SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26Revista “A Escola” e as teses do Congresso de Professores Públicos do Paraná: ideologia liberal“Tempo de Aprender”: uma proposta do Ministério da Educação para professores alfabetizadores índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a4931 

Artigos

A experiência de implantação do Programa Residência Pedagógica em universidade multicampi

The experience of implementing the Pedagogical Residency Program at a multicampi university

Geovane Ferreira Gomes1 
http://orcid.org/0000-0002-1901-9794

Clemilton Pereira dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0003-3982-5010

1Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba, Curso de Ciências Sociais. Av. João Rodrigues de Melo, s/n., Jd. Santa Mônica, 79500-000, Paranaíba, MS, Brasil.

2Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Dourados, Curso de Letras. Dourados, MS, Brasil.


Resumo

O Programa Residência Pedagógica é parte da Política Nacional de Formação de Professores. Na intenção de registrar e de refletir a construção do primeiro Projeto de Residência Pedagógica na universidade, será apresentado um panorama descritivo e reflexivo acerca do processo de constituição do programa no tocante ao relacionamento da universidade, enquanto instituição, entre a sede e as unidades, e com as escolas que abrigaram o programa. Serão elencados os pontos positivos e as dificuldades com que uma atividade dessa amplitude se depara. Para levantamento das informações, adotou-se um procedimento categorizado como estudo de caso, em que os autores que participaram como agentes condutores do processo descrevem as peculiaridades do histórico da implantação do programa em uma universidade diversa e multicampi, de forma a dar espaço para suas impressões a respeito. Observou-se a importância do programa no fomento à formação de professores, a existência de resultados satisfatórios relacionados ao amadurecimento dos alunos, incentivos institucionais ao desenvolvimento do trabalho e a necessidade da continuidade do programa. Entretanto, falta uma definição mais apurada do papel do residente junto às escolas preceptoras. Para aumentar a abrangência do programa, é sugerida a sua ampliação para etapas posteriores à conclusão do curso, equivalente ao que ocorre em áreas como a Medicina, a alteração do seu tempo de duração e a sua transformação em especialização Lato Sensu.

Palavras-chave Formação de professores; Políticas públicas em educação; Programas de educação superior

Abstract

Pedagogical Residency Program is part of the National Teacher Training Policy. In order to record and reflect the construction of the first Pedagogical Residency Project in our university, we will present a descriptive and reflective overview about the process of program constitution regarding the relationship of the university, as an institution, between headquarters and units, and with the schools that housed the program. The positive points and the difficulties that an activity of this breadth face will be addressed. To collect the information we adopted a procedure that is categorized as a case study, in which the authors who participated as the conducting agents of the process, describe the peculiarities of the history of the implementation of the program in a diverse and multicampi university, giving their impressions about it. It was observed the importance of the program in promoting teacher training, the existence of satisfactory results related to the maturation of students, institutional incentives to the development of work and the need for continuity of the Program. However, there is a lack of a more accurate definition of the resident role with regard to the preceptor schools. To increase the scope of the program, it is suggested to expand the program to stages after the completion of the course, equivalent to what occurs in areas such as Medicine, change in the duration of the program and its transformation into specialization Lato Sensu.

Keywords Teacher training; Public policies in education; Higher education programs

Introdução

É preocupante a situação da educação no Brasil. Indicadores educacionais são, por vezes, questionados quanto à validade de suas ações em larga escala, as quais, por conta de interesses particulares, desconsideram a ausência de políticas de efetiva valorização da educação e de participação de profissionais na tomada de decisões relativas a metas e a planos para melhorias na educação. Além disso, também se discute o fato de não serem valorizadas as realidades escolares contextualizadas de um país continental repleto de desigualdades econômicas e, consequentemente, sociais. Ainda assim, é importante destacar que esses indicadores apontam resultados insatisfatórios há muitos anos na alfabetização, no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior.

A despeito das ressalvas que devem ser feitas frente aos limites e às insuficiências de indicadores educacionais em meio a interesses diversos, se comparados à realidade de outros países, inclusive de alguns com situação socioeconômica pior que a brasileira, os resultados apontam que o estudante brasileiro está em níveis inferiores de aprendizagem. Essa situação compromete o desenvolvimento econômico do país e pode aprofundar situação de pobreza e de desigualdade.

Apesar da necessidade de se refletir sobre as ferramentas de avaliação de aprendizagem, educadores sabem que um dos pilares capazes de melhorar qualitativamente a educação, desde as séries iniciais até o Ensino Superior, passa também pela formação adequada e contínua de professores. Diante disso, sucessivos governos federais de forma um tanto tímida vêm trabalhando na questão, ainda que com pouco ou nenhum sucesso, conforme apontam os números. Pode-se considerar como ponto de partida na condução de ações voltadas à alteração dessa realidade a implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, em 2007, os quais englobam ações como qualificação, valorização do professor e formação de docentes de maneira inicial e continuada (Barbosa; Fernandes, 2017).

Barbosa e Fernandes (2017) apontam que esse movimento se desdobra em políticas de formações de professores, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa foi instituído pela Portaria 867 de 4 de julho de 2012, voltado a garantir que as crianças fossem alfabetizadas até o terceiro ano do Ensino Fundamental (Xavier; Bartholo, 2019), o que exigiu mobilização inclusive no Ensino Superior, para poder dar a devida formação continuada a esses professores (Souza; Costa, 2015). O PIBID, por sua vez, foi criado em 2007 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio da Portaria Normativa da CAPES nº 38 de 12 de dezembro de 2007 (Brasil, 2007), tendo sido implantado a partir de 2008 (Montandon, 2012). Como continuidade desse processo, o Governo Federal implementou o Programa Residência Pedagógica via Portaria CAPES nº 38 de 28 de fevereiro de 2018 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018a) e edital 06/2018, publicado em 1 de março de 2018 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018b).

Frente ao proposto no edital e nas tomadas de decisão, com vistas à participação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) no Programa Residência Pedagógica, o objetivo deste artigo é apresentar a Residência Pedagógica (RP) e explicar sua constituição na UEMS. Além disso, procurou-se trazer o ponto de vista do coordenador institucional que organizou o programa na esfera de uma universidade pública, atendendo a todos os cursos de licenciatura, e de um coordenador-orientador, professor de uma das unidades educacionais da universidade que recebeu o programa, orientando alunos residentes junto a escolas estaduais de Ensino Médio, com a finalidade de, concluído o primeiro ciclo da RP no Brasil, discutir criticamente seus pontos positivos e oportunidades de melhoria para possivelmente incorporá-las em futuras continuações do programa.

Esta análise parte do envolvimento diário dos autores nesse processo durante dois anos, nos quais puderam conversar com todos os agentes envolvidos no programa de implantação, incluindo membros de órgãos públicos federais, coletivo de professores, professores de escolas públicas de ensino básico, alunos e corpo administrativo da universidade. Dessa forma, é caracterizado um estudo de caso histórico organizacional do tipo análise situacional, por se concentrar na questão a partir dos impactos e das relações em uma instituição específica (Triviños, 1987), a universidade em que os autores lecionam.

Para construir este trabalho, optou-se por recuperar todo o histórico da implantação do programa, desde antes de sua existência em escala nacional, incluindo a luta política por sua criação, sobretudo com a finalidade de abrir espaço para trazer o relato da implantação e as impressões a respeito dos pontos considerados positivos e das melhorias importantes para que o programa se robusteça e cumpra sua missão de promover a formação de melhores professores.

Ainda que não tenham sido trazidos elementos de comparação com o que ocorreu em outras universidades, necessários a um bom estudo de caso, justifica-se esse fato por não haver, quando foi escrito este texto, relatos escritos similares. Com este trabalho, que neste momento é considerado pioneiro em relação ao programa Residência Pedagógica, espera-se trazer elementos que possam ser usados em comparações futuras por colegas em outras tantas universidades, bem como inspirar os fomentadores de políticas públicas na educação. O primeiro passo é a apresentação dos momentos iniciais da criação do programa Residência Pedagógica em escala nacional.

A “guerra” pela manutenção do PIBID e o surgimento do Programa Residência Pedagógica

As discussões iniciais a respeito da implementação da RP a relacionavam ao fim do PIBID, o qual atuava, em linhas gerais, no mesmo terreno do que viria a ser a RP. Assim, o PIBID, em sua formulação inicial, visava a atender diversas demandas que iam ao encontro das discussões a respeito da melhoria da educação básica no Brasil. Entre outros objetivos, o PIBID buscava incentivar a formação de professores da educação básica, valorizar o magistério de forma a torná-lo atrativo como profissão e integrar instituições de Ensino Superior à educação pública básica para que houvesse melhor formação do professor ainda enquanto estudante (Brasil, 2010).

Entretanto, na prática, o PIBID tinha outra finalidade vital à continuidade dos cursos de licenciatura no Brasil, pois oferecia, como atrativo aos estudantes, uma bolsa de estudos no valor de R$ 400,00 por mês, o que consistia na única fonte de receita de milhares de futuros professores, contribuindo para a sua permanência na universidade, ainda que em situação precária, como observado pelos autores deste artigo.

Entre o início do segundo semestre de 2016 e o início de 2018, período que coincidiu com grande aumento de temperatura na questão política brasileira, ocasionado pelo impeachment da presidente da república, Dilma Vana Rousseff (agosto, 2016), e da posse de Michel Temer como presidente do Brasil, surgiram muitos boatos a respeito do fim do PIBID.

Frente ao cenário de instabilidades e com a imprensa, de alguma maneira, contaminada pela polarização do país, a desinformação a respeito do futuro do PIBID chegou aos alunos dos cursos de licenciatura participantes do programa, conhecidos como pibidianos. Além disso, fontes diversas indicavam desde a modernização do PIBID (Kuzuyabu, 2017), a sua continuidade (Peres, 2018), e até a sua substituição por outro programa, a Residência Pedagógica, embora sem bolsas de estudo (Maria, 2018).

Esse conjunto de informações desencontradas ocasionou mal-estar nos pibidianos, que passam a exigir de seus orientadores na Instituição de Ensino Superior (IES) um posicionamento formal sobre o assunto, bem como um esforço no sentido de manter a sua fonte de sustento. Diante dessa situação, o Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Forpibid), grupo conduzido pelos coordenadores institucionais nas IES em caráter permanente para lidar com as questões do PIBID, foi à CAPES solicitar esclarecimentos.

Em 3 julho de 2017, o Forpibid emitiu o Informe 04-2017, em que documentou o encontro e sinalizou que a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica era favorável à manutenção do programa enquanto a CAPES não considerasse a prorrogação dos editais do PIBID que estavam em andamento (Forpibid, 2017a).

Em setembro de 2017, no Informe 05-2017, o Forpibid já considerava a possibilidade de fim do PIBID a partir de março de 2018, em função da situação político-econômica do Brasil, o que levou a um atraso na publicação do que seria um novo edital do programa. Diante disso, o Forpibid propôs uma mobilização pela manutenção do PIBID. Esse movimento foi documentado, incluindo retorno a Brasília, reunião na CAPES e visita ao Congresso Nacional, conforme notificado pelo Informe 06-2017, de 11 de outubro de 2017. Nessa visita ao Congresso, os participantes foram recebidos, entre outros, por Davi Alcolumbre, que se tornaria presidente do Senado em 2019. A expectativa naquele momento era de reversão do que seria o fim do PIBID (Forpibid, 2017b, 2017c).

Houve ainda, como consequência do momento, a ida de professores às ruas para coletar assinaturas em abaixo-assinado solicitando a continuidade do PIBID. No Informe 08-2017, a expectativa era a de que o esforço começasse a surtir algum resultado e, além do abaixo assinado, enfatizava-se a necessidade de uma campanha de doação financeira para suportar os professores que estavam indo rotineiramente a Brasília. O Informe 10-2017, de 21 de dezembro de 2017, apontou que as reuniões continuariam em 2018 (Forpibid, 2017d, 2017e).

No primeiro informe de 2018 surgiu a ideia de que poderia haver dois programas, o PIBID e a RP (Forpibid, 2018a). Reuniões continuaram em Brasília, e no Informe 04-2018 foi indicado que existiriam dois editais, com 40 mil bolsas destinadas a cada um deles (Forpibid, 2018b). O PIBID permaneceria, no entanto, com período de desenvolvimento reduzido a 18 meses e com participação de alunos matriculados nas primeiras séries dos cursos de licenciatura. Simultaneamente às ações do PIBID, a Portaria nº 38, de 28 de fevereiro de 2018 instituiu o Programa Residência Pedagógica, destinado à participação de discentes matriculados que já tenham cursado 50% de seus cursos de licenciatura.

A RP e a questão política

Os parágrafos anteriores evidenciam a permanência do PIBID e o surgimento da RP em meio a uma grande batalha política. O resultado foi um PIBID modificado em relação a um já existente e um novo programa, a RP. Seria a opção inicial a simples substituição do PIBID pela RP com a manutenção do mesmo número de bolsas, representando apenas a renomeação de um programa existente para atribuí-lo ao novo governo? Isso dificilmente será comprovado, mas a impressão passada foi a de que a divisão em dois programas, ainda que imprevista, foi positiva.

Se considerado que a finalidade fundamental desses dois programas é a formação de professores, parece estranho que alunos do primeiro e do segundo anos estejam fazendo uma espécie de estágio nas escolas, sem que tenham recebido carga teórica adequada na IES. Entende-se que isso é um problema, mas é assim que o novo PIBID foi desenhado, ou seja, um vivenciar da prática que pode, ao mesmo tempo, ser iluminado pela teoria acadêmica e pela possibilidade de fomentar pesquisas a partir das vivências.

Vale salientar que o novo PIBID permanece funcionando como um sistema de fomento às licenciaturas, fornecendo bolsas de estudo a alunos carentes que compõem a maior parte dos estudantes observados na IES de que os autores do presente artigo fazem parte. Sem o PIBID, não haveria alunos suficientes nos terceiros e nos quartos anos, ou seja, não seria possível formar residentes e, ao longo do tempo, eles seriam apenas uma estatística da evasão escolar universitária.

Apesar de desconhecidas as intenções iniciais dos governantes, a leitura de toda a documentação do Forpidid deixa a impressão de que não haveria PIBID, apenas a RP, o que seria extremamente prejudicial às licenciaturas, pois entende-se que seriam perdidos muitos alunos que não teriam condições de se sustentar sem as bolsas fornecidas. A batalha política, nesse caso, parece evidenciar que o resultado trouxe benefícios aos estudantes e futuros professores, mas nem sempre as lutas políticas se revertem em benefício para a população.

No caso brasileiro, a polarização política que surge nos anos 2010 ficou impregnada nos pensamentos e impediu uma ação mais focada em objetivos. A questão Dilma – Temer afetou a RP e a maneira como a academia a via.

Durante o governo Temer, de pouco mais de dois anos de duração, muitas medidas de impacto foram tomadas na educação nacional. A primeira delas foi a implantação da BNCC, enquanto resultado de um longo processo que se iniciou com a Constituição de 1988, passou por diversos projetos e iniciativas, como a adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, e das Diretrizes Curriculares Nacionais, que começaram a ser estabelecidas a partir de 2010, até chegar ao seu modelo final, implementado no final de 2017 (Base Nacional Comum Curricular, [2019?]).

A primeira versão da BNCC é de 16 de setembro de 2015, ainda no governo Dilma, a qual foi destinada para discussão entre a comunidade educacional. Houve, inclusive, no final de 2015, o chamado “Dia D da BNCC”, em que, em tese, as escolas do Brasil estariam analisando o documento. O resultado dessas discussões foi a emissão da segunda versão da BNCC em maio de 2016, ainda no governo Dilma. Nos dias finais do governo petista, em agosto de 2016, ocorreu o início da redação da terceira versão, finalizada na forma de versão final ou “preliminar” em abril de 2017, posto que a versão oficial só saiu no final de 2017 (Base Nacional Comum Curricular, [2019?]).

Outra iniciativa associada ao governo Temer foi a reforma do Ensino Médio, a qual surgiu ao grande público a partir da Medida Provisória 746/2016, pouco mais de um mês após a posse do presidente. Entretanto, essa medida provisória é praticamente cópia do Projeto de Lei nº 6.840 de 2013. A comissão que deu forma a esse projeto de lei foi presidida pelo deputado Reginaldo Lopes (Partido dos Trabalhadores) e teve como relator o deputado Wilson Filho (Partido do Movimento Democrático Brasileiro à época) (Câmara dos Deputados, [201-a]; Câmara dos Deputados, [201-b]; Câmara dos Deputados, 2013; Brasil, 2016).

Nesse projeto de lei, já estavam previstos os cinco itinerários formativos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Profissional. Além disso, o projeto de lei também já considerava a adoção de uma língua estrangeira moderna; a medida provisória acabou definindo o idioma inglês como língua estrangeira (Câmara dos Deputados, 2013; Brasil, 2016).

Percebe-se que, nesses dois casos, iniciativas atribuídas ao governo Temer, na verdade, foram desdobramentos de processos que se iniciaram muito antes. Contudo, como esse governo era mal visto pela comunidade acadêmica, projetos importantes que poderiam ser discutidos a partir de um olhar educacional tornaram-se bandeiras quase exclusivamente políticas.

Da mesma maneira, como a introdução da RP ocorreu na gestão Temer, a oposição ao governo atuava como resistência também à RP, o que comprometeu uma discussão produtiva sobre o programa. Como tudo o que vinha do então governo era rechaçado em grande parte pelas instituições de ensino públicas, solidárias ao governo anterior, o programa nasceu sob grande desconfiança (Silva, [201-]; Maria, 2018; Barra, 2018). Desse modo, após publicação do edital de adesão ao programa, diversos cursos de licenciatura, ao serem consultados pelas Pró-reitorias de ensino, não demonstraram interesse em participar, tendo em vista a interpretação feita a partir de alguns itens do edital 06/2018.

Conforme será apresentado adiante, os programas são muito parecidos na prática com o antigo PIBID, assim como a Reforma do Ensino Médio era praticamente uma cópia do Projeto de Lei que tramitava na Câmara dos Deputados. O mesmo raciocínio se aplica à BNCC.

Os programas PIBID e RP, por exemplo, forneceriam bolsas de estudo para os estudantes no valor de R$ 400,00, assim como o antigo PIBID. Esse foi o motivo da primeira intervenção no tema, a partir da solicitação de pibidianos que temiam pelo fim das bolsas. Em síntese, havia bolsas garantidas no novo PIBID e na RP, equivalente ao que era oferecido antes.

Obviamente, a questão política permaneceu presente, afinal, a Reforma do Ensino Médio não foi uma réplica perfeita do Projeto de Lei, mas uma cópia filtrada e com algumas disciplinas removidas; a BNCC talvez merecesse uma discussão maior. Por outro lado, os que advogavam a favor da emergência da aprovação apontavam que a educação brasileira não poderia esperar. Enfim, questões políticas. Entretanto, é bom salientar que, enquanto instituição social, e como todas as demais instituições sociais, a educação é alvo na luta entre as forças políticas, portanto, não é fácil imaginá-la fora do centro dessas disputas.

Ao final, a RP e o novo PIBID foram implementados no segundo semestre de 2018. A seguir, são apontadas as diferenças entre o antigo PIBID, o novo PIBID e a RP.

O velho PIBID, o novo PIBID e a RP

O Quadro 1 sumariza diferenças entre o PIBID original, a RP e o novo PIBID. Em tese, observa-se uma diferença significativa entre o PIBID e a RP. Enquanto o PIBID (original e novo) busca valorizar o magistério, ou seja, tornar a profissão atrativa de forma a incentivar sua busca pelos estudantes de Ensino Superior, a RP tem uma preocupação mais instrumental, não menos importante, que é reorganizar os currículos acadêmicos das licenciaturas no Ensino Superior, enfatizando a questão do estágio supervisionado. Diante disso, percebe-se uma complementaridade entre os programas.

Quadro 1 Comparação entre os programas: PIBID Original, Residência Pedagógica e novo PIBID. 

Quesitos PIBID Original
Portaria Normativa 38
(12 dezembro de 2007)
Residência Pedagógica
Edital 06/2018
Novo PIBID
Edital 7/2018
(1 março de 2018)
Objetivos Incentivar formação de professores da Educação Básica Aperfeiçoar a formação de discentes Incentivar formação de docentes
Valorizar o magistério Induzir a reformulação do Estágio Supervisionado Valorizar o magistério
Promover melhoria da qualidade da Educação Básica Fortalecer relação entre Instituição de Ensino Superior e escolas Elevar a qualidade da formação de professores
Integrar Educação Superior com formação de professores Adequar currículos às demandas da Base Nacional Comum Curricular Inserir estudantes de licenciatura no cotidiano das escolas
    Articular teoria e prática
Restrições aos bolsistas Estar matriculado em cursos de licenciatura Ter cursado no mínimo 50% do curso ou estar cursando a partir do 5º semestre Estar na primeira metade do curso
30 estudantes por núcleo sendo 24 bolsistas e 6 sem bolsa 30 estudantes por núcleo sendo 24 bolsistas e 6 sem bolsa

Fonte: Elaborado pelos autores (2020) com base em Brasil (2007); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2018b); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2018c).Nota: PIBID: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência.

Portanto, quando se comparam os objetivos, entende-se que o PIBID está mais preocupado em promover um amadurecimento gradual do discente no universo escolar, enquanto a RP busca melhorar o Ensino Superior. Isso permite explicar o motivo pelo qual, em geral, houve uma resistência à RP, afinal, promove uma discussão sobre a estrutura dos cursos superiores, o que sempre gera um desconforto. Além disso, a colocação da discussão sobre a BNCC no programa é outro complicador em um ambiente com o tipo de polarização já citado.

Outra diferença diz respeito à existência de estudantes participantes dos programas (PIBID e RP) sem que recebam bolsa de estudos, novidade introduzida no novo PIBID e na RP. Aqui já é possível levantar os primeiros pontos de atenção.

Levando em conta que os estudantes de licenciatura no Brasil fazem majoritariamente parte do estrato economicamente mais frágil da população, e que tem dificuldades para se manter nos estudos, um programa dedicado à formação e à valorização do professor deveria considerar bolsas estimuladoras para todos os participantes. Isso parece um erro importante a ser corrigido, afinal, como apresentado no Quadro 1, 20% dos participantes dos programas teriam de ser voluntários, ou seja, não poderiam trabalhar, pois precisariam de tempo livre para participar dos programas, tampouco receberiam bolsas de estudo para auxiliar no seu sustento.

Isso afetou inclusive a inserção de docentes nas escolas receptoras, pois os professores participantes do programa, chamados de preceptores, recebem bolsas e tem um limite de oito a dez residentes a atender. Entretanto, por questões práticas, por vezes foi necessário diluir o número de residentes em mais de uma escola para não as sobrecarregar. Como os residentes necessitam de um preceptor, quando um mesmo professor não pôde dar aula nas diversas escolas, foi preciso recrutar preceptores voluntários, o que complicou o programa como um todo.

Além disso, conforme mencionado, quando a implantação dependeu de um professor voluntário, este não recebeu uma bolsa de estudos, ao contrário de outro(s) colega(s) da mesma escola, o que gerou mal-estar no ambiente e uma grande demanda por trabalho improdutivo por parte do coordenador da IES, que tinha, nessas circunstâncias, de atuar como um recrutador de voluntários. Diante disso, considera-se mais justo dividir a bolsa de maneira proporcional aos preceptores, conforme o número de estudantes que eles venham a tutorar.

Será apresentado a seguir o olhar do coordenador orientador e do coordenador institucional da IES, com a finalidade de apontar pontos positivos e negativos observados para refletir sobre a RP, visando a torná-la mais produtiva nas próximas turmas.

O ponto de vista do coordenador orientador local da IES

Havia, inicialmente, uma sensação de grande responsabilidade na implantação do programa, afinal, os pibidianos haviam solicitado um esforço por parte da IES, mais especificamente deste coordenador, para garantir bolsas de fomento à sua manutenção na universidade. Sendo assim, existia uma preocupação muito grande em encontrar uma alternativa para o fim do PIBID, independentemente das dificuldades que pudessem surgir no meio do caminho, uma vez que, apesar dos esforços do Forpidid, esperava-se muito, mas havia pouca informação.

Sendo assim, quando finalmente o edital da RP foi publicado, havia pouco tempo para inserção do projeto da IES no portal da CAPES e muitas dúvidas a respeito do programa, sobretudo no que diz respeito às escolas preceptoras. Nesse ínterim, as secretarias estaduais de educação foram convocadas a habilitarem as escolas aos programas RP e PIBID (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018d), entretanto, os diretores ainda não sabiam da normativa, tendo sido necessário ir de escola em escola avisando-os que havia um prazo para que aderissem ao programa.

Como o prazo era muito curto, em paralelo a isso foi necessário encontrar professores interessados em fazer parte da RP, mas sua participação dependia da habilitação da escola em que lecionavam para um programa, para os dois, ou para nenhum. Diante disso, os professores em potencial foram contatados e informados de que eles poderiam se candidatar caso sua escola fosse habilitada.

Na cidade em que um dos autores deste artigo atua, uma escola se habilitou ao PIBID e outras duas à RP. Por sorte, no caso da RP, nas duas escolas atuava a mesma professora. Como o programa foi feito em conjunto com outro município, só poderiam existir dez residentes, sendo dois voluntários. Entretanto, a professora integrante do programa não tinha vínculo com o Estado, era chamada anualmente para cobrir vagas remanescentes, de forma que de 2018 para 2019 perdeu algumas aulas em uma das escolas participantes, o que exigiu que fosse encontrada outra docente voluntária. Obteve-se êxito na busca, mas foi um período de grande preocupação, pois não havia alternativas caso não fosse encontrado um profissional que aceitasse o trabalho voluntário.

Isso retoma o ponto de atenção já comentado, afinal, o programa poderia prever a divisão proporcional de bolsa entre os preceptores. Remete-se ao mesmo problema que ocorria entre os coordenadores das unidades – caso o projeto fosse dividido entre duas unidades universitárias, a RP não preveria a divisão proporcional entre os professores coordenadores e um deles deveria atuar como voluntário. Enfatiza-se que a bolsa deva ser proporcional para os coordenadores quando o projeto for dividido em mais de uma unidade universitária.

Iniciado o programa, a rotina andava bem, graças ao aprendizado com o antigo PIBID. O residente se fazia presente na escola preceptora, participando das aulas ou preparando algum material. Para facilitar, havia um planejamento básico em que os conteúdos eram divididos por ano/série e bimestre. Sendo assim, o residente sempre sabia de antemão o que seria tratado e, no dia a dia, em conversa com a preceptora, alinhava os conteúdos a serem estudados nos próximos dias.

Em conversas informais, observou-se que, em geral, a escola não estava preparada para receber o residente, uma vez que ele não pôde lecionar sem supervisão em sala e ficava muito tempo apenas assistindo as aulas. No caso de algumas disciplinas, a quantidade de aulas semanais era muito baixa, então, mesmo que o residente pudesse lecionar, ainda ficaria a sensação de que ele poderia melhor aproveitar seu tempo estando presente em disciplinas correlatas, para acompanhar a dinâmica dos outros docentes. Isso certamente colaboraria para amadurecê-lo.

Em geral, era negociado que o residente regesse algumas aulas, sempre assistido pelo preceptor e preferencialmente acompanhado ou assistido, de alguma forma, também pelo orientador da IES. Uma das coisas boas da RP é que, por ser conhecido entre os alunos da classe, o residente tinha mais segurança para ministrar suas aulas. Contudo, entendia-se que ele precisaria reger mais aulas para estar preparado para sua futura vida profissional, o que gerou um problema: se o residente ministrar aulas, o que fazer com o professor titular da disciplina? Entende-se que no começo ele deva ficar em sala, mas por quanto tempo isso será exigido?

Diante disso, por entender que o professor iniciante precisa continuar sendo assistido no começo de sua carreira, a sugestão proposta é que a RP seja equivalente à Residência Médica ou à Residência Veterinária, de forma adaptada à docência.

A proposta é que a RP tenha a duração de três anos, a partir do início do quarto ano da licenciatura. No primeiro ano, funcionaria como a RP atual, ou seja, com o residente presente na escola e participando das aulas. No segundo ano, já formado e tendo passado pela experiência da RP, ele seria o professor titular da disciplina na escola preceptora, mas estaria assistido continuamente pelo preceptor, como um padrinho. No terceiro ano, o residente continuaria sendo assistido pelo preceptor, que atuaria dentro e fora da sala de aula, ou seja, ele regeria as aulas sem que professor o acompanhasse presencialmente em todas as aulas.

O PIBID, por sua vez, seria estendido à duração de três anos, como a RP, iniciando-se já a partir do primeiro ano e terminando ao final do terceiro ano da graduação. Na RP, o professor preceptor acompanharia vários residentes, atuando como um formador de professores. Assim, ele seria remunerado para trabalhar dentro e fora da sala de aula, orientando os residentes e assistindo suas aulas para corrigi-los.

Como o programa é pago pela CAPES, caberia às escolas concorrerem por residentes, o que já resolveria a questão levantada anteriormente quanto ao papel do residente: ele seria um professor como os demais, porém assistido por um mais experiente e, sobretudo, solicitado pela escola preceptora, encontrando, assim, um espaço social de atuação legitimado.

Nessa proposta, a IES permaneceria importante, afinal, assistiria o residente no primeiro ano do programa, o que asseguraria a formação e uma bolsa de estudos enquanto estudante do Ensino Superior. Nos dois anos finais do programa, o vínculo com a IES seria mantido, e caberia ao residente elaborar uma monografia orientada para receber seu certificado de conclusão da RP, o qual seria emitido pela IES como um curso de especialização Lato Sensu. Um certificado equivalente e sob as mesmas condições de apresentação de monografia seria estendido ao preceptor, funcionando como um motivador a mais nesse processo. Caso o preceptor já tivesse feito essa especialização em outra jornada da RP, seria dispensado da monografia final e receberia apenas o certificado de participação.

Sumarizando, a sugestão é que a RP se inicie no último ano da graduação, estendendo-se por mais dois anos após a formação. Para o aluno, a RP seria equivalente ao que é hoje. Estando graduado, ele assumiria a disciplina, supervisionado por um professor da escola preceptora. No primeiro ano após o término da graduação, ele seria acompanhado pelo professor preceptor em sala de aula e, no ano final da RP, ministraria as aulas sem a presença obrigatória do preceptor.

Vale salientar que o programa apresenta uma qualidade ímpar, que é aproximar a IES da escola de Ensino Básico. No nosso caso, essa aproximação permitiu a execução de um Projeto de Extensão, conduzido pelo orientador da IES, que levou informações sobre a vida escolar e profissional após o Ensino Médio para os estudantes que se preparavam para fazer as provas do ENEM. O projeto foi tão interessante que foi levado também às escolas não participantes do PIBID ou da RP, o que permitiu aproximar ainda mais a IES do Ensino Básico. O projeto de extensão teve êxito graças a aproximação que a RP e o Estágio Supervisionado proporcionaram, abrindo as portas das escolas para que essa atividade fosse realizada. Para facilitar a integração da RP à IES, houve a padronização dos relatórios de estágio para os alunos participantes, ou seja, caberia a eles fazer um único relatório final para as duas atividades.

Ressalta-se que, além do amadurecimento dos residentes na vivência no ambiente escolar, muitos deles transformaram esse período em trabalhos acadêmicos. Destaca-se o evento XIII Sciencult, um encontro que ocorre a cada dois anos na unidade universitária de Paranaíba da UEMS. Na edição de 2019, houve um Grupo de Trabalho dedicado a trazer a experiência de alunos. Esse grupo foi organizado pelos coordenadores locais do PIBID e da RP e recebeu apresentações de alunos e de coordenadores do programa (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, 2019).

Ao final desse ciclo, é fundamental reconhecer o trabalho das professoras preceptoras que acolheram os estudantes. Elas proporcionaram tranquilidade aos alunos e ao orientador da IES, e seu papel foi vital no programa que os autores deste artigo tiveram a oportunidade de acompanhar.

O olhar do coordenador institucional

Em alusão ao turbulento percurso histórico de implantação da Residência Pedagógica já citado, pode-se mencionar que assumir um programa de incentivo à docência em cursos de graduação foi desafiador. Isso se deve aos prazos estreitos para constituir a proposta institucional, levando-se em consideração as poucas informações sobre as características necessárias a atender e as diversas configurações possíveis a serem avaliadas pela CAPES, em uma universidade com 15 polos presenciais distribuídos no Estado, o que caracteriza uma instituição multicampi (Nez; Silva, 2015), a qual conta com a participação de alunos oriundos também de cidades circunvizinhas aos municípios polo.

Essa dificuldade é ressaltada frente à insegurança que surge no tocante à viabilidade de se cadastrarem, na Proposta institucional, os municípios onde são ofertados os cursos de licenciatura ou, ainda, os municípios que circundam as cidades polos. Acerca dessa dúvida, ao cadastrar a proposta percebe-se que não se poderia alterar o número de cidades a serem atendidas pelo programa. Tentativas posteriores foram feitas, porém sem sucesso.

No ato do cadastro da proposta, a partir da consulta aos 30 cursos de licenciatura presenciais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, obteve-se um pequeno número de subprojetos cadastrados. A causa foi a inviabilidade de composição de subprojetos, tendo em vista que o quantitativo necessário de acadêmicos que estavam cursando a 3ª série e que não integralizariam seus cursos antes de dezembro de 2019 era insuficiente para compor os subprojetos com 24 bolsistas exigidos pelo programa. Além disso, o insucesso também foi consequência de posicionamentos políticos contrários às intervenções do governo federal via reformulações em legislações educacionais, a exemplo da BNCC, o que desencadeou alguns estranhamentos com os objetivos do edital 06/2018.

Dentre os estranhamentos, pode-se citar o item que trata de “adequar os currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)” (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018b). Ademais, também cita-se o tópico que fala sobre a “indução da reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica” (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018b, online), via acordo de cooperação assinado entre as universidades brasileiras e a CAPES, que reza sobre a necessidade de aproveitar total ou parcialmente as ações da Residência Pedagógica para efeito de realização dos Estágios, conforme menciona o edital “aproveitar parcial ou totalmente as ações do Programa de Residência Pedagógica como estágio” (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018b, online). Esses itens, na visão dos docentes dos cursos de licenciatura, configuravam-se como um desmonte à autonomia universitária para condução das ações de estágio junto às escolas.

Frente às resistências e às possibilidades visualizadas pelos coordenadores institucionais de PIBID e RP, juntamente com o pró-reitor de ensino, responsáveis por efetuar o cadastro da proposta no sistema da CAPES, a proposta institucional para a Residência Pedagógica da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul foi cadastrada com seis subprojetos, envolvendo os componentes curriculares de Geografia, Língua Portuguesa, Sociologia, História, Língua Espanhola, Língua Inglesa e Matemática.

Com a proposta e o projeto institucionais cadastrados e aprovados, um dos maiores desafios a serem enfrentados deu-se pela necessária articulação para formação integrada envolvendo ações do Projeto institucional com os subprojetos, em razão das distâncias entre as unidades universitárias. Algumas reuniões foram agendadas e realizadas via Skype, mas alcançou-se pouca adesão dos participantes, tendo em vista as diversas atividades de ensino, pesquisa e extensão nas quais estão envolvidos os docentes orientadores em seus respectivos cursos.

Outro fator restritivo ao êxito do projeto encontra-se na dinâmica para realização das ações nas escolas, denominadas escolas-campo. O projeto iniciou-se em agosto de 2018, envolvendo residentes-estagiários da 3ª série/6º semestre dos cursos de licenciatura, os quais deveriam cumprir seus estágios no Ensino Fundamental naquele ano para, em 2019, desenvolver ações de estágio no Ensino Médio. Como algumas escolas de Ensino Fundamental onde o estágio / RP estava sendo desenvolvido não possuíam turmas de Ensino Médio, alguns estudantes precisaram migrar de uma escola-campo para outra. Como eram participantes da RP, para continuarem recebendo bolsa de estudos deveriam migrar para uma escola que fizesse parte do programa, mas como nem todas as escolas do município participavam da RP, em alguns casos só havia escolas de Ensino Médio conveniadas ao programa em outras cidades, até 80 km distantes do local onde o residente havia estagiado no ano anterior, o que inviabilizou a permanência desses estudantes no programa pela impossibilidade de se locomover para outras cidades.

A partir dessas constatações, vale ressaltar que tentativas de ajustar a alocação de residentes em escolas diversas para favorecer o pleno desenvolvimento das atividades foram feitas via ofícios enviados à CAPES e à Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso do Sul. Solicitou-se o cadastro de escolas em outros municípios do estado, porém, por mais que a Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso do Sul e as escolas tenham se empenhado para favorecer essa migração e para dirimir os problemas, colocando-se à disposição para dar continuidade às atividades da RP, oferecendo docentes para atuar como preceptores voluntários e espaços para o desenvolvimento das residências, a CAPES não favoreceu e não concretizou o cadastro, tendo em vista trâmites internos relacionados aos recursos humanos de funcionários do órgão. Esse fator culminou na desistência de residentes que tinham de dispor de recursos do seu próprio bolso para se deslocar e para se hospedar em outra cidade.

Ainda que em meio a comunicações um tanto precárias, por dificuldades em entender as reais necessidades das IES, especificamente diante das realidades contextuais, humanas e sociais de cada licenciatura/universidade/seres humanos, a CAPES disponibilizou, no final de 2018, por meio do Proflicenciatura, um apoio financeiro para aquisição de material e serviço a serem utilizados no decorrer das atividades. Esse recurso, devido a inúmeras restrições, não pôde ser integralmente utilizado, tendo em vista que suas rubricas não contemplavam as reais necessidades do projeto. Redimensionamentos do recurso que correspondia a cerca de R$110,00 por residente foram solicitados via Forpibid-RP, porém as exigências quanto a itens financiáveis ou não financiáveis permaneceram as mesmas.

Apesar dos percalços, até certo ponto naturais de uma edição pioneira por parte do governo federal com as licenciaturas, acena-se para as considerações finais, com o encerramento do edital 06/2018 em janeiro de 2020.

Considerações Finais

Inicialmente, vale destacar o esforço do Forpibid para a continuação do programa. Apesar de o PIBID muito se assemelhar à RP, foi fundamental a sua continuação como parte formadora dos alunos a partir do primeiro ano de graduação, além do sistema de fomento econômico aos estudantes das licenciaturas. Sem PIBID desde o primeiro ano, há risco considerável de evasão escolar, pois a bolsa de estudos que muitos estudantes carentes dos cursos de licenciatura recebem é o que os faz permanecerem na universidade. Entende-se que ao final das lutas políticas a respeito do PIBID e da RP, ganhou a educação, afinal, os programas propiciaram a retenção e o amadurecimento dos futuros professores.

Da parte do professor da IES que acompanhou o programa, há o entendimento de que ele deveria ser modificado: caberia às escolas preceptoras se candidatarem para receber o residente, que ficaria três anos no programa, sendo um ano enquanto estudante de licenciatura e os outros dois já graduado, ministrando aulas na escola preceptora. O professor preceptor receberia salário/bolsa para formar os novos professores.

O residente e o preceptor entregariam uma monografia ao final e receberiam um certificado de especialização Lato Sensu. Entende-se ainda que as bolsas deveriam ser estendidas a todos os bolsistas e que, no caso dos preceptores e dos professores coordenadores das unidades universitárias, o valor da bolsa precisaria ser dividido proporcionalmente ao número de alunos, tanto para o caso dos preceptores como dos professores coordenadores.

Segundo o ponto de vista do coordenador institucional do programa, a Residência Pedagógica oportunizou o estreitar da integração universidade-escola como ação imprescindível à qualidade educacional. De que modo o professor que atua com a formação docente se sente responsável pela educação básica? De que forma o professor de educação básica sente-se responsável pela formação profissional do estagiário que exercerá a licenciatura?

Há a reprodução de uma ideologia que constrói a identidade do professor como um sujeito que ocupa o espaço de sala de aula e está na licenciatura, em algumas situações, por falta de opção ou porque fez uma graduação mais simples. Em outras palavras, em geral, considera-se possível construir um professor de maneira “simples assim”, como um estalar de dedos, e que esse processo não exigiria formação, dedicação contínua e investimentos reais e necessários. Em um país com extremas discrepâncias, em que um representante eleito pelo povo tem verbas como auxílio paletó, auxílio moradia, auxílio combustível, entre inúmeros outros, um professor precisa custear, com seu próprio salário, reprodução de material, plano de saúde (quando tem), transporte e alimentação.

Não se pode esquecer da necessidade de a CAPES ser mais sensível à realidade das IESs e das escolas-campo, facilitando a reorganização dos estudantes entre as escolas na passagem de um ano para o outro. Isso prejudicou muito a dinâmica do programa e a formação dos futuros professores.

Em meio a tamanha desproporção de direitos, recursos, obrigações, reconhecimento e valorização profissional, espera-se que o novo edital CAPES 01/2020 da Residência Pedagógica corrija distorções e supostas prioridades, no tocante à consulta das necessidades regionais da educação básica e das licenciaturas, e que não seja um mecanismo utilizado para sedimentar a implantação de um modelo de escola x ou y de uma política governamental.

Não se esperava neste trabalho encontrar um ponto de vista único a respeito do tema, tampouco esgotar a discussão. Apenas buscou-se, com essa contribuição, fornecer informações que possibilitem a melhoria do programa, e que essa mudança se reverta em melhoria da educação a partir de uma formação melhor de professores da educação básica.

Como citar este artigo/How to cite this article

Gomes, G. F.; Santos, C. P. A experiência de implantação do Programa Residência Pedagógica em universidade multicampi. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e214931, 2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a4931

Referências

Barbosa, M. B.; Fernandes, N. A. M. Políticas públicas para formação de professores e seus impactos na Educação Básica. Em Aberto, v. 30, n. 98, p. 15-20, 2017. [ Links ]

Barra, E. O desmonte do Pibid e o projeto de Residência Pedagógica do MEC. [Entrevista cedida a ] Assessoria de Comunicação da PROGRAD. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018. Disponível em: http://www.prograd.ufpr.br/portal/blog/informativo/entrevista-de-eduardo-barra-sobre-o-desmonte-do-pibid-e-o-projeto-de-residencia-pedagogica-do-mec/. Acesso em: 7 out. 2019. [ Links ]

Base Nacional Comum Curricular. Histórico da BNCC. Brasília: Ministério da Educação, [2019?]. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Brasil. Decreto nº 7.219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7219.htm. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Brasil. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Diário Oficial da União: Brasília, 2016. [ Links ]

Brasil. Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007. Dispõe sobre o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, 2007. [ Links ]

Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6.840 de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para instituir a jornada em tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=FFA6BAD14C44ADE808AA989B0BA4F4FF.proposicoesWebExterno1?codteor=1200428&filename=PL+6840/2013. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Câmara dos Deputados. Reginaldo Lopes – Biografia. Brasília: Câmara dos Deputados, [201-a]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/74161/biografia. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Câmara dos Deputados. Wilson Filho – Biografia. Brasília: Câmara dos Deputados, [201-b]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/160636/biografia. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria n. 38, de 28 de fevereiro de 2018. Brasília: Presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2018a. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/28022018-portaria-n-38-institui-rp-pdf. Acesso em: 11 fev. 2021. [ Links ]

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Edital CAPES nº 06/2018: Programa De Residência Pedagógica. Chamada Pública para apresentação de propostas no âmbito do Programa de Residência Pedagógica. Brasília: Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica, 2018b. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/01032018-edital-6-2018-residencia-pedagogica-pdf. Acesso em: 11 fev. 2021. [ Links ]

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Edital nº 7/2018: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Chamada pública para apresentação de propostas. Brasília: Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica, 2018c. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/01032018-edital-7-2018-pibid-pdf. Acesso em 11 fev. 2021. [ Links ]

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. PIBID e Residência Pedagógica: Secretarias de Educação são convocadas para habilitação de escolas que participarão dos programas. Brasília: CCS/CAPES, 2018d. Disponível em: http://www1.capes.gov.br/36-noticias/8884-pibid-e-residencia-pedagogica-convocam-secretarias-de-educacao-para-habilitacao-de-inscricoes. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Forpibid. Informe 04-2017. CAPES garante continuidade do PIBID. Fortaleza: ForPIBID, 2017a. [ Links ]

Forpibid. Informe 05-2017. PIBID e PIBID diversidade sem corte para 2018! muita mobilização pela frente! Fortaleza: ForPIBID, 2017b. [ Links ]

Forpibid. Informe 06-2017. Hora de recompor frentes de mobilização! Fortaleza: ForPIBID, 2017c. [ Links ]

Forpibid. Informe 08-2017. A mobilização ganha corpo e se intensifica. Fortaleza: ForPIBID, 2017d. [ Links ]

Forpibid. Informe 10-2017. Mobilizar e esperançar: as conquistas de dezembro e o futuro em 2018. Fortaleza: ForPIBID, 2017e. [ Links ]

Forpibid. Informe 01-2018. Enfim, PIBID e PIBID diversidade ficam! Fortaleza: ForPIBID, 2018a. [ Links ]

Forpibid. Informe 04-2018. Eles passarão e ‘nós’ passarinho. Fortaleza: ForPIBID, 2018b. [ Links ]

Kuzuyabu, M. MEC anuncia modernização do Pibid. Educação, v. 245, 2017. Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2017/12/13/mec-anuncia-modernizacao-do-pibid/. Acesso em: 2 jan. 2020. [ Links ]

Maria, I. CAPES para acabar com o PIBID: “Residência Pedagógica pode ser feita sem bolsa” Esquerda Diário, São Paulo, 6 fev. 2018. Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/CAPES-para-acabar-com-o-PIBID-Residencia-Pedagogica-pode-ser-feita-sem-bolsa. Acesso em: 7 out. 2019. [ Links ]

Montandon, M. I. Políticas públicas para a formação de professores no Brasil: os programas Pibid e Prodocência. Revista da ABEM, v. 20, n. 28, p. 47-60, 2012. [ Links ]

Nez, E.; Silva, R. T. P. Levantamento de universidades multicami das regiões Sul e Centro-oeste. Comunicações, v. 22, n. 2, p. 51-64, 2015. https://doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v22n2p51-64 [ Links ]

Peres, P. Calma: o Pibid não vai acabar. Nova Escola, São Paulo, 6 fev. 2018. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/10014/calma-o-pibid-nao-vai-acabar. Acesso em 1 jan. 2020. [ Links ]

Silva, A. Não à residência pedagógica #FicaPibid. União Nacional dos Estudantes, São Paulo, [201-]. Disponível em: https://une.org.br/opiniao/nao-a-residencia-pedagogica-ficapibid/. Acesso em: 7 out. 2019. [ Links ]

Souza, E. C. P.; Costa, D. Q. S. Fóruns das universidades: a construção de elos na formação continuada de professores do pnaic. In: Constant, E.; Nasser, L.; Santos, W. S. (org.). Educação em movimento: artigos e relatos de experiências do Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa no Rio de Janeiro em 2014. Belo Horizonte: Rona Editora, 2015. p. 16-28. [ Links ]

Triviños, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. [ Links ]

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. XIII SCIENCULT – Grupos de Trabalho. Paranaíba: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, 2019. Disponível em: http://eventos.sistemas.uems.br/pagina/p/xiii-sciencult/extra/251/61dfc2a81540e8207b950beeb5c18305. Acesso em: 11 fev. 2021. [ Links ]

Xavier, R. S. S. F.; Bartholo, T. L. Os impactos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: uma revisão sistemática. Educação em Revista, v. 35, e211143, 2019. [ Links ]

Recebido: 30 de Abril de 2020; Revisado: 19 de Agosto de 2020; Aceito: 23 de Agosto de 2020

Colaboradores

G.F. GOMES participou na elaboração do texto, na apresentação dos problemas, na discussão dos temas, na proposição de sugestões e na revisão final do texto. C.P. SANTOS participou na elaboração do texto, na apresentação dos problemas, na discussão dos temas e na proposição de sugestões.

Brasil. Correspondência para/Correspondence to: G.F. GOMES. E-mail: geovane@actto.com.br.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.