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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5339 

SEÇÃO TEMÁTICA: ENSINO, TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EM LÍNGUAS DE SINAIS: INTERSECÇÕES ENTRE GÊNERO, RAÇA E ETNIA

Negros/as surdos/as: um estudo sobre o acesso a cursos de graduação em Letras Libras

Black deaf: a study on access to the undergraduate course of Letras Libras

Rhaul de Lemos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-3090-0750

Sueli de Fátima Fernandes1 
http://orcid.org/0000-0003-1349-7004

1Universidade Federal do Paraná, Campus Rebouças, Centro de Ciências Humanas e Educação. Av. Sete de Setembro, s/n., Centro, 80230-085, Curitiba, PR, Brasil.


Resumo

Este trabalho insere-se no campo dos Estudos Surdos e das Relação-Étnicos Raciais, realizando uma discussão interseccional entre surdez e raça e tendo por objetivo analisar a ocupação de vagas por estudantes negros/as surdos/as nos cursos de graduação em instituições federais de ensino superior. O percurso metodológico de abordagem quantitativa contemplou uma análise de microdados do Censo do Ensino Superior relativos às matriculas de negros/as surdos/as em cursos de Letras Libras e em outros cursos de graduação em instituições federais de ensino superior, com recorte temporal entre 2009 e 2016. Os dados foram sistematizados através do Statistical Package for the Social Sciences. A criação do curso de graduação em Letras Libras, na modalidade a distância, em 2006, apresenta-se como principal fator da significativa ampliação no número de matrículas de estudantes surdos/as no ensino superior no período. A situação de negros/as surdos/as, contudo, não acompanha essa curva ascendente. Entre 2009 e 2013, houve um decréscimo significativo de matrículas desse grupo, apesar de os negros constituírem 50,06% da população surda. A partir daí, com a aprovação da Lei de Cotas no ensino superior em 2012, ano após ano tem-se observado um aumento significativo na ocupação de vagas pela comunidade negra surda em diferentes cursos de graduação, sinalizando a importância de ações afirmativas que contemplem a interseccionalidade entre a questão racial e a diferença linguística que singulariza as identidades de pessoas negras surdas.

Palavras-chave Ensino superior; Interseccionalidade; Relações étnico-raciais

Abstract

This work is part of the field of Deaf Studies and Ethnic-Racial Relations, conducting an intersectional discussion between deafness and race and aiming to analyze the enrollment of black deaf students in undergraduate courses in federal institutions of higher education. The quantitative methodological approach included a microdata analysis from the Higher Education Census regarding enrollments of black deaf students in courses of Letras Libras and in other undergraduate courses in federal institutions of higher education, with a time frame between 2009 and 2016. The data were systematized using the Statistical Package for the Social Sciences. The creation of the undergraduate course in Letras Libras, in the distance learning modality, in 2006, is presented as the main factor of the significant increase in the number of deaf students enrolled in higher education in the period. The situation of black deaf, however, does not follow this upward curve. Although deaf black people constitute 50.06% of the deaf population, between 2009 and 2013 there was a significant decrease in enrollment of this group in undergraduate courses. Since then, with the approval of the Racial Quotas Law in higher education in 2012, year after year there has been a significant increase in the number of vacancies occupied by the black deaf community in various undergraduate courses. This fact signals the importance of affirmative actions that contemplate the intersectionality between the racial issue and the linguistic difference that distinguishes the identities of deaf black people.

Keywords Higher education; Intersectionality; Ethnic-racial relations

Introdução

Com a crescente mobilização do movimento surdo, desde a década de 1990, elegendo como principal agenda de lutas o reconhecimento da comunidade surda como grupo cultural e linguístico minoritário, foram significativos os avanços e conquistas nas políticas públicas com referência à educação bilíngue a partir da compreensão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua de identificação cultural da comunidade surda brasileira.

Com a aprovação da Lei nº 10.436/2002, que reconheceu a Língua Brasileira de Sinais, regulamentada pelo Decreto Federal nº 5.626/2005, como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira, foram implementadas importantes diretrizes relativas ao direito à educação bilíngue (Libras e Língua Portuguesa) no sistema educacional: obrigatoriedade da disciplina de Libras em cursos de formação de professores, a acessibilidade na comunicação e informação por meio de tradutores intérpretes, o ensino e avaliação do português como segunda língua para surdos e, objeto de reflexão deste trabalho, a criação de cursos de graduação em Letras Libras.

A Universidade Federal de Santa Catarina, nesse contexto, inicia um programa nacional pioneiro de formação de professores e tradutores intérpretes de Libras, criando cursos de graduação em Letras Libras, na modalidade de educação a distância, com polos em instituições de ensino superior públicas em todo o país. Inicialmente, em 2006, foi ofertado o curso de Licenciatura em Letras Libras, seguido, em 2008, da criação do Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras/Língua Portuguesa, para habilitação de profissionais tradutores intérpretes. Como previa o Decreto nº 5626/2005 (Art. 4, Inciso II), vagas prioritárias foram destinadas a estudantes surdos/as nos cursos de formação. Essa política afirmativa resultou, em 2012, na formação do primeiro grupo de graduados em Letras Libras, com 767 licenciados/as e 312 bacharéis distribuídos em 16 estados brasileiros, composto por estudantes surdos/as e ouvintes. Essa nova realidade redesenhou significativamente estatísticas sobre acesso de estudantes surdos/as ao ensino superior. De acordo com Quadros e Stumpf (2015) na publicação “Letras Libras: ontem, hoje e amanhã”, o ingresso de estudantes surdos/as nas universidades cresceu significativamente: no ano de 2002, eram 344 estudantes surdos/as na graduação; depois da aprovação da Lei de Libras e da regulamentação do Decreto nº 5.626/2005, o número de estudantes surdos/as no ensino superior aumentou para 2.428 no ano de 2005; ou seja, um aumento de 705%.

Em que pese a importância desse avanço relativo à ampliação do acesso de estudantes surdos/as ao ensino superior, que se estendeu à ocupação de vagas por docentes surdos/as ministrando disciplinas de Libras nas universidades (Reis, 2015), são inexistentes as menções a dados com recorte racial, a fim de que se possa analisar se essa expressiva ocupação de vagas contemplou, também, estudantes negros/as surdos/as

Os dados referentes à expansão do acesso de estudantes surdos/as à graduação, motivada pela criação do curso de graduação em Letras Libras, a partir de 2006, levou os pesquisadores a refletirem sobre os impactos dessa ocupação de vagas pela população negra surda. A experiência profissional do/a autor/a como tradutor/intérprete de Libras/Língua Portuguesa, negro/a, atuando por vários anos em instituições de ensino superior, contribuiu para a percepção inicial da ausência de estudantes negros/as surdos/as em cursos de graduação e pós-graduação, provocando a reflexão de que a questão racial é, também, uma das marcas identitárias a ser considerada como barreira de acesso a esse espaço institucional, reproduzindo na trajetória de negros/as surdos/as o histórico de exclusão da educação dos/as negros/as no Brasil.

Essa percepção da ausência de negros/as surdos/as no ensino superior suscitou reflexões de que negros/as surdos/as se encontram na mesma situação de exclusão dos/as outros/as negros/as do país que ocupam posições subalternas. Quando em contato com surdos/as, tanto em contextos informais, como no ambiente de estudo ou de trabalho, questionando-os sobre as possíveis situações de exclusão às quais negros/as surdos/as são submetidos, a resposta mais frequentemente dada era que não existem práticas de opressão na comunidade surda em relação à raça, gênero ou classe.

Também na comunidade surda circula produtivamente a ideia de que no Brasil não existe discriminação racial, marcada pela narrativa do mito da democracia racial, que serviu como mecanismo político e ideológico que historicamente ocultou práticas racistas e invisibilizou os direitos sociais da população negra. Os discursos de igualdade de direitos e da meritocracia, no Brasil, naturalizam o racismo e alimentam o imaginário social, também entre os/as surdos/as, de que todos/as possuem as mesmas oportunidades de ascensão e mobilidade social.

Para a discussão sobre como se constituem as múltiplas identidades desses/as estudantes negros/as surdos/as, adotou-se o conceito de interseccionalidade, desenvolvido pela pesquisadora norte americana e feminista negra Kimberlé Crenshaw (2002) ao compreender que há inúmeros fatores relacionados às identidades sociais, como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, que são “diferenças que fazem diferença” na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação (Crenshaw, 2002, p. 173).

As categorias surdez e raça assumem grande relevância nos discursos de opressão e representações sociais da comunidade surda, possibilitando algumas reflexões quando cruzadas a outras categorias como gênero e classe social, por exemplo. A apreensão da interseccionalidade entre a questão racial e linguística que singulariza os/as negros/as surdos/as é um debate muito pertinente, pois amplia a reflexão sobre a opressão linguística sofrida historicamente pelos surdos/as quando o uso da língua de sinais como forma de comunicação foi proibido. Por mais de um século, sob o domínio da ciência médica, da audiologia e da pedagogia terapêutica, a experiência vivenciada pelos surdos/as é tão somente narrada como situação de “deficiência da audição e da linguagem”; em outras palavras, contada sob a ótica da normalidade ouvinte como anormalidade surda.

Em oposição a essa perspectiva, este estudo insere-se no campo dos Estudos Surdos e das Relação-Étnicos Raciais, realizando uma discussão interseccional entre surdez e raça, buscando, de modo articulado, a estimular reflexões pouco contempladas nas pesquisas acadêmicas. Buscou-se, assim, problematizar a ocupação de espaços estabelecidos e negados, historicamente, tanto a pessoas surdas quanto a pessoas negras. A exclusão linguística de surdos/as sinalizantes pela imposição da língua portuguesa oral/escrita nas escolas produziu gerações de surdos em condição de analfabetismo funcional, com dados alarmantes sobre o fracasso generalizado no processo de escolarização e níveis de letramento (Fernandes; Moreira, 2014).

Para Skliar (2013), ao falar dos surdos pode-se, involuntariamente, descrever somente homens surdos brancos, de classe média, escolarizados, produzindo uma narrativa abstrata dos/as surdos/as como um grupo homogêneo. Provocar a reflexão sobre se a questão racial opera como uma variável que barra o acesso de estudantes negros/as surdos/as em espaços institucionais, como a universidade, faz com que sejam reveladas outras dimensões da opressão articulada à reprodução do histórico de exclusão da educação dos/as negros/as no Brasil.

Pensando nos mecanismos de opressão que impedem o acesso de estudantes negros surdos a cursos de graduação nas universidades públicas brasileiras, realizou-se um levantamento das publicações que mencionassem a relação “surdez” e “raça”, aplicada ao contexto do ensino superior ou ao curso de graduação em Letras Libras, em bancos de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e no Google Acadêmico em 2017. Apenas três pesquisas, desenvolvidas entre 2012 e 2013, foram identificadas, sinalizando a pequena produção sobre essa temática. No levantamento bibliográfico, o descritor “surdez” foi utilizado sabendo de que essa terminologia é recorrente na literatura médica com conotação clínico-terapêutica da surdez como deficiência. Embora o termo esteja distanciado do campo epistemológico da surdez como diferença e dos surdos como integrantes de um grupo cultural e linguístico minoritário, o que se assume nesta investigação, buscou-se problematizar essa linguagem como forma de disputa de novos sentidos da surdez na produção acadêmica, ressignificados a partir da perspectiva dos Estudos Culturais/Estudos Surdos, pois [...] “se começarmos a narrar a surdez fora da área clínica e medicalizante, poderemos produzi-la de outras formas, entre elas como cultura” (Lopes, 2011, p. 17).

Das três pesquisas que tangenciavam o recorte temático desta pesquisa, duas são dissertações de mestrado produzidas em 2012. Buzar (2012) investiga situações de vulnerabilidades experimentadas na escola e em outros contextos sociais, com base nos estudos de interseccionalidade, vivenciadas por negros/as surdos/as em São Luís/MA. Furtado (2012) se ocupa de questões relativas ao que ela chama de “dupla diferença”, entrevistando estudantes negros/as surdos/as do curso de Letras Libras/UFSC no ano de 2008, buscando evidenciar como estereótipos e representações transmitidas às gerações surdas por meio da linguagem produzem preconceito e discriminação entre negros/as surdos/as. Por fim, o artigo de Pereira e Pereira (2013) analisa a percepção do racismo por estudantes negros/as do ensino fundamental de uma escola inclusiva de Salvador, buscando fortalecer laços culturais entre surdos/negros e a comunidade negra soteropolitana, um estudo inicial e significativo para reflexão dos mecanismos de exclusão e opressão quando estão envolvidos marcadores identitários de surdez e raça.

Os escassos achados acadêmicos justificam e reforçam a relevância temática e social desta investigação interseccional, já que a análise da ocupação de vagas nos cursos de graduação em Letras Libras por estudantes surdos/as oportunizará prover dados concretos sobre os impactos das políticas de inclusão educacional pós-anos 2000 no ensino superior. Duas questões foram tomadas como as principais deste estudo: a criação do curso de graduação em Letras Libras na modalidade a distância em 2006 contribuiu para o ingresso de estudantes negros/as surdos/as no ensino superior? A ampliação do ingresso de surdos/as no ensino superior resultou em um significativo aumento do número de estudantes negros/as surdos/as nas universidades públicas federais? Os dados analisados têm como fonte a pesquisa de mestrado intitulada “Negros/as surdos/as no ensino superior: mapeando cursos de graduação de Letras Libras” (Santos, 2019), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná.

Representatividade de estudantes negros/as e surdos/as no ensino superior

O percurso metodológico proposto utilizou-se de abordagem quantitativa, selecionando microdados do Censo do ensino superior no banco de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) referentes aos anos de 2009 a 2016, de instituições de ensino superior públicas de diferentes regiões2. O ano de 2009 foi delimitado como recorte inicial tendo em vista que apenas a partir desse ano foram disponibilizados dados sobre o ingresso de negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras. Os anuários estatísticos emitidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) possibilitaram uma análise comparativa entre população geral, população negra, população surda, população negra surda e incidência de matrículas em instituições de ensino superior públicas. As informações obtidas nas fontes oficiais foram sistematizadas através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) com o objetivo final de obter dados quantitativos sobre a ocupação de negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras.

De acordo com o Censo Demográfico (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010), 5,09% dos mais de 190 milhões de habitantes do país no ano de 2009 eram pessoas surdas; ou seja, 9,7 milhões de pessoas. Desse total de habitantes, 96.795.294 eram pessoas negras, representando 53,74% da população. Os dados apontam que 4.856.506 pessoas se autodeclararam negros/as surdos/as, o que corresponde a 2,54% da população negra e 50,06% da população surda.

Os dados do Censo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) sobre a população surda, população negra e população negra surda auxiliam na análise comparativa entre índices demográficos das três populações e percentuais relativos à representatividade de estudantes negros/as surdos/as matriculados/as no ensino superior e, especificamente, nos cursos de graduação em Letras Libras nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Os microdados do Censo de Educação Superior do Inep, por sua vez, permitem análises comparativas intergrupos que podem revelar em que medida há representatividade de negros/as surdos/as quando são interseccionadas as categorias surdez e raça.

A criação de cursos de graduação em Letras Libras com vagas prioritárias para a formação de docentes surdos foi uma variável determinante para a ampliação da população surda no ensino superior. De acordo com Quadros e Stumpf (2015, p. 11), no ano de 2006 foram abertos 16 polos do curso de graduação em Letras Libras – licenciatura e bacharelado, com prioridade para formação de pessoas surdas, resultando em “turmas 90% compostas por estudantes surdos/as no ano inaugural do curso”. Com a abertura de polos que ofereciam cursos de graduação em Letras Libras na modalidade ensino a distância em diferentes estados, universidades federais passaram a implantar cursos presenciais com os recursos orçamentários de programas que promoviam ações afirmativas, como o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, criado no governo da presidente Dilma Rousseff (Brasil, 2011), cuja meta era a implantação de 27 cursos de graduação presenciais nas instituições de ensino superior públicas.

Se no ano de 2006, 447 estudantes surdos/as ingressaram em um curso de graduação em Letras Libras (Quadros; Stumpf, 2009), em 2016, de acordo com os microdados do Inep, o número de matrículas totalizou 2.499, significando um aumento de 559,06% de estudantes surdos/as matriculados nas IES federais em relação ao ano inaugural do curso. Outro programa que auxiliou esses estudantes a cursarem uma graduação foi o Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir), criado no ano de 2005, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2011). O Programa Incluir tinha como objetivo eliminar barreiras físicas, pedagógicas, nas comunicações e informações, nos ambientes, instalações, equipamentos e materiais didáticos (Brasil, 2013). Em relação aos estudantes surdos/as, a principal ação relativa à acessibilidade linguística foi a contratação de profissionais tradutores intérpretes de Libras/Língua Portuguesa nas universidades. A Tabela 1, apresenta os dados relativos ao total de estudantes surdos/as matriculados/as ano a ano, a partir de 2009, nas IES federais, agrupando os ingressantes nos cursos de graduação em Letras Libras e em outros cursos de nível superior.

Tabela 1 Número de estudantes surdos/as ingressantes em cursos de graduação em Letras Libras e outros cursos de nível superior nas IFES. 

Ano Curso de Letras Libras Outras graduações Total
2009 597 342 939
2010 563 649 1.212
2011 431 878 1.309
2012 402 1.166 1.568
2013 110 1.701 1.811
2014 200 1.875 1.875
2015 272 1.900 2.172
2016 435 2.064 2.499

Fonte: Elaborada pelos autores (2019).

Nota: IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.

Chama a atenção, inicialmente, a evidente expansão da quantidade de matrículas de estudantes surdos no ensino superior, com crescimento progressivo ano após ano, principalmente em cursos de graduação em Letras Libras, representando em média 50% do total de matrículas entre 2009 e 2011. A opção certamente foi motivada pela política de educação bilíngue adotada nas instituições, que prioriza a Libras como língua de comunicação e acesso ao conhecimento nos cursos e que oferta o apoio de tradutores intérpretes na graduação. A redução do número de matrículas nos cursos de graduação em Letras Libras torna-se significativa entre 2012 (402 estudantes) e 2015 (272 estudantes), com destaque para as 110 vagas ocupadas por estudantes surdos em 2013. Essa diminuição correspondeu a 72,64% em relação ao ano de 2012 e opõe-se ao fenômeno de elevação do número de estudantes surdos/as matriculados/as nos demais cursos de graduação (de 939 matrículas em 2012 para 2499 em 2016, um aumento de 159,37%).

Considerando que a perspectiva interseccional nos campos surdez e raça interessa para esta análise, observam-se a seguir os números relativos ao ingresso de estudantes negros/as no ensino superior. No Gráfico 1 observa-se que o número de ingressantes negros/as no ensino superior nas IES federais em 2010 era de 202.888, representando 0,20% do total da população negra brasileira, composta por mais de 96.000.000 de cidadãos. Em 2011 ocorreu um aumento de 18,06% no número de matrículas dessa população nas IES, totalizando 238.583 estudantes. O percentual aumentou 15,37% em 2012 e 19,47% em 2013. Chama a atenção que, a partir de 2013, os números relativos às matriculas de alunos negros em cursos de ensino superior nas IES federais sofrem elevação significativa ano após ano.

Fonte: Elaborada pelos autores (2019). Nota: IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.

Gráfico 1 Número de estudantes negros/as nas IFES. 

Como apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), o número de surdos/as autodeclarados/as negros/as soma 4.856.506, o que corresponde a 2,54% do total da população negra e 50,06% da população surda. O Gráfico 2 traz dados relativos ao número de matrículas de estudantes negros/as surdos/as nas IES federais entre 2009 e 2016.

Fonte: Elaborada pelos autores (2019). Nota: IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.

Gráfico 2 Número de estudantes negros/as nas IFES. 

Em 2009, 265 negros/as surdos/as ingressaram nas IES federais, o que representa 28,22% em relação ao total de 939 surdos/as matriculados nas IES federais nesse mesmo ano. Quando são comparados os anos de 2009 e 2012, observa-se um aumento de 43,01% (379 pessoas) de ingressantes negros/as surdos/as nesses quatro anos. Contudo, o dado em destaque considera o avanço percentual de 279,24% de matrículas no período entre 2009 e 2016, notabilizado a partir de 2014.

Quando comparados dados de ingresso de negros/as nas IES federais entre 2009 e 2016 (Gráfico 1) e de negros/as surdos/as obtém-se os seguintes resultados: em 2009 matricularam-se 166.132 negros e 265 negros/as surdos/as, representando apenas 0,15% do número de negros matriculados. O decréscimo, ano a ano, passa de 0,13% (2011 e 2012), até chegar a 0,11% em 2013, voltando a subir para 0,16% do total de negros/as em 2016.

Tomados e analisados isoladamente a partir do grupo de referência que representa o universo dos dados (população negra ou população surda), as oscilações de percentuais são muito semelhantes, ano após ano. Novamente, o ano de 2013 sinaliza um desequilíbrio nas IES federais, com queda de matrículas de negros/as surdos/as em relação ao total de surdos/as e de matrículas de negros/as surdos/as em relação ao total de negros/as. Em termos gerais, entretanto, os números representam avanços em relação à representatividade de negros/as surdos/as, articulada a uma conjuntura de ações afirmativas com caráter de democratização de acesso ao ensino superior, das quais se destaca a Lei de Cotas no Ensino Superior (Lei nº 12.711/2012), que estabeleceu reserva de 50% das vagas de universidades e institutos federais de ensino a estudantes pretos, pardos e indígenas, bem como aos oriundos de escolas públicas, com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio.

É importante lembrar que a Lei nº 12.711/2012 não contemplava surdos/as e pessoas com deficiência à época de sua publicação, em 2012 (Brasil, 2012). A mudança aconteceu no ano de 2016, incorporando reserva de vagas no ensino superior para pessoas com deficiência, entre elas os/as surdos/as, através da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016 (Brasil, 2016).

Negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras

Como corroboram os dados inicialmente apresentados, é expressivo o crescimento do número de matrículas de surdos/as no ensino superior, notabilizado pela efetivação de ações afirmativas como a Lei de Libras (Brasil, 2002), o Decreto Federal nº 5.626/05 (Brasil, 2005), o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite (Brasil, 2012) e o Programa Incluir (Brasil, 2013). Vale lembrar ainda que nesses anos houve intensa mobilização política do movimento surdo em defesa da inclusão, do direito a escolas bilíngues para surdos, do cumprimento da meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) e da criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015) (Brasil, 2015).

A implementação das metas e estratégias do PNE pelos sistemas estadual e municipal de ensino colaborou para obtenção de melhores condições de acessibilidade linguística aos estudantes surdos em respeito à necessidade de incorporar a Libras no currículo das escolas e contar com o apoio de tradutores intérpretes, possibilitando a ampliação do número de concluintes do ensino médio bem preparados para a aprovação em processos vestibulares. As ações afirmativas de ingresso nos cursos de Letras Libras, como a oferta de vestibulares bilíngues (Libras e Língua Portuguesa) nos processos seletivos dos cursos de graduação em Letras Libras, podem ser analisadas como variáveis que favoreceram o acesso dessa população ao ensino superior.

O Gráfico 3 apresenta o número de matrículas de negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras de acordo com microdados do Censo Educação Superior, disponibilizados a partir de 2009.

Fonte: Elaborada pelos autores (2019). IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.

Gráfico 3 Número de estudantes negros/as surdos/as matriculados nos cursos de graduação em Letras Libras. 

Nota-se que em 2009 o número de estudantes ingressantes nos cursos de graduação em Letras Libras foi de 173 alunos negros surdos. No ano seguinte, em 2010, matricularam-se 155 estudantes negros/as surdos/as de acordo com o Censo Educação Superior, mas no ano de 2011 esse número foi reduzido para 123 matrículas, uma queda de 20,65% em relação ao total de estudantes negros/as surdos/as matriculados nos cursos de Letras Libras nas IES federais no ano anterior. Já em 2012, o número de matrículas de estudantes negros/as surdos/as reduziu 3,25%, quando 119 negros/as surdos/as se matricularam. Em 2013, matricularam-se apenas 10 estudantes negros/as surdos, representando uma diminuição de 91,60% em relação ao ano de 2012. É possível que a queda significativa em 2013 esteja relacionada ao aumento do número de estudantes negros/as surdos/as matriculados em outros cursos de graduação, como apresentado no Gráfico 3 (estudantes negros/as surdos/as nas IFES federais).

Um recorte desta investigação oportunizou mapear o número de estudantes negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras pelo gênero. Analisando o histórico de acesso de homens e mulheres à educação nas escolas e universidades brasileiras, nota-se que historicamente os índices de permanência das mulheres na educação sempre foram superiores aos dos homens, como explicado por Rosemberg e Andrade (2008, p. 425):

[...] diferentemente do senso comum, as mulheres brasileiras, de todos os segmentos de cor/raça (com exceção da “amarela”) apresentam melhores indicadores educacionais do que os homens, especialmente a partir do ensino médio. Assim, várias pesquisas já mostraram que mulheres negras (pretas e pardas), apesar de apresentarem piores indicadores que mulheres brancas, apresentam melhores indicadores educacionais que homens negros.

Apesar de as pesquisas trazerem o recorte racial em seus estudos, quando se trata da variável surdez faltam indicadores do número de mulheres e homens negros/as surdos/as na graduação, o que levou os pesquisadores ao mapeamento da variável “gênero” aplicada aos estudantes surdos/as e negros/as surdos/as, conforme compara a Tabela 2.

Tabela 2 Estudantes negros/as surdos/as nas IFES e cursos de Letras Libras por sexo. 

Ano Surdos/as   Negros/as Surdos/as   Negros/as Surdos/as nos
cursos de Letras Libras
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
2009 421 518   129 136   84 89
2010 567 645   160 162   76 79
2011 630 679   148 176   56 67
2012 754 814   179 200   56 63
2013 866 945   188 201   5 5
2014 908 967   265 289   16 26
2015 1.074 1.098   369 365   41 61
2016 1.285 1.214   518 487   85 106

Fonte: Elaborada pelos autores (2019).

Nota: IFES: Instituições Federais de Ensino Superior.

Os dados apontam um aumento no número de homens e mulheres surdos/as e negros/as surdos/as matriculados, ano após ano, no ensino superior, passando de 421/518 matrículas de surdos/as em 2009 para 1285/1214, respectivamente, em 2016. Em relação às matrículas de negros/as surdos/as em diferentes cursos de graduação, o número subiu de 129/136 homens e mulheres negros/as surdos/as para 518/487, respectivamente, em 2016. Em ambos os grupos o número de matrículas é sempre crescente, com ligeira vantagem de mulheres (negras e negras surdas) em relação aos homens (negros e negros surdos) no período.

Chama a atenção que o grupo de estudantes negros/as surdos/as matriculados em cursos de graduação em Letras Libras vai na contramão dessa perspectiva. Observa-se na Tabela 2 que, no ano de 2009, 84 homens negros surdos ingressaram em um curso de graduação em Letras Libras; em 2010, há uma queda para 76 matrículas e, em 2011, o número cai novamente para 56 negros surdos matriculados, acumulando uma redução de 26,32% em três anos. No ano de 2012 há uma estabilização e, em 2013, acontece a maior e mais significativa redução, de 91,07%, com apenas 5 homens negros surdos matriculados. No ano de 2014, o número de matrículas nos cursos de graduação em Letras Libras aumentou; foram registradas 16 matrículas – um acréscimo de 320%, se considerada a baixa participação em 2013. No ano seguinte, em 2015, foram feitas 41 matrículas, um crescimento de 256,25%, em relação a 2014 e, em 2016, o número de matrículas chegou a 85, resultando em um aumento de 32% no número de ingressantes em relação ao ano anterior (2017). Assim, pode-se afirmar a existência de uma curva ascendente de matrículas, apesar do dado atípico verificado em 2013.

Analisando esses dados em seu conjunto, pode-se refletir que o crescimento geral do número de as matrículas decorre das políticas e programas de ações afirmativas que democratizaram, nos anos 2000, o acesso de grupos historicamente vulnerabilizados ao ensino superior. No entanto, as políticas não alcançam recortes identitários interseccionais em que duas ou mais situações de opressão se combinam, como seria o caso de negros/as surdos/as, mulheres surdas, LGBTs surdos/as, indígenas surdos/as, entre algumas possibilidades.

Nesse cenário, ocorre aos pesquisadores a hipótese de que a justaposição dos direitos previstos no Decreto nº 5626/2005 (vagas prioritárias a surdos/as) aliada à política de cotas da Lei nº 12.711/2012 (alterada pela Lei nº 13.409/2016), em seu Art. 3º, favorece o ingresso de surdos/as autodeclarados pretos, pardos e indígenas em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a IFES (Brasil, 2012).

A complementaridade dessas duas ações afirmativas, que priorizam surdos/as e negros/as, implicaria na ampliação de acesso de negros surdos a diferentes cursos de graduação e seria responsável pela retomada do crescimento do número de matrículas, também na graduação em Letras Libras, a partir de 2014, quando a Lei já estava regulamentada e publicizada em várias instituições federais de ensino superior.

Especificamente em relação ao recorte de gênero, não há distinções significativas entre homens e mulheres negros/as surdos/as no período compreendido entre 2009 e 2016. Os dados apontam que, similar assim como acontece com mulheres negras ouvintes, as mulheres negras surdas são as que mais ingressam nas universidades federais em relação aos homens negros surdos. Quando o curso de graduação em Letras Libras é analisado, nota-se que o número de matrículas de entre homens e mulheres foi praticamente o mesmo até 2013, mas, a partir daí, homens negros surdos representam um universo percentualmente inferior em relação às mulheres negras surdas.

Em relação ao ingresso de mulheres negras surdas nos cursos de graduação em Letras Libras, no ano de 2009 matricularam-se 89, 79 em 2010, e em 2011 o número de matrículas caiu para 67, representando uma diminuição percentual de 15,19% – que continua decrescente em 2012 com 63 matrículas a menos (uma queda de 5,97% no número de matrículas). Igualmente ao quadro masculino, em 2013 foram realizadas apenas 5 matrículas (redução de 92,06%), voltando à curva ascendente em 2014, com um aumento de 520%, quando 26 mulheres negras surdas se matricularam. Em 2015 foram feitas 61 matrículas (crescimento 234,62%) e outras 106 mulheres negras surdas se matricularam em 2016, um aumento de 173,77%.

A Tabela 2 traz dados que permitem refletir que esse percentual que expressa a maioria de mulheres negras surdas matriculadas nos cursos de graduação em Letras Libras em relação à quantidade de homens negros surdos pode estar ligado à análise de Barreto (2015), que fala da presença dominante de homens em cursos de graduação da área de Exatas, em relação às mulheres, que estão concentradas, em sua maioria, nos cursos da área de Humanidades. Outra hipótese pode estar relacionada aos índices de evasão escolar de homens negros na educação básica, recrudescendo o ingresso no ensino superior. De acordo com Paixão et al. (2010, p. 2015), no Brasil, no ano de 2008, foram observados os seguintes indicadores:

observa-se que a média dos anos de estudo dos homens brancos com mais de 15 anos foi de 8,2 anos de estudo. Já o número médio de anos de estudo entre os homens pretos & pardos na mesma faixa etária foi de 6,3 anos de estudo. Entre as mulheres, os anos médios de estudo foram 8,3, no caso das brancas, e 6,7, no caso das pretas & pardas. Assim, dentro de cada contingente de cor ou raça, as mulheres apresentaram uma média ligeiramente mais elevada de anos de estudo comparativamente aos homens.

Apesar de as pesquisas de Barreto (2015) e Paixão et al. (2010) não investigarem a intersecção surdez e raça, é possível realizar uma comparação com os microdados analisados nesta pesquisa e compreender a similaridade no ingresso de estudantes negros surdos e negras surdas em relação aos demais estudantes negros/as.

Considerações Finais

Este estudo tem por objetivo analisar o ingresso de negros/as surdos/as nos cursos de graduação em Letras Libras ofertados no ensino superior público, valendo-se da ferramenta teórica da interseccionalidade para problematizar as identidades sociais marcadas pela surdez e pela raça, em busca de refletir sobre a ocupação de espaços e a representatividade de negros/os surdos/as no ensino superior.

Do contexto interseccional, o foco recai sobre a ocupação de vagas por negros/as surdos/as no ensino superior, referenciada na conquista simbólica mais importante para a comunidade surda nas últimas duas décadas: a criação de cursos de licenciatura e bacharelado em Letras Libras no Brasil. Para esclarecer se a criação do curso de graduação em Letras Libras contribuiu para o ingresso de estudantes negros/as surdos/as nas universidades públicas federais, este artigo vale-se dos microdados sobre matrículas das populações negra, surda e negra surda disponibilizados pelo no Inep.

A problematização inicialmente proposta, que previa que a expansão dos cursos de graduação em Letras Libras oportunizou a ampliação do ingresso de estudantes surdos/as negros/as no ensino superior, foi comprovada. O dado mais interessante revelado neste estudo, porém, foi constatar que, a partir de 2012, o número de matriculas de estudantes negros/as surdo/s aumentou não apenas nos cursos de graduação em Letras Libras, mas nos diferentes cursos de graduação ofertados nas instituições federais de ensino superior. Nesse cenário, surge a hipótese de que a complementaridade de duas importantes ações afirmativas – o Decreto nº 5626/2005 (que destina vagas prioritárias a surdos/as em cursos de graduação em Letras Libras) aliado à Lei de Cotas, implicou na ampliação do acesso de negros/as surdos/as a diferentes cursos de graduação e seria responsável pela retomada do crescimento do número de matrículas, também na graduação em Letras Libras, a partir de 2014, quando a Lei já estava regulamentada e publicizada em várias instituições federais de ensino superior.

Analisando esses dados em seu conjunto, pode-se refletir que o crescimento geral do número de matrículas decorre das políticas e programas de ações afirmativas criados nos anos 2000 que oportunizaram a democratização do acesso de grupos historicamente vulnerabilizados. No entanto, as políticas não alcançam recortes identitários interseccionais em que duas ou mais situações de opressão se somam, como é o caso de negros/as surdos/as, mulheres surdas, LGBTs surdos/as, indígenas surdos/as, entre algumas possibilidades.

Em síntese, os dados apresentados neste estudo permitem apontar, no cenário brasileiro:

  • evidente expansão do número de matrículas de estudantes surdos no ensino superior, com crescimento progressivo, ano após ano, a partir de 2009, de estudantes surdos/as na graduação em Letras Libras e outros cursos de graduação nas IFES;

  • progressivo ingresso de estudantes negros/as surdos/as nas IFES, mas ainda reduzido se considerado o universo total das populações negra e surda;

  • maior quantidade de negras surdas do que de negros surdos no ensino superior;

  • aproveitamento escolar compatível e equilibrado entre mulheres negras surdas e homens negros surdos.

Quando comparado o número de pessoas negras surdas em relação à quantidade de estudantes negros/as surdos/as ingressantes nos cursos de graduação em Letras Libras, nota-se que a presença desses estudantes ainda é muito pequena, se considerado que os negros representam 50,66% da comunidade surda. O dado demanda estudos mais aprofundados sobre a representatividade da ocupação dessas vagas do ensino superior, promovendo outras variáveis sociais como origem, região geográfica, classe social, categorias identitárias de surdos sinalizantes (comunicação predominante em Libras) e/ou surdos oralizados (comunicação predominante em português), entre outras possibilidades.

É importante lembrar que a educação básica pública ofertada à população negra continua a ser a de menor qualidade e que os/as negros/as ainda são os que compõe o grupo com menor mobilidade social, fatores que também influenciam a trajetória escolar e acadêmica dos negros/as surdos/as, somados às barreiras linguísticas do português como língua hegemônica no processo educacional.

Estas considerações finais revelam a necessidade da perspectiva multicultural e interseccional nos movimentos surdo e negro, com o desenvolvimento de pesquisas sobre as relações étnico-raciais nos Estudos Surdos, ampliando a interseccionalidade de variáveis como gênero, raça, classe e surdez. Uma análise mais detida dos currículos e práticas dos cursos de graduação em Letras Libras, refletindo sobre relações de poder e práticas excludentes nos espaços institucionais ocupados por negros/as surdo/as, se apresenta como um promissor campo de pesquisa.

Artigo elaborado a partir da dissertação de R. L. SANTOS, intitulada “Negros/as surdos/as no ensino superior: mapeando cursos de graduação de Letras Libras”. Universidade Federal do Paraná, 2019.

Como citar este artigo/How to cite this article

Santos, R. L.; Fernandes, S. F. Negros/as surdos/as: um estudo sobre o acesso a cursos de graduação em Letras Libras. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e215339, 2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5339

2Universidade Federal de Caxias do Sul (UCS); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Universidade Federal do Paraná (UFPR); Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); Universidade Federal de Rondônia (UNIR); Universidade Federal do Acre (UFAC); Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Universidade Federal de Roraima (UFRR); Universidade Federal do Amapá (UNIFPA); Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Universidade Federal do Tocantins (UFT); Universidade Federal do Piauí (UFPI); Universidade Federal do Cariri (UFCA); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA); Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Federal do Alagoas (UFAL); Universidade Federal de Sergipe (UFS); Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

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Recebido: 07 de Abril de 2021; Revisado: 26 de Julho de 2021; Aceito: 19 de Agosto de 2021

Correspondência para/Correspondence to: S. F. FERNANDES. E-mail: suelifernandes@ufpr.br

Colaboradores

R. L. SANTOS, foi responsável pela concepção e planejamento da estrutura do manuscrito, contribuições teórico-metodológicas oriundas de frações de sua dissertação e produção e análise de dados. S. F. FERNANDES, contribuiu na concepção do trabalho, com contribuições teórico-conceituais em seu respectivo campo de pesquisa Estudos Surdos e análise de dados.

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