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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.28  Campinas  2023  Epub 28-Jun-2023

https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a6606 

Artigos

Aula e formação: rastreio de teses de doutorado da Área de Conhecimento em Ensino

Class and training: screening of doctoral theses of the Teaching knowledge area

Eduarda Grosselli, processo de rastreamento e arquivamento dos materiais, análise dos dados, participação na escrita do artigo1 
http://orcid.org/0000-0002-3075-0449

Inauã Weirich Ribeiro, concepção e desenho, análise dos dados, participação na escrita do artigo2 
http://orcid.org/0000-0003-0701-4555

Angélica Vier Munhoz, orientação do trabalho, acréscimos ao referencial teórico, revisão e aprovação da versão final do artigo2 
http://orcid.org/0000-0002-2644-043X

1Universidade do Vale do Taquari, Centro de Ciências da Vida. Lajeado, RS, Brasil.

2Universidade do Vale do Taquari, Programa de Pós-Graduação em Ensino. Lajeado, RS, Brasil.


Resumo

O presente artigo deriva de um projeto de pesquisa vinculado ao Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento, da Universidade do Vale do Taquari - Univates. Esta investigação foi realizada por uma bolsista de iniciação científica, em conjunto com uma bolsista de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ensino da mesma Universidade, orientadas pela professora coordenadora do Grupo. O objetivo da pesquisa foi arquivar e arquivizar as teses de doutorado da Área de Conhecimento em Ensino (publicadas no período de 2013 a 2020) que operam com a noção de aula na formação inicial de professores no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Para tanto, utilizou-se, como referencial teórico-metodológico, a noção de arquivo de Michel Foucault. Como procedimentos arquivísticos, operou-se com os dispositivos de arquivamento e arquivização, a partir de Aquino e Val. Dispondo do arquivo e dos demais procedimentos citados, foi possível observar os enunciados correspondentes às noções em destaque – aula e formação inicial de professores. A investigação não tem a intenção de exibir uma definição das noções; todavia, evidenciou o modo como elas emergiram nesse arquivo. Dessa forma, verifica-se, como resultado, uma quase-invisibilidade das noções de “aula” e de “formação inicial de professores” na produção de teses de doutorado da Área de Conhecimento em Ensino no Brasil (período de 2013 a 2020).

Palavras-chave Arquivo; Aula; Capes; Formação inicial e professores

Abstract

This article derives from a research project linked to the Curriculum, Space, Movement Research Group of the Universidade do Vale do Taquari - Univates. It was carried out by an undergraduate research fellow together with a doctoral fellow of the Post-Graduate Program in Teaching of the same university, guided by the group’s coordinating professor. The objective of the research was to archive and “archivize”, the Teaching Knowledge Area’s doctoral theses (published in the period from 2013 to 2020) that operate with the notion of class in the initial training of teachers in the Catalog of Theses and Dissertations of the Coordination for the Improvement of Higher Level Personnel. For this purpose, the notion of archive of Michel Foucault was used as a theoretical-methodological reference. As archival procedures, Aquino and Val’s archiving and “archivizing” mechanisms were used. With the archive and the other mentioned procedures available, it was possible to observe the statements that corresponded to the notions in focus – class and initial teacher training. The investigation did not intend to display a definition of the notions; however, it showed how they emerged in this archive. Thus, as a result, there is a near-invisibility of the notions of “class” and “initial teacher training” in the production of doctoral theses of the Teaching Knowledge Area in Brazil (period 2013 - 2020).

Keywords Archive; Class; Capes; Initial teacher training

Introdução

O presente artigo é oriundo do projeto de pesquisa intitulado “A aula na formação inicial de professores: uma investigação arquivística”, que está incorporado ao macroprojeto “A aula como criação: interfaces com a docência, o ensinar e o aprender”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento (CEM/CNPq/Univates). O grupo CEM, existente desde 2013 e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEnsino) da Universidade do Vale do Taquari – Univates, é composto atualmente por três Grupos de Trabalho denominados, respectivamente, de “GT1: Ensino e Diferenças”; “GT2: Arquivo, Docência, Criação” e “GT3: Aprendizagem, Docência Inventiva e Educação a Distância”. Apesar dessa divisão temática na configuração estrutural do grupo, o CEM, através do macroprojeto em execução desde 2021, vem elaborando suas pesquisas em torno da aula, na relação com a docência e com os processos de ensinar e aprender, tomando-a como possibilidades de criação.

À vista disso, o projeto de pesquisa em destaque neste artigo objetiva arquivar e arquivizar as teses de doutorado da Área de Conhecimento em Ensino (ACE) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicadas no período de 2013 a 2020 que operam com a noção de aula na formação inicial de professores. Cabe ressaltar que a finalidade da referida investigação é buscar compreender de que modo a aula vem sendo pensada, articulada e operada nas discursividades das produções acadêmicas da ACE. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida por uma bolsista de iniciação científica (BIC) da Univates, orientada pela coordenadora do Grupo CEM, pesquisadora do GT2 – grupo de trabalho que integra o projeto –, e contou com trocas coletivas produzidas com as demais bolsistas que, igualmente, debruçam-se sob o referencial teórico-metodológico utilizado – o arquivo – a partir de Foucault (2009).

Sendo assim, o arquivo é o referencial teórico e, ao mesmo tempo, o procedimento metodológico utilizado pelo GT2 para produção de suas pesquisas. Essa definição não deixa de estar correta, mas apresenta-se como uma condição reducionista, tendo em vista o tamanho da proporção que pode tomar um arquivo. Mais do que um procedimento metodológico, o arquivo engendra uma possibilidade de encontros, a oportunidade de dar voz e visibilidade para algo, a chance de surpreender-se com os achados que estavam à espera do toque do pesquisador curioso. Curiosidade do pesquisador de embarcar na aventura do arquivo, andando sob/sobre as páginas, físicas e digitais, em busca dos porquês. É com base nessas características que o presente artigo está formulado, visto que se origina de inquietações relacionadas à aula na formação inicial de professores e aos modos de vê-la e entendê-la. Nesse sentido, o arquivo como referencial teórico-metodológico deste artigo é concebido na perspectiva do filósofo Foucault (2009), com o acréscimo de outros dois movimentos arquivísticos criados por Aquino e do Val (2018), nomeados de arquivamento e arquivização.

Nessa perspectiva, a aula e a formação inicial de professores tornam-se noções organizadoras do arquivo de maneira que não funcionam como conceitos ou temáticas a serem introduzidas, assim como em uma abordagem dedutiva hermenêutica. Nesse sentido, o procedimento ganha maior visibilidade e as articulações conceituais passam a ser desenvolvidas a posteriori, como uma das possibilidades dos movimentos de arquivamento e arquivização.

Dessa maneira, este artigo pretende mostrar o caminho percorrido para a produção do arquivo, rastreando a noção de aula em teses da ACE envolvidas com a formação inicial de professores, bem como apresentar achados emergentes do/no arquivo que estejam relacionados ao questionamento/problema desta pesquisa: como a noção de aula na formação inicial de professores vem sendo compreendida na produção de teses da ACE? Olhar especificamente para a ACE se torna importante, visto que é uma área de conhecimento criada recentemente pela Capes (2011), dentro do Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar, de modo que se diferencia da Área de Conhecimento em Educação, que é vinculada ao Colégio de Humanidades.

Logo, a estrutura do artigo está organizada, inicialmente, com a apresentação do referencial teórico-metodológico utilizado nesta pesquisa – o arquivo. Na sequência, descreve-se o processo de arquivamento produzido, articulado com o processo de arquivização dos materiais que emergem desse arquivo. Conclui-se com a discussão sobre a aula na formação inicial de professores.

Sobre o arquivar e seus procedimentos

O arquivo é operacionalizado neste trabalho como aquilo “[...] que define o modo de atualidade do enunciado-coisa; é o sistema de seu funcionamento” (Foucault, 2009, p. 147). Sendo assim, ao tratar do arquivo, o enunciado estabelece um eixo essencial que, segundo Foucault (2009, p. 98),

[…] é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles ‘fazem sentido’ ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita).

O enunciado caracteriza-se como “[...] uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (Foucault, 2009, p. 98). Por esse fato, o processo de arquivar está relacionado com a produção de um arquivo, uma vez que os enunciados emergem à medida que o arquivo ganha forma. Esse modo de produção faz o pesquisador trabalhar constantemente com a dúvida cruel do que está por vir.

A ideia de acontecer pelo/no arquivo é apresentada por Foucault (2009, p. 147) quando ele diz que “[...] o arquivo define um nível particular: o de uma prática que faz surgir uma multiplicidade de enunciados como tantos acontecimentos singulares, como tantas coisas oferecidas ao tratamento e à manipulação”. Desse modo, “[...] o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (Foucault, 2009, p. 147). A multiplicidade de ditos que emerge no arquivo fala de um nível particular, uma vez que não é possível atingir uma totalidade de discursividades. Assim, o arquivo produzido é um recorte com delimitação de espaço e de tempo, e, por esse fato, apresenta as multiplicidades em questão – neste caso, os ditos em torno da aula e da formação (inicial) de professores. Nesse sentido, Foucault (2009, p. 148) lembra que “[...] é evidente que não se pode descrever exaustivamente o arquivo de uma sociedade, de uma cultura ou de uma civilização: nem mesmo, sem dúvida, o arquivo de toda uma época”.

Aliado a isso, destaca-se a relação arquivo e arquivista; ou seja, os movimentos daquele que está a trabalhar com o arquivo. Apesar de o arquivista produzir intencionalidades para sua efetivação,

[…] não nos é possível descrever nosso próprio arquivo, já que é no interior de suas regras que falamos, já que é ele que dá ao que podemos dizer - e a ele próprio, objeto de nosso discurso - seus modos de aparecimento, suas formas de existência e de coexistência, seu sistema de acúmulo, de historicidade e de desaparecimento

(Foucault, 2009, p. 148).

Dessa feita, o arquivista realiza movimentos que lhe permitem operar com os ditos enquanto acontecimentos singulares. Neste artigo, exploram-se dois procedimentos que podem ser operados pelo arquivista – o arquivamento e a arquivização (Aquino; do Val, 2018). Para serem realizados, esses procedimentos precisam do arquivista, mas entende-se que esse não produz nada fora do arquivo. O arquivista não trará elementos que não sejam o que foi efetivamente dito ou o que efetivamente emergiu do arquivo; trata-se apenas de operar com procedimentos para que o arquivo se constitua. Desse modo, Aquino e do Val (2018) entendem que o arquivamento está relacionado a uma obstinação documentária, da mesma maneira que a arquivização está relacionada à imaginação recriadora.

Para melhor contextualizar esses procedimentos, entende-se que, na operação de arquivamento, é necessário que o pesquisador opere à semelhança de uma bússola, destacando enunciados, relacionando--os e delineando uma perspectiva analítica da temática investigada (Aquino; do Val, 2018). Nesse sentido, o arquivamento caracteriza-se pela “[...] tarefa de reordenação transversal das fontes, por meio das (re)montagens das lacunas discursivas em torno de determinados problemas concretos abrigados no e pelo arquivo” (Aquino; do Val, 2018, p. 49). Sendo assim, os autores enfatizam o termo “montagem”, uma vez que esse consegue definir a operação do primeiro procedimento, de arquivamento, que se

[…] inicia com o manuseio de um amplo conjunto de documentos e, em seguida, de classificações dos enunciados, a fim de que seja possível isolar peças-chave e elementos adjacentes, com vistas à proposição de um mapa dos discursos que foram possíveis em uma dada época e em um local específico

(Aquino; do Val, 2018, p. 49).

Acerca do segundo procedimento, a arquivização, Aquino e do Val (2018, p. 50) entendem que essa “[...] oscila entre uma perscrutação de cunho serial e outra acontecimental”. Para isso, a arquivização utiliza séries, que podem ser entendidas como um conjunto de textos agrupados de acordo com delimitações enunciativas específicas, capazes de proporcionar uma ampla visibilidade acerca da temática, podendo, às vezes, utilizar outros documentos que ora fazem falar, ora fazem outras séries (Aquino; do Val, 2018). Assim, por meio da arquivização, dá-se “[...] o encontro não somente com os papéis inertes da história, mas com potências ativas, na qualidade de pontos de inflexão que mobilizam e produzem ressonâncias, dada sua capacidade de produzirem desvio” (Aquino; do Val, 2018, p. 50).

Portanto, através desses procedimentos ocorre a operacionalização do arquivo, indicando que, após sua realização – ou até mesmo em meio a ela –, é necessário fazer uma descrição, a qual, segundo Foucault (2009, p. 148) “[...] desenvolve suas possibilidades (e o controle de suas possibilidades), a partir dos discursos que começam a deixar justamente de ser os nossos”. Por isso, a análise do arquivo comporta “[...] uma região privilegiada: ao mesmo tempo próxima de nós, mas diferente de nossa atualidade, trata-se da orla do tempo que cerca nosso presente, que o domina e que o indica em sua alteridade” (Foucault, 2009, p. 148).

Arquivamento: compondo um arquivo

A composição do arquivo, inicialmente, surgiu na ordem do coletivo, na produção conjunta de uma bolsista de doutorado e de três bolsistas de iniciação científica do Grupo CEM, com acompanhamento da orientadora responsável. Em especial, a produção desta pesquisa nasceu do desejo potencializador da bolsista de doutorado, que decidiu utilizar a ACE como arquivo em sua tese devido às inquietações produzidas por leituras anteriores. Outro ponto que contribuiu para sua produção foi a vinculação do Grupo CEM ao PPGEnsino. Com base nessa motivação, a referida bolsista de doutorado realizou buscas com foco na criação, objetivos e justificativas da ACE e, a partir dos seus achados, elaborou sua proposta de pesquisa para o doutorado. O que o desejo dessa doutoranda e sua tese de doutorado tem a ver com tudo isso?

A intenção de pontuar a gênese dessa composição arquivística aconteceu na relação, posteriormente produzida, entre a tese de doutorado e os demais projetos de pesquisa das BIC, todas integrantes do GT2. Nesse sentido, optou-se por trabalhar com a ACE, seguindo a perspectiva arquivística proposta por Foucault (2009). No entanto, questões procedimentais tiveram que ser pensadas, no que diz respeito às materialidades repetíveis (Foucault, 2009) de discursos, para a composição desse arquivo. A materialidade repetível refere-se ao “[...] status de coisa ou objeto do arquivo que é variável conforme o seu regime complexo de instituições materiais, das possibilidades de (re)inscrição e transcrição” (Ribeiro, 2019, p. 30), como livros, teses, artigos, resumos etc. Nesse sentido, foi necessário investigar quais materialidades repetíveis poderiam constituir a especificidade da ACE. Após observar algumas possibilidades colocadas pela ACE em meio ao amplo campo empírico, a bolsista de doutorado compreendeu que trabalhar com as teses e dissertações da ACE disponíveis no CTDC seria o mais adequado frente à quantidade de materialidades identificadas. Todavia, outro problema procedimental se interpôs: um número elevado de resultados encontrados na busca de teses e dissertações da Área, inviabilizando a análise frente ao tempo de duração das pesquisas, tanto de doutorado, quanto de iniciação científica.

Desse modo, a partir de questionamentos produzidos e das possibilidades de seleção disponíveis no CTDC, entendeu-se que a composição do arquivo poderia ocorrer através de um filtro específico do Catálogo. É possível distinguir os Programas de Pós-Graduação (PPG) pelo filtro “Nome do Programa”. Assim, optou-se por selecionar, no filtro, os programas de nome “Ensino”. Esse movimento gerou como resultados somente teses e dissertações desses programas, excluindo os demais que também integram a ACE.

À vista disso, em setembro de 2021 foi realizada a busca das teses e dissertações dos Programas de Pós-Graduação em Ensino (PPGE), que exibiu a totalidade desse arquivo, configurando 907 resultados. Destaca-se a data de início (2021), visto que, se a busca for realizada em outro período, os resultados encontrados poderão modificar-se devido à constante publicação de trabalhos. Sendo assim, decidiu-se atualizar esse arquivo em intervalos pré-estabelecidos, de seis em seis meses. Contudo, até o momento de publicação do artigo, o arquivo continua sendo composto pelos 907 resultados recolhidos na data indicada. Ao compreender essa atualização de trabalhos ocorrida no Catálogo, preferiu-se, na data indicada anteriormente, criar uma planilha eletrônica com a cópia direta dos resultados encontrados. Esse cuidado foi tomado pois, mesmo que outros trabalhos não tenham aparecido no site ao realizar uma nova busca, verifica-se uma mudança na ordem de apresentação dos resultados, ainda que o tempo entre uma busca e outra seja curto, de um dia para o outro. Assim, todas as bolsistas partiram do mesmo arquivo, sem alterações, para desenvolver suas investigações.

A cópia direta, ou seja, a lista dos 907 resultados encontrados, apresentou trabalhos anteriores à instituição da Plataforma Sucupira e outros que foram publicados depois da sua criação. Sendo assim, para a primeira situação (trabalhos anteriores à Plataforma), as bolsistas compuseram o arquivamento através das referências disponíveis na cópia direta, enquanto para a segunda foram utilizadas informações disponibilizadas no link “Detalhes”, disponível logo abaixo do resultado na cópia direta. Esse link, ao ser ativado, abria uma nova página com mais dados. Desse modo, produziu-se uma tabulação com as informações encontradas no CTDC, as quais foram inseridas manualmente pelas BIC em outra página, nomeada “Arquivo Completo”, na mesma planilha eletrônica da cópia direta. Com esse procedimento, foi possível tabular as seguintes informações: número (do resultado da busca), instituição, programa, título do trabalho, autor, tipo de trabalho de conclusão, ano, resumo, palavras-chave, área de concentração, linha de pesquisa, projeto de pesquisa, nome da orientadora e financiamento. Esse processo de arquivamento teve duração de aproximadamente dois meses.

Finalizada essa parte do arquivamento, executado de modo coletivo pelas bolsistas, a pesquisa do presente artigo seguiu com movimentos individuais da bolsista responsável. Destaca-se que, para dar continuidade ao arquivamento de forma individual, foi necessário fazer uma cópia da planilha eletrônica, objetivando trabalhar com as especificidades de cada pesquisa, sem interferências dos demais projetos associados na operação do arquivamento.

Dessa forma, o primeiro movimento construído pela bolsista do projeto em questão ocorreu de acordo com as orientações do projeto de pesquisa, o qual apenas pontuava a busca por teses de doutorado publicadas no período de 2013 a 2020. A busca foi realizada através da coluna “Tipo de trabalho”, informação disponível na página da planilha “Arquivo Completo”. Esse filtro forneceu como resultado 15 teses de doutorado que se encaixaram nos anos estabelecidos, tendo sido encontradas 16 teses ao todo; ou seja, uma foi excluída pelo critério do ano. Os resultados encontrados foram selecionados com todos os dados disponíveis no “Arquivo Completo” e transpostos para uma nova página intitulada “Teses - 1° agrupamento”, na mesma planilha eletrônica utilizada para os primeiros arquivamentos.

Nesse novo agrupamento, que reuniu as 15 teses de doutorado do PPGE publicadas dentro do período estabelecido (2013 a 2020), todos os dados foram considerados. Inicialmente, foi possível perceber que todas as teses de doutorado estavam vinculadas à Fundação do Vale do Taquari de Educação e Desenvolvimento Social, a qual se caracteriza por ser “[...] uma entidade de ensino de caráter comunitário e beneficente de direito privado e sem fins lucrativos, que mantém a Universidade do Vale do Taquari – Univates e o Centro de Educação Profissional (CEP)” (Fundação Univates, online).

Obtido esse primeiro dado através do arquivo completo, surgiram indagações referentes à presença de uma única Instituição nas 15 teses encontradas. Na tentativa de alcançar uma possível resposta para essa questão de as 15 teses serem oriundas de uma mesma instituição, a bolsista de iniciação científica, junto com a bolsista de doutorado, adentrou na série (Foucault, 2009) documental disponibilizada no site da Capes, no campo Área de Avaliação em Ensino. Essa busca aconteceu em janeiro de 2022, através da leitura de todos os documentos disponibilizados entre 2011 e 2020. A partir de uma rápida leitura, verificou-se que, até 2017 – ano de publicação do documento intitulado “Relatório de Avaliação” –, apenas duas Instituições de Ensino exibiam o nome de seu PPG vinculado apenas a Ensino: a Univates e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). No entanto, apenas o PPGE da Univates oferecia mestrado e doutorado, enquanto a Unioeste oferecia somente mestrado. O fato de o resultado de todas as teses desse arquivo pertencerem à Univates foi atribuído à possibilidade de que somente essa dispunha de mestrado e doutorado com nome “em Ensino” na época, enquanto as demais instituições organizavam seus PPGs em “Ensino de”, apresentando outras categorias, o que interferia na questão apresentada acima. Outro ponto importante a ser considerado é o período/tempo de aprovação de novos cursos. Para haver teses de doutorado em Ensino publicadas no CTDC, seria necessário que esses cursos tivessem sido aprovados até o ano de 2018, já que o recorte temporal desta pesquisa é 2020. Dessa maneira, o tempo mínimo para a defesa de uma tese seria de dois anos. Cabe destacar que, até 2022, a Univates era a única instituição que contava com um PPG apenas em Ensino, com doutorado acadêmico aprovado, de acordo com a Plataforma Sucupira (Capes, c2022).

Dando continuidade à descrição dos dados encontrados, identificou-se que as teses apresentadas na busca pelas publicações do período de 2013 a 2020 foram publicadas nos anos de 2019 e 2020, sendo 2020 o ano com maior número de teses de doutorado publicadas, num total de 13. Ademais, as 15 teses pertenciam à mesma Área de Concentração, denominada “Alfabetização Científica e Tecnológica”, uma vez que, como dito anteriormente, estavam vinculadas à mesma instituição e, consequentemente, à mesma Área de Concentração. Além disso, as teses de doutorado evidenciavam as três linhas de pesquisa da Univates: “Formação de Professores, Estudo do Currículo e Avaliação”, indicadas em 5 teses; “Recursos, Tecnologias e Ferramentas no Ensino”, em 7 teses; e “Ciência, Sociedade e Ensino”, em 3 teses de doutorado. Para finalizar a descrição desse arquivo, verificou-se que nenhum projeto de pesquisa foi informado nas 15 teses de doutorado, como também não foi mencionado nenhum financiamento. Para melhor visualização e compreensão das teses de doutorado encontradas, apresenta-se o Quadro 1, que contém os dados mais significativos desse arquivo.

Quadro 1 Dados significativos das teses de doutorado encontradas. 

Título Ano Palavras-chave
498 As matrizes curriculares dos cursos de licenciatura e os espaços para a interdisciplinaridade: um olhar possível para o ensino. 2020 Formação Inicial De Professores; Matrizes Curriculares; Interdisciplinaridade.
542 Investigação matemática no ensino de educação financeira e economia: uma vivência com licenciandos em matemática. 2020 Educação Financeira; Economia; Investigação Matemática; Ensino; Metacognição.
543 Protagonismo empreendedor: uma forma singular de ensinar. 2020 Protagonismo Empreendedor; Empreendedorismo; Protagonismo Infantil; Professor; Educação Básica.
544 Autilização do App Geogebra no processo de ensino dos conceitos de funções quadráticas no Ensino Médio na perspectiva da aprendizagem significativa. 2020 Função Quadrática; Campos Conceituais; Aprendi-zagem Significativa; App GeoGebra.
621 Produção de vídeos como objetos digitais de ensino e de aprendizagem potencialmente significativos (odeapss) nas ciências exatas: limites e possibilidades. 2020 Ensino; Aprendizagem; Objetos Digitais de Ensino e de Aprendizagem Potencialmente Significativos; Vídeos; Youtube.
624 Arte e potencialização de sentidos: atravessamentos no ensino. 2020 Artes; Sentidos; Processos de Ensino; Hermenêutica; Experiência.
627 O desenvolvimento do pensamento computacional e as evidências da alfabetização em código em adultos. 2020 Pensamento Computacional; Alfabetização em Código; Aprendizagem Significativa; Andragogia.
669 Ensino do empreendedorismo e aprendizagem colaborativa: uma proposta pedagógica para o desenvolvimento do letramento empreendedor. 2020 Ensino do Empreendedorismo; Aprendizagem Colaborativa; Letramento Empreendedor.
670 Alfabetização científica na educação básica: autonomia e argumentação crítica. 2020 Alfabetização Científica; Aprendizagem por Projetos; Iniciação Científica; Educação Crítica.
692 Tessituras etnomatemáticas nos anos iniciais na perspectiva da educação bilíngue para surdos no município de Imperatriz/MA. 2020 Jogos de Linguagem; Semelhanças de Família; Escola Bilíngue; Ensino.
693 A internacionalização da Educação Superior na Bahia e suas potencialidades na formação continuada docente. 2020 Internacionalização; Educação Superior; Formação Continuada; Docência.
695 Memórias do aprender de professores. 2020 Professores; Escola Básica; Docência; Aprender; Memórias; Oficina-Ar.
696 Mentoring com professores dos anos iniciais na meto-dologia de atividades experimentais investigativas e concepção sobre a natureza de ciência. 2020 Ensino de Ciências nos Anos Iniciais; Atividades Experimentais Investigativas; Concepção sobre a Natureza de Ciência; Mentoring; Dbr.
816 Projetos de pesquisa e feiras de ciências como espaços de metacognição. 2019 Aluno Pesquisador; Pesquisa Científica; Estratégia de Ensino; Autoconhecimento; Autonomia.
821 Sequência didática para aprendizagem significativa das razões trigonométricas no triângulo retângulo. 2019 Engenharia Didática; Sequência Didática; Aprendi-zagem Significativa; Recursos de Ensino; Razões Trigonométricas no Triângulo Retângulo.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

O Quadro 1 exibe as 15 teses de doutorado encontradas por meio do arquivamento. Sendo assim, num primeiro momento, enfatizam-se no quadro as principais informações utilizadas para a seleção das teses que se enquadram no foco da pesquisa, optando por mencionar por coluna o n° do Catálogo, o título da tese, o ano de publicação e as palavras-chave.

A descrição acima apresentou os dados considerados significativos para esta pesquisa. Dessa maneira, conheceu-se o procedimento realizado para a constituição de um primeiro arquivamento, com vistas a identificar os ditos em torno da aula e da formação de professores. A discussão em torno dos discursos sobre aula na formação inicial de professores ou na formação de professores nas teses selecionadas é apresentada na seção a seguir por meio do procedimento de arquivização.

Arquivização: o que emerge desse arquivo?

Diante da finalização do arquivamento, verificou-se a importância do seu complemento no procedimento de arquivização, bem como do que emergiu sobre a aula e a formação inicial de professores nesse arquivo. Considerando o exposto, foi necessário realizar a busca com os descritores “aula”, “formação inicial de professores” e “formação de professores” nos títulos, resumos e palavras-chave das teses selecionadas, no portal de teses da Capes. O descritor “aula” foi investigado primeiro nos resumos, sendo encontrado em sete teses de doutorado, nos resultados 498, 543, 621, 624, 670, 692 e 821. As teses que apresentaram os ditos “aula”, “sala de aula” e “aulas” foram inseridas com todas as informações do Catálogo, numa nova página da planilha, nomeada “Teses - Aula”. Desse modo, criou-se o Quadro 2 com o objetivo de exibir os enunciados que emergiram nas teses de doutorado que apresentaram o descritor “aula”, a variação no plural “aulas” e a variação discursiva “sala de aula”.

Quadro 2 Enunciados selecionados a partir do descritor “aula” por número de resultado. 

Descritor Enunciado
498 Sala de aula “Ao colega Fabrício Agostinho Bagatini, pela amizade iniciada na sala de aula da graduação no ano 2000 e mantido lado a lado até o doutorado”. (grifo nosso)
543 Sala de aula “O campo de pesquisa foi a sala de aula desse professor e a escola como um todo.” (grifo nosso)
621 Sala de aula 1 - “O acesso às tecnologias digitais, na sociedade contemporânea, é possível não somente em sala de aula, mas nos mais diversos momentos e espaços da vida”. (grifo nosso)
2 - “Nestas, articulou-se o espaço de sala de aula como um ambiente criativo, a partir da exploração dos Três Momentos Pedagógicos de Delizoicov e Angotti (2000), com oficinas pedagógicas, uso do portfólio e trabalho em equipe”. (grifo nosso)
3 - “a) No desvelamento de estratégias atuaram de forma conjunta o trabalho em equipe, a organização da sala de aula e das atividades, além da atuação do professor”. (grifo nosso)
624 Aula “Ao contemplar a arte na sua práxis pedagógica, o professor demonstra saber que uma aula não precisa ser idêntica à outra e que cada uma contém, em si, a multiplicidade, os devires, as variáveis e variantes do próprio existir”. (grifo nosso)
670 Sala de aula “Assim, embora este estudo não seja o único com competência de considerar a alfabetização científica na Educação Básica, ele tem um amplo potencial para associar essa alfabetização à aprendizagem por meio de projetos de pesquisa, construindo habilidades e competências que permitam o estudante interpretar, de forma argumentativa e com autonomia, situações diferenciadas daquelas aprendidas em sala de aula”. (grifo nosso)
692 Aulas “Os instrumentos utilizados para a geração de dados constituíram-se de observações, filmagens realizadas no decorrer das aulas de Matemática, excertos registrados no diário de campo, fotos e materiais produzidos por oito alunos surdos do 4° e 5° Anos Iniciais e duas professoras destes”. (grifo nosso)
821 Sala de aula “A metodologia de investigação se enquadra na abordagem do tipo qualitativa, fundamentada numa experiência de ensino em sala de aula”. (grifo nosso)

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Como apresentado no Quadro 2, apenas 1 tese apresentou a forma original do descritor (“aula”) e uma apresentou a forma original no plural (“aulas”). Uma outra forma, que emergiu em cinco teses, foi “sala de aula”. Embora esta pesquisa se oriente pelos descritores “aula” e “formação inicial de professores”, optou-se por exibir todos os enunciados, visto que as variações nesse contexto são entendidas como uma profusão enunciativa das coisas, à medida que a variação “sala de aula” se caracteriza por uma forma em que a noção de aula emerge. Percebe-se que há uma diferença nos enunciados expostos no Quadro 2. Consta no enunciado com o descritor “aula”: “Ao contemplar a arte na sua práxis pedagógica, o professor demonstra saber que uma aula não precisa ser idêntica à outra e que cada uma contém, em si, a multiplicidade, os devires, as variáveis e variantes do próprio existir” (grifo nosso). Esse enunciado, com a noção de aula em sua forma original, atrela a aula a um entendimento do que ela não precisa ser; ou seja, referindo-se a uma compreensão do que é ou não é uma aula, comparando-a com outras.

Numa outra direção, o enunciado com o descritor “aulas” diz o seguinte: “Os instrumentos utilizados para a geração de dados constituíram-se de observações, filmagens realizadas no decorrer das aulas de Matemática, excertos registrados no diário de campo, fotos e materiais produzidos por oito alunos surdos do 4° e 5° Anos Iniciais e duas professoras destes” (grifo nosso). Identifica-se, nesse excerto, que o plural “aulas” está relacionado ao entendimento de uma “aula de”, produzindo relação com o ensino de um conteúdo específico – nesse caso, da disciplina de Matemática.

Ademais, o descritor “sala de aula”, que emergiu uma vez nos resultados 498, 543, 670 e 821 e três vezes no resultado 621, apresenta, respectivamente, as seguintes manifestações: “Ao colega Fabrício Agostinho Bagatini, pela amizade iniciada na sala de aula da graduação no ano 2000 e mantida, lado a lado até o doutorado” (grifo nosso); “O campo de pesquisa foi a sala de aula desse professor e a escola como um todo” (grifo nosso); “O acesso às tecnologias digitais, na sociedade contemporânea, é possível não somente em sala de aula, mas nos mais diversos momentos e espaços da vida” (grifo nosso); “Nestas, articulou-se o espaço de sala de aula como um ambiente criativo, a partir da exploração dos Três Momentos Pedagógicos de Delizoicov e Angotti (2000), com oficinas pedagógicas, uso do portfólio e trabalho em equipe” (grifo nosso); “a) No desvelamento de estratégias, atuaram de forma conjunta o trabalho em equipe, a organização da sala de aula e das atividades, além da atuação do professor” (grifo nosso); “Assim, embora este estudo não seja o único com competência de considerar a alfabetização científica na Educação Básica, ele tem um amplo potencial para associar essa alfabetização à aprendizagem por meio de projetos de pesquisa, construindo habilidades e competências que permitam o estudante interpretar, de forma argumentativa e com autonomia, situações diferenciadas daquelas aprendidas em sala de aula” (grifo nosso); “A metodologia de investigação se enquadra na abordagem do tipo qualitativa, fundamentada numa experiência de ensino em sala de aula” (grifo nosso). Percebe-se, por meio da variação enunciativa aqui evidenciada, que, embora a forma “sala de aula” nos enunciados apresentados esteja mostrando conteúdos e contextos diferentes, em geral, diz respeito ao espaço físico de uma aula. Desse modo, o arquivo sinaliza, nesta pesquisa, que a aula não é um conceito trabalhado por si só, mas necessita ser comparada a outras aulas, a conteúdos específicos e ao seu espaço físico.

Conforme foi constatado no movimento de arquivamento apresentado na seção anterior, a noção de aula não é citada em nenhum dos títulos das teses de doutorado selecionadas, aspecto que, em se tratando da ACE, pode ser um ponto a ser problematizado e passível de reflexão. Considerou-se que a pouca repetição da noção de aula nos títulos, palavras-chave, resumos e textos completos das teses (apenas duas emergências) indica uma quase-invisibilidade (Foucault, 2009) dessa noção na produção de teses de doutorado na ACE no Brasil (período de 2013 a 2020). Da mesma forma, não são exibidas pistas de uma elaboração conceitual do que poderia ser entendido por aula, para além do seu uso para indicar um espaço físico de ensino. Essa quase-invisibilidade resultante das manipulações realizadas com os enunciados sobre a noção de aula é entendida por Foucault (2009, p. 126) como uma “quase-invisibilidade do ‘há’”, que se apaga naquilo mesmo do qual se pode dizer: “[...] há tal ou tal coisa”. Ainda, a quase-invisibilidade é colocada em questão, pois “por mais que o enunciado não seja oculto, nem por isso é visível” (Foucault, 2009, p. 125).

Depois da arquivização da noção de aula, realizou-se um movimento de arquivização acerca do descritor “formação inicial de professores/formação de professores”. Nesse sentido, uma nova página foi criada na tabela eletrônica utilizada também para os movimentos anteriores, intitulada “Teses – formação inicial de professores”. Assim, foi possível encontrar cinco teses de doutorado que apresentaram o descritor, relacionadas aos resultados 498, 543, 692, 693 e 695. Dessas teses, apenas uma exibiu tanto a forma discursiva “formação inicial de professores” quanto “formação de professores”. As quatro demais teses expuseram somente a forma “formação de professores”. O Quadro 3 apresenta os enunciados em torno de “formação inicial de professores” ou “formação de professores” de acordo com o número do resultado da tese.

Quadro 3 Enunciados selecionados a partir dos descritores “formação inicial de professores” e “formação de professores” por número de resultado. 

Descritor Enunciado
498 Formação inicial de professores/Formação de professores 1 - Palavras-chave: “Formação Inicial de Professores; Matrizes Curriculares; Interdis-ciplinaridade”. (grifo nosso)
2 - Linha de pesquisa: “Formação de Professores, Estudo do Currículo e Avaliação”. (grifo nosso)
543 Formação de professores 1 - Resumo: “Oriunda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino - PPGEnsino, da Univates/RS/Brasil, enquadra-se na linha de pesquisa Formação de Professores, Estudos do Currículo e Avaliação”. (grifo nosso)
2 - Linha de pesquisa: “Formação de Professores, Estudo do Currículo e Avaliação”. (grifo nosso)
692 Formação de professores Linha de pesquisa: “Formação de Professores, Estudo do Currículo e Avaliação”. (grifo nosso)
693 Formação de professores Linha de pesquisa: “Formação de Professores, Estudo do Currículo e Avaliação”. (grifo nosso)
695 Formação de professores Resumo: “d) As teorizações do aprender de professores de uma vida professoral e do território formação de professores”. (grifo nosso)

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Verifica-se, através do Quadro 3, que o descritor “formação inicial de professores”, em sua forma original, é mencionado apenas no resultado 498, mais especificamente nas palavras-chave da tese em questão, conforme foi percebido no movimento de arquivamento na seção anterior. As demais aparições do descritor ocorrem na forma “formação de professores”, na coluna Linha de Pesquisa da planilha. Do mesmo modo, com relação à noção de “aula”, percebeu-se uma quase-invisibilidade da noção de “formação inicial de professores” na produção de teses de doutorado da ACE do Brasil (período de 2013 a 2020), o que evidencia uma outra razão para a discussão do enunciado nem oculto, nem visível, pois está no limite da linguagem (Foucault, 2009). Nesse sentido, a quase-invisibilidade proposta por Foucault (2009) também diz respeito à estrutura significante da linguagem, que “[...] remete sempre a outra coisa; […] A linguagem parece sempre povoada pelo outro, pelo ausente, pelo distante, pelo longínquo; ela é atormentada pela ausência” (Foucault, 2009, p. 126).

A quase-invisibilidade (Foucault, 2009) também é verificada nos títulos das 15 teses, tendo em vista que nenhum possui a noção de “aula”, nem de “formação de professores” ou de “formação inicial de professores”. Em relação às palavras-chave, a noção de “aula” não emergiu em nenhum resultado. No entanto, a expressão “formação continuada docente” apareceu no resultado 693, na tese intitulada “A internacionalização da Educação Superior na Bahia e suas potencialidades na formação continuada docente”, publicada em 2020, a qual apresentou, entre as palavras-chave, a expressão “formação continuada”. A noção de “professores”, por sua vez, apareceu nos resultados 695 e 696, com os seguintes títulos, respectivamente: “Memórias do aprender de professores” e “Mentoring com professores dos anos iniciais na metodologia de atividades experimentais investigativas e concepção sobre a natureza de ciência”. Das 15 teses, apenas a de número 498, intitulada “As matrizes curriculares dos cursos de licenciatura e os espaços para a interdisciplinaridade: um olhar possível para o ensino”, apresentou nas palavras-chave a noção de “formação inicial de professores”.

Como já foi visto na descrição do arquivo, algumas problemáticas surgiram, em especial na coluna que contém o nome da “instituição” na página “Teses - 1° agrupamento” da planilha: das 15 teses de doutorado que estavam em consonância com esta pesquisa, todas foram produzidas na Univates, indicada pelo nome da sua mantenedora: Fundação Vale do Taquari de Educação e Desenvolvimento Social. Essa recorrência contribuiu para a emergência da repetição do descritor “formação de professores”, visto que se referiam a trabalhos de uma mesma linha de pesquisa, de um mesmo PPGE.

Aula na formação inicial de professores: sem definição, a emergência

Diante da quase-invisibilidade das noções de “aula” e de “formação inicial de professores” nas teses da ACE com que a pesquisadora se deparou na investigação apresentada acima, coloca-se a questão de como a aula vem sendo pensada na contemporaneidade. Faz-se necessário explicitar que este artigo não tem a intenção de prontamente apontar o significado e/ou a definição de aula, apesar de trabalhar diretamente essa noção. Também não tem o intuito de definir o que é uma aula segundo um único ponto de vista, dado que, ao trabalhar com o arquivo (Foucault, 2009), não se está buscando uma definição das noções observadas nesta pesquisa; pelo contrário, deseja-se introduzir um diálogo referente ao que desse arquivo (Foucault, 2009) emergiu, pois, embora haja uma quase-invisibilidade das noções no arquivo das teses de doutorado (2013 – 2020) dos PPGE da ACE, os enunciados apontam para algumas direções do que está sendo pensado, falado e compreendido por aula na formação de professores.

Para tanto, nesta pesquisa, o arquivo mostra que a noção de aula está atrelada, compondo outras variações discursivas, em especial, à forma “sala de aula”. Nesse sentido, surge o interesse por explicitar alguns modos como a aula vem sendo compreendida e conceituada na contemporaneidade, conforme dito anteriormente. Perante o exposto, a aula, substantivo feminino, é compreendida, segundo o dicionário de Oxford Languages, como:

Palácio do soberano, a corte, o conjunto dos cortesãos; exposição sobre determinada área de conhecimento, feita por professor e dirigida a um ou mais alunos, geralmente em estabelecimento de ensino; sala em que um professor leciona; sala de aula, classe; classe, turma; parte de um PPGE, no conjunto de um curso, transmitida aos alunos por professor ou por meio de textos; lição; ação, gesto, palavra ou obra que constitui um ensinamento, uma lição (Aula, 2022, online).

Nesse recorte, a aula é atrelada a diferentes visões, exibindo um panorama das significações da noção de aula; no entanto, a sala de aula enquanto espaço físico também é exibida, caracterizando-se como “sala em que um professor leciona” (Aula, 2022, online).

Dando continuidade a esse entendimento, relaciona-se e busca-se o significado de aula em uma outra espécie de dicionário, agora o “P de professor”, de Larrosa e Rechia (2019). A utilização desse livro é introduzida no diálogo por ser composto na forma de um dicionário, o qual “[...] comporta um alfabeto, que é, portanto, uma forma bem escolar de ensinar a ler e a escrever” (Larrosa; Rechia, 2019, p. 23). Na medida em que Larrosa e Rechia (2019) debruçam-se sobre a “aula” nesse dicionário, associam-na à noção de “sala de aula”, quando, logo no início, Larrosa e Rechia (2019, p. 71) expõem que “[...] a aula (em espanhol: clase) significa duas coisas: um espaço e um tempo. [...] É o lugar fundamental do ofício, como se disséssemos a oficina do professor, o lugar essencial de seu fazer”. Desse modo, prontamente os autores atrelam a aula ao espaço físico, mencionando amar sua disposição tradicional (Larrosa; Rechia, 2019). No decorrer do capítulo, relacionam a aula a essas visões de tempo e espaço.

Ademais, para Larrosa e Rechia (2019, p. 72), “[...] a aula constitui o aluno enquanto aluno (e idealmente em estudante) e constitui o professor enquanto professor [...] É ao entrar na sala de aula que o aluno se converte em aluno e que o professor se converte em professor”. Nesse trecho, nota-se a importância de a aula estar atrelada à sala de aula enquanto espaço físico, uma vez que é nesse ambiente que os personagens ocupam verdadeiramente o seu papel. Esse valor atribuído à sala de aula também é visualizado por Cubas (2021) quando esse discorre sobre o subtítulo “As mesas-trincheira”, no contexto de estágio docente, concordando com Larrosa e Rechia (2019) quando afirma que a sala de aula faz o professor, e acrescenta:

Os alunos, nos primeiros dias do estágio, são convocados a se apossar de certos espaços e objetos. O primeiro a ser incorporado é, creio, a mesa do professor. [...] Entram na sala e, em quatro passos firmes (que antecedem, muitas vezes, o “bom-dia”), atingem-na. E ali parecem seguros. Entrincheirados pela mesa e salvaguardados pelo quadro. [...] A primeira aula regida para além do perímetro da mesa é sempre uma vitória

(Cubas, 2021, p. 292).

Diante da emergência de uma quase-invisibilidade (Foucault, 2009) sobre a noção de aula no arquivo descrito, a qual está atrelada em grande parte à sala de aula, e frente aos discursos que percorrem a sala de aula na contemporaneidade, identificam-se movimentos relevantes que garantem um valor para o espaço físico da aula. A valia da sala de aula, do mesmo modo, é observada de acordo com Masschelein e Simons (2013, online), quando mencionam:

A arquitetura e o arranjo espacial da escola e da sala de aula também são relevantes. Essas coisas não são ferramentas ou ambientes que podem ser usados livremente ou que são usados de acordo com a intenção de alguém. O aluno ou o professor não assume, automaticamente, o controle sobre elas. Mais exatamente, sempre há um elemento inverso no trabalho: esses instrumentos e espaços reafirmam o controle sobre o aluno e o professor.

Dessa forma, é possível relacionar os resultados provenientes desse arquivo específico diante da noção de aula com referenciais teóricos que agregam a importância da sala de aula, variação discursiva presente no arquivo. Todavia, a pesquisa se propôs a investigar a aula na formação inicial de professores, sendo esse enunciado também uma quase-invisibilidade (Foucault, 2009) na produção de teses de doutorado da ACE do Brasil no período de 2013 a 2020. Apesar disso, a aula pode ser atrelada à formação inicial de professores “[...] porque uma aula é antes estudo, pesquisa, isto é, formação” (Costa; Munhoz, 2020, p. 196). Desse modo, a aula e o trabalho de formação podem ser pensados como práticas manuais que acontecem

Pela mão, a docência se define pelas conexões que inventa. Sobretudo, define-se pelo que pode sustentar. Manual, a aula reside inteiramente em seu ato, ou seja, é matéria maleável, suscetível de ser modelada e desfeita, opondo-se a tudo que já está formado e acabado. Espaço e tempo de gestos múltiplos, uma aula é também uma ocasião de encontro entre a ideia abstrata e a realidade concreta, a junção entre a ordem das coisas sensíveis e inteligíveis

(Costa; Munhoz, 2020, p. 196).

Sendo assim, pela via do princípio formativo comum, segundo Costa e Munhoz (2020, p. 203), “[...] o que está em jogo em uma aula não é seu caráter instrumental, mas, sim, o que pode haver nela de potencialidade, então a efetividade da relação pedagógica não se encontra no campo do decifrável”. Nesse sentido, observa-se que a aula pode ser atribuída a outros sentidos, para além da noção de sala de aula enquanto espaço físico, afinal, a aula é “Lugar do gesto, a aula é o tempo da demora, das ações que não são meios para nada, e que, tampouco, são seus próprios fins” (Costa; Munhoz, 2020, p. 203). Em suma, “[...] assim sustentada, uma aula – simplesmente – acontece […]” (Costa; Munhoz, 2020, p. 203).

Por fim, entende-se que a noção de aula nesse arquivo teve sua emergência, pois, apesar de sua quase-invisibilidade (Foucault, 2009), exibiu pistas sobre o modo como a noção de aula está sendo repetida no contexto específico já apresentado no decorrer deste artigo. Com as direções da noção de aula na formação inicial de professores desse arquivo, atrela-se a aula ao espaço físico de sala de aula, principalmente por sua potência própria de acontecer. No entanto, essas manifestações resultaram do arquivo desta pesquisa, uma vez que a noção de aula se caracteriza por um enunciado de múltiplas compressões na contemporaneidade.

Considerações Finais

O rastreio das noções de aula e formação inicial de professores nas teses dos PPGE da ACE da Capes publicadas na sua primeira década indicam uma quase-invisibilidade dessa problemática. Conclui-se que, em relação à aula na formação inicial de professores, a ACE da Capes precisa de apoio das produções realizadas no campo de Educação em torno da temática. Pensar a ACE por meio do arquivo permite dar visibilidade para o modo como esse campo vem se compondo em relação à educação e, também, identificar a invisibilidade de determinadas temáticas na sua constituição.

Artigo elaborado a partir do projeto de pesquisa de Eduarda Grosselli, intitulado “A aula na formação inicial de professores: uma investigação arquivística”. Universidade do Vale do Taquari, 2021.

Apoio/Support: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Código de Financiamento 001); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Processo 21/2551-0002212-4)

Como citar este artigo/How to cite this article

Grosselli, E.; Ribeiro, I. W.; Munhoz, A. V. Aula e formação: rastreio de teses de doutorado da área de conhecimento em Ensino. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 28, e236606, 2023. https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a6606

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Recebido: 17 de Agosto de 2022; Revisado: 16 de Dezembro de 2022; Aceito: 19 de Fevereiro de 2023

Editores responsáveis: Samuel Mendonça e José Carlos Bernardino de Carvalho Morgado.

Conflito de interesse: não há.

Correspondência para/Correspondence to: A.V. MUNHOZ. E-mail: angelicamunhoz@univates.br.

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