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Revista de Educação PUC-Campinas

versión impresa ISSN 1519-3993versión On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.26  Campinas  2021

https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5109 

Artigos

As representações sociais de professoras da Educação Infantil em relação ao desgaste docente

Social representations of teachers in Child Education in relation to teaching wear

Bruna Emilyn da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-9067-7706

Adriano Charles Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0002-3918-3006

Ademir José Rosso1 
http://orcid.org/0000-0002-7143-0433

1Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Humanas e Artes, Programa de Pós-Graduação em Educação. Av. Carlos Cavalcanti, 4748, Campus Uvaranas, 84030-900, Uvaranas, Ponta Grossa, PR, Brasil.


Resumo

O artigo discute, pelo viés da teoria das representações sociais, especificamente as abordagens dimensional e estrutural, as representações sociais de professoras da Educação Infantil sobre as condições de trabalho que ocasionam desgaste docente. As informações foram coletadas a partir de questionário (n=116) respondido por professoras da Educação Infantil na cidade de Ponta Grossa (Paraná). As análises foram realizadas com o apoio dos softwares Evoc, Simi e Alceste, além de ter sido feita uma análise de conteúdo. Verificou-se que a maior procedência dos elementos constituintes de desgaste são: (a) as condições físicas e materiais do trabalho; (b) a estrutura e funcionamento da Educação Infantil, a qual carece de investimentos para melhorar as condições de trabalho e (c) a falta de professoras como fator que revela a Educação Infantil como etapa secundária em relação aos significados da docência.

Palavras-chave Condições de trabalho docente; Docência. Educação na primeira infância; Mal-estar

Abstract

The article discusses, through the social representation theory, specifically the dimensional and the structural approaches, the social representations of Early Childhood Education teachers about the working conditions that cause teachers’ fatigue. Information was collected from a questionnaire (n=116) answered by teachers of Early Childhood Education in the city of Ponta Grossa (Paraná). The analyses were performed with the support of the softwares Evoc, Simi, Alceste, and a content analysis was also performed. It was found that the major origin of the fatigue constituent elements are: (a) the physical and material working conditions; (b) the structure and functioning of Early Childhood Education, which requires investments to improve working conditions; and (c) the lack of teachers as a factor that reveals Early Childhood Education as a secondary stage in relation to the meanings of teaching.

Keywords Teaching work conditions; Teaching. Early childhood education; Malaise

Introdução

A complexidade da Educação Infantil envolve distintas dimensões e conjunturas no mundo contemporâneo, apresentando desafios e dificuldades para as pesquisas da área. Uma dessas preocupações corresponde à dicotomia entre o caráter educativo e o assistencialismo da “[...] pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social” (Kuhlmann Junior, 2000, p. 8).

O ato de cuidar e educar se torna um desafio complexo e tênue, o que perpassa pela fuga do moralismo assistencialista, mas também não deixa de ser um questionamento no que concerne a “[...] oferecer à criança um atendimento que privilegie ora um ora outro aspecto desse atendimento” (Azevedo, 2007, p. 161). Por isso, entender a importância da Educação Infantil pressupõe a integração da dimensão pedagógica a partir do seu caráter educativo em pensar a criança em sua subjetividade, afetividade, coletividade, dignidade e autonomia.

Embora se observem alguns avanços na legislação referentes ao reconhecimento da criança como “sujeito de direitos” (Martins, 2015, p. 81) e do seu direito à educação de qualidade desde o nascimento (Paschoal; Machado, 2009), ainda é “grande a distância entre as metas legais e a situação vivida pela maioria de crianças e adultos no cotidiano das instituições de educação infantil” (Campos; Füllgraf; Wiggers, 2006, p. 127). Do mesmo modo, a formação inicial para atuar na Educação Infantil é frágil se forem consideradas as suas especificidades de “prática educativa” (Peroza; Martins, 2016) associadas à aprendizagem e ao desenvolvimento da criança em suas dimensões mais amplas que, muitas vezes, não são atendidas (Azevedo, 2007).

A ambiguidade da educação-assistência ou do cuidar-educar (Brasil; Galvão, 2009) enfraquece os cursos de formação inicial e associa a docência na Educação Infantil à maternidade. Isso decorre, muitas vezes, de cursos que aliam a natureza da docência ao feminino, o que socialmente exige uma “insuficiente formação”, bastando que sejam professoras pacientes, amorosas e guiadas pelo afeto (Arce, 2001; Sayão, 2005; Sales, 2007; Carvalho, 2011). Na Pedagogia, a licenciatura que mais atende essa demanda, poucos são os cursos que “[...] propõem disciplinas que permitam algum aprofundamento em relação à educação infantil” (Gatti, 2010, p. 1372), sendo que a oferta dessas disciplinas “representa apenas 5,3% do conjunto” (p. 1369). Os currículos, nessas condições, são insuficientes para fornecer uma formação capaz de preparar futuras professoras para o desenvolvimento do trabalho de forma que atenda a especificidade dessa etapa da educação.

O perfil e o reconhecimento do profissional da Educação Infantil, quando se refere à formação inicial dos cursos de Pedagogia, apresentam-se em construção devido à lenta mudança dos currículos dos cursos e das práticas distantes da realidade, que não contemplam o cuidar e o educar em dimensões mais amplas e indissociáveis (Peroza; Martins, 2016). Uma concepção que ainda está “[...] centrada em concepções clássicas e conservadoras de socialização e na criança individual e universal” (Rocha; Lessa; Buss-Simão, 2016, p. 46); ou seja, com ambivalências que vinculam a Educação Infantil como modelo de docência escolarizante, conforme visto em análise de documentos oficiais que tratam da formação inicial de professores e que dificultam a compreensão do caráter educativo-pedagógico do trabalho docente (Bonetti, 2004) e da infância como objeto de investigação sociológica, a criança como ator social e a educação infantil como etapa educativa (Sarmento, 2005).

No entanto, o campo da Educação Infantil não se resume em dilemas e dificuldades. São muitos os avanços na área desde a regulamentação da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), que estabeleceu a educação de crianças a partir de 0 (zero) até os 5 (cinco) anos como dever do Estado e, mais recentemente, com a Emenda Constitucional 59/2009, a qual determinou a obrigatoriedade de matrícula na Educação Infantil a partir dos 4 (quatro) anos de idade, o que inaugurou um viés democrático de acesso a essa etapa educativa (Sabbag, 2017). Contudo, os desafios ainda prevalecem na busca por melhores teorizações, que versem sobre as culturas e especificidades infantis que rompem com os limites de uma “[...] didática para a educação infantil ou de uma remissão às pedagogias da criança” (Rocha; Buss-Simão; Lessa, 2016, p. 36). Uma Educação Infantil que passe a priorizar uma pedagogia da infância horizontal e compartilhada; ou seja, uma “[...] pedagogia da diferença, da escuta, das relações [...]” (Faria; Finco, 2011, p. 3), como sintetiza Rocha (1999a) uma pedagogia da Educação Infantil que revele sua complexidade e defina suas especificidades.

Embora tenha havido avanços, esses não anulam as contingências que atravessam a materialidade da Educação Infantil tanto nos processos formativos quanto nas condições de trabalho, as quais podem ser maiores frente a outros segmentos educativos, gerando o desgaste docente. Essa dinâmica desfavorável presente nas condições de trabalho, na remuneração e no reconhecimento social do profissional perpassa pela Educação Infantil promovendo o mal-estar docente (Esteve, 1999), sofrimento psíquico (Paparelli et al., 2007), estresse (Witter, 2003), trabalho penoso (Sato, 1995; Marques, 2007) ou burnout (Codo, 2006).

Para tanto, os conhecimentos produzidos entre as relações no contexto educativo em diálogo com as políticas gestadas à Educação Infantil se configuram como fatores que transcorrem as representações das professoras em meio às condições que ocasionam o desgaste. Assim, o desgaste da docência na Educação Infantil se constitui em um objeto social que é partilhado na categoria docente a partir da experiência vivida, das representações que circulam nos diferentes meios sociais, políticos e educativos sobre a natureza do trabalho. Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar as representações sociais que as professoras da Educação Infantil constroem sobre os condicionantes de trabalho que geram o desgaste docente.

As representações sociais pelas abordagens dimensional e estrutural

Para a compreensão do pensamento social dos sujeitos, a teoria das representações sociais e suas abordagens complementares promovem o diálogo entre o contexto social e educativo das professoras. Os intercâmbios comunicativos desenvolvidos nas relações entre os pares expressam os conhecimentos do grupo sobre o objeto representado, em especial o desgaste no trabalho docente, apresentando um modo específico de conhecimento que cria e recria a realidade vivida e o conhecimento do cotidiano (Moscovici, 2012).

As representações sociais se constituem em caráter interpretativo dos fenômenos sociais que emergem entre os grupos a fim de serem compreendidos. O desgaste docente parte dos pontos de conflitos entre o que é estranho e não familiar. As professoras trazem para si as queixas, as reclamações e as relações de mal-estar, uma vez que “[...] as representações sociais são uma estratégia desenvolvida por atores sociais para enfrentar a diversidade” (Jovchelovitch, 1999, p. 81).

Na ação representativa, o sujeito torna familiar o objeto de representação que era estranho, incorpora-o e o articula nas propriedades já constituídas em seu sistema de cognição. Acrescenta o estatuto de significante, ao qual confere o sentido de familiaridade; ou seja, “[...] o ato de representar é um meio de transferir o que nos perturba, o que ameaça nosso universo, do exterior para o interior” (Moscovici, 2011, p. 57). Nesse processo, o sujeito representa o objeto de conhecimento e o aproxima em seu contexto realizando a ação de “[...] incluir no que existia sem nós e de nos tornamos presentes onde estamos ausentes e familiares em relação ao que é estranho” (Moscovici, 2012, p. 59). Essa dinâmica é o que confere especificidade ao processo cognitivo específico de tornar o não familiar em familiar (Moscovici, 2012); isto é, permitindo compreender a gênese dos mecanismos de ancoragem e objetivação.

Neste artigo, o estudo das representações sociais apresenta duas dimensões teóricas: a abordagem dimensional (Moscovici, 2012) e a abordagem cognitivo-estrutural (Abric, 2003). A abordagem dimensional visa explicitar como as representações são construídas e organizadas nos diferentes grupos e contextos sociais, o que possibilita compreender os diversos universos de opiniões que constituem as representações (Moscovici, 2012).

No campo das representações sociais, três dimensões situam a sua formação e proporcionam sentido e conteúdo: a atitude, a informação e o campo de representação ou imagem. A atitude corresponde ao posicionamento positivo ou negativo do grupo em relação ao objeto, bem como contribui para a formação de condutas e de orientação nas comunicações sociais. Já a informação refere-se aos conhecimentos que o grupo possui em relação ao objeto representado. Por fim, o campo de representação ou imagem designa o conjunto de aspectos que serão tomados em consideração pelo grupo. Por meio dessas dimensões é possível realizar o processo de estudo das representações sociais, bem como a organização e a descrição do conteúdo da representação (Alves-Mazzoti, 1994).

A abordagem estrutural é compreendida por meio de dois subsistemas: o núcleo central e o sistema periférico (Abric, 2003). O núcleo central é rígido, coeso e consensual (Sá, 1996), caracterizado por fatores mais resistentes à mudança, uma vez que estão ligados à memória coletiva e à história do grupo. Também pode ser “[...] considerado como um ponto comum de significação: algo que os indivíduos partilham quanto à significação que convém atribuir a um dado objeto” (Deschamps; Moliner, 2009, p. 129). Assim, ao identificar “[...] o núcleo central, é então, procurar a raiz, o fundamento social da representação, que, em seguida modulará, se diferenciará e se individualizará no sistema periférico” (Abric, 2003, p. 40). Por sua vez, o sistema periférico “[...] assegura a inscrição da representação na realidade concreta e autoriza diversas individualizações desta representação” (Deschamps; Moliner, 2009, p. 129), sendo “[...] a parte mais acessível e mais viva da representação” (Abric, 2003, p. 38). Os elementos periféricos são mais suscetíveis à mudança por serem flexíveis e adaptativos quanto ao seu conteúdo.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa possui abordagem plurimetodológica, relacionando métodos quantitativos e qualitativos. Com isso, a variedade de possibilidades nos estudos e nos métodos a serem utilizados permite explorar a dinâmica das representações das professoras sobre o desgaste docente (Nascimento-Schulze; Camargo, 2000).

A pesquisa foi realizada em 15 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), além de 10 escolas que ofertam Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, resultando em 25 instituições investigadas no total. Essas 25 instituições foram escolhidas de um universo de 60 instituições localizadas na região central e periférica da cidade de Ponta Grossa. O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário, que foi distribuído para as professoras nos momentos das reuniões pedagógicas ou nas horas-atividade.

A utilização do questionário como procedimento metodológico possibilitou a compreensão das representações das professoras, dos simbolismos atrelados ao desgaste docente, bem como dos elementos subjetivos construídos na essência do fenômeno em questão. Desse modo, foram aplicados 126 questionários, porém apenas 116 foram utilizados devido a não autorização das professoras que preencheram os outros 10 questionários. Para tanto, foram seguidos os procedimentos éticos condizentes com o termo de autorização perante à coordenadora da educação infantil da Secretaria Municipal de Educação (SME) da cidade de Ponta Grossa, a quem foi solicitada autorização e diretivas para a coleta de informações junto às professoras dos CMEI.

A autorização junto à Comissão de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos (COEP/UEPG) também foi solicitada, através da Plataforma Brasil, que corresponde a uma base nacional de registros de pesquisas com seres humanos. Ela permite o acompanhamento da pesquisa em seus diferentes estágios de desenvolvimento, desde a fase de coleta de dados em campo até o relatório final da pesquisa através do nº do CAAE que, para esta pesquisa, é o 88434518.9.0000.0105.

Para a identificação das representações sobre o desgaste foi utilizada a técnica de associação livre de palavras, cujo procedimento busca “[...] descobrir como as pessoas imaginam um assunto, isto é, qual perspectiva que trazem” (Gaskell, 2002, p. 80). A técnica “tem como base um termo indutor que permite demonstrar os universos semânticos pertinentes ao objeto em questão” (Koga, 2011, p. 51). Para tanto, foi solicitado às professoras que escrevessem cinco palavras ou expressões que melhor descrevessem ou lembrassem as situações que geram desgaste na profissão. Após listarem as palavras, as professoras deveriam enumerar as expressões de acordo com o grau de importância e, posteriormente, justificar porque determinada expressão foi colocada em primeiro lugar.

Resultados e Discussão

Entre as respostas válidas, foram contabilizadas 376 evocações, as quais foram analisadas com o auxílio do software EVOC e resultaram em 37 expressões diferentes. Para a composição das quatro casas ou quadrantes foram desprezadas as evocações com frequência mínima inferior ou igual a 6; ou seja, que apareceram com menos do que 5% de frequência e que representassem até 25% do total das evocações. Das 37 palavras diferentes evocadas pelas professoras, 16 integram os quadrantes da Tabela 1, onde se pode observar que a Ordem Média de Evocação (OME) é de 2,3 e a frequência média de evocação é de 21 palavras.

Tabela 1 Quatro casas das expressões que geram o desgaste docente. 

Frequência > = 21 e OME < 2,3   Frequência > = 21 e OME > 2,3
Palavras Frequência OME (%)   Palavras Frequência OME (%)
Desvalorização_profissional 38 2,026   Descomprometimento_familiar 36 2,667
Recursos_humanos 38 2,237 Salário 40 2,350
Salas_lotadas 54 1,685      
Frequência < = 21 e OME < 2,3 Frequência < = 21 e OME > 2,3
Palavras Frequência OME (%)   Palavras Frequência OME (%)
Cobrança 7 2,286   Carga_horária 7 2,429
Desrespeito 8 1,875   Formação 13 2,538
Indisciplina 18 2,056   Gestão 11 2,545
Trabalho_excessivo 10 2,000   Hora_atividade 10 2,800
        Infraestrutura 20 2,700
        Material_didático 12 2,583

Fonte: Elaborado pelos autores (Ponta Grossa, 2018).

Nota: OME: Ordem Média de Evocação.

Entre os elementos que provavelmente constituíram o núcleo central da representação social estão contidas as palavras “salas lotadas”, “desvalorização profissional” e “recursos humanos”, que foram evocadas como as principais expressões que ocasionam o desgaste. Com efeito, das expressões listadas emergem discussões a respeito dos aspectos simbólicos e materiais da docência.

A expressão “salas lotadas” se referiu à quantidade de alunos que compõem as salas e apresenta relação com um elemento periférico ligado à infraestrutura. As professoras expressaram o desgaste pelo contingente de crianças em sala de aula, o que pressupõe um trabalho sobrecarregado e “mecanizado”, como afirmam algumas professoras:

É muito cansativo ter vinte e cinco alunos em sala para apenas uma professora que, além de educar, também tem que cuidar. E a estrutura física também fica comprometida. Tendo muitos alunos na sala de aula e sem apoio fica difícil o trabalho, porque você acaba não desenvolvendo bem o que havia planejado, pois algumas crianças têm mais dificuldades que outras e isso acaba frustrando. O grande número de crianças em sala de aula interfere principalmente na qualidade do trabalho realizado pelo professor. Também acaba gerando muito desgaste físico e cansaço. Salas superlotadas, sem espaço...como na educação infantil se trabalha com o lúdico, necessita-se de espaço

(Sujeito 67).

Verificou-se que a superlotação ocasiona problemas de ordem prática, que interferem no atendimento à criança e no controle da turma. O espaço em sala se torna um ambiente sufocado, o que reduz a capacidade de desenvolvimento e aprendizagem. Esse é um problema que “[...] contrapõe-se ao entendimento da educação como um trabalho pessoal, relacional, diferenciado e com ritmos variados e dependentes do perfil cognitivo dos alunos” (Rosso; Camargo, 2011, p. 279). Além disso, a dificuldade ocasionada pela superlotação limita os espaços e dificulta os intercâmbios comunicativos entre a professora e as crianças.

A sala lotada, como elemento funcional do núcleo central da representação social (Sá, 1996), expressa a eficácia da ação; isto é, o desempenho da prática educativo-pedagógica na Educação Infantil, o qual é condicionado a um ambiente limitado e que por vezes em sua causalidade remete à bagunça, falta de controle e limites, agitação e irritabilidade. É consenso que a organização e o número de crianças por turma são flexíveis de acordo com os Parâmetros de Qualidade na Educação Infantil (Brasil, 2006); no entanto, a prática cotidiana do trabalho na Educação Infantil demonstra um cenário oposto.

A expressão “desvalorização profissional” constituiu o aspecto simbólico da docência enquanto profissão vista com caráter assistencialista. A concepção assistencialista é ancorada nas práticas do cuidado e na necessidade de alimentação, higiene e sono – consequentemente, um pressuposto dissociável do ato de educar.

A educação infantil é vista por muitos da comunidade com um olhar assistencialista. Também não recebemos um salário que justifique o desgaste físico e mental. Quando em qualquer lugar algum erro acontece, somos todas humilhadas e generalizadas como incompetentes – o que não é verdade

(Sujeito 93).

Os termos “cuidado” e “educação” constituem-se em “[...] transposições dos saberes femininos, em parte, adquiridos pelas mulheres na sua socialização primária, assim como nas experiências provenientes do universo doméstico” (Carvalho, 2011, p. 38). As relações de gênero e a divisão social do trabalho por sexos marcam as relações entre público e privado e definem o território das práticas sociais. Cabe às mulheres o ambiente doméstico, familiar - o qual é constituído cultural e politicamente por vias de sua condição de serem protagonistas da maternação, fator que as coloca numa posição socialmente inferior pela dominação do público em relação ao privado. Nesses termos, a dicotomia entre cuidar e educar constitui-se como fator representado por meio da desvalorização ao invés de sua indissociabilidade (Azevedo, 2007).

A sociedade tem um olhar restrito sobre a nossa profissão. Somos ‘tachados’ como meros cuidadores, onde nossa realidade traz uma abertura imensa do quanto nos é exigido para formar essas crianças, diante do que vivenciamos em sala de aula, onde somos muito mais que ‘meros cuidadores’ somos responsáveis pela formação de um indivíduo que necessita de valores, regras, autonomia, conhecimento, onde tal tarefa inicia-se desde seu nascimento

(Sujeito 45).

Desse modo, a desvalorização associa-se ao trabalho docente, que é visto como vocação e missão, corroborando o imaginário social do “[...] status de não profissionalização e de desprestígio social” (Fernandes, 2012, p. 8). Por ser um elemento normativo, é um objeto socialmente enraizado, tido como desfavorável, pois é sintetizado como uma atitude fortemente marcada; isto é, pela vinculação ao trabalho materno-docente (Menin, 2007).

A expressão “recursos humanos” refere-se à falta de professoras e funcionários para o trabalho na Educação Infantil. A queixa das professoras diante da falta de profissionais se expressa a partir do excesso de trabalho, falta de hora-atividade, no excesso de crianças por sala de aula, bem como na necessidade de auxílio de uma segunda professora ou assistente de Educação Infantil.

Hoje nas salas de aula temos grande número de alunos e uma professora. Sendo que a criança tem por volta de 2 anos, no qual necessitamos de no mínimo duas professoras por turma. Em uma turma de 20 alunos é bem difícil trabalhar sem o auxílio de mais um profissional, principalmente nas atividades mais complexas que as crianças realizam individualmente

(Sujeito 56).

A falta de professoras dá margem para a improvisação, para a necessidade de desempenhar várias funções que são somadas às diversas demandas sociais e pedagógicas presentes no exercício da docência (Vieira et al., 2010). As diversas lacunas ocasionadas pela falta de professoras afetam a dinâmica, a rotina e o desempenho profissional, podendo originar práticas insuficientes.

A falta de professoras ocasiona o desgaste, e contribui também para o processo de intensificação do trabalho docente (Dal Rosso, 2006), pois compete à professora a realização de outras funções na rotina para suprir as demandas. Nesse contexto, “[...] as condições materiais, a intensificação do trabalho e a hipertrofia de funções que as docentes precisam desempenhar estão contribuindo fortemente para a deterioração de sua saúde” (Vieira et al., 2010, p. 320). Ainda, a carência de professoras para o trabalho na Educação Infantil revela a falta de prestígio da profissão, que se relaciona com a desvalorização profissional. Além disso, pode estar associada à má remuneração e à fama de ser um trabalho inferior, devido às bases históricas de que a profissão foi sendo constituída no feminino (Demo, 2016).

No conjunto das categorias analisadas, os simbolismos ligados às condições geradoras do desgaste docente percorreram os aspectos simbólicos e materiais do trabalho docente na Educação Infantil. Desse modo, houve maior evocação dos elementos que envolvem os aspectos materiais do processo de trabalho. Para tanto, o reordenamento causado pelas novas reformas educacionais tem provocado impactos nos mais diversos segmentos educacionais, como na Educação Infantil. Contudo, em concordância com Carlotto (2002), no exercício da prática docente encontram-se diversos estressores psicossociais, que se relacionam tanto com a natureza de suas funções, quanto com o contexto institucional e social onde são exercidas. A repercussão desses estressores interfere duplamente: em primeira instância, na saúde; e, em segunda instância, no desempenho do trabalhador – neste caso, em específico, o que atua na Educação Infantil.

Análise da conexidade dos elementos

Com o auxílio do software SIMI, realizou-se a análise da “conexidade dos elementos” (Rosso; Camargo, 2011, p. 282), a qual permitiu visualizar a organização da representação de acordo com as suas ligações. Com a representação gráfica da árvore máxima na Figura 1 proporcionada pelo software SIMI é possível compreender que “[...] os traços mais fortes constituíram um número maior de ligações e de centralidade, as linhas básicas números medianos e os pontilhados números menores de intensidade nas informações” (Ferreira, 2014, p. 102).

O eixo central da árvore máxima foi direcionado sobre as expressões “salas lotadas” e “recursos humanos”, as quais foram procedidas do maior número de coocorrências entre as ligações. Associadas a elas estão as relações com os termos “descomprometimento familiar”, “desvalorização profissional” e “salário”. A expressão “salas lotadas” apareceu com maior centralidade, pois há uma coocorrência de oito arestas ligadas ao termo, o qual pressupôs um maior poder organizativo.

A árvore contém três triângulos: o primeiro é composto pelas palavras “salas lotadas”, “recursos humanos” e “descomprometimento familiar”, que possuem, respectivamente, maiores ligações (23, 13, 16), sendo esse o triângulo central e organizador da representação social. Já o segundo triângulo possui elementos centrais e foi formado pelas expressões “salas lotadas”, “recursos humanos” e “desvalorização social”, e obteve 23, 7 e 13 coocorrências, respectivamente formando em seu vértice um elemento de natureza social. Por fim, o terceiro triângulo contém alguns elementos periféricos constituídos pelos termos “salas lotadas”, “recursos humanos” e “salário”, com 23, 13 e 13 coocorrências, contendo em seu vértice elementos de natureza estrutural.

Fonte: Elaborado pelos autores (Ponta Grossa, 2018).

Figura 1 Árvore de similitude das evocações. 

A forte coocorrência entre as expressões “salas lotadas” e “recursos humanos” demonstra que os problemas estão inter-relacionados, tendo em vista que a falta de professores ocasiona práticas improvisadas, rotineiras e insuficientes.

A falta de profissionais que devem estar lotados no CMEI sempre é inferior. De ano a ano, desgasta devido ao “jeitinho” para se dar conta das responsabilidades diárias

(Sujeito 43).

A falta de profissionais acarreta no desenvolvimento do desgaste, devido às ações imediatas, que são realizadas na rotina escolar, como a junção de turmas. Devido à falta de professoras, muitas vezes, as turmas ficam cheias, acarretando desgaste nas professoras

(Sujeito 20).

Em razão da falta de professoras, as salas se tornam numerosas, o que pode se configurar num problema de ordem estrutural – tendo espaços limitados, as chances de desenvolvimento das aulas são comprimidas.

Análise textual e de conteúdo das justificativas

A análise das justificativas textuais contidas nas questões abertas do questionário possibilitou a apreciação por meio do auxílio do software Alceste. Os textos originados das justificativas podem ser considerados um material que preserva a qualidade do fenômeno estudado e são produzidos de maneira mais natural pelos sujeitos investigados (Camargo, 2005). Desse modo, o programa permite a análise lexical das evocações por meio das Unidades de Contexto Elementares, bem como “[...] faz a leitura e classifica as palavras de acordo com suas ocorrências e agrupa os termos em classes” (Rosso; Camargo, 2013, p. 186).

O corpus “desgaste docente”, representado pelo dendrograma (Figura 2), apresentou classes coordenadas, no qual a classe 1 obteve ligações com a classe 2 e, consequentemente, a classe 3 com a classe 4. A classe 1 (31,4%) tratou da relação família e escola. Já a classe 2 (32,7%) revelou a desvalorização da profissão. Ambas as classes expressaram o diálogo com o contexto escolar e social. Por sua vez, a classe 3 (21,8%) abordou a sala de aula, com forte relação com a classe 4 (13,9%) – que se refere à problemática do número expressivo de alunos em sala de aula, exemplificado nas salas lotadas.

Nota: UCE: Unidades de Contexto Elementares. Fonte: Elaborado pelos autores (Ponta Grossa, 2018).

Figura 2 Dendograma representado o Corpus desgaste. 

A Classe 1: relação família e escola (31,4%) integrou as contribuições das professoras com mais de seis anos de magistério e com faixa etária de até 40 anos de idade. As palavras mais expressivas foram “pais” (pai, mãe), “filhos” e “família”, as quais compuseram o universo da instituição familiar e denominaram os sujeitos da classe como “aqueles que não cuidam e não educam os filhos”.

Os pais colocam as crianças na escola achando que é apenas o cuidado, esquecendo o principal objetivo de colocar a criança na escola para aprender. Alguns pais não cuidam dos seus filhos, acham que é obrigação do professor e da escola. Falta de compromisso dos pais que não assumem seus filhos. Os pais muitas vezes, nem olham as agendas ou participam de reuniões pedagógicas relacionadas ao desenvolvimento de seus filhos

(Sujeito 34).

A relação entre família e escola é determinada de acordo com o seu papel social. A instituição educativa atribui para si a função do desenvolvimento do conhecimento científico e sistematizado ao mesmo tempo em que culpabiliza a família pela autodesresponsabilização pela educação moral da criança. O desenvolvimento cognitivo e moral são dois elementos intrínsecos; educar é substantivamente formar (Freire, 1987). Não é possível que a instituição educativa assuma uma posição de neutralidade e relativismo moral (Menin, 2002); isto é, eximir-se do cuidado e da educação. Nesse embate, verificou-se a visão dicotômica entre as duas instituições sociais e um movimento de não “responsabilização compartilhada” (Oliveira; Marinho-Araújo, 2010, p. 102). A instituição educativa, enquanto espaço privilegiado para o desenvolvimento, necessita aliar o cuidar e o educar como binômio indissociável na Educação Infantil (Azevedo, 2007).

As razões de ordem emocional e afetiva estão presentes nas representações das professoras e se intercruzam na relação entre família e escola, pois, para elas, os pais não proporcionam estrutura necessária e condizente com uma família ideal (Varani; Silva, 2010; Vasconcelos, 2013).

Os pais não dão aquela estrutura necessária, não dão bom exemplo para os filhos. As famílias precisam ter uma estrutura mais alicerçada, existem muitos alunos que não moram com os pais, devido tantas separações, porque a criança que têm cuidados dos pais cotidianamente se torna mais fácil de trabalhar. Atualmente muitas de nossas crianças vêm de uma família desestruturada, onde os pais não cuidam de seus filhos como deveriam

(Sujeito 78).

A representação do ideário familiar está condicionada à família estável do ponto de vista econômico e emocional. Os padrões generalizados da família são aqueles que proporcionam apoio afetivo, segurança emocional e padrão estável na relação conjugal. Trata-se da imagem da família relativamente pequena e nuclear (Barreto, 1981; Vasconcelos, 2013). Fatores pessoais e familiares aparecem como argumentos que tentam justificar o descomprometimento, pois o exemplo se constitui na primeira instituição social: a família. Além de não proporcionar apoio, existe a “[...] crença de que uma boa dinâmica familiar é responsável pelo bom desenvolvimento dos alunos” (Oliveira; Marinho-Araújo, 2010, p. 102).

Pais que não trabalham em sintonia com os professores acabam prejudicando seus filhos. A professora faz um trabalho com dedicação durante a semana e os pais não dão limite aos filhos nos finais de semana. Os pais estão transferindo a sua responsabilidade para a escola e também não dão limites aos seus filhos, fazendo com que dificulte ainda mais o nosso trabalho

(Sujeito 101).

A Classe 2: desvalorização (32,7%) constituiu-se de elementos textuais de professoras contratadas e com faixa etária de até 30 anos. Essa classe apresenta a professora como sujeito da classe e a Educação Infantil como etapa de ensino. As representações são organizadas pelas palavras valorização versus desvalorização e salário.

O profissional do magistério está desvalorizado, pois há muita defasagem histórica na remuneração salarial e a sociedade não respeita o profissional no seu trabalho, o profissional da educação está cada vez mais desvalorizado, tanto como pessoa, quanto financeiramente. A falta de valorização desmotiva o professor e por consequência afeta o desenvolvimento educacional. Professor não é visto, não é ouvido. Professor invisível para o governo. Todo mundo é ouvido, menos o professor, que está ali, no dia a dia, na sala de aula, com os alunos reais, problemas reais, ganhando um salário que muitas vezes não dá nem para o sustento. Como se não bastasse o constante desrespeito de pais e alunos, o excesso de serviço que a gente leva para a casa

(Sujeito 45).

A valorização profissional torna-se imprescindível para a construção da profissionalidade docente na afirmação do que é específico no trabalho de ser professora da Educação Infantil; isto é, na afirmação do caráter educativo-pedagógico do trabalho docente, que articula as relações, interações e a brincadeira (Brasil, 2009) como especificidade do exercício da docência na Educação Infantil – portanto, na consideração da criança e da infância como categorias sociais (Faria; Finco, 2011; Rocha; Lessa; Buss-Simão, 2016; Sabbag, 2017). Também, a valorização implica compreender que as professoras e as crianças são consideradas atores sociais, pois atuam num espaço social, como a instituição educativa, e constroem sua vida, carreira e profissão (Ambrosseti; Almeida, 2007).

A falta de demarcações claras e precisas da Educação Infantil como campo de conhecimento teórico e científico dificulta a contextualização, a heterogeneidade e as inserções de práticas cotidianas que envolvem a brincadeira, a socialização e a comunicação, as quais se diferem da própria constituição clássica do que significou a infância (Rocha, 1999b). O reclame das professoras no exercício do trabalho percorre tanto a valorização quanto a falta de políticas educacionais que assegurem melhores condições de trabalho, a ausência da participação da família na instituição educativa, a falta de professoras, funcionários efetivos, qualidade e investimento na Educação Infantil, além de melhores condições de salário. Essa última situação denota a concepção de docência como aquela profissão que requer menor qualificação e remuneração, pois, historicamente, sendo o trabalho docente passível de ser exercido por qualquer pessoa e externalizado a partir da prática do cuidado materno, tornou suscetível que a questão salarial seja relegada a segundo plano (Flach, 2013).

A desvalorização da Educação Infantil bem como do profissional que nela atua apresenta bases históricas. Segundo Fernandes (2012, p. 8), “[...] o cuidado como prática acarreta à docência na educação infantil um status de não profissionalização e de desprestígio profissional”. Essa concepção engendra-se a partir dos “[...] processos de inculcação social que atribuem o cuidado das crianças às mães, mulheres e mais tarde às professoras” (Fernandes, 2012 p. 1).

Caso compararmos a profissão docente à medicina ou direito, verificaremos a grande diferença no salário dos professores. Tal fato dificulta o acesso à cultura e ocasiona o acumulo de cargas horárias de trabalho elevada, para proporcionar aos docentes da educação infantil uma remuneração capaz de auxiliar no orçamento da família de modo efetivo e não como uma renda secundária para as mulheres (feminização da profissão)

(Sujeito 67).

A desvalorização é a expressão do pensamento social das professoras da Educação Infantil sobre o contexto sócio-político e a valorização da profissão em termos salariais e materiais. O desprestígio social da profissão é percebido tanto na pesquisa de Alves e Pinto (2011) como no fato de que o ofício ocupa o 36º lugar na base da pirâmide das profissões em comparação com as 47 profissões elencadas na pesquisa. Essas constatações configuram-se fatores que desestimulam a opção pela carreira do magistério.

A Classe 3: sala de aula (21,8%) apresentou a contribuição de professoras com contrato de trabalho efetivo no plano de carreira, sendo a sala de aula o local de desgaste da profissão. A sala de aula como ambiente socialmente construído e intrínseco à docência é vista como um espaço reduzido e limitado, pois a variação de grau concernente aos adjetivos maior e menor expressam o valor de comparação entre uma sala de aula com turmas maiores ou menores.

Que o número menor de alunos em sala de aula ajudaria a atender e ensinar melhor, a qualidade de ensino seria bem enriquecida. O grande número de crianças em sala de aula interfere, principalmente na qualidade do trabalho realizado pelo professor

(Sujeito 89).

A sala de aula como espaço físico partilha a categoria da espacialidade com outros espaços, sendo que a forma como é ocupado e organizado cria a sua especificidade (Novelli, 1997). A ocupação e a organização da sala de aula definem quais as condições e as práticas educativas que podem ser desenvolvidas dentro do espaço escolar e fora dele, no qual o número de alunos apresenta um sentido de causalidade entendido pelos verbos “gerar” e “acabar”.

Tendo muitos alunos na sala de aula e sem apoio fica difícil o trabalho, não é considerado o número de crianças que temos em sala de aula para atender, poucas vezes com auxílio individual

(Sujeito 23).

A Classe 4: salas lotadas (13,9%) relaciona-se com a classe 3, de modo que expõe as dificuldades existentes no contexto da sala de aula. O problema das salas lotadas é compreendido como um processo que dificulta o atendimento individual da criança e o desenvolvimento das atividades da professora e das crianças, uma vez que a atenção direcionada e a prática docente se tornam insuficientes.

O número elevado de crianças por turma dificulta na realização das atividades, no atendimento das crianças e na atenção dispensada. Uma educação de qualidade deve priorizar um número reduzido de crianças, principalmente na educação infantil. Desse modo, o professor poderá dar mais atenção e desenvolver atividades que priorizem as especificidades das crianças

(Sujeito 56).

As salas lotadas reduzem a possibilidade de que seja oferecida uma educação de qualidade, pois dificultam o trabalho interativo e relacional, sobretudo “[...] com os outros, para os outros e sobre os outros” (Schmitt, 2014, p. 61), ainda mais com crianças de 0 a 5 anos. Além disso, a salas lotadas na Educação Infantil expressam o desenvolvimento de um trabalho instrumental e técnico que desconsidera a aprendizagem da criança, bem como o desenvolvimento do trabalho da professora. Dessa forma, o problema das salas lotadas está ligado aos fatores pertinentes à ação docente, cujo objeto que limita a prática educativo-pedagógica é a sala de aula como elemento estrutural e material da docência.

Considerações Finais

As representações levantadas por professoras sobre o desgaste do trabalho docente apresentaram elementos estruturais e simbólicos em torno da prática educativa-pedagógica no contexto da Educação Infantil.

O provável núcleo central das representações foi composto pelas expressões “salas lotadas”, “desvalorização profissional” e “recursos humanos”. Essa tríade revela um viés quantitativo e estrutural em torno do número de alunos na prática educativo-pedagógica por meio da expressão “salas lotadas”, o que dificulta a ação das professoras no exercício do trabalho. Por sua vez, o aspecto da desvalorização se apresentou como algo simbólico e identitário; ou seja, como se percebem e como os outros veem a profissão numa visão assistencialista e maternal. Por fim, os recursos humanos demonstraram a queixa das professoras contra a falta de profissionais especializados que as ajudem na prática, nos acompanhamentos e ações diárias. Todas essas situações revelam o desgaste docente nas condições simbólicas e materiais.

Pela abordagem dimensional, as professoras apresentaram atitudes de impotência frente às questões objetivas, à organização estrutural e à política do contexto da Educação Infantil. Essas dificuldades criaram um sentimento de frustração, insatisfação e adoecimento. As imagens apareceram associadas a elementos subjetivos ligados ao amor, à vocação, doação e missão. Essas imagens trans-subjetivas estão presentes historicamente na sociedade, ancoradas em categorias e imagens comuns ao ambiente e contexto social do trabalho docente.

As atitudes e imagens aqui expostas compreenderam as relações do ambiente social e do contexto educativo do trabalho docente na Educação Infantil. Como variável de análise, as relações de gênero apontaram ambivalências na discussão sobre a divisão social do trabalho por sexos. Cabe àquele que trabalha na Educação Infantil ser mulher, mãe e cuidadora, requisitos intrínsecos à esfera doméstica e maternal, subordinando-se diretamente a condições de trabalho insuficientes, com o contingente de alunos em sala de aula, a falta de professores e a desvalorização social, como elementos naturais do trabalho. Portanto, se configuram como fatores pautados nas relações de amor e doação; ou seja, ser professora é um ato de abnegação. Aqui está o cerne do desgaste, na medida em que os determinantes estruturais e simbólicos da profissão se tornam elementos naturalizados, os quais não são levados em conta, principalmente no trabalho docente.

Atenuar as contingências estruturais e simbólicas depende de políticas e gestões educacionais, mas também passa pela compreensão de que a docência é um ato político, social, afetivo e emocional, na qual se intercruzam elementos estruturais, condições de trabalho e elementos simbólicos ligados às atitudes e imagens sociais frente ao problema analisado. A “resolução” do problema não se resume a práticas individuais ou localizadas, mas a uma perspectiva macro que reate o diálogo com o real, o vivido, e pelas representações dos atores propriamente ditos; ou seja, as professoras da Educação Infantil.

Artigo elaborado a partir da dissertação de B. E. SILVA, intitulada “Representações Sociais do desgaste do trabalho docente na educação infantil”. Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2019.

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Silva, B. E.; Ferreira, A. C.; Rosso, A. J. As representações sociais de professoras da Educação Infantil em relação ao desgaste docente. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 26, e215109,2021. https://doi.org/10.24220/2318-0870v26e2021a5109

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Recebido: 15 de Outubro de 2020; Revisado: 28 de Maio de 2021; Aceito: 25 de Junho de 2021

Correspondência para/Correspondence to: A. C. FERREIRA. E-mail: adrianoacfuepg@hotmail.com.

Colaboradores

B. E. SILVA colaborou com a coleta de dados, análise, revisão de literatura e escrita do texto. A. C. FERREIRA colaborou na revisão, formatação e contribuição com a introdução e a análise dos dados. A. J. ROSSO colaborou na concepção e desenho da pesquisa, coleta e análise dos dados.

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