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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5050 

Artigos

Concepções sobre as inteligências humanas no ambiente escolar

Conceptions about human intelligences in the school setting

Yara Machado da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-1969-1724

Vilma Lení Nista-Piccolo1 
http://orcid.org/0000-0002-8800-6575

1Universidade de Sorocaba, Programa de Pós-Graduação em Educação. Rod. Raposo Tavares, Km 925, Vila Artura, 18023-000, Sorocaba, SP, Brasil.


Resumo

Este artigo apresenta uma pesquisa realizada com professores, gestores, estagiário e estudantes de uma escola pública de Sorocaba (SP) que teve o objetivo de compreender as concepções dos participantes sobre a Inteligência Humana em suas expressões no cotidiano escolar. Numa abordagem qualitativa do tipo exploratória, utilizou-se a técnica de entrevistas semiestruturadas com os sujeitos envolvidos com uma turma de 4º ano do Ciclo I do Ensino Fundamental. A partir das respostas dadas à pergunta geradora – o que é ser inteligente? –, desenvolveu-se uma análise dos dados obtidos, pautando-se na Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory). O primeiro procedimento metodológico – a codificação aberta –, resultou em 29 subcategorias compendiando duas grandes categorias na codificação axial. Ambos procedimentos fomentaram a Teoria Fundamentada nos Dados. As respostas dos professores, dos gestores e do estagiário revelaram diferentes concepções e compuseram um discurso relacionado à multiplicidade das inteligências e outro enraizado na ideia retrógrada de denominar inteligente quem não tem dificuldade em aprender. As respostas dos estudantes mostraram uma visão paradigmática, de senso comum, sobre quem é inteligente. A interpretação dos dados desvelou um olhar limitado sobre os potenciais humanos. A influência exercida por concepções sobre os processos de ensino e aprendizagem determina uma visão estereotipada sobre o desempenho dos estudantes. Os princípios da Teoria das Inteligências Múltiplas suscitam práticas pedagógicas que, por diferentes rotas de acesso à aprendizagem, podem estimular os potenciais de comportamentos inteligentes.

Palavras-chave Cotidiano escolar; Inteligências múltiplas; Práticas pedagógicas

Abstract

This article presents an investigation with teachers, managers, interns, and students from a public school in Sorocaba (SP); the objective was to understand their conceptions about Human Intelligence in their expressions in school daily life. A qualitative research was performed with an exploratory approach, using the technique of semi-structured interviews with subjects involved in a class of 4th year of Cycle I of Elementary School. Based on the answers given to the generating question – what does it mean to be smart? – the data analysis was developed based on Grounded Theory. The first methodological procedure resulted in 29 subcategories generated in the open coding, pointing out two categories in axial coding, encouraging Grounded Theory. The responses of teachers, managers, and intern revealed different conceptions, composing a discourse related to the multiplicity of intelligences and another rooted in the backward idea of denominating as intelligent those who have no difficulty in learning. The students' responses revealed a common-sense paradigmatic view of who is smart. The data analysis revealed a limited view of human potentials. The influence exerted by these conceptions on the teaching and learning processes determines a stereotyped view of the students' performance. The principles of the Theory of Multiple Intelligences give rise to pedagogical practices, which by different routes of access to learning can stimulate the potentials of intelligent behaviors.

Keywords School life; Human intelligence; Pedagogical practices

Introdução

Concepções e pesquisas sobre Inteligência Humana despertam o interesse de estudiosos e leigos há muito tempo. No decorrer da história, diferentes vertentes – inatistas, ambientalistas, interacionistas e do processamento de informação –, têm buscado, incessantemente, compreender, mensurar e treinar a inteligência de forma sistematizada. Em cada período e cultura, a inteligência tem sido interpretada e analisada de formas distintas e, até hoje, não existe um consenso universal em relação a tudo que permeia a questão (Gardner, 1994).

O entendimento sobre a Inteligência Humana é muito complexo para ser limitado a uma única definição ou explicado por uma única teoria. Nesse sentido, muitos estudos realizados sobre essa temática apresentam relevância (Miranda, 1998; 2002). Na perspectiva deste artigo, a Inteligência Humana é abordada como a manifestação de um fenômeno multifacetado, apresentado em diferentes comportamentos, de acordo com o contexto cultural em que o indivíduo vive.

Ao longo dos anos foram desenvolvidas várias teorias acerca da inteligência humana, sintetizadas em: teorias inatistas, que concebiam a inteligência como hereditária (Lopes et al., 2016; Zylberberg, 2007) e eram fortemente influenciadas pelos testes de inteligência que visavam mensurá-la (Armstrong, 2001; Bee; Boyd, 2011; Garutti, 2012); teorias ambientalistas, que defendiam a inteligência como empírica, dependendo dos estímulos presentes no ambiente no qual o indivíduo estava inserido (Gardner, 2000; Nista-Piccolo, 2010); teorias interacionistas, que já reconheciam tanto a genética quanto o ambiente como fatores de influência direta sobre as manifestações e o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos (Gardner, 1994; 2000; Nista-Piccolo, 2015); e teorias do processamento de informação, que apontavam o funcionamento do cérebro como sendo semelhante a sistemas computacionais. Essas teorias formaram a base da compreensão dos processos mentais, detalhando a contribuição deles para o desempenho de tarefas cognitivas (Nista-Piccolo; Silva; Mello, 2018). Nessa linha de pensamento, Sternberg (1985) defende que não basta saber se o indivíduo consegue chegar à resposta certa; é importante compreender os processos mentais mobilizados para que isso aconteça.

No universo acadêmico, um dos principais referenciais teóricos norteadores dos conceitos sobre a inteligência, atualmente, é a Teoria das Inteligências Múltiplas, proposta por Gardner (1994; 2000) juntamente com um grupo de pesquisadores do mundo todo a partir do Projeto Zero, desenvolvido na Universidade de Harvard. De acordo com o referido autor, não importa o termo usado para identificar um comportamento inteligente, desde que todas as capacidades humanas sejam tratadas da mesma forma, sem distinção entre suas finalidades, tampouco o tipo de manifestação expressa na solução de um problema. Independentemente da nomenclatura utilizada, cada sociedade compreende as características do ser humano como um ideal a ser valorizado. As escolas que, em seus processos de ensino, se apoiam em práticas pedagógicas de cunho tradicional, tendem a considerar inteligentes os estudantes que dominam a língua materna e a matemática (Gardner, 2000).

Com base na Teoria das Inteligências Múltiplas, compreende-se, assim, a inteligência como um potencial inato que pode ou não ser estimulado durante a vida, manifestado pela capacidade do indivíduo de solucionar diferentes situações-problema. Os potenciais se aprimoram ao longo da vida, dependendo tanto das predisposições genéticas como dos fatores sócio-histórico-culturais aos quais os indivíduos estão submetidos. Nessa perspectiva,

[...] ser inteligente vai muito além de responder corretamente a questões aleatórias ou tirar notas boas em testes e exames, aspectos comumente pontuados em nossa cultura. É verdade que o conceito de inteligência só pode ser compreendido como expressões vinculadas ao contexto cultural de todos os indivíduos, de acordo com as necessidades apresentadas pelo ambiente em que eles vivem, mas cientificamente já é possível comprovar que inteligência engloba muitos outros potenciais que não só aqueles que correspondem ao sucesso escolar

(Nista-Piccolo; Silva; Mello, 2018, p. 30).

Uma das grandes contribuições dos estudos de Gardner foi a alteração no questionamento às pessoas de “Quão inteligente você é?” para “De que modo você é inteligente?”. Essa interpretação diferente em relação às expressões do comportamento humano desencadeou mudanças fundamentais no olhar para o ser humano, além de ampliar gradativamente as discussões que marcaram as pesquisas sobre a Inteligência Humana (Najmanovich, 2001). Esse é um aspecto significativo de interlocução com os professores, já que lhes permite enxergar seus alunos por diferentes ângulos e refletir com eles sobre como se percebem inteligentes e como são percebidos seus potenciais.

Ao desenvolver sua teoria, Gardner (1994; 2000) conceituou inicialmente sete tipos de inteligências: verbal-linguística, lógico-matemática, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal e interpessoal. Posteriormente, acrescentou uma oitava – a inteligência naturalista –, e esboçou estudos a respeito de uma possível nona inteligência – existencial –, ainda não consolidada. O pesquisador baseia sua concepção de inteligência nas manifestações dos seres humanos em momentos de resolução de problemas, observando as habilidades cognitivas envolvidas nas tarefas, sempre tendo em vista a importância do cenário cultural (Nista-Piccolo; Silva; Mello, 2018).

A Inteligência Humana tem sido um dos temas presentes em debates com professores e gestores da Educação Básica. Há pesquisas que assinalam a inserção desse assunto nos currículos, o que vem sendo discutido cada vez mais por grupos de estudo e pesquisa que tratam das questões educacionais nas instituições de Ensino Superior (Silva; Bérgamo, 2004; Silva; Nista-Piccolo, 2010). Outro estudo de Nista-Piccolo, Silva e Mello (2018) sobre concepções de professores a respeito de comportamentos dos escolares considerados inteligentes relata uma tendência intrínseca dos professores de conceber as inteligências como potenciais que precisam ser estimulados e habilidades que se manifestam distintamente quando os estudantes demonstram facilidades nas resoluções de problemas. Contudo,

[...] é mais fácil de serem observadas aulas repetitivas, com pouco espaço para criatividade dos alunos do que o desenvolvimento de práticas pedagógicas que proporcionem as múltiplas potencialidades dos seus alunos

(Nista-Piccolo; Silva; Mello, 2018, p. 38).

É necessário que sejam desenvolvidas atividades que contemplem a singularidade dos estudantes, visando processos transformadores tanto no ensino como na aprendizagem. O foco do trabalho docente deve estar voltado às potencialidades de cada aluno, oferecendo-lhe novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Assim sendo, as ações educativas promovidas não só pelo professor como também pelos gestores que atuam no cotidiano escolar são os principais fatores para oferecer estimulações cognitivas, motoras, afetivas e sociais.

[...] uma pluralidade de abordagens garante que o professor (ou o material didático) atinja mais crianças; além disso, sinaliza aos alunos qual é o significado de ter uma compreensão profunda e equilibrada de um tópico. Só os que conseguem pensar em um tópico de várias formas têm uma compreensão minuciosa desse tópico; aqueles cujo entendimento se limita a uma única visão têm uma compreensão frágil

(Gardner et al., 2010, p. 21).

Desenvolver um tópico por meio de diferentes abordagens requer uma visão complexa do conhecimento. Cabe ao professor abordar o assunto por vários caminhos, ampliando a compreensão sobre o tema. Mas, para que os estudantes possam atribuir significado ao conteúdo aprendido, o ideal é que a temática seja compartilhada numa transdisciplinaridade apresentada em todas as suas dimensões.

Quando os professores compreendem os fenômenos que permeiam um comportamento inteligente, conseguem variar suas práticas pedagógicas com foco nos potenciais dos estudantes (Nista-Piccolo, 2017; 2020). A construção do conhecimento dos estudantes ocorre quando são promovidas estimulações por todos que atuam nas escolas, em diferentes situações das suas relações interpessoais.

As rotas de acesso2 ao conhecimento, definidas pelo professor no ato de ensinar, devem potencializar a aprendizagem. Além disso, Lopes et al. (2016) ressaltam a necessidade de que a prática pedagógica seja elaborada levando em conta todos os fatores ambientais envolvidos com o desenvolvimento intelectual do estudante.

Para estimular as potencialidades individuais, as atividades a serem desenvolvidas por meio de diferentes estratégias não podem se pautar numa visão homogênea do nível de compreensão, mas respeitar a singularidade. O ambiente escolar deve ser propício à estimulação de todas as capacidades e habilidades e de todas as inteligências considerando o contexto sociocultural e histórico do grupo em questão. Cumpre estabelecer uma relação dialética entre aquilo que é privado – a singularidade humana –, e aquilo que é público – o ambiente escolar; aquilo que é individual –, o estudante com suas próprias características – e o que é grupal –, o sujeito coletivo. Contudo ainda persiste em escolas de ensino tradicional a valorização de comportamentos inteligentes relacionados tão somente à linguagem oral e escrita e ao raciocínio lógico-matemático (Campbell; Campbell; Dickinson, 2000; Nista-Piccolo, 2010).

Diferente do que se pensava, inteligência não é uma entidade que se fixa no cérebro, mas resultado de um processo cerebral. A teoria deixa claro que não há uma prioridade nas expressões de inteligência para determinado domínio, todas elas são processadas da mesma maneira, portanto, comportamentos inteligentes não podem ser considerados diferentes em suas relevâncias

(Nista-Piccolo, 2020, p. 689, tradução nossa)3.

A escola é responsável por estimular os diferentes domínios do comportamento humano, atendendo não só as áreas de interesse dos estudantes, mas também o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades. Mediar a construção do conhecimento por meio de várias rotas de acesso pode alavancar as potencialidades especificas de cada estudante, além de se mostrar um caminho para o aperfeiçoamento das áreas em que ele demonstra mais dificuldade (Nista-Piccolo, 2020).

Discutir e interpretar as manifestações das diferentes potencialidades dos estudantes representam passos extremamente relevantes para o sucesso escolar. De acordo com o estudo publicado por Robert Rosenthal e Lenore Jacobson em 1968, a expectativa do professor com relação aos seus estudantes influencia diretamente o desempenho deles (Castro; Regattieri, 2009). O Efeito Rosenthal, ou Efeito Pigmalião, como ficou conhecido, reflete a capacidade que cada indivíduo tem de influenciar o comportamento e as atitudes das outras pessoas. As expectativas geradas e transmitidas através da linguagem verbal ou corporal induzem diretamente o tipo de resposta que será produzido (Britto; Lomonaco, 1983). Quando um professor tem uma expectativa positiva com relação ao desempenho do estudante, a probabilidade de sucesso é maior. O caminho inverso também é real: se o professor demonstra uma expectativa negativa, é provável que o estudante não apresente o resultado esperado, ficando abaixo dos critérios tradicionais de avaliação (Rasche; Kude, 1986).

De acordo com a teoria de Gardner (1994; 2000), uma intervenção pedagógica fundamentada pelo prisma das Inteligências Múltiplas permite aos estudantes atingirem sucesso em seu desempenho escolar através de caminhos diferentes. A concepção de multiplicidade da inteligência humana possibilita que o professor tenha uma expectativa positiva da aprendizagem de seus alunos e o incita a disponibilizar diferentes rotas de acesso ao conhecimento. Isso posto, descobrir caminhos que potencializam a aprendizagem dos seus estudantes, aceitar e estimular novas possibilidades de expressão torna-se um ato educativo positivo que viabiliza uma variação das práticas docentes.

No cotidiano escolar, as estratégias definidas para ensinar precisam ser compatíveis com a complexidade de cada situação. Conhecer o perfil dos estudantes, suas características, suas personalidades e os seus interesses para identificar as suas rotas facilitadoras de aquisição do conhecimento são condições fundamentais para a eficiência das propostas pedagógicas oferecidas. Essas práticas não podem estar presas a modelos predefinidos ou rígidos, pois, se assim for, a individualidade e o ritmo de cada estudante não serão respeitados (Nista-Piccolo, 2017; 2020). Definir diferentes rotas de acesso no processo de ensino pode abrir caminhos à aprendizagem, pois estimula não só as capacidades mais enriquecidas como também aquelas que podem estar camufladas pelas dificuldades em suas expressões, mobilizando comportamentos inteligentes (Zylberberg; Nista-Piccolo, 2008).

A necessidade e o interesse em interpretar como se dão essas questões no cotidiano da escola atualmente, vislumbrando intervenções e práticas possíveis à luz dos princípios que embasam a Teoria das Inteligências Múltiplas, induziram a realização de uma pesquisa no ambiente escolar.

Este artigo aborda essa investigação, que tencionou identificar a concepção que se tem acerca de pessoas inteligentes. Mostra-se aqui uma análise dos conceitos expressos sobre as Inteligências Humanas em situações diversas por professores, gestores, estagiário e estudantes de uma escola ao responderem, em entrevistas presenciais, às perguntas relacionadas à definição do que seria, para eles, ser inteligente.

Procedimentos Metodológicos

O estudo, de caráter qualitativo exploratório (Casarin; Casarin, 2012; Sampieri; Collado; Lucio, 2013), foi desenvolvido em uma escola Municipal de Ensino Fundamental da cidade de Sorocaba (SP), definida pelo critério de acessibilidade do pesquisador, que atua na unidade sede há nove anos. Acreditou-se que essa proximidade facilitaria o relacionamento com os envolvidos na pesquisa e propiciaria ainda melhor compreensão do ambiente.

A escola contempla estudantes do ciclo I, fase que inclui as turmas do 1º ao 5º ano da Educação Básica, na qual os estudantes são atendidos por cinco professores diferentes. Entretanto, é responsabilidade do professor polivalente identificar as habilidades cognitivas dos alunos e trabalhar com os potenciais de suas inteligências, pois é ele quem passa a maior parte do tempo com as crianças. Na gestão, estão configuradas as funções de direção e orientação pedagógica.

O primeiro critério elencado para escolher uma turma dessa escola foi a idade dos estudantes, optando-se por aqueles com mais de nove anos. Segundo Gardner (1999), nessa fase as principais conexões neurais já estão consolidadas, sendo mais fácil para os professores identificar as facilidades e as dificuldades de cada estudante no cotidiano escolar. O período da manhã se mostrou mais favorável para organização e coleta de dados justamente pelo horário de funcionamento da unidade escolar. Foi selecionada uma das turmas de 4º ano do Ensino Fundamental pelo interesse e disponibilidade dos participantes na pesquisa. Os sujeitos entrevistados neste estudo foram:

(1) Professor efetivo da turma; (2) Professor de recuperação paralela; (3) Professor eventual (substitui o professor efetivo quando necessário); (4) Professor do atendimento educacional especializado; (5) Professor efetivo da turma do ano anterior (3º ano do Ensino Fundamental); (6) Professor da sala de leitura; (7) Professor especialista de Educação Física efetivo da turma no ano da pesquisa; (8) Professor de Educação Física da turma do ano anterior (3º ano do Ensino Fundamental); (9) Gestor 1 (diretor); (10) Gestor 2 (vice-diretor); (11) Gestor 3 (orientador pedagógico); (12) Estagiário (acompanhante do atendimento educacional especializado) e (13) Vinte e três estudantes do 4º ano do ciclo I do Ensino Fundamental.

A entrevista semiestruturada foi a técnica definida como instrumento de investigação, porque possibilita trocas enriquecedoras de significados subjetivos através dos depoimentos pessoais entre sujeito/sujeito e sujeito/objeto. (Szymanski; Almeida; Prandini, 2002). Mesmo em forma de conversa informal, é preciso seguir a linha de investigação desenhada no roteiro da entrevista sem induzir os entrevistados a determinadas respostas. A partir dos discursos diretos dos sujeitos foi possível desvelar elementos que permitiram a compreensão do que se queria investigar. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e obteve-se, inclusive, o consentimento dos responsáveis pelos estudantes e dos próprios estudantes. Foram apresentadas questões norteadoras diferenciadas para cada grupo de sujeitos: aos professores e ao estagiário: (1) Como você define inteligência? (2) Como você percebe um estudante inteligente na sua turma?; aos gestores: (1) Como você define inteligência? (2) O que é um estudante inteligente?; e aos estudantes: (1) O que é ser inteligente para você? (2) Você conhece alguém inteligente? Quem? Por que você acha que essa pessoa é inteligente? (3) Você é inteligente? Por que sim? ou Por que não? (dependendo da resposta dada).

A pesquisa foi iniciada após a autorização da autarquia responsável por essa unidade de ensino, da própria escola e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Sorocaba onde foi desenvolvido o estudo, cujo parecer foi consubstanciado sob o nº 2.124.473.

Santos et al. (2016) indicam que compreender ou interpretar significados e percepções a respeito de um tema descritos por indivíduos envolvidos em certo ambiente é uma tarefa complexa. Uma pesquisa com esse objetivo precisa, fundamentalmente, coletar dados por meio do contato direto com os participantes que vivenciam o cotidiano investigado. A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD, Grounded Theory), torna-se uma ferramenta relevante nesse tipo de pesquisa qualitativa, pois:

trata-se de método indutivo-dedutivo, ou seja, a construção da teoria requer a interação entre o fazer induções (indo do específico para o amplo), produzindo conceitos a partir dos dados; e o fazer deduções (indo do amplo para o específico), gerando hipóteses sobre as relações entre os conceitos derivados dos dados, a partir da interpretação

(Santos et al., 2016, p. 2).

A TFD possui três vertentes metodológicas, delineadas em: “clássica (também chamada de glauseriana); straussiana (denominada também como relativista ou subjetivista); e construtivista” (Santos et al., 2016, p. 4). A análise dos dados elencados nesta investigação pautou-se na vertente mais adequada para esse tipo de pesquisa, a Grounded Theory full conceptual description ou straussiana, apoiando-se nos autores do método de análise Strauss e Corbin (2008). Para Tarozzi (2011), requerer esforços para construir uma teoria4 dá credibilidade às pesquisas qualitativas. Esse tipo de análise transpassa desígnios de testagem, buscando a elaboração de teorias com base nos dados expressos. Pesquisas traçadas pela TFD estabelecem uma relação vicinal entre a coleta de dados, análise e uma possível teoria, que não é previamente concebida ou estimada, emergindo dos dados.

Para a primeira fase da análise dos dados, foi utilizado o Atlas.Ti5, um programa de computador específico para análise qualitativa, adequado para quando se tem uma grande quantidade de dados para serem analisados. É um instrumento sugerido por Strauss e Corbin (2008) como ferramenta para facilitar a organização e o armazenamento dos dados, podendo oferecer, assim, maior confiabilidade aos dados gerados. Segundo Bortoluzzi (2018), esse programa contribui para a exploração de fenômenos complexos, muitas vezes camuflados entre os dados, organizando, intuitivamente, elementos que podem ser comparados e remontados como pontos significativos, de forma sistemática, mas flexível.

Resultados e Discussão

Os resultados foram tratados de acordo com os procedimentos desenhados pela TFD. A análise dos dados teve início com a Codificação Aberta, na qual devem ser elencadas as unidades, baseadas em ideias e explicações dadas pelos sujeitos, pontuadas minuciosamente linha a linha em seus depoimentos. São códigos explicativos ou subcategorias que resumem de forma precisa o conteúdo exposto. Nesse processo, começam a ser revelados os principais conceitos expressos pelos sujeitos. É o momento em que se descortina a concepção embutida nas definições das categorias.

A partir da convergência dos discursos dos sujeitos referentes a situações equivalentes, fez-se uma análise das respostas dadas às perguntas descritas anteriormente. Foram geradas 29 subcategorias na Codificação Aberta sobre concepções de inteligência (Silva, 2018). Os grupos de ideias foram convertidos em famílias ou categorias por meio da Codificação Axial e resultaram em duas categorias: (1) O que é ser inteligente para os professores, estagiário e gestores e (2) O que é ser inteligente para os estudantes.

Para Strauss e Corbin (2008), a codificação axial acontece quando o pesquisador procura respostas para os seus questionamentos. Não se dá de forma sequencial à codificação aberta, pois vão se desenrolando paralelamente, relacionando os conceitos. Segundo os autores desse método, os passos necessários para essas etapas da codificação são: organizar as dimensões que compõem uma categoria; identificar todas as ações e interações presentes no fenômeno analisado; relacionar uma categoria à sua subcategoria declarando suas relações e demonstrar possíveis pistas da conversa de uma categoria com outra (Silva, 2018).

A categoria axial “O que é ser inteligente para professores/estagiários/gestores” foi construída através do processo indutivo para conversão de um grupo de ideias de 19 subcategorias, as quais estão expressas na Figura 1 (gerada pelo programa Atlas.TI) com seus respectivos códigos explicativos: (1) Inteligência = A inteligência precisa ser estimulada e (2) Inteligência = Existem estudantes mais e menos inteligentes foram citadas por nove sujeitos; (3) Inteligência = facilidade em aprender foi repetida duas vezes; (4) Inteligência = depende do ambiente/estímulos foi mencionada por sete sujeitos; (5) Inteligência = difícil definir – conceito muito amplo, expressa ao começarem a entrevista, mas quatro entrevistados enfatizaram a complexidade do tema; (6) Inteligência = está ligada ao emocional; (7) Inteligência = está ligada aos valores de cada indivíduo e (8) Inteligência = não existe idade para desenvolver -foram subcategorias citadas por apenas duas pessoas; (9) Inteligência = não pode ser medida por notas foi apontada por seis sujeitos; (10) Inteligência = não ter dificuldades na realização de tarefas foi mencionada por dois entrevistados; (11) Inteligência = resolver problemas/situações de diferentes maneiras foi interpretada por 10 sujeitos; (12) Inteligência = saber mais sobre determinado assunto e (13) Inteligência = são habilidades que a pessoa tem, foram as respostas de três pessoas desse grupo. Apenas um entrevistado considerou que (14) Inteligências = são reveladas através de oportunidades de estímulo e quatro declaram que a (15) Inteligência = tem aspectos inatos/genéticos. 16. Inteligência = tem múltiplas possibilidades e (17) Inteligência = todos nós somos inteligentes foram subcategorias destacadas por cinco participantes. (18) Inteligência = transcende os conteúdos tradicionais foi citada por oito integrantes do grupo de pesquisa e (19) Inteligência = Referência à Teoria das Inteligências Múltiplas foi apontada por três indivíduos participantes deste estudo.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Figura 1 Gráfico de subcategorias dos professores, gestores e estagiário sobre a categoria “O que é ser inteligente para professores/gestores” (gerado automaticamente pelo programa Atlas.Ti) 

Os professores, o estagiário e os gestores demonstraram certa dificuldade para definir inteligência, justificando ser esse um conceito muito amplo e complexo. Mas, no desenrolar das entrevistas, foram desveladas diferentes concepções sobre o assunto. Os depoimentos se complementaram, gerando um discurso que, em alguns pontos, se mostrou muito próximo dos princípios da Teoria das Inteligências Múltiplas. Por exemplo: 16 participantes afirmaram que inteligência é expressa por diferentes habilidades manifestadas em áreas distintas, tanto no contexto escolar como em outros ambientes; 5 discursos indicaram que todas as pessoas são inteligentes; 10 entrevistados relacionaram a inteligência com a capacidade de resolver problemas em diversas situações do seu cotidiano e de diferentes maneiras; 16 pessoas pontuaram a necessidade de se estimular a inteligência durante a vida, tanto no contexto familiar como no escolar; 6 depoimentos revelaram múltiplas possibilidades de inteligência; 14 criticaram a tendência do sistema escolar em valorizar capacidades tradicionais, como a linguística e a lógico-matemática e, por fim, 6 ressaltaram a ineficiência de mensurações convencionais para identificar se uma pessoa é inteligente ou não, referindo-se a qualquer tipo de teste padronizado.

Por outro lado, quatro sujeitos entrevistados durante a pesquisa descreveram a inteligência como inata, predeterminada geneticamente; sendo que todos acreditavam que o contexto social é extremamente importante para a manifestação de um comportamento inteligente. Para eles, isso está diretamente atrelado aos valores e à condição emocional de cada indivíduo, considerando motivação, autoestima, dentre outros aspectos.

Sabe-se que a inteligência não é expressa apenas em comportamentos relacionados aos conteúdos tradicionais cobrados no cotidiano escolar e que ela pode se revelar nas diferentes oportunidades de estímulos oferecidas na vida estudantil e no ambiente escolar.

Um fator distante da teoria que embasa este estudo e que ainda aparece no discurso de nove sujeitos de forma enraizada é a ideia de que há indivíduos mais e menos inteligentes na escola. Segundo esses depoimentos, são inteligentes os estudantes que aprendem mais facilmente, independentemente do método e das estratégias usadas pelo professor; ou seja, inteligentes são aqueles que não apresentam dificuldade na aprendizagem e conseguem executar suas tarefas em sala de aula sem obstáculos.

Ao confrontar os depoimentos, percebe-se que tanto os professores como os gestores e estagiário manifestaram concepções de inteligência divergentes em suas entrevistas. Em dois discursos, há menção de estudantes considerados “problemas” por não terem atingido as expectativas pretendidas nas avaliações tradicionais, ficando com notas “abaixo da média”. A preocupação desses sujeitos era com as notas que os estudantes apresentavam no final de cada bimestre. Declararam que o mais importante era que eles demonstrassem, em suas avaliações tradicionais, o que aprenderam sobre os conteúdos ensinados, sem que fossem consideradas as habilidades específicas de cada um. Observou-se que nenhum dos entrevistados descreveu algum procedimento didático utilizado para facilitar o aprendizado dos estudantes tidos como “problemas”; isso é, estratégias para ajudar aqueles que apresentavam dificuldades para aprender.

A valorização das outras possibilidades de inteligências só foi revelada por três professoras ao mencionarem que diferentes oportunidades precisam ser oferecidas aos estudantes no processo de ensino, com o objetivo de mediar o conhecimento a ser construído. Segundo elas, os estudantes se mostravam motivados e entusiasmados em situações de aprendizagem diferentes dos métodos tradicionais, mas com estratégias comuns, ao perceberem que dominavam outras habilidades experienciadas, destacando-se na atividade. As professoras, no entanto, não interpretaram isso como um comportamento inteligente.

A categoria axial “O que é ser inteligente para os estudantes” foi estruturada através da análise de 10 subcategorias expressas na Figura 2 (gerada pelo programa Atlas.Ti) com seus respectivos códigos explicativos: (1) Inteligência = associada ao conteúdo escolar foi descrita por 12 dos estudantes; (2) Inteligência = atingir as expectativas do professor, sinalizada em quatro discursos; (3) Inteligência = dar o melhor de si em suas atividades, apontada por cinco crianças; (4) Inteligência = estudar muito, subcategoria presente nos discursos de 14 sujeitos; (5) Inteligência = pensar antes de agir, mencionada por quatro estudantes; (6) Inteligência = resolver problemas/situações de diferentes maneiras, indicada por apenas um sujeito; (7) Inteligência = saber tudo, descrita em 12 entrevistas; (8) Inteligência = ser esperto foi citada por dois sujeitos; (9) Inteligência = tirar boas notas foi destacada por 11 estudantes; (10) Inteligência = todos nós somos inteligentes foi uma subcategoria apontada por apenas um sujeito.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).

Figura 2 Gráfico de subcategorias dos estudantes sobre a categoria “O que é ser inteligente para os estudantes” (gerado automaticamente pelo programa Atlas.Ti). 

Vinte e um estudantes associaram a inteligência diretamente aos conteúdos formais e, principalmente, às notas atribuídas durante provas e testes. Esses sujeitos consideraram pessoas inteligentes aquelas que demonstram “saber de tudo”, as quais sempre têm as respostas certas, que atendem às expectativas dos professores, que estudam muito e se dedicam às disciplinas escolares tradicionais. De forma geral, em seus discursos puros, apontaram especificidades da educação formal como ponto principal e o que lhes chamavam a atenção nos colegas considerados por eles como inteligentes, descrevendo detalhes como: ter o caderno em ordem, ser bom com contas matemáticas, ajudar os outros estudantes com as tarefas, ou ainda, terminar as atividades antes que os demais. Com isso atribuem ao tempo, ao ritmo de desenvolvimento, à organização, ao raciocínio lógico e às relações interpessoais aspectos importantes para ser inteligente. Apenas um estudante citou a qualidade de desenhar bem como sinal de inteligência ao comentar sobre o desempenho de um colega tido por ele como inteligente.

Quatro estudantes relacionaram a inteligência à capacidade de pensar antes de agir e de se mostrar esperto diante de situações difíceis. A questão apontada como executar bem todas as atividades, referindo-se às pessoas que se empenham no que fazem e até mesmo quando precisam ajudar ao outro, foram frequentemente atribuídas a um membro mais velho da família ou do próprio cotidiano escolar, como a professora. Apenas um estudante entrevistado considerou como inteligente a pessoa que é capaz de resolver problemas do cotidiano de diferentes maneiras e outro afirmou que todos nós somos inteligentes – diretrizes que se aproximam dos princípios básicos da teoria de Gardner. Todos disseram conhecer alguém inteligente, sempre identificado por saber superar dificuldades, mas apenas um aluno entre todos os entrevistados se considerava inteligente. Esse fator sempre tinha a ver com seu desempenho escolar.

A construção de uma teoria fundamentada nos dados

Todos os entrevistados, que vivenciam o cotidiano escolar – gestores, professores, estagiários e estudantes –, precisam compreender “como” as pessoas podem se mostrar inteligentes, e não apenas identificar “quem” é ou não inteligente. Aplicar a Teoria das Inteligências Múltiplas como fundamentação básica, nesse contexto, amplia as visões sobre o que é ser inteligente e permite valorizar outros comportamentos humanos que expressam certo domínio em diferentes áreas. Sob essa perspectiva, respeita-se a individualidade de cada um e torna-se possível explorar as diferentes potencialidades.

Além de rever as expectativas com relação ao rendimento discente, os professores podem alterar suas práticas pedagógicas produzindo sequências didáticas que permitam que todos aprendam. Sendo assim, a aula pode se tornar mais proveitosa e estimulante para ambos (docentes e discentes) por dar novas oportunidades de aprendizagem e, dessa forma, melhorar a autoestima dos estudantes. Observar os potenciais que os estudantes apresentam é o primeiro passo para desenvolver propostas de atividades por diferentes caminhos a fim de que todos consigam aprender. Isso desencadeia o reconhecimento das habilidades que os estudantes dominam, expressos por comportamentos inteligentes específicos, alcançando sucesso em algumas atividades e superando dificuldades em outras situações do contexto escolar (Gardner et al., 2010).

As concepções sobre Inteligência Humana apresentadas pelos professores, gestores escolares, estagiário e estudantes, foram desveladas nos resultados encontrados. Percebe-se, ainda presente nos discursos dos sujeitos, um olhar sobre inteligência que supervaloriza as atividades cognitivas e não privilegia outras manifestações expressas pelas pessoas, principalmente nos estudantes. Persistem interpretações equivocadas, evasivas e até mesmo de natureza leiga quanto às teorias psicológicas que sustentam a prática pedagógica sobre o que é ser inteligente. Observa-se nos relatos a ausência de sugestões e de apontamentos voltados à estimulação das habilidades que nem sempre são contempladas no cotidiano escolar. Isso inviabiliza diferentes possibilidades de expressão dos potenciais dos estudantes. Não é suficiente saber a importância dessa temática; é preciso oferecer aos estudantes várias oportunidades de acesso à aprendizagem em situações de ensino. Além disso, cumpre quebrar paradigmas sobre o que é inteligência e sobre quem é inteligente; desmontar, principalmente, a concepção retrógada de senso comum que os estudantes trazem consigo.

A teoria aqui mencionada não se configura como referência de práticas pedagógicas vivenciadas no ambiente escolar, deixando claro que nem todos têm conhecimento sobre os princípios que regem a sua aplicação. Garutti (2012) expõe que a Teoria de Howard Gardner, comprovadamente, possibilita a aplicação de estratégias eficazes para o sucesso numa aprendizagem em diferentes sistemas escolares. Todavia, mesmo assim, muitos professores ainda não se valem dos seus princípios para fundamentar suas práticas pedagógicas.

Capacitações e programas de formação continuada podem auxiliar o acesso de todos que participam do contexto escolar ao conhecimento de novas teorias. Fundamentados em estudos didático-pedagógicos, em pesquisas científicas sobre o processo ensino-aprendizagem e nas suas práticas cotidianas, os professores podem mudar não só suas atividades de ensino, mas sua forma de olhar o estudante, reconhecendo a multiplicidade dos potenciais deles e proporcionando diferentes possibilidades de estimulação.

A “escola possível”, como defende Simon (2012), é aquela em que os professores conseguem superar os obstáculos presentes no cotidiano, comprometendo-se com a formação global dos estudantes e favorecendo suas múltiplas inteligências. Nesse tipo de escola, o sucesso na aprendizagem é resultado de uma concepção mais pluralista da mente por parte de todos que ali atuam, considerando a multiplicidade de manifestações de comportamentos inteligentes. É mais do que comprovado que a expectativa de um professor em relação ao desempenho dos seus estudantes influencia diretamente no resultado das atuações deles (Castro; Regattieri, 2009). Por essa razão, a lente que olha para seu estudante pode limitar uma visão mais ampla de todas as suas potencialidades.

A Teoria das Inteligências Múltiplas se mostra como um caminho possível para uma escola possível. Atividades pedagógicas, pautadas na fundamentação básica dos seus princípios, permitem um novo olhar aos potenciais dos estudantes e o reconhecimento de suas facilidades e dificuldades para aprender e construir novos saberes.

Considerações Finais

Estimular todos os potenciais de cada estudante por meio de um ambiente rico em possibilidades é a forma ideal de praticar a pedagogia, sem deixar de considerar o contexto histórico e social. Toda ação educativa tem por princípio interpretar o estudante em sua integralidade, transcendendo qualquer dicotomia ou fracionamento. As propostas educacionais precisam visar o estímulo da autonomia, da criatividade, da sensibilidade e da identidade e, assim, despertar ao máximo as habilidades de cada estudante.

Os currículos que atualmente norteiam a Educação Básica já sofreram mudanças, mas muitas escolas ainda não alteraram seus métodos de ensino e de avaliação para atender às necessidades contemporâneas e respeitar a individualidade e o comportamento dos estudantes no seu processo de aprendizagem.

Pautar-se na Teoria das Inteligências Múltiplas requer mudança na interpretação do desempenho dos estudantes, no ensino por diferentes caminhos e estímulos aos potenciais individuais, incitando novos comportamentos inteligentes. Não é preciso mudar conteúdos, mas adotar rotas de acesso potencializadoras da aprendizagem, objetivando o sucesso dos estudantes. A contribuição dos princípios dessa teoria no processo de construção dos novos saberes se traduz em manifestações de inteligência.

Ensinar por esse caminho suscita desafios na busca por soluções para os problemas propostos, além de possibilitar a interpretação das facilidades e das dificuldades demonstradas pelos estudantes. Um sistema de ensino pode mudar quando são alteradas as práticas docentes e os instrumentos de ação pedagógica, contudo é primordial adotar uma nova ótica para ver o outro.

2Rotas de acesso são os caminhos a serem usados pelos professores para mediar o conhecimento com seus estudantes; rotas que podem facilitar a sua aprendizagem. A ideia, sugerida por Gardner (1999), é reforçada por outros estudiosos desse assunto (Denig, 2004; Dunn; Dunn, 1993; 1999; Nista-Piccolo, 2017; 2020).

3No original: As opposed to what was previously understood, intelligence is not an entity that is fixed in the brain, but a result of a process of the brain. The theory states that there is no priority in the expressions of intelligence for a determined domain; all are processed in the same manner and, therefore, intelligent behaviors cannot be considered different in their relevance (Nista-Piccolo, 2020, p. 689).

4“Teoria: um conjunto de conceitos bem desenvolvidos relacionados por meio de declarações de relações que, juntas, constituem uma estrutura integrada que pode ser usada para explicar ou prever fenômenos” (Strauss; Corbin, 2008, p. 29).

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Como citar este artigo/How to cite this article

Silva, Y. M.; Nista-Piccolo, V. L. Concepções sobre as inteligências humanas no ambiente escolar. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e215050, 2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5050

Artigo elaborado a partir da dissertação de Y. M. SILVA, intitulada “Um olhar sobre a inteligência humana manifestada no cotidiano escolar”. Universidade de Sorocaba, 2018.

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Recebido: 30 de Julho de 2020; Revisado: 28 de Fevereiro de 2021; Aceito: 11 de Março de 2021

Correspondência para/Correpondence to: V. L. NISTA-PICCOLO. E-mail: vilma@nista.com.br.

Colaboradores

Ambas as autoras participaram de forma efetiva das análises dos dados e da elaboração dos resultados e da conclusão.

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