção do portfólio como um instrumento que promove reflexão e desenvolvimento profissional a partir da mediação de uma coordenadora pedagógica junto a uma professora de Educação Infantil. Eles são: (1) Conhecendo a professora Helena, a sua formação, suas concepções e suas inspirações; (2) A professora e o portfólio na Escola Caminhos: práticas cotidianas e desafios; e (3) Encontros entre a professora e a coordenadora pedagógica: o uso do portfólio como instrumento de reflexão e de mediação. Devido ao espaço deste artigo, escolhemos aprofundar apenas a discussão relativa ao Eixo 3.

Eixo 1 – Conhecendo a professora Helena, sua formação, suas concepções e suas inspirações

O primeiro eixo permite compreender a atuação profissional de Helena, suas escolhas pedagógicas, bem como suas concepções de infância, educação, ensino-aprendizagem e docência. Ficou claro que ela tinha o desejo antigo de ser professora e o quanto suas experiências escolares e profissionais foram marcando a sua trajetória de formação. Atualmente, ela é uma professora experiente, já com 14 anos de atuação, em diferentes etapas do ensino básico, como: Educação Infantil, Ensino Fundamental 1 e 2, Ensino Médio, e Educação de Jovens e Adultos. A entrevistada teve dois professores que marcaram a sua trajetória estudantil, os quais influenciaram, segundo ela, as suas escolhas profissionais e a sua postura de educadora.

A pesquisadora, em sua atuação como coordenadora pedagógica, sempre procurava ouvir as experiências profissionais anteriores de Helena, o que pensava sobre as práticas que estavam desenvolvendo juntas, se tudo aquilo fazia ou não sentido para ela. Com frequência, Helena sempre se lembrava de trabalhos anteriores, os quais considerava interessantes, e a partir disso elaboravam juntas novas propostas a serem desenvolvidas com o grupo atual de crianças, considerando-se o contexto atual de trabalho, bem como as orientações do projeto político-pedagógico da escola.

Eixo 2 – A professora e o portfólio na Escola Caminhos: práticas cotidianas e desafios

Este segundo eixo de análise versa sobre as práticas cotidianas de Helena e sobre a construção do portfólio, de forma específica, e oportuniza a discussão sobre o desenvolvimento profissional da professora. Entende-se aqui o desenvolvimento profissional segundo Oliveira-Formosinho (2008) como um processo que ocorre ao longo do ciclo da vida da docente e envolve crescer, ser, sentir, agir e tem fases e ciclos, que não são lineares, pois se articulam com diferentes contextos em que a professora vive. Ou seja, trata-se de uma construção processual e pessoal da vida profissional que depende do contexto, da história, das condições de trabalho, etc.

A partir das falas de Helena, fica perceptível que encontrou uma abertura para conhecer a proposta da escola e integrar-se a ela de forma que fizesse sentido para si mesma. Algo marcante na sua fala é o quanto se identifica com a proposta pedagógica da Escola Caminhos, ponto essencial para que o trabalho se desenvolva bem. Observa-se que Helena é muito engajada em seu trabalho: empenha-se na elaboração dos projetos pedagógicos e na construção do portfólio com sua turma.

Por meio da leitura e da análise do portfólio e das conversas com a professora, percebem-se alguns aspectos relevantes sobre sua elaboração, que foi acontecendo de forma processual. Após as aulas com as crianças, a professora fazia anotações em seu diário de bordo e, a partir delas, elaborava alguns relatos de vivência, de diálogos importantes da turma e de seleção de fotos que iam compondo o material. Além disso, ela pensava em atividades didáticas, que envolviam diferentes áreas do conhecimento, como desafios de leitura e escrita ou de raciocínio lógico, entre outras, embasadas no planejamento anual da escola e nas discussões realizadas com as crianças. Nessas atividades, geralmente os estudantes faziam registros escritos, desenhos, pinturas, etc. Dessa forma, o portfólio foi se constituindo como uma construção processual, de promoção da aprendizagem. Segundo Smole (1996), como uma testemunha da ação pedagógica, um registro do trabalho que ocorreu, uma memória das propostas desenvolvidas.

À medida que os registros ficavam prontos (relatos de vivência com fotografias feitas pela professora, relatos de diálogos, desenhos, pinturas, escritas e outras produções das crianças), o material era anexado em uma pasta tipo fichário em tamanho de folha A3 (297mm x 42mm). A professora separava alguns momentos em sua rotina mensal para resgatá-lo com as crianças e revisitar com elas o que já haviam feito. Ao final de cada bimestre, ele ia para a casa delas para ser apreciado em família.

Ao olhar o material da turma e ler alguns relatos, é possível entrar em contato com situações importantes do desenvolvimento propiciado pelo processo educacional. Na Figura 1, pode-se perceber que as crianças e a professora participam do processo de avaliação e de planejamento do projeto de investigação da turma, sugerindo ideias de vivências e possíveis caminhos a serem seguidos.

Percebe-se que o portfólio é um material significativo e torna-se motivo de orgulho para a professora e também para as crianças, como fica evidenciado no excerto abaixo:

[...] quando eu via pronto me dava um prazer enorme. Quando eu via as coisas das crianças lá. Porque assim, você acompanha o desenvolvimento das crianças por meio dos registros delas. Quando eu via que as pessoas gostavam daquele instrumento, que a criança gosta de pegar e voltar, que o pai olha, que o pai dá valor também, que a família também dá valor, então aquilo ali [...] eu pensava [...] Ah! Valeu a pena!

(Entrevista com Helena).

O portfólio é nosso livro que tem letras, fotos e atividades. Ele guarda as coisas que acontecem com a gente e mostra para as pessoas. Ele é importante porque o que fazemos é importante. O portfólio é o que a gente aprende

(Texto Coletivo elaborado pelas crianças de uma turma da professora Helena, após realizarem uma atividade de apreciação do portfólio).

É parte da função de coordenadora pedagógica ler, apreciar e revisar todo o material construído pela professora e suas crianças. A partir dessa leitura, é possível obter subsídios para os diálogos com as professoras da escola, que acontecem nos momentos de encontros semanais, em que discutem sobre o trabalho desenvolvido e a aprendizagem das crianças, ponto este que será apresentado mais adiante. Nem sempre o portfólio feito por Helena foi realizado da mesma forma; ela relata que, quando começou a trabalhar com o instrumento, teve muitas dúvidas, ficou insegura, achou trabalhoso e muito cansativo, mas ao longo do tempo foi encontrando sentido e aprimorando o próprio fazer.

Fonte: Arquivo da Escola Caminhos (2015).

Figura 1 Página do portfólio produzida pela turma em colaboração com a professora Helena. 

Na literatura pesquisada, algo comum citado como entrave no processo de construção de portfólios é a demanda de tempo. Gaspar (2010) diz que uma das desvantagens em se trabalhar com eles é a exigência de tempo, devido ao grande número de trabalhos a se compilar. Isso faz com que a consulta, o manuseio, a observação e a reflexão não sejam tarefas fáceis e rápidas. Outro aspecto da realidade de Helena é o fato de ela sofrer uma sobrecarga de afazeres, somado o trabalho da escola (dois turnos) e sua responsabilidade com sua casa e família.

Algo que fica evidente no trabalho com os portfólios é a necessidade de que haja condições laborais minimamente favoráveis para que as professoras construam o material com suas crianças. É importante que a turma não tenha um número muito grande de crianças e que a professora possa encontrar tempo em sua rotina diária para conversar com elas sobre suas atividades sem que haja uma pressão para o cumprimento de conteúdos ou um número excessivo de atividades pedagógicas apostiladas ou de livros didáticos a serem feitas. É fundamental que a docente encontre apoio e incentivo da gestão da escola, que receba orientações claras sobre os objetivos e as possibilidades práticas de construção do material. Nesse sentido, estudar e dialogar sobre o instrumento é fundamental para aprimorar o trabalho com os portfólios.

Eixo 3 – Encontros entre a professora e a coordenadora pedagógica: o uso do portfólio como instrumento de reflexão e mediação

O terceiro eixo de análise teve como foco a reflexão sobre a mediação realizada com a professora, em que o portfólio foi um material que fez parte do processo. Esse trabalho com ela sempre aconteceu em um processo de muito diálogo e de construções em parceria. A coordenadora pedagógica sempre considerou importante ouvir a professora, e juntas conseguiram estabelecer um vínculo de muita confiança, que pode ser percebido em algumas falas da professora, como a seguir: “[...] quando a gente está conversando, trocando ideia, eu sinto que eu fico muito mais segura pra fazer [...] Então assim, faz muita falta se não tiver esse diálogo”.

Por meio da leitura dos materiais que Helena enviava para a composição do portfólio, sejam relatos de vivências ou matrizes pedagógicas, e de diálogos nos encontros semanais, a coordenadora entrava em contato com o discurso, com as ideias e concepções, com os pensamentos e com as significações que a professora produzia em sua prática. Conversavam sobre as atividades, sobre as crianças, sobre o andamento do projeto e as vivências, entre outras questões. À medida que a professora relatava os acontecimentos e seus pensamentos, a coordenadora tentava problematizar e ajudá-la a refletir sobre essas questões. Através desses diálogos, elas buscavam construir significados e pensar sobre as questões práticas juntas. Como pontua Fontana (2005), quando dois interlocutores se encontram, produzem uma significação por meio da interação de suas vozes e têm sempre um horizonte social, suas vozes são sócio e historicamente definidas e suas partilhas verbais acontecem de acordo com as diversas esferas da prática social e das condições sociais que os rodeiam. Nessa dinâmica, os sujeitos incorporam, articulam ou contestam as vozes que compõem o contexto dos enunciados que produzem.

Para elucidar melhor a forma como essa mediação entre coordenadora e professora acontecia, destacou-se aqui um exemplo de uma discussão sobre a forma que esta administrava o tempo com as crianças, temática que apareceu várias vezes durante as entrevistas. A dupla de trabalho sempre dialogava sobre a importância de Helena dedicar o tempo de forma mais tranquila às vivências com as crianças, visto que ela sempre se queixava da correria do dia a dia. A coordenadora incentivava que a professora refletisse sobre a quantidade de atividades que programava durante a semana em relação ao tempo que tinha com o grupo. Certo em dia, ao ler um relato de vivência do portfólio da turma, a coordenadora pode concretizar com um exemplo sobre a questão do uso do tempo com as crianças. O relato versava sobre uma construção de uma nave de papelão (sugerida pelas crianças e endossada pela professora), na qual Helena decidiu usar a fita métrica, como um instrumento de medida para enriquecer a vivência. Os alunos se envolveram muito com esse objeto de medir e ampliaram a proposta, levantando novas hipóteses e curiosidades matemáticas a partir da atividade, mas no relato da professora toda essa riqueza não aparecia e não teve continuidade nas aulas seguintes. Ao conversarem sobre o assunto, Helena ressaltou a importância de aproveitar mais esses momentos de construções das crianças. Essa questão de aprofundar-se mais nas vivências e nas discussões com as crianças parece ter feito muito sentido para a professora, que retomava o assunto nas entrevistas. Em suas palavras:

Aquela questão que a gente conversou de aprofundar mais. Tudo isso, às vezes ali ... em uma atividade ou outra a gente lembra, quando eu vou passando. Preciso ir mais devagar nas coisas. Porque tudo que foi feito lá foi muito rico, foi muito prazeroso, mas foi rápido. A gente fazia assim, um dia uma coisa, outro dia outra coisa. Agora eu estou tentando... tentar um equilíbrio agora, de por exemplo, uma atividade que a gente começou a fazer que eu vi que as crianças se envolveram, ela durar mais ela ser mais... eu voltar mais nela. Por exemplo, o jogo de dados que a gente fez uma atividade sobre isso, as crianças gostaram muito, daquela atividade, de brincar com esse jogo. Só que eu não estou achando tempo de voltar nela e eu quero trazer mais... assim, voltar nas atividades... fazer as coisas mais com calma. Para aprofundar mais. Eu acho que até essa calma, esse não aprofundamento pode também ser dessa correria

(Entrevista com Helena).

Fica evidente que esses momentos de diálogos, juntamente com a retomada do material produzido com as crianças, são muito preciosos, visto que neles é possível ampliar o olhar sobre o que está sendo realizado com as turmas. Trata-se de um exercício de revisitar, de rever, de replanejar e de aperfeiçoar o trabalho e as ações pedagógicas.

A coordenadora e a professora buscavam, por meio desses diálogos, construir significados e pensar sobre as questões práticas juntas, pois, como pontua Viana (2016), a intervenção psicológica visa mediar os processos educacionais, considerando-se que existe um processo de transformação pessoal acontecendo nos indivíduos. É função desse profissional, ao atuar como mediador, incentivar o exercício de visão crítica junto ao professor e a outros sujeitos do contexto escolar.

Moreira (2010) defende que o portfólio pode ser potencializador do processo de desenvolvimento profissional do professor, na medida em que é uma ferramenta poderosa no confronto das ações cotidianas dos educadores, conectando práticas e teorias (explícitas ou implícitas), de uma maneira reflexiva. Isso contribui para uma atitude edificante, que apoia a construção de uma identidade docente voltada para a emancipação, para a solidariedade e para a singularidade.

O trabalho com Helena e com o portfólio vai ao encontro do conceito de avaliação mediadora, citado anteriormente neste artigo. Ao ler e ponderar sobre o material produzido pela professora juntamente com as crianças, a coordenadora pedagógica buscava desenvolver uma avaliação mediadora junto a ela. De acordo com Hoffmann (2015), esse tipo de avaliação envolve estar ao lado do sujeito (neste caso a professora), pensando sobre suas ações e reações, elaborando intervenções de forma a completar o ciclo de continuidade desse tipo de avaliação que envolve a ação-reflexão-ação. O papel do avaliador, nessa perspectiva, é promover reflexão e auxiliar no processo de replanejar as ações de forma que o fazer pedagógico se torne mais significativo.

Por tudo que foi elucidado, conclui-se que o portfólio é um material autoral, rico, que expressa o que foi vivido naquele tempo por aquele grupo. O resultado é um material personalizado, no qual a professora em conjunto com as crianças são os autores, à medida que relatam o que viveram por meio de textos, fotografias, desenhos, pinturas e relatos de diálogos em sala de aula. Entretanto, alguns pontos ainda são desafiadores no processo de construção desse instrumento e, por isso, compreende-se que devem ser repensados e aprimorados. Primeiramente, considera-se importante ampliar a participação das crianças no processo de confecção do portfólio. Seria fundamental conversar mais com elas sobre o objetivo e a função do portfólio, que é de reflexão e de tomada de consciência acerca dos processos vividos, das aprendizagens e do desenvolvimento do grupo e de cada estudante. Essencial seria também retomar o material com elas, com maior frequência, para refletir, avaliar e discutir sobre o que viveram e aprenderam, assim elas poderiam participar mais da seleção do que deve ser registrado e da escolha de materiais e poderiam ter maior contribuição com a reflexão sobre o que foi significativo para sua própria aprendizagem. Essa seria uma forma de exercitar a autonomia das crianças. Sabe-se que essa não é uma tarefa fácil, pois exigiria ainda mais tempo e disponibilidade da professora para que ela pudesse mediar momentos de diálogos com cada criança, ajudando-as a fazer esse exercício reflexivo.

Outro objetivo importante do portfólio, que é expressar o processo de aprendizagem da criança, é um desafio que se busca exercitar cotidianamente. Essa não é uma tarefa simples e exige escuta e olhar atentos e apurados dos profissionais que lidam com as crianças. Helena, embora tenha realizado um trabalho de muita qualidade, em alguns registros que expressavam pontos importantes de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, foram feitos de forma sucinta, expressando pouco sobre a riqueza de algumas vivências que aconteceram com o grupo. Um dos exemplos foi citado acima, sobre o trabalho com a fita métrica na construção de uma nave de papelão. A própria professora também faz constatações acerca desse fato, como é possível perceber em sua fala, ao referir-se ao trabalho com as crianças: “Não são todas as conversas que são capturadas, não são todos os momentos, todas as vivências, sempre sobre algumas coisas que depois você pensa: Eu poderia ter colocado isso e não coloquei! Ah! Faltou isso! Aqui eu não falei disso!”.

Isso certamente se deve ao fato de que registrar tudo que acontece seria uma tarefa longa e cansativa, daí a importância de se selecionar o material que é significativo para expressar o desenvolvimento do projeto e a aprendizagem das crianças. Revisitar o portfólio nesta pesquisa fez surgir o pensamento sobre a necessidade de se exercitar mais a reflexão sobre o que deve ou não ser registrado neste documento. Sabe-se que não seria possível registrar tudo o que foi vivido e nem seria desejável, visto que uma das características mais importantes do portfólio é justamente seu potencial reflexivo para eleger o que foi mais relevante e significativo e aprofundar as discussões em torno do material e do trabalho desenvolvido.

Em relação à seleção dos registros a serem compilados, algumas questões pairam para as educadoras da escola, como: estariam fazendo muitos registros? Seria o caso de diminuir a quantidade de registros, fazendo uma seleção mais apurada do que realmente foi significativo? Precisam registrar festividades, datas comemorativas, reuniões de entrega de portfólio? Essas questões ainda permanecem em aberto e convidam a uma contínua reflexão sobre a construção do portfólio, bem como sobre a prática educacional cotidiana. Esse exercício de rever e de repensar as práticas, a dinâmica das aulas, as vivências e a construção dos materiais é muito importante para que o trabalho não fique estagnado e para que, ao contrário, seja dinâmico, flexível e assim possa se modificar e refinar-se ao longo do tempo.

Considerações Finais

É inegável que o portfólio é uma ótima ferramenta para uma educação que visa promover uma aprendizagem significativa para todos os envolvidos no processo escolar, sejam estudantes ou professores. Uma de suas principais funções é promover uma avaliação mediadora e formativa, que contribui muito com o desenvolvimento profissional dos professores. No contexto desta pesquisa, procurou-se elucidar o trabalho de uma coordenadora pedagógica, respaldada pela Psicologia Escolar, considerando-se outras possibilidades acerca do papel da Psicologia para a formação docente. Assim, a parceria com a professora Helena se deu sempre de forma colaborativa e respeitosa, com o objetivo de ajudá-la a refletir sobre suas ações e seu trabalho com as crianças, e a construção do portfólio foi um processo importante nesse trabalho de mediação. Conhecer a professora, sua história, trajetória e concepções foi importante para compreender as suas ações cotidianas e estabelecer um vínculo de trabalho para pensar nas intervenções.

A análise minuciosa do portfólio revelou aspectos importantes do trabalho desenvolvido pela escola, pela professora e pelas crianças. Ficou evidente que esse instrumento construído de forma coletiva é primoroso, bem cuidado e significativo para os envolvidos nele diretamente, bem como para familiares e para a gestão da escola. Helena exprime um sentimento de orgulho e de satisfação frente à sua produção. Ficam evidentes também pontos que precisam ser aperfeiçoados, como: a ampliação da participação das crianças no processo de seleção do material para compor o portfólio e também o aumento dos momentos de apreciação reflexiva do material para oportunizar aos estudantes um refletir de forma mais rica sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Outra questão relaciona-se ao aperfeiçoamento no momento de selecionar o que é importante ser registrado para compor o material.

É consenso na bibliografia e também foi percebido neste estudo que o portfólio é um instrumento que demanda tempo e empenho e é muito trabalhoso, portanto o professor precisa ter condições de trabalho favoráveis para trabalhar com esse instrumento. Infelizmente, a realidade brasileira de condições trabalhistas dos professores não é favorável, pois geralmente as turmas são numerosas, a remuneração é baixa, não há apoio da gestão escolar, falta material, há pressão para o cumprimento de prazos e conteúdos didáticos, entre outros entraves. No caso de Helena, mesmo tendo pontos favoráveis, como já citados anteriormente, vários desafios aparecem.

Em relação a tudo o que foi apontado acima, nota-se que o portfólio pode oferecer uma rica possibilidade de trabalho e intervenção com professores, na prática de formação continuada, visto que oportuniza um ótimo processo de avaliação mediadora. Esse instrumento oferece subsídios importantes de aproximação da prática dos professores e das suas significações, fazendo com que seja possível pensar em intervenções realmente significativas. Como toda pesquisa, esta também tem suas limitações; por isso, entende-se que outros estudos podem ampliar a compreensão e a valorização desse instrumento na Educação Infantil.

Trabalhar com portfólios abre reflexões sobre possibilidades para se pensar os fazeres educativos do dia a dia e é um convite a um caminhar reflexivo sobre os processos desenvolvidos na escola. Ele faz com que se reflita sobre uma caminhada que não é solitária, mas recheada por encontros, desencontros e construções. Ele traz em seu bojo uma grande lição sobre a importância de se valorizar os processos vividos e não apenas os resultados, tanto na escola como na vida.

1Artigo elaborado a partir da dissertação de T.D.M. ARANTES, intitulada “O portfólio na Educação Infantil e o desenvolvimento profissional: contribuições da Psicologia Escolar Crítica”. Universidade Federal de Uberlândia, 2017.

4Nos anos 1980 aconteceu um importante movimento de reflexão e crítica no campo da Psicologia, em especial na Psicologia Escolar e Educacional. As críticas apontavam para o referencial positivista de ciência presente no campo da pesquisa em Psicologia e também para a atuação do psicólogo escolar alicerçada em abordagens psicológicas que desconsideravam os elementos institucionais e políticos presentes na constituição das relações escolares (Souza, 2014). Os pesquisadores envolvidos nesse movimento de crítica centravam-se em autores cuja abordagem encontra-se no materialismo histórico-dialético. Por meio dessa aproximação com o referencial materialista histórico, passaram a analisar os fenômenos escolares e seus determinantes sociais, econômicos e políticos.

5Tanto o nome da escola como os das participantes são fictícios.

Como citar este artigo/How to cite this article

Arantes, T.D.M.; Silva, S.M.C. O portfólio na Educação Infantil e o desenvolvimento profissional: contribuições da Psicologia Escolar Crítica. Revista de Educação PUC-Campinas, v.25, e204689, 2020. https://doi.org/10.24220/2318-0870v25e2020a4689

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Recebido: 25 de Maio de 2020; Aceito: 24 de Agosto de 2020

Correspondência para/Correspondence to: S.M.C. SILVA. E-mail: silvia@ufu.br.

Colaboradores

T.D.M. ARANTES foi responsável pelo delineamento e realização da investigação, análise dos dados, escrita, revisão e aprovação da versão final do manuscrito. S.M.C. SILVA colaborou com o delineamento da pesquisa, orientação, análise dos dados, escrita, revisão e aprovação da versão final do artigo.

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