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Revista de Educação PUC-Campinas

Print version ISSN 1519-3993On-line version ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.27  Campinas  2022

https://doi.org/10.24220/2318-0870v27e2022a6512 

Los Posgrados en Educación en Latinoamérica. Una mirada desde los países de REDPEL

Ações afirmativas na pós-graduação: um olhar crítico para programas das áreas de ensino e educação

Affirmative actions in graduate education: a critical look at programs in teaching and education areas

Jhemerson da Silva Neto1 
http://orcid.org/0000-0002-3802-6797

Deise Aparecida Peralta1 
http://orcid.org/0000-0002-5146-058X

Harryson Júnio Lessa Gonçalves1 
http://orcid.org/0000-0001-5021-6852

1Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade Ciências, Programa de Pós-Graduação em Educação Para a Ciência. Av. Eng. Luís Edmundo Carrijo Coube, 2085, Núcleo Res. Pres. Geisel, 17033-360, Bauru, SP, Brasil.


Resumo

Este texto tem como objetivo apresentar um panorama das políticas de ações afirmativas adotadas na pós--graduação no Brasil trazendo como caso ilustrativo os processos seletivos dos Programas de Pós-Graduação nas áreas de Educação e Ensino da Universidade Estatual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Tem como fio condutor uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva, bem como os pressupostos de uma pesquisa documental. Foram analisados 11 editais de seleção para ingresso entre os anos de 2022 e 2023 dos programas das áreas supracitadas. Como resultados, observou-se que as políticas afirmativas adotadas pela Universidade Estatual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” junto à pós-graduação ainda são incipientes, uma vez que há um baixo índice de programas que preveem ações afirmativas junto a grupos sub-representados nesses espaços. No caso das áreas de Educação e Ensino, ainda que avanços sejam percebidos, avalia-se que mesmo nos programas em que são adotadas políticas afirmativas (como a reserva de vagas), existem outros mecanismos que possuem um alto potencial de exclusão de diversos grupos do acesso à pós-graduação brasileira.

Palavras-chave Acesso; inclusão e permanência; Políticas afirmativas; Pós-graduação Stricto Sensu

Abstract

This text aims to present an overview of affirmative action policies adopted in graduate studies in Brazil, bringing as an illustrative case the selection processes of Graduate Programs in Education and Teaching at Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (São Paulo State University “Júlio De Mesquita Filho”). Its guiding thread is a qualitative approach, of a descriptive nature, as well as the assumptions of a documentary research. Eleven selection notices were analyzed for admission (between 2022 and 2023) of the programs of the aforementioned areas. As a result, we observed that the affirmative policies adopted by Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” with graduate studies are still incipient, since there is a low rate of programs that provide for affirmative actions with groups that are underrepresented in such spaces. In the case of the education and teaching areas, although advances are perceived, it is assessed that, even in the programs in which affirmative policies are adopted (such as vacancy reservation), there are other mechanisms that have a high potential for excluding different groups from access to Brazilian graduate studies.

Keywords Access; inclusion and permanence; Affirmative policies; Stricto Sensu postgraduate studies

Introdução

Mas esse espaço da imagem não pode mais absolutamente ser medido de forma contemplativa

(Benjamin, 2016, p. 34).

O contexto social de hoje, assim como aquele à época de Benjamin, clama por ações concretas. Não é possível aceitar “mitos”, como os da democracia racial e da meritocracia, perpassando ideários que sustentam barbáries que remontam às invasões europeias e fazem com que os débitos coloniais só aumentem.

Diante das incontestes influências negativas que o processo colonial impetrou na sociedade brasileira, criando lugares sociais preestabelecidos e forjando raças, identidades e culturas, bem como da impossibilidade de negar como esses “lugares” ainda se constituem como mecanismos discriminatórios e segregacionistas atuantes, surgem movimentos que visam enfrentar e transpor esses mecanismos, quiçá cobrando dívidas coloniais (Zambrana, 2021).

Segundo Andrade (2016), durante o período de redemocratização do Brasil, na década de 1990, mais especificamente com a promulgação da chamada Constituição Cidadã, a temática racial se aprofundou e se tornou pauta constante na esfera pública (Brasil, 1988). Ainda segundo Andrade (2016), o texto constitucional afirma a necessidade de efetivação de políticas de ação afirmativa, impactando na convergência de movimentos de luta por reconhecimento, de implementação de políticas redistributivas na gestão pública e a retomada de pesquisas acadêmicas sobre relações étnico-raciais.

Mattos (2019, p. 320) defende que ação afirmativa é:

[...] um conceito de cunho político e social que atua na diminuição ou até na eliminação das hierarquias sociais que se fundamentam em desigualdades e discriminações historicamente arraigadas na sociedade, de modo que a forma mais eficaz dessas ações dá-se por meio de políticas públicas, uma vez que essas políticas institucionalizam o que está descrito nos instrumentos legais e iniciam um processo que é lento, mas extremamente importante, de mudança cultural e igualdade de oportunidades.

O debate acerca das ações afirmativas tem sido pauta cada vez mais presente na agenda de discussões no âmbito das políticas públicas do/no Brasil, especialmente nas duas últimas décadas do século XX. Embora nem sempre consensuais, elas propõem uma radicalidade – bem como um tensionamento na relação entre desigualdade e diversidade(s) – quanto aos desafios que se colocam à sua frente, sobretudo considerando a atual conjuntura política brasileira, na qual há uma sobreposição retrocessos, retirada de direitos conquistados a duras penas, ascensão de movimentos neoliberais e neoconservadores e um crescente negacionismo científico.

Nesse contexto, a despeito de sua complexidade (o que torna essa uma tarefa árdua), trata-se de um movimento demasiadamente necessário, visto que a promoção de políticas afirmativas vai ao encontro da construção de uma sociedade mais equânime e com igualdade de direitos. Essas políticas vão além de um caráter econômico, uma vez que também entram em jogo pessoas que carregam consigo uma ampla diversidade de bandeiras identitárias (negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pessoas com deficiência, pessoas LGBTI+2etc.).

No campo educacional brasileiro, em especial no ensino – dito – superior, as ações afirmativas vêm cumprindo um papel fundamental no processo de diminuição das assimetrias sociais e raciais ocasionadas por um contexto histórico de colonização3 e colonialidades4, tendo em vista que as universidades no Brasil construíram-se sob a égide de uma série de categorias impostas por uma perspectiva eurocentrada, como a própria noção de “conhecimento”, que “[...] tornou-se uma mercadoria de exportação para a modernização do mundo não ocidental” (Mignolo, 2017, p. 8).

Esse modelo de universidade tem caminhado a passos largos para um alinhamento a um conjunto de políticas econômicas que buscam deslocar o centro da produção de conhecimento para a (re)responsabilidade pessoal ancorada em ideologia neoliberal, forçando uma nova forma de subjetividade – o empreendedor de si mesmo – a aparecer e impelir um discurso meritocrático, responsável por criar uma falsa realidade de que as oportunidades podem ser acessadas de maneira equitativa a depender de esforços individuais, levando as pessoas a acreditarem na inexistência de obstáculos sociais estruturais e conjunturais intransponíveis para quem está às margens.

Nesse cenário, criar políticas afirmativas significa não apenas incluir os grupos que estavam às margens desses processos, mas também busca frear os efeitos deletérios do neoliberalismo ao propor ações efetivas de reconhecimento e redistribuição, visando combater desigualdades e efetivar justiça social com a garantia de direitos, visto que essas políticas moldam-se a partir de condicionantes culturais, sociais, étnico-raciais e econômicos junto aos grupos historicamente marginalizados em razão desses mesmos aspectos.

Em se tratando da pós-graduação – isto é, na dimensão da construção do saber (dito) científico e da produção intelectual acadêmica –, nas últimas décadas houve um crescimento do número de Programas de Pós-Graduação (PPG) no Brasil. De acordo com dados da Plataforma Sucupira (2022), atualmente o Brasil conta com 4.604 PPG que ofertam um total de 7.025 cursos entre mestrado e doutorado (profissionais e acadêmicos).

Desse total, entre as regiões brasileiras, a Sudeste é a que possui o maior percentual tanto de PPG (43,0%) quanto de cursos (45,3%). Da mesma forma, o estado de São Paulo é o que apresenta os maiores índices dentro da região supracitada (representando 46,0% dos PPG e 48,0% dos cursos de mestrado e doutorado, entre acadêmicos e profissionais). Assim, dado o significativo número de PPG e cursos de mestrado e doutorado na região Sudeste, bem como no estado de São Paulo, considera-se que esses espaços também sejam promotores de políticas afirmativas de modo a ampliar a diversidade de sujeitos – o que, consequentemente, implica na formulação de ações emancipatórias de modo a atender as demandas desses grupos.

Partindo-se desse cenário, este texto apresenta um panorama do histórico das políticas de ações afirmativas no Brasil, de forma geral, e em específico discute aquelas adotadas pelos PPG nas áreas de Educação e Ensino da Universidade Estatual Paulista “Júlio de Mesquita” Filho (Unesp) em seus processos seletivos. A intenção maior é mostrar que, apesar dos avanços significativos que têm feito da Unesp um exemplo na implantação de políticas afirmativas no estado de São Paulo, ainda há um longo caminho a percorrer. Isso é o que mostra a análise dos últimos editais de seleção referentes ao ingresso nos anos de 2022 e 2023 dos 10 PPG da Unesp das áreas de Educação e Ensino de acordo com a tabela de classificação das Áreas do Conhecimento/Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Ações afirmativas no Brasil: um breve panorama histórico

Embora não se tenha precisão quanto à origem do conceito de “ações afirmativas”, há um consenso de que ele surge de mobilizações a partir da Índia e dos Estados Unidos da América (EUA). Na Índia, conforme Santiago, Akkari e Marques (2013), a discussão surge com Bhimrao Ramji Ambedkar, que, sendo membro de uma das chamadas castas dos “intocáveis” propôs, no fim da década de 1940, políticas diferenciadas em favor desses grupos. “Para ele, quebrar os privilégios historicamente acumulados pelas ‘castas superiores’ significava instituir políticas públicas diferenciadas e constitucionalmente protegidas em favor da igualdade para todos os segmentos sociais” (Santiago; Akkari; Marques, 2013, p. 139).

Já no contexto dos EUA, Silva (2016, p. 26) destaca que o termo “ações afirmativas”,

[...] Teve sua origem no início da década de 1960 nos Estados Unidos, através do movimento do presidente J. F. Kennedy para nomear um conjunto de políticas públicas e privadas que combatiam a discriminação social. Antes disso, em meados de 1940, já existiam discussões que buscavam a criação de mecanismos legais para impedir a existência de discriminação racial em seleções e recrutamentos do serviço público.

Independentemente da origem, é importante destacar que tanto na Índia quanto nos EUA, a criação de políticas afirmativas se deu a partir de uma mobilização de fora para dentro provocada por movimentos sociais que buscavam combater as desigualdades sociais e raciais, bem como tensionar o Estado para que esse saísse de uma posição de neutralidade quanto a essas questões (Gomes, 2006).

Outro aspecto a ser destacado é que, embora o termo “ação afirmativa” seja comumente associado à ideia de cotas, ou reserva de vagas, ele se refere a um conjunto de políticas (públicas e/ou privadas) que buscam corrigir desigualdades sociais e raciais ao longo da história, bem como processos de discriminação e/ou exclusão. Outrossim, a ação afirmativa não se reduz ao recorte étnico-racial, podendo também direcionar-se a outros grupos diferenciados devido ao sexo, gênero, religião, situação socioeconômica etc (Venturini, 2019a).

A criação de políticas afirmativas nos contextos da Índia e EUA também reverberou no Brasil, sobretudo no ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a qual fora fruto de um intenso processo de lutas por direitos, sobretudo dos movimentos negros e indígenas (Brasil, 1988). A Carta Magna abriu uma série de possibilidades no âmbito do Estado brasileiro para a criação de políticas públicas visando pessoas que até então eram privadas de direitos.

A formulação de políticas de ações afirmativas no Brasil tem na figura de Abdias do Nascimento5 algumas das primeiras iniciativas. Na década de 1980, por meio da sua atuação enquanto deputado federal, ele propôs o primeiro6 projeto de lei que recomendava uma medida compensatória às populações afro-brasileiras, nas mais diversas esferas da vida social, como uma forma de reparar os mais de três séculos de escravização, bem como os processos de racismo já sofridos e ainda vigentes (Santiago; Akkari; Marques, 2013).

Entre os anos de 1948 e 1950, Abdias do Nascimento criou e dirigiu o jornal Quilombo, o qual, por meio de diversas edições, falou sobre a necessidade de acesso de estudantes negros tanto à educação pública quanto privada, através de bolsas de estudos custeadas pelo Estado brasileiro.

O jornal Quilombo, por exemplo, colocava, desde o seu primeiro número de 1948, uma série de cinco propostas, na coluna chamada Nosso Programa, a terceira das quais dizia o seguinte: ‘Lutar para que, enquanto não for gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares’

(Carvalho, 2003, p. 316).

A despeito da luta e militância de Abdias do Nascimento, manifestando a urgência da criação de políticas afirmativas por parte do Estado brasileiro, não houve um tratamento significativo pelo governo da época – não em termos reais de efetivação de políticas. Em se tratando especificamente do Ensino Superior, a discussão ganha força e visibilidade no início do século XXI, sendo amplamente debatido e difundido pela mídia nacional, muitas vezes com matérias e reportagens contrárias às ações afirmativas (Feres Júnior et al., 2018).

A título de exemplo, Feres Júnior et al. (2018), ao realizarem um levantamento das matérias publicadas nos Jornais Folha de São Paulo e O Globo entre os anos de 2001 e 2012 (ano de promulgação da Lei de Cotas) que, de alguma forma, versavam sobre o tema das ações afirmativas, encontraram,

[...] Um total de 2.123 ocorrências de emprego de argumentos contrários em texto contra 864 argumentos favoráveis. [...] A Folha de São Paulo publicou, durante o período estudado, 34 editoriais contrários e dois ambivalentes. Enquanto isso, O Globo, publicou 94 editoriais, quase três vezes mais que o jornal paulista, sendo 91 contrários e três ambivalentes

(Feres Júnior et al., 2018, p. 100).

Apesar do debate público promovido pela mídia seguir uma determinada orientação política, em diversos casos esse é o único meio responsável pelo acesso da maior parte da população a essas discussões, inclusive através de casos que geraram repercussão nacional. A título de ilustração, toma-se o caso do estudante Giovane Fialho que, no ano de 2008, não conseguiu ingressar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, segundo ele, devido ao sistema de cotas adotado pela instituição.

O jovem apresentou recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) posicionando-se contrário ao sistema de cotas, pois sentiu-se “injustiçado” pelo suposto caráter “assistencialista” adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na época, Giovane argumentou que “[...] o sistema de cotas foi uma imposição goela abaixo, a universidade não discutiu com a sociedade. É uma polícia assistencialista como tantas outras do governo, e essa despreza totalmente o mérito” (Rocha, 2010, p. 1).

No dia 26 de abril de 2012, em uma decisão histórica do STF, as cotas passaram a ser entendidas como constitucionais. Por unanimidade, os ministros declararam a sua constitucionalidade por meio do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 a qual fora movida pelo partido Democratas (Brasil, 2012a). O ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADPF 186, entre os seus argumentos, questionou o suposto princípio da meritocracia que estava sendo violado.

As políticas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros

(Brasil, 2012a, p. 14).

A partir dessa decisão pela constitucionalidade das ações afirmativas, outro marco importante nesse campo para a educação – dita – superior no Brasil, e que propôs uma mudança de paradigmas em termos de legislação, foi a criação da Lei nº 12.711, promulgada em 29 de agosto de 2012 pela então presidenta Dilma Vana Rousseff, que trata da reserva de vagas para alunos de escolas públicas, alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas e pessoas com deficiência (Brasil, 2012b). Até a criação da Lei de Cotas – como ficou conhecida –, eram escassas as Instituições de Ensino Superior (IES) que se preocupavam em formular políticas afirmativas, restringindo-se a ações isoladas de algumas universidades ou a determinação de leis estaduais (Daflon; Feres Júnior; Campos, 2013).

A Lei de Cotas foi criada em 2012, mas diversas IES – estaduais e federais – implementaram políticas afirmativas já no início dos anos 2000. As cotas raciais, compreendidas como talvez a mais fulcral dessas políticas do cenário brasileiro, já figuravam em leis estaduais, como a empreendida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que, por meio da Lei nº 3.708, de 9 de novembro de 2001, instituiu a reserva de até 40% das vagas para estudantes negros e pardos nos processos seletivos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Rio de Janeiro, 2001).

Na Universidade do Estado da Bahia, a política de cotas foi adotada mediante decisão do conselho universitário da instituição no ano de 2002, implementando a ação segundo processos próprios, bem como formas próprias de institucionalização dessa política (Gomes; Silva; Brito, 2021). Já no ano de 2004, a Universidade de Brasília se tornou a primeira IES pública federal a adotar um programa de ação afirmativa por meio da política de cotas (Venturini, 2019a).

É importante destacar que, nessa mesma época, políticas afirmativas em outras modalidades também foram implementadas – não sem muita luta e pressão dos movimentos sociais, especialmente do movimento negro (Gomes, 2006). Um exemplo disso é a Lei nº 10.639/2003 e a Lei nº 11.645/2008, que tornaram obrigatório o tema da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo oficial das redes de educação básica (Brasil, 2003, 2008). Do mesmo modo, no ano de 2010 foi promulgado o Estatuto da Igualdade Racial por meio da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, como forma de garantir à população negra a efetivação de direitos, o combate à discriminação racial, bem como a promoção da igualdade de oportunidades (Brasil, 2010).

Observa-se que esse conjunto de ações afirmativas favoreceu a promulgação da Lei de Cotas em 2012, tendo em vista que esse rol de políticas, sobretudo as que se voltavam para o Ensino Superior, visavam reduzir a desigualdade social e racial no que tange ao acesso, inclusão e permanência nas universidades brasileiras de grupos sub-representados (Gomes; Silva; Brito, 2021). Dessa forma, considera-se que a Lei de Cotas foi um importante avanço no campo das políticas públicas no Brasil tendo criado, inclusive, condições para que se pudesse propor ações afirmativas no âmbito da pós-graduação que, já na década de 1990, travava debates no campo das IES – ainda que poucos – que salientavam a necessidade da criação de ações afirmativas nos PPG das universidades brasileiras (Venturini, 2019a).

Ações afirmativas na pós-graduação

De acordo com Venturini (2019a), as primeiras iniciativas de ações afirmativas nas pós-graduação no contexto das universidades públicas foram empreendidas pela Universidade do Estado da Bahia no ano de 2002, ao propor uma política institucional que contemplava estudantes indígenas e negros no âmbito dos PPG da IES supracitada. O fato de a Universidade do Estado da Bahia ter sido pioneira na promoção de cotas raciais nas instituições públicas é demasiadamente expressivo, uma vez que ela também foi uma das primeiras IES públicas a propor esse tipo de política.

Algumas das experiências de ações afirmativas junto à pós-graduação partiram de outras entidades, como a criação de cotas estimuladas pela Fundação Ford e a Fundação Carlos Chagas, as quais propuseram um programa de bolsas para grupos sub-representados (o International Fellowship Program) no ano de 2001 e o Programa de Dotações para Mestrado em Direitos Humanos no Brasil no ano de 2003. Essas iniciativas são consideradas como precursoras no campo das ações afirmativas na pós-graduação brasileira (Venturini, 2019a).

Essas políticas afirmativas datam do início dos anos 2000; todavia, foi somente a partir de 2012 que uma série de políticas afirmativas começaram a ser empreendidas, embora tenham desencadeado uma ampla discussão nos mais diversos PPG das IES públicas brasileiras. Desse modo, mobilizados pela aprovação de uma lei de abrangência nacional no que concerne às ações afirmativas no Ensino Superior – no caso, a Lei de Cotas –, a pós-graduação brasileira começa, paulatinamente, a implantar diversas categorias de ações afirmativas.

Em setembro de 2015, o Ministério da Educação (MEC) publica no Diário Oficial da União a Portaria nº 929, que estabelece a criação de um Grupo de Trabalho para analisar e propor ações de inclusão na pós-graduação brasileira para estudantes negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência nos cursos de mestrado e doutorado. Esse grupo foi constituído por representantes de diversos órgãos e entidades ligadas às demandas desses segmentos populacionais. Durou menos de um ano e teve as suas atividades encerradas em maio de 20167.

Apesar do grupo supracitado ter tido um período curto de atuação, ele trouxe uma série de elementos que destacavam a necessidade de promoção de políticas afirmativas para estudantes de grupos sub-representados na pós-graduação. Nascimento (2018), em artigo que apresenta um recorte dos resultados do trabalho desse grupo, expõe, a partir do cruzamento de informações obtidas em diferentes bases de dados8, o perfil étnico-racial dos estudantes de pós-graduação entre os anos de 2013 e 2015.

A Tabela 1 exibe a invisibilidade de diversos segmentos populacionais. Enquanto brancos eram a grande maioria dos pós-graduandos à época, negros (pretos e pardos) e indígenas representavam percentuais ínfimos, os quais apontavam para a urgência da adoção de políticas afirmativas na pós-graduação no Brasil com vistas à diminuição dessa assimetria social e racial.

Tabela 1 Quantitativo de estudantes de pós-graduação com base no critério raça/cor (2013-2015). 

Cor/Raça Quantidade Percentual (%)
Amarela 2.972 0 0,98
Branca 119.825 39,38
Indígena 522 00,17
Não declarado 53.072 17,44
Não dispõe da informação 76.491 25,14
Parda 36.198 11,90
Preta 9.583 03,15

Fonte: Nascimento (2018).

Em 11 de maio de 2016, o então Ministério da Educação – ainda diante de um governo mais democrático e aberto a questões relativas às diversidades – publicou no Diário Oficial da União a Portaria Normativa nº 13, que trata da indução de políticas de ações afirmativas na pós-graduação para negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência com o intuito de ampliar a diversidade étnico-racial junto aos PPG dos Institutos Federais de Ensino Superior (Brasil, 2016). Nessa mesma data, às 11 horas da manhã, também foi iniciada, no Senado Federal, a sessão que culminou na aprovação do processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. “Encerra-se aí o governo que, reeleito em 2014, havia colocado como seu slogan o tema Pátria Educadora” (Pereira; Rocha Neto, 2019, p. 106).

Os efeitos desse golpe reverberam das mais diversas maneiras. Em 2020 – já sob a égide de um governo publicamente alheio às diversidades, bem como difusor de discursos de ódio e um sem-número de formas de violências –, o então ministro da educação Abraham Weintraub, quase no final do seu ciclo de atuação junto ao MEC, por meio da Portaria nº 545, de 16 de junho de 2020, revoga todas as determinações anteriores a ela (Brasil, 2020a).

A ação deixa explícito o processo de desmantelamento da educação pública no Brasil da gestão que ele representa, mesmo a Portaria supracitada tendo sido revogada – devido a três ações movidas junto ao STF pelo Partido Socialista Brasileiro, Rede Sustentabilidade e pelo Partido Democrático Trabalhista – pela Portaria nº 559, de 22 de junho de 2016, que tornou sem efeito a Portaria nº 545, de 2020 (Brasil, 2020b).

No que concerne às ações afirmativas nos PPG acadêmicos de IES públicas brasileiras, Venturini (2019a), após analisar os editais de seleção de 2.808 programas avaliados pela Capes com notas entre 3 e 7, mostrou que até janeiro de 2018, 737 PPG apresentavam algum tipo de ação afirmativa em seus processos seletivos, representando cerca de 26% do total. Para se ter uma ideia do crescimento exponencial das ações afirmativas na pós-graduação no país, até o ano de 2015 apenas 174 PPG apresentavam algum tipo de ação afirmativa em seus processos de seleção (Venturini, 2019b).

Até janeiro de 2018, 737 PPG possuíam ações afirmativas em seus editais. Nesses, duas áreas do conhecimento se destacavam, a saber: os a de Ciências Humanas, que representava 22,9% do total de PPG que apresentavam algum tipo de ação afirmativa, e a área Multidisciplinar, representando 12,3% do total de PPG (Venturini, 2019b). Quando se considera a proporção de políticas afirmativas nos PPG a partir dessas mesmas áreas do conhecimento, segundo Venturini (2019b), as Ciências Humanas continuam ocupando o primeiro lugar, com 43,5%, enquanto a Multidisciplinar ocupa a quarta posição, com 25,9%.

A pós-graduação no Brasil: alguns apontamentos

Segundo Venturini (2019a), o termo “pós-graduação” surge nos documentos oficiais a partir do ano de 1946, com a criação do Estatuto da Universidade do Brasil. Entretanto, discussões acerca da implementação desse tipo de ensino no país, seguindo modelos exógenos (EUA e Europa), vinham acontecendo desde a década de 1930. Na década de 1960, conforme Saviani (2000, p. 12, grifos do autor), a proposta da pós-graduação no Brasil trilhou nessa mesma direção, seguindo “[...] deliberadamente a experiência dos Estados Unidos, como se pode observar no texto do Parecer 977/65 que conceituou a pós-graduação onde se encontra um tópico com o seguinte título: Um exemplo de pós-graduação: a norte-americana”.

A partir da criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, no fim da década de 1940, o país começa a ter um crescimento expressivo no campo científico. Na década seguinte, mais especificamente no ano de 1951, são criadas duas instituições fundamentais no processo de consolidação e expansão da pós-graduação no Brasil, o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)9 e a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)10 (Venturini, 2019a).

Além disso, com o fim da 2ª Guerra Mundial e início do período pós-guerra, o Brasil, “[...] que ressentia da falta de matéria-prima e produtos industrializados, [...] buscava superar a dependência e se tornar autossuficiente, para o que uma ciência autóctone era fundamental” (Krasilchik, 2000, p. 86).

Atualmente, a Capes exerce papel essencial junto à pós-graduação em âmbito nacional. Conforme Marenco (2015, p. 34, tradução nossa), ela,

[...] é responsável por (1) credenciar as Instituições para que possam legalmente conceder mestrado e doutorado; (2) avaliar periodicamente o seu desempenho, o cumprimento requisitos mínimos de qualidade e cumprimento de padrões internacionais de excelência, e (3) custear parcela significativa do sistema por meio da concessão de bolsas e financiamentos os programas de pós-graduação credenciados.

A organização dos programas de pós-graduação pela Capes é dividida em nove grandes áreas do conhecimento. São elas: Ciências Agrárias; Ciências Biológicas; Ciências da Saúde; Ciências Humanas; Ciências Sociais Aplicadas; Linguística, Letras e Artes; Ciências Exatas e da Terra; Engenharias e Multidisciplinar. No que concerne à avaliação dos PPG, as 49 áreas de avaliação da Capes são aglutinadas por afinidade em dois níveis: o primeiro refere-se aos Colégios e o segundo, às Grandes Áreas.

O primeiro, o Colégio de Ciências da Vida, congrega as grandes áreas Ciências Agrárias (áreas de avaliação: Ciência de Alimentos, Ciências Agrárias I, Medicina Veterinária e Zootecnia/ Recursos Pesqueiros), Ciências Biológicas (áreas de avaliação: Biodiversidade, Ciências Biológicas I, Ciências Biológicas I, Ciências Biológicas II e Ciências Biológicas III) e Ciências da Saúde (áreas de avaliação: Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Medicina I, Medicina II, Medicina III, Nutrição, Odontologia e Saúde Coletiva).

No Colégio de Humanidades, situam-se as Ciências Humanas (áreas de avaliação: Antropologia/Arqueologia, Ciência Política e Relações Internacionais, Ciências da Religião e Teologia, Educação, Filosofia, Geografia, História, Psicologia e Sociologia), Ciências Sociais e Aplicadas (áreas de avaliação: Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo, Arquitetura, Urbanismo e Design, Comunicação e Informação, Direito, Economia, Planejamento Urbano e Regional/ Demografia e Serviço Social) e Linguística, Letras e Artes (áreas de avaliação: Artes e Linguística e Literatura).

O terceiro, o Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar, constitui-se das Grandes Áreas Ciências Exatas e da Terra (áreas de avaliação: Astronomia / Física, Ciência da Computação, Geociências, Matemática/ Probabilidade e Estatística e Química), Engenharias (áreas de avaliação: Engenharias I, Engenharias II, Engenharias III e Engenharias IV) e Multidisciplinar (áreas de avaliação: Biotecnologia, Ciências Ambientais, Ensino, Interdisciplinar e Materiais).

Tendo em vista que a presente pesquisa tem como escopo apresentar um panorama das políticas de ações afirmativas adotadas pelos PPG das áreas de Ensino e Educação da Unesp, considera-se importante fazer uma breve reflexão sobre como as áreas são/estão sendo definidas pela Capes em seus documentos de área (inclusive pelas aproximações entre ambas), sendo o de Ensino referente à Área 46 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019a) e o de Educação, à Área 38 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019b).

Integrante da Grande Área Multidisciplinar, a Área de Ensino foi criada em junho de 2011, substituindo e aglutinando os PPG que se situavam na antiga Área de Ensino de Ciências e Matemática, criada em 2000 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019a). De acordo com o Documento de Área, a menção ao termo Ensino diz respeito a todos os níveis e modalidades (formais e não formais) no país, incluindo o ensino informal.

A Área de Ensino é, portanto, essencialmente de pesquisa translacional, que transita entre a ciência básica e a aplicação do conhecimento produzido. Desse modo, busca construir pontes entre conhecimentos acadêmicos gerados na pesquisa em educação e ensino para sua aplicação em produtos e processos educativos voltados às demandas da sociedade e às necessidades regionais e nacionais

(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019a, p. 3).

Nesse contexto, o documento da Área de Ensino salienta ainda que a Área de Educação, isoladamente, não consegue abranger, ou solucionar todos os problemas do país, muito embora sem ela seria impossível indicar caminhos para a resolução de um sem-número de questões que atravessam a sociedade.

Dessa forma, as pesquisas em Ensino propõem discussões atinentes aos processos de mudanças na Educação Básica e Superior, abordando questões do/no campo do Ensino de Ciências e Matemática, Educação em Saúde etc., “[...] bem como realizam desenvolvimento tecnológico por meio da concepção, elaboração, teste e avaliação de materiais didáticos, divulgação científica e assessorias diversas a órgãos públicos, agências e programas educacionais” (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019a, p. 4).

No caso da Educação, o documento de área da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2019b) destaca, como aspecto central, a abrangência de temáticas de investigação, sobretudo devido ao seu caráter multi e interdisciplinar, uma vez que o processo de (re)construção do(s) conhecimento(s) possibilita a ampliação de diálogos interdisciplinares.

Nessa lógica,

A Área da Educação na pós-graduação abriga cursos, programas e pesquisas que focalizam amplos aspectos dos processos de formação humana, desde suas concepções e fundamentos, bases epistemológicas, estruturas organizacionais e políticas para a educação escolar e não-escolar, condições de qualidade, experiências e práticas, dimensões e diversidade, interfaces com outras áreas, etc.

(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019a, p. 11).

Até o ano de 2019, os PPG da Área de Educação contavam com 184 programas e 270 cursos, distribuídos entre mestrados e doutorados (acadêmicos e profissionais), abrangendo temáticas de investigação que versam sobre História da Educação, relações étnico-raciais, gênero, sexualidade, movimentos sociais, níveis e modalidades de educação e tantos outros temas que se constituem a partir dessa Área.

Caminhos metodológicos: a Unesp como um caso

Nas seções anteriores, apresentou-se um panorama histórico das políticas de ações afirmativas adotadas na pós-graduação no Brasil. Nesta seção serão trazidas informações sobre os processos seletivos dos Programas de Pós-Graduação nas Áreas de Educação e Ensino da Universidade Estatual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) como um caso ilustrativo de como essas políticas têm adentrado a pós-graduação.

Salienta-se que a pesquisa em destaque se constitui como uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva, que de acordo com Gil (2002) diz respeito a investigações que buscam caracterizar determinados fenômenos, verificar a existência de possíveis associações entre as variáveis do fenômeno estudado, bem como possibilitam ir para além desses aspectos, determinando a natureza dessas relações.

Também se trata de uma pesquisa documental. Godoy (1995) destaca a importância dos documentos como sendo relevantes fontes de dados, visto que necessitam de especial atenção, especialmente em se tratando “[...] de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/ ou interpretações complementares” (Godoy, 1995, p. 21).

Outrossim,

[...] os documentos constituem uma fonte não-reativa, as informações neles contidas permanecem as mesmas após longos períodos de tempo. Podem ser considerados uma fonte natural de informações à medida que, por terem origem num determinado contexto histórico, econômico e social, retratam e fornecem dados sobre esse mesmo contexto

(Godoy, 1995, p. 22).

Assim, o que aqui se apresenta é resultado de uma pesquisa de natureza descritiva e de cunho documental que se configurou pela análise de editais de seleção de 10 PPG da Unesp, sendo 4 da Área de Ensino – a saber, o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PPGEM) (campus de Rio Claro); o Programa de Pós-Graduação em Docência para Educação Básica (PPGDEB) (campus de Bauru); o Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência (PPGEdC) (campus de Bauru) e o Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos (PPGEPF) (interunidades, nos campi de São José do Rio Preto, Jaboticabal e Ilha Solteira).

Os outros seis PPG que tiveram seus últimos editais de seleção analisados são os da Área de Educação da Unesp: o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do campus de Marília; o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e o Programa de Programa de Pós-Graduação em Educação Inclusiva (PROFEI) do campus de Presidente Prudente; o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do campus de Rio Claro e o Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (PPGEDU) e Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual (PPGES) do campus de Araraquara.

Para a obtenção dos editais de seleção, foi realizada uma consulta aos sites de cada um dos PPG constituintes do universo da presente investigação. Os endereços virtuais dos PPG da Unesp, bem como outras informações gerais, foram localizados no portal da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (2022). No total, foram coletados 1111 editais de ingresso.

Após isso, foi feita a análise dos editais. Inicialmente foi realizada uma leitura com o intuito de obter um panorama dos processos seletivos dos PPG. Posteriormente, a análise dos editais visou identificar políticas afirmativas no que concerne ao acesso; isto é, cotas para determinados grupos, vagas adicionais, bônus etc. Além disso, também foram observados outros elementos que pudessem favorecer (ou desfavorecer) o ingresso de grupos sub-representados.

Salienta-se que os trabalhos de Venturini (2019a, 2019b), bem como o seu aporte teórico metodológico, foram utilizados como subsídios para as interpretações realizadas na presente investigação, uma vez que a pesquisadora lança mão de diversos procedimentos metodológicos, além de apresentar uma visão holística das ações afirmativas na pós-graduação brasileira.

Ações afirmativas na Unesp: olhando para os PPG de educação e ensino

De acordo com os dados disponibilizados no site da PROPG, a Unesp, atualmente, conta com 139 PPG stricto sensu, distribuídos entre cursos de mestrado e doutorado (profissionais e acadêmicos), bem como Programas em Rede (sobretudo de mestrados profissionais). Os PPG distribuem-se entre as 9 Grandes Áreas do Conhecimento em que a Capes organiza os PPG, sendo 21 das Ciências Agrárias; 14 das Ciências Exatas e da Terra; 11 da Engenharia; 13 das Ciências Biológicas; 18 das Ciências Humanas; 9 da Linguística, Letras e Artes; 25 das Ciências da Saúde; 8 das Ciências Sociais Aplicadas e 20 da Multidisciplinar. Os cursos estão distribuídos em 1812 cidades do estado de São Paulo em que a Unesp possui campus.

Em se tratando das políticas afirmativas nos PPG da Unesp, a Resolução nº 22, de 13 de março de 2019 (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2019), que dispõe sobre o Regimento Geral da Pós-Graduação da Unesp já normatiza essas ações no âmbito do ingresso de modo a favorecer diversos grupos:

Art. 35. A Pós-graduação da Unesp permitirá diferentes modalidades de ingresso de alunos aos programas de mestrado e de doutorado, observando o regulamento do programa.

Art. 37. Os programas poderão prever em seus regulamentos vagas nos respectivos editais, sem prejuízo do número de vagas disponibilizadas anualmente para exame de ingresso de alunos, podendo contemplar:

I – O ingresso dos candidatos por sistemas de reserva de vagas, que corresponde a pretos, pardos ou índios, pessoas com deficiência e por situação socioeconômica e outras condições decididas no âmbito do conselho de cada programa (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2019, p. 9, grifos nossos).

Para além da normatização que possibilita que os PPG da Unesp promovam políticas afirmativas em seus processos seletivos, a realidade ainda se constitui distante do desejável, pois, de acordo com dados da PROPG – apresentados no evento intitulado “Ações afirmativas no contexto da pós-graduação: cenários e perspectivas”, realizado no dia 19 de abril de 2022 pela PROPG da Unesp, pela Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (CAADI) e pelo Programa “Educando para a Diversidade” (Ações..., 2022) – verificados em consulta aos editais dos últimos processos seletivos (referentes ao ingresso nos anos de 2022 e 2023), dos 139 PPG da instituição, apenas 16 adotavam políticas de ação afirmativa.

Ao restringir o olhar aos PPG de Educação e Ensino, em específico, a situação não difere da realidade da Unesp em geral. Dos 10 programas, apenas 4 ofertavam alguma política afirmativa no âmbito do ingresso, sendo 2 PPG na Área de Ensino e 2 de Educação. Além do baixo quantitativo de programas nas áreas supracitadas que dispõem de ações afirmativas, outros fatores que constituem os processos seletivos apresentam um alto potencial de exclusão, até mesmo nos PPG que possuem políticas previstas em seus editais de seleção. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos PPG analisados.

Quadro 1 Síntese dos Programas de Pós-Graduação das Áreas de Ensino e Educação analisados. 

Campus Programa Área de Avaliação Cursos Edital Analisado Ações Afirmativas
Possui AA? Tipo Beneficiários(as/es)
Marília PPGE Educação Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2023 Não - -
Presidente Prudente PPGE Educação Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2023 Não - -
PROFEI Educação Mestrado Profissional Processo Seletivo 2022 Sim Reserva de vagas (cotas) Pretos e pardos, indígenas, quilombolas e Pessoa com Deficiência (PcD)
Rio Claro PPGE Educação Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2022 Não - -
PPGEM Ensino Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2023 Sim Oferta de vagas na modalidade “Ação Afirmativa” Pessoas trans (travestis, transexuais, não-binares e transgênero), pretas ou pardas, indígenas e quilombolas
Araraquara PPGEDU Educação Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2022 Sim Reserva de vagas (cotas) Pretas(os), pardas(os), indígenas (PPI); travestis, transgêneros ou transexuais (pessoas trans) Pessoas com Deficiência (PcD)
PPGES Educação Mestrado Profissional Processo Seletivo 2022 Não - -
Bauru PPGDEB Ensino Mestrado Profissional Processo Seletivo 2022 Sim Reserva de vagas (cotas) Negros(as) (preto/as e pardo/as), indígenas, quilombolas, assentados e Pessoas com Deficiência (PcD)
PPGEdC Ensino Mestrado e Doutorado Processo Seletivo 2022 Não - -
São José do Rio Preto PPGEPF Ensino Mestrado Processo Seletivo 2023 Não - -

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).Nota: AA: Ações Afirmativas; PPGE: Programa de Pós-Graduação em Educação; PPGEDB: Programa de Pós-graduação em Docência para Educação Básica; PPGEdC: Programa de Pós-Graduação em Educação Para a Ciência; PPGEDU: Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar; PPGEM: Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática; PPGEPF: Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos; PPGES: Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual; PROFEI: Mestrado Profissional em Educação Inclusiva.

Os programas cujos editais de seleção não contemplam política de ações afirmativas são aqueles que não oferecem reserva de vagas (cotas) e/ou quaisquer outra política que possa incluir determinados grupos devido à origem social, econômica, étnico-racial, de gênero etc. Do mesmo modo, não preveem a isenção e/ou desconto no valor da inscrição, bem como não dispõem de processos de acessibilidade, inclusive na divulgação de seus editais de seleção, uma vez que não publicaram, (por exemplo, seus editais em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e/ou em meios audiovisuais (para pessoas cegas e/ou com baixa visão). Soma-se a isso o fato de não indicarem a possibilidade do(a) candidato(a) solicitar condições especiais para a realização da prova (prova em braile, tradutor/intérprete de LIBRAS, ledor, tempo adicional de prova para lactantes etc.).

Prever ações desse tipo nos editais é importante do ponto de vista das políticas afirmativas, uma vez que possibilitam que os(as) candidatos(as) tenham reduzidas algumas assimetrias sociais/raciais/econômicas em processos seletivos que muitas vezes criam mecanismos de exclusão, impedindo que pessoas de diferentes grupos sociais ocupem esses espaços. No caso das questões relacionadas à acessibilidade e inclusão para PcD, como a tradução dos editais de seleção em LIBRAS, condições especiais para a realização de processos seletivos etc., além de serem importantes, tratam-se de uma determinação legal, prevista no Art. 30 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que prevê uma série de medidas a serem seguidas em “[...] processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas” (Brasil, 2015, p. 7).

Entre os programas da área de Ensino que possuíam políticas afirmativas previstas em seus editais está o PPGDEB, que adota a reserva de vagas (cotas). Das 45 vagas ofertadas no processo seletivo para ingresso em 2022, 10 foram reservadas para candidatos(as) autodeclarados(as) negros(as), pretos(as) e pardos(as), indígenas, quilombolas, assentados e Pessoas com Deficiência (PcD). As vagas foram distribuídas nas sete linhas de pesquisa do programa. Não havia a previsão de redução/isenção do valor da taxa de inscrição, e não era possível solicitar condição diferenciada para a realização das provas.

O PPGEM também está entre aqueles que adotam ações afirmativas, sendo que o seu edital de seleção para o ano de 2023 previa o ingresso pela modalidade “Ação Afirmativa” (AA) para candidatos(as) autodeclarados(as) trans (travestis, transexuais, não-binares e transgênero), pretas ou pardas, indígenas e quilombolas, bem como dispunha da redução de 50% do valor da taxa de inscrição para estudantes matriculados (em cursos de graduação e pós-graduação) e com renda mensal inferior dois salários-mínimos ou desempregados. Não obstante, apesar de prever em seu edital a modalidade AA, esse não deixa explícita a quantidade de vagas reservadas para essa modalidade no processo seletivo, cabendo ao(à) docente a oferta ou não de vagas na forma de AA.

Nesse programa, ao todo, 17 docentes ofertavam vagas no processo seletivo (entre vagas para os cursos de mestrado e doutorado); 10 docentes ofertavam vagas para o curso de mestrado; das 4 eram para Ampla Concorrência (AC) e AA; 1 ofertava vaga apenas para AA e 5 ofertavam vagas apenas para AC. Da mesma forma, 12 docentes ofertavam vagas para o curso de doutorado; 2 ofertavam vagas para AC e AA e 12 ofertavam vagas apenas para AC. Ao todo, dos 17 docentes que ofertavam vagas de mestrado e doutorado, 11 não ofertavam vagas para AA.

Embora os programas tenham autonomia para determinar os critérios de seleção em seus processos de ingresso, algumas etapas e normas podem possuir um alto índice de exclusão, fazendo com que determinados grupos tenham o acesso dificultado no que tange ao ingresso em cursos de pós-graduação stricto sensu, sobretudo em Programas mais prestigiados e bem avaliados pela Capes – como é o caso do PPGEM, que possui nota 6 (de um índice que vai de 1 a 7).

Dos quatro programas que possuem prova de proficiência como uma etapa eliminatória, dois têm nota Capes 5 e dois têm nota 6. O fato também é evidenciado no trabalho de Venturini (2019a), no qual, ao verificar a distribuição dos PPG que haviam instituído ações afirmativas – um total de 737 até janeiro de 2018 –, nota-se que quanto maior a nota de avaliação atribuída pela Capes, menor era o percentual de programas que promoviam políticas afirmativas em seus processos seletivos. “A maioria dos programas que criaram ações afirmativas têm notas 3 (30%) e 4 (41%), enquanto apenas 11,5% das iniciativas foram instituídas por programas com notas 6 (7,6%) e 7 (3,9%)” (Venturini, 2019a, p. 86).

Nesse contexto, o PPGEM também solicita do(a) candidato(a), como um documento necessário para a inscrição no processo seletivo, duas cartas de recomendação elaboradas por especialistas em Educação Matemática e/ou alguma área correlata. Além disso, uma das etapas eliminatórias do processo seletivo desse programa é a prova de proficiência em língua estrangeira. Assim, como aponta Venturini (2019a, p. 72), “[...] estudantes economicamente desfavorecidos são frequentemente eliminados nos estágios iniciais dos processos de admissão, devido à exigência de proficiência em um ou dois idiomas estrangeiros”.

Quanto aos programas da Área de Educação, os dois que promoviam algum tipo de política de ação afirmativa em seus processos seletivos eram o PROFEI e PPGEDU. O primeiro ofertava o curso de mestrado profissional nacional em rede, e as políticas afirmativas adotadas em seu processo seletivo referiam-se à reserva de vagas. Das 206 vagas ofertadas no edital para ingresso no ano de 2023, 31 foram reservadas para candidatos(as) autodeclarados(as) pretos(as), pardos(as), indígenas, quilombolas e PcD, de acordo com regulamentos internos das IES credenciadas.

Além da reserva de vagas, o edital de seleção, bem como todas as etapas do processo seletivo foram disponibilizados em LIBRAS, em voz, além do site possibilitar a ampliação das informações para atender candidatos(as) com baixa visão ou algum tipo de deficiência visual na própria interface do site no qual foi publicado o edital. Do mesmo modo, o PROFEI previa em seu edital a solicitação de condição especial para a realização da prova (intérprete de LIBRAS, ledor e prolongamento do tempo de prova para candidatos(as) com transtornos globais do desenvolvimento e lactantes).

No que diz respeito ao PPGEDU, o edital de seleção para ingresso no ano de 2022 adotou o sistema de cotas, reservando 30% do total de vagas ofertadas. Proporcionalmente, a distribuição foi de 20% para candidatos(as) autodeclarados(as) pretos(as), pardos(as) e indígenas; 5% para candidatos(as) autodeclarados(as) travestis, transexuais ou transgêneros e 5% para PcD.

Além das cotas, outras iniciativas foram adotas pelo PPGEDU no processo seletivo, indo ao encontro das políticas afirmativas no âmbito da inclusão, como a possibilidade de candidatos(as) transexuais ou travestis requererem atendimento pelo nome social no processo seletivo. Além disso, o edital de seleção previa a solicitação de condição especial para a realização da prova dissertativa (uma etapa eliminatória) para PcD (física, auditiva, visual) e lactantes, disponibilizando prova em braile, prova ampliada, fiscal ledor, utilização de software para leitura da prova, intérprete de LIBRAS e mobiliário adaptado, além de tempo adicional para lactantes.

A despeito dessas ações promovidas no processo seletivo do PPGEDU, a prova de proficiência em língua estrangeira ainda é compreendida como uma etapa eliminatória e, no caso de ingresso no curso de doutorado, a comprovação de proficiência se dá em dois idiomas. Não obstante, os(as) candidatos(as) surdos e/ou não falantes do idioma Português poderiam ter suas línguas maternas como língua estrangeira.

Já o PPGES, além de incluir o Português como língua estrangeira para candidatos(as) surdos(as) e usuários(as) da LIBRAS, a proficiência em língua estrangeira não era prevista como uma das etapas do processo seletivo para ingresso no ano de 2022, podendo o(a) candidato(a) apresentar comprovação por meio de exame a ser realizado em até 12 meses após a matrícula no Programa.

O PPGE (campus de Marília) apresenta alguns elementos considerados como positivos, como a publicação do edital de seleção (para ingresso no de 2023) em LIBRAS; a previsão de isenção da taxa de inscrição; solicitação de condição especial de participação para PcD e Português como língua estrangeira para candidatos(as) surdos(as) (muito embora essa etapa possua caráter eliminatório). A despeito desses aspectos, destaca-se que as ações afirmativas praticadas no processo seletivo não adotam a política de reserva de vagas (cotas) para determinados grupos como indígenas, PcD, negros, quilombolas entre outro.

Por sua vez, o PPGE (campus de Rio Claro) previu em seu edital de seleção para ingresso no ano de 2022 redução de 50% do valor da taxa de inscrição para estudantes (de graduação e/ou pós-graduação) com renda mensal inferior a dois salários-mínimos ou que estejam desempregados(as). Contudo, solicita proficiência em língua estrangeira como uma etapa eliminatória (e, no doutorado, a comprovação de proficiência em duas línguas estrangeiras), e não expressa a possibilidade de atender solicitação de condição especial para a realização da prova de conhecimentos específicos, além de exigir como requisito para a inscrição no processo seletivo do curso de doutorado a publicação (ou aceite) de pelo menos um artigo de autoria do(a) candidato(a) em periódico estratificado com Qualis A ou a publicação (ou aceite) de um capítulo de livro em editora com corpo editorial.

Considerações Finais

Com base no exposto neste artigo, olha-se para as iniciativas da Unesp como um caso a inspirar pessimismo, pois o panorama das políticas de ações afirmativas que se mostra é uma adoção ainda incipiente, sobretudo no que concerne ao ingresso, dado o baixo índice de PPG que promovem esses aspectos (16 de um total de 139 Programas). Entretanto, trata-se de um pessimismo revolucionário, visto que motiva a um empenho para que mudanças continuem a ocorrer e a manter a desconfiança necessária para sempre examinar-se as estruturas onde a mudança apresentará efeito.

Isto posto, pois sem isso recair-se-ia na ingenuidade de celebrar avanços sem analisar os limites, ou em desesperança diante dos desafios que se colocam quando os PPG que promovem políticas afirmativas no âmbito do ingresso junto a diversos – e diferentes – grupos por meio de sistemas de reserva de vagas (cotas) apresentam, em outras etapas do processo seletivo, um alto potencial de exclusão de grupos, seja por barreiras em decorrência da língua (como é o caso da prova de proficiência de caráter eliminatório), seja por questões relacionadas à acessibilidade/inclusão (como a possibilidade de solicitar condições especiais para a realização de etapas junto à PcD, lactantes etc.).

A organização do pessimismo se materializa quando luta-se para que os PPG realizem um duplo movimento; ou seja, que para além de um processo de inclusão, seja também de equidade e permanência, pois, à medida em que se alarga a diversidade de pessoas e grupos na educação – dita – superior (e, nesse caso, na pós-graduação), torna-se uma condição sine qua non pensar em ações cada vez mais emancipatórias, abrangendo as novas demandas formativas.

E dessa forma são entendidas as ações afirmativas na pós-graduação, que, timidamente como se apresentam, ainda não dão conta da necessária reparação histórica, muito menos de quitar débitos coloniais, mas, sem dúvida, corroboram com a interrupção de um processo evolutivo histórico liderado por uma ideologia do progresso linear onde, por esforços e méritos individuais. As ações afirmativas em um PPG começam a fazer desse lugar um espaço de ação política, pois é inevitável que injustiças sociais, principalmente aquelas relacionadas a gênero, raça, etnia, sexualidade e classe social, tão forçosamente invisibilizadas, venham à tona e se tornem pauta de discussões permanentes.

Os PPG tendem a enriquecer com as diversidades que adentram os espaços da academia, como, por exemplo, o surgimento de novas investigações – de relevância social e acadêmica, a ampliação de diálogos que partam de uma dimensão multidisciplinar, além da possibilidade de constituição de um diálogo horizontal e respeitoso entre saberes/conhecimentos outros numa perspectiva intercultural e interepistêmica.

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Silva e Neto, J.; Peralta, D. A; Gonçalves, H. J. L. Ações afirmativas na pós-graduação: um olhar crítico para programas das áreas de ensino e educação. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 27, e226512, 2022. https://doi.org/10.24220/2318-0870v27e2022a6512

2Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Intersexo e mais.

3Processo histórico que envolveu a invasão de territórios, exploração de recursos naturais e escravização de povos originários por países do ocidente. Em síntese, o colonialismo refere-se a uma forma de subordinação político-jurídica.

4Entende-se por colonialidade os processos de dominação que são oriundos do colonialismo, os quais produziram efeitos nas pessoas de países colonizados, ainda que não vivessem mais sob a égide de uma administração colonial (Quijano, 2007). Em outras palavras, a colonialidade refere-se a processos materiais de hierarquizações de raças, gêneros, classes e outros marcadores sociais produzidos por um histórico colonial, mas que ultrapassam o colonialismo como projeto político-jurídico.

5Poeta, professor universitário, escritor, político, artista plástico e militante dos movimentos sociais das populações negras do/no Brasil.

6Cabe destacar que, de acordo com Moehlecke (2002, p. 204, grifo nosso), o primeiro registro do que seria compreendido como uma ação afirmativa no Brasil diz respeito ao ano de 1968, “[...] quando técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho manifestaram-se favoráveis à criação de uma lei que obrigasse as empresas privadas a manter uma percentagem mínima de empregados de cor” como a única possibilidade de resolução para a questão da discriminação racial no mercado de trabalho nacional. Porém, a lei não chegou a ser criada.

7As atividades foram encerradas pela Portaria nº 66, de 12 de maio de 2016, publicada no Diário Oficial da União.

8Foram obtidos por meio do cruzamento entre diferentes bases de dados e “[...] se referem à composição étnica encontrada entre os anos 2013-2015 [...] a partir da Plataforma Sucupira e encontrados ou no Censo da Educação Superior (CES-2009-2013) ou na base do Enem (2009-2014) ou na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS-2013-2014)” (Nascimento, 2018, p. 118).

9Atualmente designa-se Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

10Atualmente designa-se de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

11O número de editais (11) foi distinto do número de PPG devido ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp, campus de Rio Claro, publicar editais distintos para os cursos de mestrado e doutorado acadêmico.

12Araçatuba, Araraquara, Assis, Bauru, Botucatu, Franca, Guaratinguetá, Ilha Solteira, Jaboticabal, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro, São José do Rio Preto, São José dos Campos, São Paulo, São Vicente, Sorocaba e Tupã.

Referências

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Recebido: 30 de Julho de 2022; Revisado: 14 de Outubro de 2022; Aceito: 21 de Outubro de 2022

Correspondência para/Correspondence to: J. SILVA E NETO. E-mail: jhemerson.neto@unesp.br.

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