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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5356 

SEÇÃO TEMÁTICA: ENSINO, TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EM LÍNGUAS DE SINAIS: INTERSECÇÕES ENTRE GÊNERO, RAÇA E ETNIA

Representações sociais de Mulheres Surdas mirienses sobre si: da invisibilidade ao protagonismo

Social representations of Deaf Miriense Women about themselves: from invisibility to protagonism

Aline Corrêa de Barros da Costa1 
http://orcid.org/0000-0003-0591-6264

Waldma Maíra Menezes de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-8747-5185

Madalena Klein2 
http://orcid.org/0000-0002-2222-6700

1Universidade Federal do Pará, Faculdade de Educação do Campo, Grupo de Estudos Surdos na Amazônia Tocantina. Cametá, PA, Brasil.

2Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Educação, Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos. R. Col. Alberto Rosa, 154, 2º andar, Centro, 96010-770, Pelotas, RS, Brasil.


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as representações sociais que as Mulheres Surdas fazem de si e os efeitos dessas representações na construção de suas identidades e, de maneira específica, ilustrar a concepção de feminismo que as mulheres surdas possuem. A pesquisa é de cunho qualitativo entrelaçada com a Teoria das Representações Sociais, com o foco nas representações que as Mulheres Surdas fazem de si; isto é, na maneira como elaboram e partilham simbologias significantes e construtivas de suas identidades. Por sua vez, as bases teóricas desta pesquisa provêm do campo epistêmico: feminismo, surdez e das representações sociais. As considerações finais ilustram as concepções de Mulheres Surdas sobre o feminismo e as representações sociais sobre suas identidades. Identidade pressuposta, a partir da invisibilidade, exclusão e preconceito que os outros lhes narravam, e identidade metamorfose, com empoderamento, no reconhecimento de suas diferenças e na valorização delas.

Palavras-chave Feminismo; Representações sociais; Mulher surda

Abstract

This paper aims to analyze the social representations that deaf women make of themselves and the effects of these representations in the construction of their identities and, in a specific way, to illustrate the concept of feminism that they have. The research is a qualitative, intertwined with the Theory of Social Representations, focusing on the representations that deaf women make of themselves, that is, on the way in which they elaborate and share significant and constructive symbologies of their identities. In turn, the theoretical bases of this research come from the following epistemic fields: Feminism, Deafness and Social Representations. Final considerations shed light on the views of deaf women about feminism and social representations of their identities: presupposed, from the invisibility, exclusion and prejudice that others narrated to them, and metamorphosis, with empowerment, in the recognition of their differences and in their valorization.

Keywords Feminism; Social representations; Deaf woman

Introdução

Por muito tempo, diversos grupos minoritários3 foram colocados à margem da sociedade e carregaram o estigma de subalternos. Esses grupos que, de acordo com a história, foram menosprezados, possuem uma trajetória ainda mais sofrida em direção à representação do seu eu, pois é difícil se sentir forte, empoderado e orgulhoso diante de tanta marginalização, preconceito, machismo, homofobia e outras formas de discriminação.

O outro foi naturalizado como anormal a partir da mesmidade da cultura, da linguagem e da identidade de um outro eu, aqui compreendido como colonizador. O colonizador concebeu seu existir na soberania da diferença que produziu ao outro e ao outro coube a construção fixada em um processo contínuo: “O outro que foi colonizado nos parece um outro sem nenhuma outra temporalidade ou a outra temporalidade a não ser aquelas que lhe designamos de uma vez por todas” (Skliar, 2003, p. 121).

Posto isso, o presente estudo tem como objetivo geral analisar as representações sociais que as Mulheres Surdas4 fazem de si, os efeitos dessas representações na construção de suas identidades e, de maneira específica, ilustrar a concepção de feminismo que as Mulheres Surdas mirienses possuem. Por fim, este trabalho se dispõe a responder: Quais as representações sociais que as Mulheres Surdas mirienses fazem de si?

Destaca-se a importância desta pesquisa por se constituir em um trabalho inovador em dois âmbitos: no âmbito social por contribuir para o entendimento das Mulheres Surdas sobre o empoderamento feminino e a importância dessa luta para suas conquistas, trazendo, assim, o protagonismo das mulheres da região Tocantina, e no âmbito acadêmico porque, a partir de um levantamento, estado da arte, ficou nítido que estudos nessa área ainda são muito escassos e a partir dessa pesquisa outros aprendizados destinados a contribuir com a comunidade surda e com a afirmação dessas mulheres podem ser idealizados.

Procedimentos Metodológicos

Este estudo tem por base a Teoria das Representações Sociais, com o foco nas representações que as Mulheres Surdas fazem de si; isto é, na maneira em que elaboram e partilham simbologias significantes e construtivas de suas identidades. A Representação Social é entendida como “[...] forma de conhecimento prático, de senso comum, que circula na sociedade. Esse conhecimento é constituído de conceitos e imagens sobre pessoas, papéis e fenômenos do cotidiano” (Rangel, 2004, p. 66).

Os processos de formação das representações sociais compreendem a ancoragem e a objetivação, os quais fomentam a construção do núcleo figurativo que, por sua vez, é constituído de estruturas figurativas e simbólicas (Moscovici, 2009). Nascimento (2013, p. 50) explica que:

[...] a ancoragem é atribuição pela sociedade de uma escala de valores e preferências para um objeto social em função das interações sociais. [...] a objetivação pode ser vista nesse processo de formação das representações sociais como um recurso que o pensamento utiliza, denominado de naturalização, para tornar concretos, reais, conceitos abstratos.

Na análise das representações sociais sobre Mulheres Surdas, utilizou-se a abordagem processual, desenvolvida por Moscovici (2009). Nesta investigação, trabalhou-se com as ancoragens e objetivações presentes nos dizeres das duas participantes surdas, a partir de uma entrevista que foi semiestruturada (Chizzotti,1998) e realizada em conjunto com ambas – duas mulheres surdas do munícipio de Igarapé-Miri/PA –, que na oportunidade fizeram o debate das questões levantadas.

A entrevista compartilhada foi captada através de videogravação e teve início com a exibição do vídeo “Sou surda, Sou mulher” (Xavier; Pires; Araujo, 2016), no qual se colocava em pauta a importância do ser mulher e ser surda e, em seguida, foram levantadas discussões sobre o entendimento do vídeo. Por meio do princípio ético da preservação da identidade das informantes, garantiu-se o sigilo, a privacidade e a confidencialidade dos dados colhidos. Optou-se pela utilização de nomes fictícios, que fazem referências a grandes Líderes/Mulheres/Surdas (Quadro 1).

Quadro 1 Perfil das entrevistadas (Igarapé-Miri, 2019). 

Nome Fictício Idade Cor ou raça declarada Formação
Betty 19 Negra Graduanda de Pedagogia Bilíngue
Simone 20 Branca Graduanda de Pedagogia

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

No que tange aos cuidados éticos da pesquisa, as entrevistadas foram informadas dos sobre os objetivos e procedimentos da investigação e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) permitindo a publicação de informações. As pesquisadoras destacaram às entrevistadas os riscos e benefícios da participação delas na pesquisa, a saber: o risco de se sentirem constrangidas com alguma revelação acerca de sua identidade, no que tange à sexualidade, gênero, classe, etnia, religião entre outras, a qual pudesse comprometê-las diante de seus amigos e familiares. Nesse caso, assumiu-se a responsabilidade de manter o sigilo usando nomes fictícios e não divulgando suas fotos e/ou trechos dos vídeos, bem como de resguardar o conteúdo de suas narrativas.

Garantiu-se que, após a tradução/transcrição dos vídeos da Língua de Sinais para a Língua Portuguesa, esses seriam apagados e em seguida o texto seria entregue às entrevistadas para validação das informações antes da publicação. No que tange aos benefícios da participação das entrevistadas, destacou-se a contribuição para as discussões a respeito da identidade surda na perspectiva do feminismo surdo.

Na sistematização e análise dos dados, foram utilizadas técnicas da análise de conteúdos de Bardin (2010, p. 38) por se tratar de um “[...] conjunto de técnicas de análises de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo da mensagem”. A principal técnica utilizada na análise de conteúdos foi a categorização, em um movimento de classificação, diferenciação e reagrupamento, procurando atender o foco e objetivo da pesquisa.

A organização da análise foi realizada tendo como referencial algumas categorias analíticas iniciais, amparadas pelas aproximações do material proveniente das entrevistas às discussões teóricas e principais conceitos que abordam o tema em questão (Oliveira; Mota Neto, 2011), a saber: feminismo e Mulher Surda. No decorrer do processo de categorização, surgiram categorias analíticas emergentes, sendo elas: (a) da invisibilidade ao protagonismo da Mulher Surda; (b) representações sociais que as mulheres mirienses fazem de si e (c) concepção de feminismo. Isso já era previsto por Oliveira e Mota Neto (2011, p. 164) ao considerarem que: “[...] a partir das falas e dos significados atribuídos ao fenômeno estudado, podem ser construídas novas categorias de análise”.

Mulheres com deficiência

A história das Pessoas com deficiência5 – em que as Mulheres Surdas são há muito tempo ilustradas –, é caracterizada por constante discriminação. Por muitas décadas essas pessoas foram marginalizadas, negligenciadas, vítimas de preconceitos, proibidas de trabalhar e receberam uma educação precária.

Por décadas as pessoas com deficiência tiveram que seguir o que foi imposto para si, presumindo uma limitação, sendo segregadas pela sociedade. A condição da deficiência se constitui em um terreno fértil para o preconceito provocado pelo “[...] distanciamento em relação aos padrões físicos e/ou intelectuais que se definem em função do que se considera ausência, falta ou impossibilidade. Fixa-se apenas num aspecto ou atributo da pessoa, tornando a diferença uma exceção” (Silva, 2006, p. 4).

Conduzindo o diálogo sobre deficiência aliada ao gênero, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) revela que o número de pessoas com deficiência no Brasil é de 45.606.048 (23,9%), sendo que, desse número, 25.800.681 (26,5%) são do sexo feminino. Os dados ilustram as mulheres duplamente atingidas por seu gênero e sua deficiência e essa vulnerabilidade pode ter uma proporção maior se forem levadas em consideração questões de raça, classe social, sexualidade entre outras e, assim, inviabilizar o exercício de seus direitos e de sua cidadania.

Klein e Formozo (2007, p. 7) ilustram que a mulher com deficiência sofre discriminação “[...] pelo próprio fato da pessoa em questão ser mulher e por ser portadora de deficiência [...]”, ou seja, sofre discriminação pela relação de gênero e também pela ausência de um “corpo normal”, reverberando em uma situação de inferioridade.

Essa situação de inferioridade vivida pelas mulheres com deficiência é encontrada em todos os lugares sociais, públicos e privados, como, por exemplo: (a) nos postos de saúde que não possuem profissionais qualificados para atender as particularidades das mulheres com deficiência; (b) nas delegacias da mulher que não são acessíveis, bem como as casas de apoio nas quais a falta de acessibilidade física, comunicacional e atitudinais são constantes.

A discriminação e o preconceito vividos pelas mulheres com deficiência ressaltam pensamentos errôneos em torno delas, opiniões como: não podem/conseguem cuidar de si mesmas, não podem ter filhos, não podem ter experiências sexuais. Além desses pensamentos discriminatórios, as mulheres com deficiência possuem maior dificuldade do que as demais mulheres para inserir-se na educação básica, nas universidades, na qualificação profissional e no mercado de trabalho.

Em relação às Mulheres Surdas, o histórico de subordinação é semelhante ao das mulheres ouvintes. Essas mulheres foram proibidas de estudar, não tinham o direito de decidir sobre a própria vida, pois pensava-se que elas não tinham capacidade e, por isso, foram injustiçadas e excluídas. Portanto,

A mulher surda, pertencente a dois grupos com minorias de direitos, é duplamente oprimida. Ela é vista pelo senso comum como ‘’coitadinha’’ ou indefesa, de modo que a misoginia perpetuada na sociedade é somada ao ouvintismo, opressão sofrida pelos surdos em uma sociedade majoritariamente ouvinte. Dessa forma, envolta de tantas imagens de si, do que é ser surda, do que é ser mulher, vive duplamente a dificuldade de construir sua própria identidade e autonomia. É colocado em cheque seu entendimento, sua independência, sua capacidade de comunicar-se e relacionar-se socialmente, de indignar-se, de pensar e de viver normalmente

(Ribeiro, 2017, p. 7).

As representações marginalizadas sobre o sujeito surdo são enraizadas na deficiência; isto é, em uma visão clínica patológica. No momento em que o surdo começa a ser visto/representado pela sua língua (Libras), ou seja, no campo socioantropológico, marca-se a diferença na questão linguística. Todavia, há outras diferenças, como: gênero, classe, cultura, entre outras. A respeito da diferença linguística e de gênero – Mulheres Surdas –, Klein e Formozo (2007) apontam os poucos estudos sobre o tema gênero e surdez, talvez porque havia, nas décadas passadas, pautas de reivindicações mais ligadas ao direito linguístico da comunidade surda brasileira.

Sem dúvida que essa pauta, ligada ao reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras), tem forte impacto no acesso às informações nas diversas áreas e impediria muitos casos de violência, negligência, abusos, até mesmo de famílias preocupadas que superprotegem meninas/mulheres surdas. Klein e Formozo (2007, p. 4) abordam sobre:

Em nosso contato com surdas, já ouvimos vários e tristes relatos de mulheres que foram abusadas sexualmente por homens ouvintes, que ficaram impunes devido à dificuldade de as surdas se comunicarem com os familiares. Também a falta de informação a respeito da sexualidade provocou várias gestações indesejadas.

Devido a essa dificuldade na comunicação, as mulheres surdas são mais suscetíveis aos diversos tipos de abuso, como afirma Krause (2017, p. 5) “[...] mulheres surdas têm 1,5 vezes mais chances de serem vítima de assédio sexual, agressão sexual, abuso psicológico e abuso físico do que as ouvintes”.

É necessário oferecer elementos para o empoderamento feminino surdo, como: (a) na saúde: produzindo vídeos em Libras sobre a importância do cuidado com a saúde das mulheres e da presença de intérpretes nas consultas; (b) na segurança: recursos contra a violência e abusos, como delegacia da mulher com profissional intérprete e a divulgação, em Língua de Sinais, das leis que amparam as mulheres e (c) na educação: círculos de palestras sobre o feminismo das mulheres com deficiência e a marcação das diferenças surdas para além da língua, mas sim, nesse caso, com relação às questões de gênero. Assim, são inúmeros os impulsos que se podem obter para esse empoderamento.

O reconhecimento das mulheres surdas e de seus feitos nas lutas da comunidade surda vem sendo consolidado. A pesquisa de doutorado sobre heroísmo surdo que foi realizada por Gisele Rangel – militante/ativista e professora surda –, evidenciou esse reconhecimento por parte de surdos e surdas. Ao serem questionados sobre quem são os heróis e heroínas surdos, a presença de Mulheres Surdas em diferentes contextos da vida da sociedade foram lembradas (Rangel; Klein, 2020). São mulheres surdas militantes nas lutas pelo reconhecimento da Libras e pela garantia da educação bilíngue para surdos, pioneiras nos espaços da educação superior pelo trabalho em pesquisas e na formação e orientação de novos/as pesquisadores/as, entre outras coisas, que as colocam como protagonistas de suas histórias.

Resultados e Discussão

Neste tópico serão evidenciados os resultados da pesquisa decorrente das entrevistas que foram realizadas com Mulheres Surdas moradoras do município de Igarapé-Miri, estado do Pará. Os dados produzidos foram analisados com base nos estudos sobre o movimento feminista e as mulheres com deficiência, mais especificamente as Mulheres Surdas, buscando refletir sobre a (in)visibilidade dessas no movimento feminista. As relações e possíveis contribuições das mulheres ouvintes feministas para o empoderamento da mulher surda não foram desconsideradas.

Cabe ressaltar que a análise partiu da exposição do vídeo “Sou Surda, Sou Mulher”, que apresenta mulheres dialogando sobre suas experiências surdas femininas, sobre suas intempéries, suas dificuldades e suas conquistas cotidianas. A escolha do vídeo se deu enquanto método de aproximação entre pesquisadora/pesquisadas, partindo da valorização de um vídeo sinalizado.

Da invisibilidade ao protagonismo da mulher surda

O desenvolvimento desta categoria permeia as representações das entrevistadas acerca do entendimento e de suas concepções sobre o vídeo aqui já mencionado e a compreensão das entrevistadas sobre a complexidade de ser mulher deficiente no Brasil.

Betty relata:

[...] sobre as dificuldades que a mulher surda vivência, porque não é fácil, esse sentimento. Elas mostram que precisamos ter valorização com o objetivo de nos empoderarmos. As pessoas em si olham as mulheres e discriminam mulheres surdas e ouvintes, colocam a mulher num lugar de subalternização, mas não é assim. Todos nós somos iguais.

Simone afirma:

[...] que as mulheres querem direitos iguais, devendo ser: no trabalho, na família, na relação, na escola. Todas lutam por direitos iguais. Tanto faz a mulher surda, quanto a mulher ouvinte.

As entrevistadas compreenderam a relevância do vídeo para as mulheres surdas, por ter como propósito a construção de uma identidade empoderada nessas mulheres, buscar por igualdade em diversos locais e garantir seus direitos.

Betty, então, ressalta a valorização da Mulheres Surdas para o seu empoderamento. Desse modo, Ribeiro (2017, p. 8) afirma que “[...] a solução para o empoderamento das mulheres surdas, de modo a permitir a construção de suas identidades e autonomia intelectual e material permanece em aberto”.

A construção do empoderamento das mulheres surdas é uma evolução compassada que precisa do auxílio de mulheres que já têm autonomia para essa construção, pois além de autonomia financeira, a mulher precisa de autonomia emocional. As mulheres sofrem diversas distinções no país, como: desigualdade salarial, relacionamentos abusivos, violência doméstica, abusos. A realidade é que as relações de poder entre homem e mulher são desiguais. A partir dessas desigualdades surgem uma série de desafios para as mulheres se constituírem e terem sua emancipação.

Desse modo, quando questionadas sobre como é ser mulher no Brasil, ambas as entrevistadas discorreram sobre essas discriminações, dificuldades e violências que as mulheres sofrem no país.

Simone diz que a:

[...] mulher ela sofre sim, e às vezes fica presa na casa pela relação. Talvez seja por falta de informação, por quais direitos ela tem. Num casamento, quando ela é violentada, talvez seja um fato de ela não saber que pode denunciar, acionar pelo disk denúncia, então, por essa falta de informação, talvez ela não saiba que tem esses direitos iguais.

Betty fala que:

[...] ser mulher hoje não é fácil, porque ela sofre muito, porque ela sofre preconceito e violência, mas ela precisa se empoderar. Ela não é um sexo frágil, ela precisa se buscar e ampliar seu meio para que ela consiga sua igualdade. Por isso, ela precisa trabalhar e precisa ser valorizada na família. O homem não é superior à mulher. Os direitos devem ser iguais, precisam respeitar uns aos outros.

Betty salienta a necessidade de a mulher ter sua independência. Guedes e Fonseca (2011, p. 2) corroborando o pensamento apresentado, versam sobre a relevância da autonomia “[...] ao visibilizar o resgate da produção de uma necessidade para as mulheres oprimidas: a necessidade de liberdade e autonomia como condição imprescindível para sua plena existência enquanto sujeitos de direitos”. Portanto, a autonomia é fundamental para que as mulheres tenham a possibilidade de fazer suas escolhas e a garantir seus direitos.

Simone pontua a questão da informação, pois muitas mulheres ainda desconhecem os seus direitos, as leis que as protegem, a existência de casas de apoio para casos de violência e outros recursos devido à ausência de informações. Cortês, Luciano e Dias (2012, p. 1) chamam a atenção sobre a importância de difundir debates sobre o combate à violência contra as mulheres, sendo “[...] essencial disseminar a informação para prevenir e publicizar a violência, alicerçada em profundas desigualdades de gênero na sociedade”.

Para além de questões sobre os direitos das mulheres, a informação é relevante para desconstruir a cultura machista, a cultura do estupro, o patriarcalismo que a sociedade ainda carrega. A informação deve ser usada como ferramenta para combater as discriminações. Assim, as entrevistadas foram questionadas se alguma vez já ocorreu de se sentirem discriminadas por serem mulheres.

Betty garante que:

[...] sim, antes, por ser mulher surda, parece que tinham um preconceito e se afastavam de mim. Os ouvintes saíam e eu, por ser mulher surda, ficava isolada. Parece que tinha um preconceito e eu ficava calada, não falava nada. A comunicação também era difícil porque elas não sabiam línguas de sinais e se soubessem ficaria mais fácil, mas o que acontecia é que elas oralizavam e eu não compreendia nada. Eu estava muito triste por isso, e eu comecei a dizer que precisa ter igualdade entre mulheres surdas e mulheres ouvintes por meio da base da língua de sinais para que essa comunicação aconteça.

Simone expressou que:

[...] talvez tenha sentido esse preconceito. Digamos que para participar de algum evento, em relação de não ter o apoio do intérprete e faltar ali a questão da acessibilidade. Então, eu acredito que seja nesse sentido aí, procurar igualdade com base na acessibilidade.

As entrevistadas relataram terem passado por duplo preconceito: por serem Mulheres Surdas e o preconceito linguístico. A lei que oficializa a Libras (Brasil, 2002) está prestes a completar 19 anos, entretanto é notório o descaso com a língua e com a comunidade surda. Apesar das leis, pouco foi feito em favor da população surda, e a falta de informação acarreta no preconceito e marginalização sofrida pelos surdos.

Simone pontua a falta de intérpretes nos eventos, o que seria um recurso fundamental para a inclusão das mulheres surdas. Muitos eventos feministas não são acessíveis a essas mulheres, pois não contam com a presença de um profissional intérprete e, assim, as Mulheres Surdas não têm acesso às informações que estão sendo expostas.

De acordo com Perlin e Vilhalva (2016, p. 151):

[...] como usuárias de uma língua diferente do português, usuárias de língua visual, estamos com dificuldades de acessibilidade em um mundo acessível aos ouvintes. A acessibilidade é dificultada por serem poucas as informações visuais e isso carece à mulher surda. Os relatos de experiências tristes se acumulam. A falta de tradução é imensa em seu rol. A falta de tradução para a língua de sinais acontece em diversos espaços, como na saúde, na educação, no trabalho, no espaço de segurança, enfim, na sua trajetória de vida. Assim sendo, os relatos são dramáticos.

O preconceito linguístico ainda é uma realidade. Existem muitos mitos em torno da Língua de Sinais e de seus usuários, que não se resumem apenas a pontos linguísticos. A falta de conhecimento gera, também, exclusão e discriminação para com o indivíduo surdo.

Assim, as entrevistadas foram questionadas se alguma vez haviam se sentido discriminadas dentro da comunidade surda por serem mulheres. Observa-se, no relato de Betty, a materialização da discriminação dos ouvintes, que duvidavam da sua capacidade por ser surda.

Betty relata que:

[...] sim, já aconteceu. Meu sonho era jogar bola, e as pessoas ouvintes olhavam para mim e questionavam, como você vai jogar bola? Que comunicação é essa? Não, você não pode jogar bola porque você é surda. Eu ficava isolada e muito triste. Em outros lugares as mulheres iam juntas jogar bola. Eu queria jogar, mas, quando chegava na hora, era um caminho ruim, uma estrada ruim e nunca me chamavam. Marcavam entre si e eu nunca era convidada. Eu me sentia excluída do processo e eu dizia: sim! Eu posso jogar bola. Você precisa me valorizar! Porque eu sou mulher também e eu tenho as mesmas dificuldades; você não pode ter preconceito comigo só porque eu sou mulher e surda. Eu quero participar também. Eu posso participar.

Simone diz acreditar que:

Não, eu nem sempre tive muita fluência na língua de sinais, mas alguns amigos me ajudavam e eu nunca senti um preconceito em si.

Simone diz “nunca ter sentido preconceito”; entretanto, nota-se que ela se pronuncia em relação à aquisição da Língua de Sinais e não em relação ao gênero. Já a relação entre gênero e língua é marcada na fala de Betty, que posiciona a dupla diferença (mulher e surda) sendo materializada na discriminação. De acordo com Rangel (2004), o estigma é construído a partir das representações sociais negativas sobre o outro (sujeito). Desse modo, percebe-se que a entrevistada sofre discriminação não pelo seu gênero, posto que todas são mulheres, mas pela sua língua.

Esse pensamento se efetiva no momento em que Betty fala: “[...] elas (ouvintes) marcavam de jogar bola entre si, mas nunca me chamavam”. Nota-se que a entrevistada percebe que a exclusão se dá pela sua deficiência e, ao perceber a ação diz: “[...] eu sou mulher também e eu tenho as mesmas dificuldades. Você não pode ter preconceito comigo só porque eu sou mulher e surda” (Betty). Nesse contexto fica nítido que as representações sociais dessas meninas acerca de Betty se encontram no campo da normalidade6 e provocam a ação de Betty (grifo nosso) sobre elas no campo alteridade7 quando a entrevistada diz:

Eu posso jogar bola, você precisa me valorizar! Porque eu sou mulher também e eu tenho as mesmas dificuldades, você não pode ter preconceito comigo, só porque eu sou mulher e surda. Eu quero participar também, eu posso participar!

Representações sociais que as Mulheres Surdas mirienses fazem de si

Esta categoria trata das representações sociais que as surdas mirienses possuem sobre si, a forma como se narram e se representam enquanto sujeitas constituintes de uma dupla diferença.

A mulher surda é negligenciada constantemente, pois diversos locais não possuem estruturas para o atendimento das pessoas surdas. As clínicas, hospitais, postos de saúde e delegacias não são acessíveis e a maioria dos profissionais não são bilíngues.

Assim, quando questionadas sobre a satisfação de ser mulher, Betty expressa a tripla vulnerabilidade que vive por ser mulher, surda e negra. Há décadas tenta-se combater o racismo no Brasil, porém o preconceito racial ainda é muito presente na sociedade e com a internet esse crime ficou mais evidente.

Betty (grifo nosso) manifesta que:

Bom, no passado eu me sentia muito limitada pelo olhar dos outros sobre mim, hoje eu tenho muito orgulho de ser mulher, negra e surda. Eu preciso ser valorizada e a sociedade precisa me respeitar, respeitar minha identidade. Não pode me agredir fisicamente nem simbolicamente. Eu tenho orgulho da minha condição, da minha identidade e a Língua de Sinais ela demarca a minha identidade, nessa diferença, eu posso participar livremente através dela.

De acordo com Walsh (2009, p. 15) a raça é “[...] instrumento de classificação e controle social”. Assim, a matriz colonial afirma lugar central na racialização e a partir dela a diferença foi marcada com o intuito de dominar, subalternizar e controlar esses grupos. Chaibue e Aguiar (2014, p. 2) destacam que: “[...] apesar de não ser baseada em raça, a comunidade surda também vive atualmente uma situação de colonialidade, pois seu processo histórico, cultural e linguísticos são desvalorizados mediante um discurso multicultural”.

Nesse contexto, Betty vivenciou exclusão por ser negra, mulher e surda. De acordo com Zago, Muniz e Wanzeler (2014, p. 5), esse preconceito contribui para a segregação

[...] é possível perceber que no Brasil o preconceito e a discriminação ainda crescem de forma desordenada. Esta cultura contribui em muito com a segregação de inúmeras mulheres negras, pobres e deficientes, do convívio social, além da prática da violência simbólica.

A discriminação, nas suas mais diversas formas, ainda se faz presente no dia-a-dia e não promove um convívio íntegro e harmônico; pelo contrário, constrói uma marginalização entre sujeitos dentro da sociedade. Nesse contexto, que identidade apresenta uma mulher negra e surda?

Para Ciampa (2005), a identidade é construída na relação social com o outro. Assim, coloca-se a identidade em dois eixos conceituais: a identidade pressuposta e a identidade metamorfose. Nas palavras de Ciampa (2005, p. 169) “[...] uma identidade pressuposta, que assim é vista como algo dado [...] retira-se o caráter de historicidade da mesma”. Já a identidade metamorfose vai se construindo diariamente em um processo constante de relações, de mudanças de perspectivas dia a dia. Ainda segundo o autor: “A gente [...] não vai mudando de uma hora pra outra; vai mudando por etapa, devagarzinho; cada dia que a gente vai passando, cada hora, cada minuto, cada segundo da vida gente [...]” (Ciampa, 2005, p. 116).

Assim, percebe-se que Betty vivenciou uma identidade pressuposta ao falar: “[...] no passado eu me sentia muito limitada pelo olhar dos outros sobre mim”; isto é, o que os outros diziam ou como a representavam por ela ser negra, mulher e surda. Oliveira (2011, p. 171) destaca que “[...] nessa perspectiva a identificação da pessoa com deficiência como ser ‘anormal’ ou ‘incapaz’ tem como base a sua identificação da ‘normalidade’, que é a ‘identidade pressuposta’ socialmente”.

Todavia, Betty manifesta uma identidade metamorfose ao fazer um discurso empoderado revelando o orgulho que sente de ser uma mulher negra surda e a importância da língua de sinais para a construção desse posicionamento crítico, pois é a partir da língua que ela afirma sua identidade enquanto mulher surda.

Somando-se a isso, Oliveira (2011, p. 175) infere que “[...] a identidade como metamorfose se contrapõe à identidade substantivada por predicações que desqualificam o indivíduo e que, ao serem inferiorizadas, interferem em suas atividades sociais”. Nessa perspectiva, a identidade metamorfose é vista enquanto transformação e demarca o sujeito enquanto um ser inacabado que, em contato com o outro e com mundo, se ressignifica e se empodera.

Ribeiro (2017) retrata em sua obra que a mulher surda é oprimida duas vezes: por ser mulher e surda. A opressão racista, sexista e capacitista é destacada na fala de Betty ao demonstrar um mosaico de sua identidade: “Tenho orgulho em ser mulher negra e surda”. Todavia, percebe-se que a opressão, pelo prisma de Simone, se aplica somente por causa da língua.

Simone relata que:

Eu quando criança me sentia triste pelo fato da minha comunicação ser um pouco complicada, mas à medida que eu fui estudando, crescendo e conhecendo a Língua de Sinais, através dela fui percebendo os caminhos que me levavam hoje. Eu sinto muito orgulho. Hoje se eu tivesse que escolher entre ser surda ou ouvinte, escolheria sim ser surda. É prazeroso.

De acordo com Oliveira (2015), muitos surdos foram oprimidos e excluídos socialmente por sua diferença linguística. O medo do outro que não ouve e que possui uma língua diferente era a principal adversidade encontrada pelos surdos para sua inclusão na sociedade, na escola e na família. Assim, por muito tempo a barreira comunicacional foi tratada como o único elemento que excluía o surdo.

Essa afirmação se materializa na fala de Simone, que menciona a falta de comunicação como ancoragem e o isolamento e a tristeza como objetivação. A identidade pressuposta de Simone se configura na ausência da Libras e na tentativa de se normalizar, ou seja, de tentar oralizar. No momento em que começa a estudar, conhecer e fazer uso da Libras, ela percebe a existência de outro caminho, que a leva a uma identidade metamorfose, pois sente orgulho da sua constituição de identidade surda. Ela ainda pontua: “[...] hoje se eu tivesse que escolher entre ser surda ou ouvinte, escolheria, sim, ser surda. É prazeroso” (Simone).

Em síntese, destacam-se as seguintes representações sociais que as surdas mirienses fazem sobre si, articulando com a constituição de suas identidades (Quadro 2).

Quadro 2 Representações sociais e constituição da identidade das entrevistadas (Igarapé-Miri, 2019). 

Nome Fictício Ancoragem Objetivação Identidades
Betty Sentimento de limitação Por ser mulher negra e surda Identidade pressuposta
Simone Falta de comunicação Isolamento e tristeza Identidade pressuposta
Betty Empoderamento Orgulho em ser uma mulher negra surda Identidade metamorfose
Simone Libras Acesso comunicacional e a compreensão das coisas Identidade metamorfose

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Pensar na identidade de sujeitos surdos pela ótica do próprio surdo é “[...] tratar de produzir uma política de significações que gere um outro mecanismo de participação dos próprios surdos, no processo de transformação pedagógica, social, cultural e identitária” (Skliar, 2010, p. 14).

Concepção de feminismo

Esta categoria trata sobre o entendimento e concepções das participantes acerca do movimento feminista e a relevância da internet para o empoderamento feminino. Como já abordado, o movimento feminista combate todas as formas de violência sofridas pelas mulheres e luta em busca da igualdade de gêneros. É um movimento plural, pois dentro do feminismo surgem outros grupos que se organizam a partir das suas reivindicações, experiências e demandas.

Uma ferramenta importante para combater as arbitrariedades sobre a mulher na atualidade são as mídias sociais, que têm desempenhado um papel importante para o empoderamento feminino, pois, com a propagação da internet como meio de comunicação alternativo, houve diversas modificações, entre elas culturais e sociais. Essa ferramenta abre espaço para assuntos que não seriam expostos pelos meios de comunicação convencional.

Assim, surgem muitos sites, blogs, páginas no Facebook e canais no YouTube que falam abertamente sobre os mais variados temas, facilitando a divulgação e a compreensão sobre a temática abordada. Somando-se a isso, Seabra e Dusse (2017, p. 16) afirmam que “[...] a partir dessa facilidade em encontrar novas informações, as pessoas se depararam com termos que não são vistos na mídia tradicional, como o feminismo”.

Portanto, as mídias sociais podem contribuir com o feminismo, pois garantem um alcance mundial de suas diversas vertentes. Esta pesquisa, por exemplo, usou um vídeo disponível na plataforma Youtube para auxiliar em seu desenvolvimento.

Nota-se na fala das entrevistadas que elas têm um conceito formado acerca do feminismo, contudo não fica claro se há uma práxis, uma ação e/ou militância acerca do feminismo, que traga contribuições não só para si, mas para a comunidade.

Betty afirma que:

[...] o feminismo ele tem o objetivo que é a valorização do empoderamento feminino. É a questão de direito e igualdade. É a mulher surda ter seus direitos garantidos e participar de qualquer comunidade, não ser menosprezada e ter a acessibilidade a qualquer comunidade.

Simone diz que:

[...] são direitos iguais como qualquer outra pessoa e com relação a mulher ser surda, ainda falta essa questão de divulgação. Eu acredito que as mulheres surdas precisam dessa informação para elas poderem entender de fato o direito que cada uma delas têm, para poder mudar esse pensamento para um pensamento de igualdade.

Betty e Simone abordam em suas falas que o direito à igualdade, deveria ser garantido, pois está presente na Carta Magna do país, a Constituição de 1988, no Art. 5º, inciso I “[...] homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (Brasil, 1988, online). No entanto, a realidade mostra um contraste gritante nas relações, como por exemplo nos salários, nas oportunidades, no respeito e em outras tantas situações.

Barboza e Almeida Junior (2017, p. 28) ponderam sobre esse aspecto:

A Constituição de 1988 coroou a igualdade de gênero, fulminando, de uma vez por todas, a odiosa disparidade de direitos assegurados às mulheres e aos homens, que a submetia aos poderes do homem provedor, seja o pai ou o marido. Contudo, no plano fático-social, a mulher continua sendo vítima de discriminação e preconceito, e tem agravada sua situação de vulnerabilidade, tornando-se vítima, tanto em sua integridade física quanto em tudo que respeita à igualdade de oportunidades e condições no ambiente profissional.

Assim, as mulheres continuam na sua trajetória de luta para garantir sua liberdade, seus direitos, autonomia, direito ao seu corpo, conquistando progressos. Ambas as participantes também dissertam sobre a mulher surda na concepção feminista. Betty afirma em sua fala que “[...] a mulher surda tem que ter seus direitos garantidos e participar de qualquer comunidade” e, desse modo, a mulher surda deve se tornar visível para o movimento feminista, sendo necessária a contribuição feminista para assegurar a emancipação das Mulheres Surdas.

Simone pondera a relevância da informação para as Mulheres Surdas: “[...] as mulheres surdas precisam dessa informação para elas poderem entender de fato o direito que cada uma delas têm”, entretanto sabe-se que é necessário acessibilizar as informações para essas mulheres, posto que os surdos, por pertencerem a uma comunidade linguística minoritária, ainda não possuem acesso a todas as informações presentes na sociedade e não são atendidos pelos intérpretes de Libras em todos os espaços sociais (Oliveira, 2015).

Silva et al. (2017, p. 14) discorrem sobre a dificuldade das Mulheres Surdas com relação à obtenção de informação:

Como usuárias de uma língua diferente do português, usuárias de língua visual, a mulher surda encontra dificuldades de acessibilidade em um mundo praticamente só acessível aos ouvintes. A acessibilidade é dificultada por serem poucas as informações visuais e isso carece à mulher surda. Os relatos de experiências tristes se acumulam. A falta de tradução é imensa em seu rol. A falta de tradução para a língua de sinais acontece em diversos espaços, como na saúde, na educação, no trabalho, no espaço de segurança.

Assim, as Mulheres Surdas são negligenciadas no decorrer de suas vidas e colocadas em situações constrangedoras por serem diferentes e por não fazerem uso do português na modalidade oral; ou seja, não serem usuárias fluentes da língua majoritária.

Considerações Finais

Na atualidade, apesar dos avanços, do percurso histórico de lutas e conquistas, as mulheres ainda são oprimidas, excluídas e violentadas. As pesquisas mostram que a mulher surda está muito mais vulnerável a essas opressões e a várias outras, pois a ideia de incapacidade imposta à mulher surda pela sociedade ainda prevalece; são julgadas como incapazes de cuidar da sua própria vida, de terem objetivos e escolher seus caminhos.

As Mulheres Surdas encontram diversas dificuldades na sua trajetória de vida: uma simples consulta é rodeada de dificuldades, fazer uma denúncia tem diversos obstáculos. Faz-se necessário garantir a elas os mesmos direitos que as mulheres ouvintes também reivindicam e lutam para consolidar.

As Mulheres Surdas necessitam de políticas cujos elementos sejam voltados à comunicação visual, tendo em vista a diferença linguística dessas mulheres; ou seja, o acompanhamento de um intérprete em diversos setores públicos e privados, a exemplo: escolas, universidades, departamentos de saúde, delegacias, palestras, vídeos em Libras sobre as principais leis. A Libras é uma grande conquista da comunidade surda e é fundamental para o empoderamento feminino surdo.

Ressalta-se a relevância do movimento feminista para a construção da liberdade e autonomia das Mulheres Surdas, pois é fato que há um apagamento dessas mulheres no feminismo. Assim, é pertinente ressaltar que as Mulheres Surdas devem estimular e consolidar sua organização para que possam dialogar sobre o feminismo, sexualidade, capacitismo e outros assuntos relevantes para uma concepção política para que assim, de fato, tenham uma ação e não apenas um conceito.

3 Carvalheiro (2006) demonstra, em sua pesquisa sobre a representação dos cabo-verdianos na mídia portuguesa, um conceito de minoria a partir da ideia do diferente e do numericamente menor, apontando para um suposto padrão como elemento gerador de invisibilidade e estereotipia.

4O termo será descrito em maiúsculo por representar a categoria de análise.

5“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (Brasil, 2015, p. 1).

6“[...] a anormalidade é o outro da norma, o desvio é o outro da lei a cumprir, a doença é o outro da saúde, a barbárie é o outro da civilização, e assim por diante” (Skliar, 2003, p. 115).

7Compreende-se o conceito da alteridade quando “[...] o ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem” (Betto, 2000, p. 7).

Artigo elaborado a partir da pesquisa de especialização em Educação Inclusiva no Campo de A.C.B. COSTA, intitulada “Mulheres surdas mirienses e suas representações sociais: da invisibilidade ao protagonismo da mulher surda”. Universidade Federal do Pará, 2019.

Como citar este artigo/How to cite this article

Costa, A. C. B.; Oliveira, W. M. M; Klein, M. Representações sociais de Mulheres Surdas mirienses sobre si: da invisibilidade ao protagonismo. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e215356,2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5356

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Recebido: 27 de Abril de 2021; Revisado: 21 de Setembro de 2021; Aceito: 04 de Outubro de 2021

Correspondência para/Correspondence to: M. KLEIN. E-mail: kleinmada@hotmail.com.

Colaboradores

A. C. B. COSTA colaborou com a coleta de dados, análise e escrita do texto. W. M. M. OLIVEIRA colaborou na revisão de literatura, formatação do texto e contribuição com a análise dos dados. M. KLEIN colaborou na concepção teórica sobre a temática de investigação e na análise dos dados.

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