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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a4881 

Artigos

Revista “A Escola” e as teses do Congresso de Professores Públicos do Paraná: ideologia liberal

“A Escola” Journal and the theses presented at the Public Teachers Congress in Paraná: liberal Ideology

Claudia Maria Petchak Zanlorenzi1 
http://orcid.org/0000-0002-8937-6308

Maria Isabel Moura Nascimento2 
http://orcid.org/0000-0001-6243-9973

1Universidade Estadual do Paraná, Campus União da Vitória, Centro de Ciências Humanas e Educação. Pç. Coronel Amazonas, s/n., Centro, 84600-185, União da Vitória, PR, Brasil.

2Universidade Estadual de Ponta Grossa, Campus Uvaranas, Programa de Pós-Graduação em Educação. Ponta Grossa, PR, Brasil.


Resumo

Muito já foi apontado a respeito do crescimento da imprensa como fonte ou objeto de pesquisa, pois se trata de um terreno fértil para discussão, haja vista que age no campo político-ideológico. O presente artigo tem por finalidade discutir sobre a imprensa como fonte de pesquisa, destacando o periódico educacional “A Escola”, veiculado entre 1906 e 1910, no estado no Paraná. Especificamente, objetivou-se analisar o I Congresso de Professores Públicos do Paraná, realizado em 1910 e divulgado na revista, bem como os interesses expressos nas teses apresentadas no evento. Este artigo é fruto das reflexões de um pós-doutoramento cuja problemática foi o questionamento das teses do congresso supracitado como uma possível forma de legitimação do liberalismo, bem como a análise dos interesses nelas expressos. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico e uma análise documental, tendo como fonte primária a Revista “A Escola”. Nesse viés, para os procedimentos metodológicos, inicialmente realizou-se a revisão da literatura sobre os temas: História da Educação do Paraná, liberalismo no Brasil e imprensa educacional. Na segunda etapa, foi realizado o levantamento, a coleta e a catalogação das fontes históricas relativas aos números publicados da Revista “A Escola”, bem como dos materiais produzidos sobre a revista e sobre o I Congresso dos Professores Públicos do Estado do Paraná. Na terceira etapa, as fontes históricas, de apoio à pesquisa e de interlocuções foram coletadas e organizadas, visando dar suporte à análise e à sistematização. A quarta etapa da pesquisa contemplou a sistematização dos materiais coletados, fundamentando-se no materialismo histórico. Verificou-se que, embora a organização do congresso tenha sido uma iniciativa importante como espaço de debate e de discussões sobre a educação paranaense, as teses debatidas não aprofundaram aspectos primordiais para os rumos da educação, como a formação de professores.

Palavras-chave Educação; Ideologia; Imprensa; Liberalismo

Abstract

Much attention has been drawn to the growth of the press as a source or object of research, as it is a fertile ground for discussion, given that it acts in the ideological political field. The purpose of this article is to discuss the press as a source of research, highlighting the educational journal “A Escola”, published between 1906 and 1910, in the state of Paraná. Specifically, the objective was to review the first Congress of Public Teachers of Paraná, held in 1910 and reported in the journal, as well as the interests expressed in the theses presented at that event. This article is the result of postdoctoral reflections, which the problematic was the questioning of the aforementioned congress theses as a possible way of legitimizing liberalism, as well as the analysis of the interests expressed in them. To this end, a bibliographic survey and document analysis was carried out, grounded on “A Escola” journal as its primary source. Therefore, for the methodological procedures, the literature was initially reviewed addressing the topics: History of Education in Paraná; liberalism in Brazil and educational press. In the second stage, the survey, collection and cataloging of historical sources related to the journal “A Escola” issues was carried out, as well as the materials produced about the journal and the first Congress of Public Teachers of the State of Paraná. In the third stage, historical sources and supporting for the research and interlocutions were collected and organized in order to support the review and systematization. The fourth stage of the survey included the systematization of the materials collected, based on historical materialism. It was found that although the organization of the Congress was an important initiative as a space for debate and discussions on education in Paraná, the theses discussed did not dwell into fundamental aspects of education direction, such as teachers’ training.

Keywords Education; Ideology; Press; Liberalism

Introdução

Terreno fértil para a discussão, a imprensa possibilita reflexões sobre a sociedade e inflexões sobre o contexto histórico, haja vista que age no terreno do campo político-ideológico. Assim, para conhecer as ideias, os valores e os assuntos proeminentes, as folhas dos jornais, das revistas e dos demais periódicos são fontes inesgotáveis para pesquisas e para debates sobre o presente, no qual o passado pode ser construído e reconstruído, captando as transformações do tempo e os embates ideológicos.

Utilizada por várias instâncias sociais, à imprensa é conferida vários objetivos, mas com o mesmo intuito: defender um posicionamento, uma visão de mundo, uma opinião. Outrossim, os periódicos impressos, dada sua cotidianidade, tornam-se espaço do fazer político. O presente artigo é fruto das reflexões de pós-doutoramento3, cuja problemática foi o questionamento das teses do congresso4supracitado como uma possível forma de legitimação do liberalismo, bem como a análise dos interesses nelas expressos. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico e uma análise documental, tendo como fonte primária a revista “A Escola” e como aporte teórico Chauí (1981, 2016), Capelato (1988), Marx (2004, 2006) e Marx e Engels (2007). Nesse viés, para o os procedimentos metodológicos, inicialmente realizou-se a revisão da literatura sobre os temas: História da Educação do Paraná, liberalismo no Brasil e imprensa educacional. Na segunda etapa, foi realizado o levantamento, a coleta e a catalogação das fontes históricas relativas aos números publicados da revista “A Escola”, bem como dos materiais produzidos sobre a revista e o I Congresso dos Professores Públicos do Estado do Paraná. Na terceira etapa, as fontes históricas, de apoio à pesquisa e de interlocuções foram coletadas e organizadas, visando dar suporte à análise e à sistematização. A quarta etapa da pesquisa contemplou a sistematização dos materiais coletados, fundamentando-se no materialismo histórico.

A apresentação do estudo em questão abordará, primeiramente, a imprensa como fonte de pesquisa, para na sequência apontá-la como forma de disseminação ideológica. Por fim, para elucidar o que foi tratado, serão discutidas as teses do I Congresso dos Professores Públicos do Paraná, realizado em 1910, tendo os articulistas da revista à frente dessa iniciativa.

Imprensa como fonte de pesquisa

Muito já foi apontado a respeito do crescimento da imprensa como fonte ou como objeto de pesquisa, então não será aqui explanado sobre esse percurso, já bem feito por Capelato (1988), por Catani (1996) e por Luca (2012), ou sobre o alargamento da fonte contrária à visão positivista de rigidez e de objetividade dos documentos.

Na história da educação, esse movimento da utilização de fontes que ultrapassam os muros da escola é também crescente. Como exemplo, há a imprensa especializada voltada ao campo educacional5, a qual se tornou referência para a compreensão, principalmente, do contexto social no período da pesquisa, uma vez que é contemporânea aos acontecimentos.

Desse modo, são possíveis análises para além dos documentos oficiais, realizando “[...] uma aproximação do momento de estudo não pela fala de historiadores da educação, mas pelos discursos emitidos na época” (Vidal; Camargo, 1992, p. 408). Esse fato contribui para o repensar da pesquisa em educação e para a crítica à cristalização de procedimentos e de fontes que determinam a veracidade ou não da pesquisa.

Todavia, diante desse crescimento, fazem-se necessárias análises que problematizem a forma como esses trabalhos têm se posicionado em relação à essa fonte, às intervenções nela feitas e, principalmente, à crítica epistemológica.

Discutir sobre a imprensa é compreender que a linguagem é a materialização da consciência e, ao mesmo tempo, material para consciência. Carregada de historicidade, ela se estabelece pelo processo de interação social, que “[...] nasce tal, como a consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio com outros homens” (Marx; Engels, 2007, p. 34).

Como consciência prática, a linguagem, e nesta a palavra escrita, fruto da relação entre os indivíduos, está sujeita “[...] aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.)” (Bakhtin, 2009, p. 30). Com o intuito de comunicar, de convencer e de informar sujeitos em determinadas condições reais de produção, a linguagem como um ato concreto, tem a função ideológica. É por meio dela que as objetivações humanas são repassadas. O homem, ao conquistar o uso da linguagem, torna-se um ser “[...] dotado do poder de reflexão” (Konder, 2009, p. 57). A linguagem, ao mesmo tempo em que proporciona ao homem distanciamento de sua condição animal, pela reflexão gerada, possibilita sua aproximação com a ideologia, o que o leva ao distanciamento como ser genérico.

A imprensa, e nesta as revistas e os jornais, imbuída de ideias, é uma arena na qual se verifica a materialidade da luta de classes, pois nela pode-se verificar as artimanhas e as tramas para o convencimento. Como depositório de signos, sendo estes criados por grupos a partir de seus interesses, é lócus de ideologia, uma vez que “Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Sem signos não existe ideologia” (Bakhtin, 2009, p. 29).

A ideologia é intrínseca à estruturação da sociedade e ao modo de produção vigente, como pano de fundo em que se estabelecerão as instituições. Contudo, é importante salientar que ela não pode ser considerada como algo falso ou idealizada como conspiração. Ao contrário, deve ser entendida como a aparência, no sentido de constituir a maneira pela qual o processo oculto, que produz e conserva a sociedade, manifesta-se, ou seja, fruto das relações de produção e da exploração na sociedade capitalista, pois:

[...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social. Não é a consciência que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência

(Marx, 2008, p. 47)

Produto das relações sociais concretas, com efeito, a ideologia, por estar a serviço de uma classe, não pode ser considerada como uma especulação ou como uma abstração, de criação apenas intelectual, fruto de elucubrações, mas sim como resultado das questões materiais da existência.

É pela forma como os homens trabalham que se processam a sua vida e a sua humanização; e é pela sua vida material que eles produzem para a sua subsistência física e intelectual. É, sobretudo, pela forma como produzem que se determinam os tipos diferentes de pensar e “[...] mesmo as fantasmagorias correspondem, no cérebro humano, às sublimações necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa em bases materiais” (Marx; Engels, 1979, p. 25).

A imprensa expressa os fatos a partir de um lugar social específico e com interesses específicos, mas o faz por meio de um discurso de universalização, de neutralidade e principalmente de verdade. É o ocultamento de suas reais intenções que constitui o campo da ideologia e contribui para sua eficácia, pois esta “[..] depende da interiorização do corpus imaginário, de sua identificação com o próprio real e especialmente de sua capacidade para permanecer invisível (Chauí, 2016, p. 247, grifo do autor). Assim, obscurece as relações sociais, traço fundante da ideologia que é tornar “[...] as ideias independentes da realidade histórica e social” (Chauí, 1981, p. 10).

Este obscurecimento é fruto das próprias condições reais, ou seja, a forma material como se procede a vida nas suas desigualdades e exploração. A imprensa, que deveria ser “[...] o cão guarda público, o denunciador incansável dos dirigentes” (Marx, 2006, p. 68), torna-se instrumento de persuasão e de manutenção da ordem vigente de como se procedem ou devem proceder as relações de produção, dissimulando as contradições internas da sociedade. Esta torna-se um suporte para a ideologia cumprir o seu papel, seja ele legitimar um sistema social ou o interesse particular que se reveste de universalidade para continuar a ser particular.

A finalidade é manter esse sistema coeso, a partir de um discurso pretensamente universal com respostas de cunho idealista, impedindo a tomada de consciência da verdadeira condição material. Uma sociedade que prega a existência natural das classes, por exemplo, em detrimento de outra em cujo seio há a luta de classes, muitas vezes é dissimulada pela imprensa, quando a lei dá o direito de livre expressão. Porém, a imprensa registra a expressão de uma minoria e não dá espaço para a outra parcela de sujeitos participar e expressar a sua opinião. Basta verificar as grandes campanhas publicitárias que incentivam a individualização e a particularidade, submetendo os sujeitos à alienação, especificamente a do trabalho, fundante para a humanização.

Como é um campo dinâmico para o registro das ideias e para a efetivação do consenso, a imprensa garante uma gama de questões a serem perseguidas e estudadas pelo pesquisador, fornecendo dados que o possibilitam contextualizar e fazer as devidas relações para o desmonte do objeto. Estudos que utilizam a imprensa como fonte primária permitem o desvelar da ideologia, a qual objetiva a manutenção de uma ordem e integra os discursos da época de uma dada sociedade determinada historicamente.

Nesse sentido, a pesquisa a partir dessa fonte escrita constitui-se em um arriscado campo de investigação, caso o pesquisador não tenha uma visão de totalidade e não faça as devidas relações com as principais determinações que envolvem um objeto a ser analisado. Essa fonte retrata o que se concretiza além dos muros escolares e fora da cultura escolar.

Por não fazer parte desse universo escolar, não é dada credibilidade de fonte legítima à imprensa, a qual aparece, com frequência, como coadjuvante, servindo apenas para ilustrar um fato, sem uma reflexão de que a educação é a expressão das questões concretas que convergem das relações sociais. Esse material é um ótimo documento para verificar as questões mencionadas, por ser expressão do cotidiano.

Entretanto, entre a imprensa escrita, há um exemplo de material que se destaca e que se constitui em um campo preponderante para a investigação sobre a história da educação, pois retrata diretamente assuntos, notícias e informes sobre a educação. São os periódicos de cunho educacional e didático-pedagógico, ou seja, a revista educacional, amplamente utilizada por pesquisadores e que:

[...] ligada à educação, constitui-se em um “corpus documental” de inúmeras dimensões, pois se consolida como testemunho de métodos e concepções pedagógicas de um determinado período. Como também da própria ideologia moral, política e social, possibilitando aos historiadores da educação análises mais ricas a respeito dos discursos educacionais

(Carvalho; Araújo; Gonçalves Neto, 2002, p. 72).

Diante do exposto e com o intuito de conhecer as produções que se utilizam de periódicos educacionais como fontes de pesquisa, especificamente as revistas, realizou-se um levantamento na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, tendo como indexadores: revista, história da educação entre anos de 2007 e 2017. Verificou-se que neste período há quarenta e sete (47) pesquisas, entre teses e dissertações de diversos programas de Pós-Graduação, que tratam da história da educação a partir dos periódicos como fontes (Tabela 1).

Tabela 1 Pesquisas que utilizam revistas. 

Universidade Teses Dissertações Total
Total 19 28 47
Universidade Federal de São Carlos 6 3 9
Universidade Católica de São Paulo 2 13 15
Universidade Federal de Uberlândia 2 2 4
Universidade Estadual de São Paulo 2 2 4
Universidade Estadual do Oeste do Paraná   2 2
Universidade Estadual de Goiás 1   1
Universidade Federal de Santa Catarina 1   1
Universidade de Taubaté   1 1
Universidade Mackenzie 1   1
Universidade Federal de Pernambuco   1 1
Universidade Federal do Ceará 1   1
Universidade Federal do Sergipe   2 2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1   1
Universidade Federal do Espírito Santo 1   1
Universidade Estadual da Paraíba   1 1
Universidade do Vale do Rio dos Sinos   1 1
Universidade Estadual de Ponta Grossa 1   1

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019).

Ao analisar essas pesquisas, não se tem como pretensão fazer uma historiografia ou uma descrição de dados, portanto não serão elaboradas exposições extensivas do conteúdo dos trabalhos, mas sim reflexões sobre quais delas analisam a imprensa.

A partir da análise das pesquisas realizadas entre 2007 e 2017, por mais que se aponte que a utilização da imprensa cresceu de forma significativa, observa-se que trabalhos em história da educação que se dedicam a estudar as revistas de cunho educacional ainda representam um número restrito, uma vez que dessas quarenta e sete (47), dezesseis (16) são periódicos educacionais.

Do total de pesquisas apontadas, observa-se, no Gráfico 1, que a maioria se utiliza de autores da História Cultural; entretanto, uma situação apontada é a grande porcentagem de pesquisas que não se posicionam em relação à metodologia, explicitando unicamente o procedimento metodológico em relação ao tratamento da fonte.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019).

Gráfico 1 Métodos de pesquisa. 

Além do número de pesquisas que utilizam as revistas como fonte, o aporte metodológico também é uma informação à qual deve ser dada a devida atenção, pois o trabalho deve contribuir para a problematização da sociedade nos seus diversos campos, nesse caso a educação. Descrever o fato, sem ênfase nas multideterminações do objeto pesquisado, terá como finalidade somente ilustrar e expor dados, contribuindo para manutenção do status quo, uma vez que não há questionamentos sobre a realidade.

Dessa maneira, defendem-se estudos que se encarreguem de analisar a imprensa na sociedade capitalista, especialmente apontando-a como um aparelho ideológico – parafraseando Althusser (2003) –, a fim de que se possa compreender como se manifestam as relações de produção e a ideologia que as sustenta.

Outrossim, aponta-se a importância de se estudar o material de forma a não apenas conhecê-lo em seus aspectos objetivos, dos quais não se pode, contudo, tirar o mérito, como tiragem, duração e artigos escritos, conforme têm apontado muitos estudiosos. No entanto, esses elementos não podem ofuscar a fonte que está inserida numa sociedade, fruto do modo como os homens produzem sua vida, haja vista que “o que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (Marx; Engels, 2007, p. 87).

Destaca-se que “[...] a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento capitalista” (Sodré, 1999, p. 1), fato que aponta a importância da racionalidade na análise deste material, pois o tratamento tão somente dos dados objetivos não permite revelar as contradições dessa sociedade. Pelo contrário, contribuem para a manutenção dos princípios que sustentam o modo de produção, não proporcionando o conhecimento apropriado à problematização da realidade. Portanto, “[...] a observação empírica tem de provar, em cada caso particular, empiricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação, a conexão entre a estrutura social e política e a produção” (Marx; Engels, 2007, p. 93).

O pesquisador, ao realizar a análise da imprensa, deve considerar que o objetivo desta se insere no campo da disputa e do conflito e “[...] que a empresa jornalística coloca no mercado um produto muito específico: a mercadoria política” (Capelato, 1988, p. 18). A imprensa tem a finalidade de fomentar uma opinião, de influenciar e de angariar um público maior, em consonância com seus interesses. É utilizado um discurso que justifica a manipulação, o que muitas vezes não é perceptível apenas por meio do estudo do perfil do material, sendo necessário um método que evidencie as condições materiais da sociedade e que contribua para o desvelamento das contradições.

Muito embora esses meios de comunicação proporcionem um conhecimento peculiar, é mister a cautela. Para tanto, é fundamental o aporte teórico e metodológico, e, assim, o olhar atento do pesquisador e as devidas relações históricas, sociais, políticas, entre outras, uma vez que são instrumentos de formação de opinião, pois “[...] mesmo quando informativo, não está livre de manifestações críticas e opinativas, e omissões deliberadas” (Camargo, 1971, p. 225).

A imprensa norteada pelo princípio da publicidade, ou seja, veiculadora de informações aos cidadãos, é tendenciosa, conforme seus interesses, bem como os articulistas frente às notícias são frutos de uma realidade material. É primordial que todos tenham o direito de se expressar e de obter informações, e a imprensa é o local adequado para que isso aconteça. Entretanto, aponta-se que esta também tem o poder de manipular e está a serviço da manutenção de uma ordem, pois “o segredo é sua outra face” (Capelato, 1988, p. 18). No estudo, tendo a revista periódica como fonte, essa clareza é primordial, pois a imprensa é o local onde se concretiza a linguagem a partir da palavra escrita, “signo ideológico por excelência” (Bakhtin, 2009, p. 34).

Um exemplo de periódico educacional é a revista “A Escola”6, do Grêmio de Professores Públicos do Paraná, veiculada entre 1906 e 1910, impressa na Typographia e Lithographia a Vapor Impressora Paranaense e distribuída para todas as escolas do Estado do Paraná, por ser um periódico oficial. Manteve-se até 1908 com o subsídio do Estado e com o pagamento de assinaturas. Essa fonte, que se constitui como instrumento político, de difusão de discursos produzidos por um grupo social e político de profissionais de diversas áreas, os quais se interessavam pela educação paranaense, será apresentada na sequência, bem como a análise das teses debatidas no I Congresso de Professores Públicos do Paraná.

A revista “A Escola” e o Congresso de Professores Públicos do Paraná

A revista “A Escola” era publicada em papel jornal, com número de páginas contínuas durante o ano e em formato de tabloide, sem ilustrações ou propagandas. Manteve-se com subsídios do Estado e com assinaturas até 1908. Nos anos subsequentes, foi mantida apenas com as assinaturas e, a partir dessa data, a edição já não era tão frequente.

Os intelectuais à frente da revista eram professores do Ginásio Estadual e da Escola Normal, com participação de outros profissionais convidados, como médicos, geógrafos, historiadores e advogados. Tratava-se de uma revista didática, tendo como principal objetivo a formação do professor.

A publicação era composta por artigos de opinião, por sessões com explicações de Língua Portuguesa, de Língua Estrangeira (francês) e de Matemática, por poesias, por cartas e por notícias, tanto da capital paranaense como de outros municípios. A primeira página era reservada à opinião de vários autores, que poderiam ser os componentes do Grêmio, o responsável pela revista ou um educador renomado. Relatórios de professores também compunham o material redigido, uma exigência do Regulamento de Instrução Pública do Paraná7.

A comissão editorial era composta pelo presidente do Grêmio, Julio Theodorico Guimarães, pelo primeiro secretário, Veríssimo de Souza, pelo segundo secretário, Lourenço de Souza e pelo tesoureiro, Brazilio da Costa. As seis primeiras edições foram dirigidas por Sebastião Paraná, as demais por Dario Velozo (Marach, 2007).

A revista constituiu-se por um material importante para um período, no qual havia a falta de professores formados, uma vez que os oriundos da escola Normal eram a minoria, acarretando a contratação de professores leigos, e o número escasso de prédios escolares, no momento em que “A escola foi, no imaginário republicano, signo da instauração da nova ordem, arma para efetuar o Progresso” (Carvalho, 1989, p.7). O material que compunha as edições consolidava-se como uma solução para as fragilidades, principalmente, da formação docente.

Em 1910, os articulistas da revista organizaram o I Congresso dos Professores Públicos do Paraná, no qual foram discutidas as teses já elaboradas pelo grupo. O congresso foi realizado em dezembro de 1910, nos dias 17, 18, 21, 23, no qual:

[...] reuniu-se o Congresso dos Professores do Paraná, convocado pelo Grêmio dos Professores. As reuniões se efetuaram no edifício da Instrucção Pública [...]. Foi numerosa a concorrência de professores públicos da capital e de outras localidades, diretores de collegios particulares, e diversos dos mais distintos lentes cathedraticos

(Souza, 1910, p. 122).

Com o congresso, os educadores organizadores almejavam reunir os docentes em assembleia para a discussão de uma solução para o ensino do Paraná, bem como de assuntos de interesse geral e de concordância de todos, porém com temáticas previamente organizadas por aqueles à frente da revista. Assim, foram apontadas dez teses, mas, nas edições anteriores, não houve nenhuma explicação acerca do motivo de terem sido escolhidas, e não foi verificado se os professores das escolas paranaenses tinham interesse na discussão. As teses versavam sobre:

  • 1) Qual a orientação a dar ao ensino público, uma vez considerada a escola factor do Estado?

  • 2) Haverá conveniencia para o Brazil na unificação da instrucção publica?

  • 3) Ministrando o ensino, qual o fim a que se propõe a escola? Instruir ou educar? Em que deve consistir a instrucção dada á creança e ao jovem? Em que deve consistir a educação?

  • 4) O ensino da moral deverá ser ministrado pela escola publica? Em caso affirmativo, como deve ser comprehendido e dado esse ensinamento?

  • 5) A educação civica, como a intellectual e a moral, deverá decorrer dos livros de leitura?

  • 6) Será conveniente a uniformidade de livros em todas as escolas publicas do estado? Quaes as vantagens ou desvantagens dessa unificação?

  • 7) Os livros actuaes de ensino satisfazem os interesses do Estado e da Patria?

  • 8) O actual regulamento da instrucção publica satisfaz as exigencias do ensino no Paraná?

  • 9) Haverá conveniencia em fundar-se uma associação dos professores com o fim de tratar dos interesses da classe e da causa do ensino? O actual “Gremio dos Professores” poderá preencher esses fins? (Congresso..., 1909, p. 81).

Além da discussão mencionada, foram realizadas explanações de assuntos diversos pelos articulistas da revista, pautadas nas temáticas: educação física, intelectual, cívica e estética, ministrada pelo senhor Veríssimo de Souza; educação da mulher, ministrada pelo senhor Lorenço de Souza (questiona-se se não havia nenhuma professora para fazer tal explanação?); Escola Moderna, pelo senhor Dario Vellozo (A Escola, 1910). Ao término do congresso, um memorial a respeito da adoção de providências seria dirigido ao Congresso Legislativo do Paraná.

Para a análise das referidas teses, partiu-se do pressuposto de que no início do século XX ocorria a consolidação das ideias liberais e, portanto, os princípios dessa ideologia permearam as discussões. Como já apontado, a ideologia não é fruto de elucubrações ou conspirações, mas caracteriza-se como forma de manutenção de um modo como os sujeitos produzem suas condições de vida. Portanto, as reflexões apontam como os indivíduos estavam à mercê desse ideário e como partícipes desse momento reproduziam esse modus vivendi.

Primeiramente, verifica-se um fator primordial para a estruturação da educação. Em nenhum momento aborda-se o orçamento destinado à educação no estado, a formação docente ou a infraestrutura das escolas, o que pressupõe que as preocupações ficaram providencialmente no campo das ideias e da fácil manipulação para um proselitismo pedagógico.

Salvo a tese que versa sobre a formação de uma associação para tratar de interesses da classe, as demais poderiam ser utilizadas apenas para pretexto de discussão, sem apontar situações e estratégias de efetiva cobrança dos entes responsáveis por manter o ensino público, uma vez que a própria revista aponta que os educadores “[...] cumprem heroicamente os seus deveres, luctando contra a injustiça aviltante dos governos, que nem lhes tributam a devida consideração, nem lhes concedem uma renumeração pecuniária e sufficiente” (Souza, 1910, p. 122). Se a pretensão era tratar do ensino estadual, e se houve uma expressiva participação dos professores como aponta a revista, por que não introduzir uma tese sobre os recursos destinados à educação do estado?

É primordial apontar que a noção de ideologia está vinculada às relações materiais do contexto e que os editores e os escritores da revista “A Escola” se posicionavam a partir da sua realidade concreta e aparente. Isso ocorreu porque pela forma como os homens trabalham é que se processa a sua vida, a sua humanização, e é pela sua vida material que produzem para a sua subsistência física e intelectual.

Portanto, o grupo de educadores à frente do congresso, também reféns e subjugados ao modo de produção, não ultrapassariam o que as condições materiais colocaram como status quo, e as discussões suscitadas resumir-se-iam na manutenção dessa ordem, como será verificado na análise das teses e da relação entre o nível ideológico e a prática concreta, ou seja, do distanciamento entre o real e o irreal postulado.

Ao proporem a tese número um “Qual a orientação a dar ao ensino público, uma vez considerada a escola factor do Estado?”, os articulistas apontaram que “tratando-se de escolas brasileiras, a orientação está no próprio espírito democrático, liberal, do regimen político que nos rege” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 127).

No que tange à educação, o liberalismo parte do pressuposto de que se os indivíduos ingressarem na escola, mesmo os que têm menos condições econômicas, e aproveitarem os ensinamentos, ou melhor, a mínima instrumentalização, haverá melhoria em sua condição. Entende-se, nessa filosofia, que todos recebem as mesmas oportunidades e direitos, sem privilégios, pois cada um tem suas potencialidades respeitadas e seu desenvolvimento possibilitado. Igualdade, nesse caso, não é relativo a condições materiais, pois os homens não são naturalmente iguais, mas são legalmente iguais, atribuição do Estado.

Na realidade, os indivíduos são naturalmente desiguais. Contudo, a organização da sociedade baseada na propriedade privada não dá aos homens condições iguais para que eles se desenvolvam. Os filhos do capitalismo usufruem das vantagens de uma formação e de uma herança que não beneficiam os filhos dos operários. Em nome da desigualdade natural, o sistema sanciona uma desigualdade artificial e nega idênticas possibilidades de desenvolvimento aos indivíduos (Konder, 2009).

Como resolver esse paradoxo entre a real situação de desigualdade e a igualdade jurídica? “Resolve-se ao nível das ideias, pelo estabelecimento de regras jurídicas que permitam a cada indivíduo a disputa de posições privilegiadas, sem distinção” (Cunha, 1980, p. 32). A ruptura a esse ideal só é possível com uma educação que aponte, a partir das reflexões sobre a prática social, a dependência entre os indivíduos e as suas necessidades. Essa situação só é provável a partir das práxis, relação entre teoria e prática, para além das disposições pessoais, ou seja, por meio de uma formação para emancipação humana.

Em consonância com a primeira tese, a tese número dois proposta pelo grupo reflete justamente a situação apresentada acima, quando faz a proposição de unificação da educação no país, uma prerrogativa que cabe somente ao Estado, cuja função é justamente assegurar a igualdade legal. Ao proporem que haja essa unificação, estariam também propondo a igualdade de educação a todos, ou seja, a equalização.

O fato de todos terem a liberdade de frequentar a escola, de forma que a oportunidade é igualmente dada, não é garantia dos mesmos resultados, uma vez que ser livre “[...] não deve ser confundido com “ter condições materiais para fazer”, “ter recursos para fazer”, “ter poder de fazer”, “ter capacidade de fazer” alguma coisa” (Chaves, 2007, p. 11). Dadas as mesmas oportunidades, caso não haja desenvolvimento, o problema será do indivíduo que não teve capacidade para aproveitá-las. Essa culpabilização naturaliza e individualiza o processo, sem considerar que a sociedade é seletiva e que sua construção é histórica e coletiva, como se a formação do sujeito fosse independente da atividade concreta e histórica dos homens. Educar não é transformar as relações sociais, mas sim o indivíduo. Diante disso, como desenvolver as potencialidades em um contexto de diversidade das condições materiais da maioria, que não possui a propriedade privada?

Todos, igualmente e legalmente, tem a liberdade de ter uma educação, o problema é como obter essa educação de “qualidade” e como conseguir as mesmas condições materiais. Ao mesmo tempo em que a educação liberal diz não estar a serviço de privilégios, pois prega a igualdade de oportunidades, ao defender a individualidade, assegura a sociedade de classes e o privilégio daquele que detém os meios de produção e, com isso, mais condições materiais. Omitindo-se ao não apontar toda esta situação, já era uma forma de intervenção deste grupo de intelectuais em defesa aos preceitos liberais.

Inserida na categoria das ociosas, essa segunda tese foi considerada de “[...] impossibilidade de se conseguir essa unificação, por certo conveniente, em um paiz vastíssimo de estado autônomo, apresentando graduações culturaes, diferenciações ethnicas e outras” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 127), ou seja, a explicação apresentada aponta uma forma de nivelamento preconceituoso.

Diante da diversidade cultural e étnica, o objeto da educação seria a cultura da vontade e do coração, questionamento da terceira tese “Em que deve consistir a instrucção dada à creança e ao jovem? Em que deve consistir a educação?” pois:

É da clara comprehensão de que as escolas não são simplesmente casas de instrução, onde se ministram fofos conhecimentos e a cartilha ABC, mas estabelecimentos de educação onde os alunos vão desenvolver os seus altos conhecimentos, que os mestres obtem aos reaes e seguros resultados de suas funções

(Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 127).

Caberia à escola, uma vez que concorre com outros agentes como “[...] clima, a raça, as instituições políticas e etc.” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 127), colocar ordem na desordem. Em um contexto pós-abolição da escravatura e Proclamação da República, havia a necessidade de guiar os alunos como “[...] futuros cidadãos, sem que os façam ir comprehendendo os princípios da moral, não a moral presa a concepções vetustas, mas a moral bem entendida que conduz aos surtos dignificantes” (Costa, Moreira, Souza, 1910, p. 127). Em síntese, preparar os cidadãos para além dos conhecimentos trazidos pela instrução, a partir da moral e do civismo, principalmente nesse contexto de formação do Estado Nacional, na qual:

[...] a educação escolar cumpria uma missão civilizadora, que era da homogeneizar a República composta, que era de uma população heterogênea e diversa. A pedagogia liberal então se concentra nesse esforço de transformar o “súdito em cidadão” e em trabalhador. Os temas eram então o civismo e o nacionalismo

(Noronha, 2009, p. 167).

As teses número quatro, cinco (esta também considerada ociosa) e sete abordam sobre estes dois temas, moral e civismo. Tendo como fundamento o discurso liberal de homogeneização, a moral “deve ser absolutamente leiga em obediência a lei mater” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 128). Além disso, a tarefa civilizadora da educação, na realidade, era uma representação ideológica de universalidade. Dessa forma, havia a generalização dos interesses da minoria como da maioria, resumindo o individual no social a partir do consenso e da vontade geral, em prol de uma lógica fragmentada e centralizada nos interesses particulares, uma forma parcial de apreender a realidade. Não havia um aprofundamento dos aspectos históricos da educação, tampouco multideterminações, o que demonstra a visão parcial desses educadores, sem possibilidade de superação, o que comprova que eram fruto das condições da ordem vigente.

Nesse sentido, destaca-se, entre as teses, a número seis (6), “A these capital” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 129), como afirmada na revista, que trata do livro utilizado e na qual os idealizadores apontam, em seus comentários, a necessidade de uniformidade, argumentando que “[...] sem a uniformidade dos livros a instrucção pública há de arrastar manca, defeituosa, penosamente” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 129).

Ao serem aprovadas pelos participantes do congresso, as teses, sob a ilusão de que estariam de acordo com os anseios dos educadores paranaenses, porém sem uma análise das condições materiais, são um rico material para a análise da legitimidade do liberalismo. Ao mesmo tempo em que pregam a igualdade legal, que não quer dizer a eliminação das desigualdades sociais, defendem a universalização de pensamento.

Em contraponto às teses acima citadas, duas parecem demonstrar um outro interesse do grupo: a tese número oito discute o regulamento de ensino e se este satisfaz as exigências do ensino no Paraná; e a nove questiona a conveniência acerca da existência de uma associação dos professores cujo objetivo seja tratar dos interesses da classe e da causa do ensino, questionando, inclusive, se o Grêmio poderia preencher estes fins.

O documento que regulamentava o ensino do Paraná era de março de 1901, e os articulistas expressam nas páginas da revista “A Escola” (Costa; Moreira; Souza, 1910) que cabia aos professores declarar a eficácia do regulamento. A discussão sobre o regulamento do ensino seria um oportuno momento para ampliar as discussões até então empreendidas no Congresso, todavia não houve a exploração devida àquele que normatizava o ensino paranaense. A vigência de um novo regulamento seria apresentada na mesma edição que trata do congresso, o qual:

Em suas linhas geraes é muito bom, pois é o primeiro que estabelece a organização dos grupos escolares, escolas complementares e conselhos de instrucção, instituições importantíssimas, que (dizem) não serão levadas a effeito, porque entendem autoridades de ensino que – ‘essas estão além das aspirações do Paraná’

(Instrucção..., 1910, p. 132).

Essa tese, que poderia ser aprofundada quando um bom número de professores estaria pela primeira vez reunido, mérito dos organizadores do congresso, não passou de uma menção que caberia aos mestres analisar. Não é possível verificar sobre qual regulamento ela se refere, o 1906 ou o de 1910; no entanto, o que chama atenção é a colocação de que os professores deveriam analisá-lo, mesmo que já estivesse sendo colocado em vigência, sem consulta pública. Nesse sentido, duas situações podem ser verificadas: a importância da opinião do professor e, ao mesmo tempo, a reponsabilidade nele depositada. Não obstante, o professor é constantemente colocado em evidência na discussão das teses na revista, principalmente como o responsável pela qualidade do ensino no estado, cabendo a ele os destinos da educação. Contudo, mestres “[...] competentes que não façam jus apenas às renumerações do Estado, mas que sejam funccionários conscientes da sua missão que lhes é dada a desempenhar, a bem da pátria e da humanidade” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 127). Professores resignados, sem questionamentos, “[...] o pae desvelado, que não limita o amor a sua prole” (Costa; Moreira; Souza, 1910, p. 128).

Apesar do interesse na fundação de uma associação dos professores para tratar dos interesses da classe, propondo que o “Grêmio dos Professores” poderia preencher esses fins, não há menção sobre considerar o professor como categoria, o que pode ser visto na forma como organizaram e propuseram o Congresso, demonstrando a visão que o grupo tem desse profissional, “[...] um sacerdócio magno e o professor como um respeitável sacerdote que deve estar aparelhado, moral e intellectualmente [...]” (Gomes, 1909, p. 26). Além disso, há falta de uma discussão aprofundada da função docente e da importância de sua formação como trabalhador, bem como de formas organizativas que permitissem sua consolidação enquanto classe trabalhadora.

Por fim, verificou-se que embora a organização do congresso tenha sido uma iniciativa importante como espaço de debate e de discussões sobre a educação paranaense, as teses não aprofundaram aspectos primordiais para os rumos a educação. Todavia, é importante salientar que essa fragilidade não dever ser direcionada aos proponentes do congresso, mas sim a uma forma de organização social que se inseria nos moldes da sociedade capitalista.

Considerações Finais

Discutir a respeito da imprensa, principalmente dos periódicos educacionais, é uma ótima forma de refletir sobre o contexto social, histórico, político e cultural de uma determinada temática. Muito embora seja uma rica fonte de informação, é primordial a prudência na análise dessa fonte, principalmente caso seja primária, uma vez que é necessário o mirante metodológico que demonstre as ideologias e as contradições presentes no material.

Nesse sentido, os periódicos educacionais, fontes não oficiais do contexto escolar, mas que contribuem sobremaneira para as reflexões sobre a educação, são fontes inesgotáveis para a pesquisa e podem colaborar para o desmonte das questões que às vezes se cristalizam nos contextos especificamente educacionais.

Confere-se um crescimento na utilização da imprensa como fonte de pesquisa, embora ela ainda receba status de coadjuvante, ou seja, de fonte secundária ou de ilustração de fatos, sem a devida credibilidade. Isso pode ter relação com o fato de a imprensa ser tendenciosa e estar a serviço de um grupo, mas, mesmo assim, dar a ela a devida atenção pode contribuir para o desmonte do objeto pesquisado, como foi apontado no presente artigo, ao apresentar a revista “A Escola” e a divulgação do I Congresso de Professores Públicos do Paraná, o qual foi instrumento de legitimação da ideologia liberal.

Desmembrar de forma consciente todas as questões que envolvem a organização de um periódico educacional e os temas nele veiculados fornece elementos que, expostos ao universo educacional, retratam os interesses que permeiam a sociedade da época em questão. Por outro lado, essa intencionalidade homogeneizadora também oportuniza ao público o conhecimento de outras propostas, a crítica às exposições feitas e, principalmente, o entendimento das contradições que emergem na sociedade. Essa relação entre conformação e superação faculta ao pesquisador observar nos periódicos educacionais as artimanhas e a formas de sedução que a ideologia assume para a garantia da hegemonia, via materialidade de um modelo pedagógico que evidencia os projetos reservados à educação.

O presente artigo propõe uma reflexão sobre os princípios do liberalismo presentes na imprensa de cunho pedagógico, os quais permanecem presentes até os dias atuais, adequados ao contexto presente e com o objetivo de manutenção de uma ordem.

3Estágio pós doutoral com o projeto Imprensa Educacional como Fonte de Pesquisa: Revista A Escola e o I Congresso de Professores Públicos do Paraná, desenvolvido no período de setembro de 2017 a julho de 2018, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

4Um recorte da pesquisa, o qual analisa o princípio da universalidade, já foi publicado na Revista Histedbr, sob o título “A revista ‘A Escola’ e o I Congresso de professores públicos do Paraná (1910): o princípio liberal de universalidade”, o qual não foi tratado neste artigo que apresenta uma discussão mais ampla, mas faz parte do estudo em questão (Nascimento; Zanlorenzi, 2017).

5Sobre o estudo com periódicos educacionais ler Catani (1996).

6Para saber mais informações sobre a estrutura da revista ver Marach (2007).

7Conforme este Regulamento, Art. 62, inciso 11, o professor deverá “dirigir ao director-geral, por intermédio dos inspectores escolares, no fim de cada ano, um relatório sobre o estado de suas escolas e adiantamento de seus alumnos, acompanhado de um mapa em que figurem todos ellles, com as declarações sobre cada um” (Paraná, 1901, p. 101).

Artigo elaborado a partir da tese de C.M.P. ZANLORENZI, intitulada “Imprensa educacional como fonte de pesquisa: revista A Escola e o I Congresso de professores públicos do Paraná (1910)”. Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2018

Como citar este artigo/How to cite this article

Zanlorenzi, C. M. P.; Nascimento, M. I. M. Revista “A Escola” e as teses do Congresso de Professores Públicos do Paraná: ideologia liberal. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e214881, 2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a4881

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Recebido: 02 de Abril de 2020; Revisado: 02 de Setembro de 2020; Aceito: 16 de Setembro de 2020

Correspondência para/Correspondence to: C.M.P. ZANLORENZI. E-mail: aecmari@gmail.com.

Colaboradores

C. M. P. ZANLORENZI colaborou na construção dos pressupostos teórico metodológicos da pesquisa, na coleta das fontes primárias, análise de dados e redação do artigo. M. I. M. NASCIMENTO colaborou na organização do método de pesquisa, na análise das fontes primárias, na redação e na revisão do artigo.

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