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Revista de Educação PUC-Campinas

versão impressa ISSN 1519-3993versão On-line ISSN 2318-0870

Educ. Puc. vol.28  Campinas  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a7204 

Artigos

A construção de brinquedos em aulas de Educação Física escolar: uma experiência pedagógica

The construction of toys in Physical Education classes at school: a pedagogical experience

Vinicius Aparecido Galindo1  , foi responsável pelo desenho, pela escrita, obtenção e análise dos dados, revisão e aprovação da versão final.
http://orcid.org/0000-0003-0123-6093

Ida Carneiro Martins2  , foi responsável pela concepção, escrita, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão e aprovação da versão final
http://orcid.org/0000-0001-7140-1598

Cinthia Lopes da Silva3  , responsável pela concepção, supervisão, escrita, revisão e aprovação da versão final.
http://orcid.org/0000-0002-7979-0337

1Centro Universitário do Norte de São Paulo. São José do Rio Preto, SP, Brasil

2Universidade Cidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo, SP, Brasil.

3Universidade do Planalto Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Educação, Lages, SC, Brasil.


Resumo

O objetivo desta pesquisa é analisar uma experiência pedagógica realizada com estudantes do Ensino Fundamental (séries iniciais) por meio de duas oficinasaulas durante o período de setembro e outubro de 2015, no sentido da educação para o lazer e numa perspectiva cultural. Quando os sujeitos são incentivados a consumir produtos tecnológicos, como jogos e brinquedos, nem sempre têm a oportunidade de refletir sobre os modos de sua utilização, o que acaba por impedir a criação de formas diferentes de brincar, assim como, de novos brinquedos. Nesta pesquisa, desenvolveu-se uma investigação bibliográfica e de campo, do tipo participante e de natureza qualitativa. Os dados foram registrados em diário de campo e foi feita uma análise interpretativa com o intuito de identificar os significados do brincar para os participantes da pesquisa. Os resultados demonstraram que os estudantes gostaram de brincar com os brinquedos que eles construíram a partir de materiais recicláveis pelo fato de eles mesmos terem montado esses brinquedos e pela possibilidade de realizar diferentes brincadeiras com os objetos construídos.

Palavras-chave: Atividades de lazer; Brincadeiras; Educação Física; Jogos; Vivência pedagógica

Abstract

The objective of this research is to analyze a pedagogical experience carried out with elementary school students (early grades), through two workshop-classes, during the period of September and October 2015, towards education for leisure and in a cultural perspective. When subjects are encouraged to consume technological products, such as games and toys, they are not always allowed to reflect on how they are used, which prevents the creation of different ways of playing, as well as creating toys. In this research, bibliographic and field investigation of participant type was carried out both of qualitative nature. The data were recorded in a field diary, and an interpretative analysis was carried out in order to identify the meanings of play for the research participants. The results showed that the students enjoyed playing with the toys they built from recyclable materials because they had assembled these toys themselves and because of the possibility of playing different games with the constructed objects.

Keywords: Leisure activities; Culture; School Physical Education; Toys and Games; Pedagogical experience

Introdução

Na sociedade contemporânea, os sujeitos são incentivados ao consumo de brinquedos, jogos e produtos que incluem a tecnologia, sem, contudo, terem a oportunidade de pensar sobre esse processo. Assim, a questão que norteia esta investigação é: como os estudantes de séries iniciais do Ensino Fundamental podem criar formas de brincar e confeccionar brinquedos com material reciclável nas aulas de Educação Física escolar? Assume-se ser essencial que os estudantes tenham acesso a conhecimentos sobre brinquedos recicláveis, o brincar e a educação para o lazer, de modo que possam refletir sobre tais elementos. Nesse contexto, as aulas de Educação Física constituem-se um ambiente favorável para a tomada de consciência de suas possibilidades e potencialidades, que possam contribuir ao desenvolvimento cultural dos discentes.

Buscando responder à questão norteadora da pesquisa, estabeleceu-se enquanto objetivo a análise de uma experiência pedagógica realizada com estudantes de séries iniciais do Ensino Fundamental por meio de oficinas-aulas que tinham como intencionalidade a educação para o lazer numa perspectiva cultural. A experiência pedagógica foi composta por dois momentos que tiveram como finalidade a elaboração de brinquedos recicláveis nas aulas de Educação Física, o que resultou numa exposição/mostra cultural dos brinquedos construídos realizada na escola. As oficinas-aula tiveram como base a educação para o lazer ( Marcellino, 2007) e a perspectiva da Educação Física plural ( Daolio, 1994).

O lúdico nas aulas de Educação Física escolar

O lúdico é diferente de qualquer atividade obrigatória e, em sua vivência, incentiva-se a imaginação, a criatividade e a inventividade, já que ele consiste em uma experiência que resulta em prazer e em diversão, possibilitando à criança reconhecer sua identidade enquanto produtora e receptora de sua cultura. Uma educação para o lazer, por meio de intervenções educativas como forma de estímulo e possibilitando a experiência de atividades diversificadas, promove a imaginação criadora e a criticidade nos seres humanos ( Marcellino, 2007). O brinquedo confeccionado com material reciclável passa a ter sentido e significado para a criança, já que ela vivenciou as fases de sua elaboração ( Mello; Campos, 2010). Ainda mais, a confecção de brinquedos requer que a criança se movimente de diferentes formas, inclusive na experimentação e, depois, quando o brinquedo já está pronto, brincando com ele – o que propicia a ampliação de seu repertório de movimentos.

Assim, a Educação Física escolar torna-se um espaço promissor para trabalhar a construção de brinquedos, pois potencializa saberes dos estudantes e viabiliza o acesso ao conhecimento sobre a criação de novas formas de brincar e de confeccionar brinquedos com material reciclável, e para isso é importante o contexto social no qual a instituição de ensino está inserida e os modos culturais de seu grupo social. Destaca-se ainda que confeccionar brinquedos e buscar novas formas de brincar nas aulas de Educação Física pode ter como propósito o desenvolvimento de valores e de atitudes, a valorização das diferenças culturas e o autoconhecimento, buscando o desenvolvimento da criticidade e da criatividade. As contribuições deste trabalho podem levar à revisão das aulas de Educação Física escolar, pois considerar a instituição escolar um espaço de construção de conhecimentos é uma forma de viabilizar aos sujeitos o acesso a diferentes culturas para o desenvolvimento de suas potencialidades.

A Educação Física escolar é tradicionalmente influenciada pelas Ciências Naturais, o que leva o professor a atuar, prioritariamente, orientado por elas, valorizando o corpo do sujeito segundo os critérios do rendimento e da performance. Para Daolio ( 1994), promover uma Educação Física plural, embasada em um referencial cultural e articulada ao contexto local, pode modificar a realidade das pessoas que a vivenciam – isto é, uma Educação Física plural que reconheça o repertório corporal que cada estudante possui quando chega à escola, sendo que o professor pode ampliar o acervo da cultura corporal de movimento dos estudantes e viabilizar a apropriação de novos conhecimentos, modificando seu contexto social.

Em uma perspectiva plural, as aulas de Educação Física escolar deverão ser um ambiente favorável para a transformação de princípios e de valores, oportunizando aos estudantes reflexões para além dos muros escolares. Para isso, conforme relata Daolio (1994), é essencial que um professor, com visão antropológica apoiada no princípio da alteridade, valorize e reconheça a diversidade dos estudantes. Esse princípio conduziu a elaboração de oficinas-aulas desta investigação, voltadas para a confecção de brinquedos com material reciclável numa perspectiva cultural; ou seja, um caminho facilitador no processo de aprendizagem, de valorização do lúdico e do sujeito a partir de suas diferenças.

As “oficinas-aulas” representam uma dinâmica pedagógica com intencionalidade, devendo ser preparadas para acontecer em um ambiente planejado nas aulas de Educação Física, que possui um formato experimental para a confecção de brinquedos e experiência das brincadeiras, pois brincar e confeccionar os brinquedos envolve criatividade, reflexão e cooperação, tão importantes para a formação do sujeito em todas as esferas do ser humano.

A utilização de recursos didáticos com materiais recicláveis nas aulas de Educação Física pode facilitar o processo de aprendizagem, já que sua implantação no ambiente onde o estudante irá confeccionar seus próprios brinquedos é, de acordo com Marcellino ( 2007), um processo de incentivo à imaginação criadora e ao espírito crítico, em que a educação para o lazer, a partir das aulas de Educação Física escolar, não cria necessidades, mas tem como propósito suprir necessidades individuais e sociais do sujeito.

As atividades vivenciadas no contexto do lazer podem promover o exercício pleno da cidadania e da autonomia, uma vez que os participantes, ao saírem de uma postura conformista, poderão atingir níveis de compreensão crítica e criativa, o que é de suma importância para o enriquecimento cultural e intelectual do ser humano na busca de uma perspectiva crítica da realidade social em condições igualitárias. Assim, a “[...] escola também pode contribuir de modo efetivo com a transformação social e, para tanto, é preciso conectá-la diretamente com o movimento social, através de uma prática escolar que fale aos alunos do povo, respeitando seu tempo [...]” ( Marcellino, 2012, p. 78).

A presente ação pedagógica foi planejada por um professor-pesquisador para acontecer durante as aulas de Educação Física, em oficinas, com o intuito de potencializar o acesso dos estudantes a conhecimentos que propiciassem o aprendizado acerca da construção de brinquedos e que permitisse a eles vivenciar o brincar com os objetos confeccionados na instituição escolar. A implementação dessas oficinas-aulas teve como requisito básico a participação dos sujeitos nas atividades, em ambiente favorável ao desenvolvimento da criticidade, da autonomia e da criatividade. Nas ações foram utilizados materiais recicláveis (tecidos, barbantes, jornais) como material para a construção (confecção) dos brinquedos e jogos.

Procedimentos Metodológicos

O presente trabalho é de natureza qualitativa (Minayo, 1994), pois busca compreender o universo de significados, das crenças, atitudes, aspirações, motivos e valores. Foi realizada uma pesquisa envolvendo os conhecimentos de estudantes do Ensino Fundamental (séries iniciais) sobre a construção de brinquedos e o brincar nas oficinas-aulas de Educação Física e também com seus pais ou responsáveis na exposição/mostra cultural, na escola, dos brinquedos confeccionados nas oficinas, da qual os estudantes também participaram.

A pesquisa foi desenvolvida em uma escola estadual da cidade de São José do Rio Preto, interior do estado de São Paulo, com estudantes de uma turma de 28 alunos (10 meninas e 18 meninos), com idade entre 10 e 11 anos, de séries iniciais do Ensino Fundamental.

Em 23 de junho de 2015 foi realizada uma reunião, para que os pais, responsáveis e estudantes tivessem acesso a orientações e informações sobre todas as fases da pesquisa e registrassem a permissão para participação dos alunos assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido definido no protocolo de pesquisa do projeto nº 87/2015, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

Foram apresentadas a eles informações sobre a implantação e o funcionamento das oficinas-aulas desenvolvidas nas aulas de Educação Física e da exposição/mostra cultural, e falou-se sobre a utilização do diário de campo pelo professor-pesquisador, onde seriam anotados os dados observados, a serem interpretados e analisados em outro momento.

Como já afirmado anteriormente, este artigo é parte de uma dissertação que teve a participação de 28 estudantes e 10 pais ou responsáveis. Para efeito deste trabalho, foram selecionadas duas oficinas-aula, nas quais 5 estudantes e seus 5 responsáveis responderam às perguntas feitas pelo professor-pesquisador. Os alunos estão identificados na Tabela 1 pelo seu número na chamada e seus pais ou responsáveis, pela primeira letra do primeiro nome: D, I, JP, S e W; os sexos masculino e feminino estão abreviados com as letras M e F e a idade de cada um dos participantes foi assinalada com o intuito de coletar dados da realidade visando identificar a faixa etária do público pesquisado. A Tabela 1, portanto, traz os dados de 3 estudantes do sexo masculino, identificados através do número deles na lista de chamada (7, 12 e 28), sendo que um deles tinha 10 anos e dois tinham 11 anos; e duas alunas (número 11 e 15 na chamada), sendo que uma tinha 11 anos e a outra tinha 10 anos e, quanto aos responsáveis, são identificados D (32 anos), I (38 anos) e S (39 anos), do sexo feminino, e JP (36 anos) e W (42 anos), do sexo masculino.

Tabela 1 - Identificação dos participantes da pesquisa (São José do Rio Preto, 2015). 

Participantes Sexo Idade
Número dos estudantes na lista de chamada
7 M 10 anos
11 F 11 anos
12 M 11 anos
15 F 10 anos
28 M 11 anos
Pai/Mãe ou responsável
D F 32 anos
I F 38 anos
JP M 36 anos
S F 39 anos
W M 42 anos

Fonte: Elaborada pelos autores (2015).

As oficinas-aulas foram organizadas na escola com as seguintes temáticas e objetivos: a primeira temática trabalhada foi “o lúdico e a socialização”, cujo objetivo foi vivenciar e interpretar a utilização de alguns brinquedos prontos, feitos com material reciclável, que foram disponibilizados para brincadeiras que valorizassem a ludicidade e oportunizassem aos estudantes partilhar as suas experiências durante o brincar, promovendo um ambiente favorável para a socialização. A segunda, “a transformação dos brinquedos e das brincadeiras”, teve o objetivo de compreender as modificações pelas quais os brinquedos passaram no decorrer das décadas, com o propósito de resgatar brincadeiras já esquecidas ou mesmo desconhecidas. Já a terceira, cuja temática foi “os jogos e o brincar”, objetivou a vivência de diferentes tipos de jogos e a inter-relação deles com diferentes culturas. Na quarta, “o lazer no tempo além da escola”, viabilizou-se aos estudantes o acesso a conhecimentos sobre lazer e seus conteúdos. “A elaboração de brinquedos recicláveis nas aulas de Educação Física” foi a quinta temática, que teve como objetivo experienciar e confeccionar brinquedos com material reciclável visando a educação para o lazer. Por fim, a sexta temática foi a “exposição/mostra cultural” na escola, dos brinquedos construídos nas oficinas”, cujo objetivo foi disseminar a cultura da construção de brinquedos nas oficinas para os pais e estudantes, incentivar novas construções e resgatar alguns jogos ou brincadeiras antigas.

Para alcançar as finalidades deste texto, foram consideradas as duas últimas oficinas-aulas realizadas. É importante relatar que, a fim de nortear as ações pedagógicas do professor-pesquisador na dinâmica das atividades, foi elaborado um plano de ensino para as seis oficinas-aulas, que tiveram como propósito o desenvolvimento do potencial educativo e cultural e a busca pelos significados do brincar e da construção de brinquedos feitos de materiais recicláveis.

Ao final de cada oficina-aula, o professor-pesquisador questionava os estudantes sobre o significado da construção de brinquedos e do brincar, por meio das seguintes perguntas: vocês gostaram de confeccionar brinquedos? Se sim, por que vocês gostaram? Se não, por que vocês não gostaram? Vocês gostaram de jogar com as crianças? Se sim, por que vocês gostaram? Se não, por que vocês não gostaram? As perguntas foram adaptadas a partir do objetivo da pesquisa para favorecer a comunicação com os estudantes, pais ou responsáveis.

Já na aula/oficina exposição/mostra cultural, aos pais ou responsáveis foi feita ainda a seguinte pergunta: vocês conhecem ou já tinham visto algum dos jogos e brinquedos feitos com materiais recicláveis? Vocês gostaram de jogar com as crianças? Se sim, por que vocês gostaram? Se não, por que vocês não gostaram?

O registro das oficinas-aulas foi feito por meio de um gravador de voz da marca Panasonic – RQ – L31 e de um diário de campo no qual foram feitas anotações sobre as aulas, as interações e as falas dos estudantes com o propósito de registrar os dados da realidade da pesquisa.

O uso do diário de campo, segundo Lopes da Silva ( 2008), possibilita interpretar os dados anotados de modo a reconstruí-los, compreendendo os sentidos que os sujeitos da pesquisa atribuem às temáticas trabalhadas e à ressignificação dessas temáticas a partir de confrontos e dos encontros de conhecimentos dos indivíduos, da mediação de sentidos desenvolvidas nas aulas. Essa foi uma forma de o professor-pesquisador refletir sobre sua intencionalidade no tocante à pesquisa, observando e analisando o método utilizado nas oficinas-aulas.

Para o relato das oficinas-aulas no diário de campo, adotou-se a seguinte estruturação: (i) parte inicial (objetivo da oficina-aula proposto aos sujeitos); (ii) observações gerais (como aconteceu a oficina-aula, o que foi observado); (iii) parte final (como a oficina-aula foi realizada; nesse momento foram feitas as perguntas da investigação aos participantes); (iv) análise da oficina-aula (interpretação e análise da oficina-aula).

No entanto, as oficinas-aulas foram explanadas conforme o número de estudantes, os objetivos e a descrição das ações pedagógicas sem que fosse estabelecida uma fronteira rígida entre a parte inicial, a parte principal e a parte final. Procurou-se relatar algumas falas, gestos e comportamentos dos sujeitos diante das atividades propostas, bem como construir um diálogo com os autores que fundamentaram esta pesquisa.

Foram realizadas, também, observações gerais sobre a dinâmica das oficinas-aulas baseadas na técnica de observação participante, que, segundo Bruyne, Herman e Schoutheete ( 1991), favorece a convivência com as pessoas a serem observadas; ou seja, ao iniciar as atividades propostas nas oficinas-aulas, o professor-pesquisador teve uma postura de observador.

Ao final da atividade organizava-se uma roda de conversa com o objetivo de fazer perguntas para coletar mais dados a respeito da realidade vivenciada. Em um segundo momento, realizava-se a descrição das oficinas-aulas, simultaneamente à compreensão e à transcrição dos acontecimentos.

As respostas dos participantes do estudo se deram por meio da manifestação espontânea quando o professor-pesquisador fazia as perguntas. Essas respostas são blocos que o professor-pesquisador desenvolveu juntando devolutivas parecidas com a dos estudantes. Essa foi uma maneira de o professor-pesquisador pensar sobre suas ações pedagógicas e interpretar os acontecimentos do decorrer da dinâmica das oficinas-aulas com a intencionalidade de promover novos arranjos pedagógicos, buscando novas formas de mediação no desenvolvimento das aulas.

A análise foi fundamentada pelo referencial teórico estudado, centrado na Educação Física plural ( Daolio, 1994, 1997), na educação para o lazer ( Marcellino, 2002, 2007, 2012), no brincar e na construção de brinquedos recicláveis ( Benjamin, 2002; Machado, 2003; Mello; Campos, 2010), por meio da análise interpretativa que, segundo Minayo ( 2012), consiste em interrelacionar os princípios teóricos elencados com os dados obtidos.

A construção de brinquedos com material reciclável (garrafas pet, revistas velhas, tampinhas, cabos de vassoura, barbante, cordas, jornais, entre outros) foi um caminho possível e alinhado ao processo de aprendizagem, como proposta pedagógica, para valorizar o estudante e o lúdico em sua totalidade. Segundo Rodrigues Júnior e Lopes da Silva ( 2008), o fenômeno social da aula o confronto e o encontro dos subúrbios do conhecimento sistematizado e do senso comum, são promotores de condições para a produção de vários signos a respeito dos conteúdos ensinados. Nas oficinas, com a intenção de motivar a transformação e a criação de diversas formas imagináveis e possíveis de brinquedos e jogos, foi possível reaproveitar materiais que inadequadamente iriam para o lixo.

Resultados e Discussão

Oficina-aula (participação de estudantes): a elaboração de brinquedos recicláveis nas aulas de Educação Física

Dessa oficina, que tinha o objetivo de promover a confecção dos brinquedos com material reciclável visando a educação para o lazer, participaram 28 estudantes. Os recursos utilizados foram: quadra, jornal, sacola plástica, barbante, durex e tesoura. A oficina teve uma duração de 50 minutos.

Em um primeiro momento, o professor organizou os estudantes da turma em um círculo, explanou o objetivo da atividade e deu orientações acerca da acomodação dos materiais recicláveis no ambiente escolar, e sobre a utilização dos recursos nessa oficina-aula e sobre como seria realizada a construção do brinquedo (peteca) com material reciclável. O professor-pesquisador destacou a importância da colaboração (cooperação) e da organização, necessárias aos estudantes envolvidos para viabilizar um aproveitamento significativo da atividade proposta e estreitar os laços afetivos entre professor e estudantes na dinâmica da oficina-aula.

De acordo com Erazo López ( 2018), o ambiente escolar é também um cenário de afetividade. Ao tratar as relações interpessoais e os relacionamentos, é essencial que o desenvolvimento da afetividade esteja presente com o intuito de promover uma aprendizagem mais significativa. É importante que o professor crie laços afetivos com os estudantes para proporcionar uma atmosfera harmoniosa para a turma, o que, por sua vez, permite a mobilização dos saberes e de vínculos entre os estudantes não somente na escola, mas também em outros espaços onde os sujeitos interagem com diferentes pessoas. Assim, sentimentos de motivação e de satisfação são gerados no professor, pois tudo é criado por meio de relacionamentos afetivos.

O professor orientou e demonstrou a todos os estudantes as etapas da confecção do brinquedo (peteca), esclareceu as dúvidas e lhes perguntou quem tinha o material reciclável, disponibilizando para quem não tinha. Uma boa comunicação entre o professor e os alunos e a utilização de múltiplos recursos adequados à situação e ao público envolvido viabiliza as ações com intencionalidade ( Ferrés, 2000). Logo após o professor distribuiu os estudantes em três grupos de seis e dois grupos com cinco, para que cada aluno confeccionasse seu brinquedo utilizando os recursos recicláveis. Para tanto, o professor incentivou os grupos em todos os momentos na dinâmica dessa oficina-aula, esclarecendo algumas dúvidas que apareceram no decorrer da atividade, orientando-os e motivando a criatividade dos estudantes. Os primeiros que terminaram seu brinquedo foram orientados a ajudarem os colegas que estivessem tendo alguma dificuldade.

O professor manteve uma rotina com os estudantes nessa oficina-aula, registrando a chamada, organizando o espaço, explicando o objetivo da atividade e como seria o processo de construção da peteca. Os estudantes seguiram atentos às orientações sobre os procedimentos para a dinâmica da oficina-aula.

Os estudantes confeccionaram o brinquedo peteca sem maiores dificuldades, o que facilitou o processo de construção. Em seguida, após os alunos terem finalizado a produção do brinquedo, o professor-pesquisador comunicou que eles poderiam utilizar a quadra para explorar suas criações. Alguns estudantes brincaram sozinhos, enquanto outros brincaram com seus amigos da turma. Observou-se que os meninos não estavam brincando com as meninas, mas o professor realizou uma intervenção com o intuito de sensibilizá-los a brincar cooperativamente, interagindo uns com os outros. Alguns estudantes começaram a jogar a peteca na cesta de basquete, e, quando algumas enroscaram na estrutura do arco fixada na tabela, os colegas jogaram as próprias petecas para liberar a do amigo. Já as meninas brincavam em duplas ou em grupo, jogando umas com as outras. A consolidação do lúdico se dá por meio do jogo, que tem sua característica no divertimento; ou seja, no agrado, no prazer e na alegria ( Huizinga, 2010).

A base da peteca foi elaborada com uma folha de papel ou jornal amassada, inserida no meio de outras duas folhas sobrepostas, cujas pontas foram puxadas para cima. Em seguida, um barbante foi empregado para fixar ao centro as folhas de jornal que envolveram a folha amassada, possibilitando o formato de bola na parte inferior do objeto. Utilizou-se uma sacola plástica para reforçar a base com o auxílio da fita adesiva. Assim, foram cortadas as pontas do jornal no formato de tiras da parte de cima para baixo até o barbante, propiciando leveza ao objeto. Em seguida, foi proposto aos estudantes uma exploração livre do brinquedo que eles tinham construído, e eles podiam escolher brincar no espaço (quadra) sozinhos ou com um de seus colegas, conforme seu interesse.

Ao encerrar as atividades, o professor-pesquisador recomendou que os estudantes limpassem a quadra, recolhendo os restos de materiais que sobraram da atividade, e sugeriu aos estudantes que ficassem em círculo para deles obter respostas para duas perguntas, sendo que, caso algum deles quisesse responder, deveria se manifestar levantando a mão. As perguntas feitas pelo professor-pesquisador aos sujeitos foram: vocês gostaram de brincar e de confeccionar brinquedos com material reciclável? Se sim, por que vocês gostaram? Se não, por que vocês não gostaram? O estudante 11 respondeu que sim, “[...] porque aqueles brinquedos que nós brincamos agora a gente fez”.

Compreendendo a resposta do estudante 11, notou-se que ele constatou que a confecção de brinquedos e jogos com material reciclável é possível. Assim, os pesquisadores entenderam que é viável ampliar a possibilidade dos diversos tipos de jogos e brincadeiras a qualquer sujeito. Além disso, a atividade lúdica foi proposta pelo professor ao estudante, tendo sido motivada a elaboração de jogos ou brinquedos com material reciclável. Os jogos e brinquedos feitos com material reciclável podem ser simples do ponto de vista de alguns padrões estéticos estipulados pela sociedade, mas são eles, a partir da criatividade do indivíduo que o confecciona, que promovem as melhores lembranças da infância do ser humano, preservando os valores, resgatando o significado do brincar e as tradições da cultura do país ( Arte Arteira, 1992). O estudante 7 afirmou que gostou da atividade “[...] porque nós aprendemos em todas as aulas”.

Interpretando o comentário do estudante 7, o brincar é uma forma de os estudantes perceberem a diversidade cultural. Um simples olhar de uma criança cativa a outra a brincar; basta existir esse momento que aguça o interesse, a curiosidade e a vontade para que sejam realizados diversos tipos de brincadeiras ( Meirelles, 2007). Essas características permitem verificar a sua essência em qualquer espaço do planeta, seja nas vilas, nas cidades ou em outros espaços; é só permitir o encontro das crianças. Segundo Fernandes Mohn, Barros de Almeida e Pereira de Souza ( 2019), as brincadeiras e o brincar são importantes para o desenvolvimento de vários aspectos nas crianças, uma vez que cooperam para a construção do conhecimento acerca da realidade e da interação social dos sujeitos. Além disso, através do simples ato de brincar, a criança desenvolve-se, manifesta-se, socializa-se, etc.

As crianças brincam junto com os outros com uma variedade de jogos e brincadeiras da antiguidade de uma maneira diferente, pela influência do contexto social advindo dos aspectos culturais que vivenciam; isto é, acompanhando as transformações culturais que ocorrem através dos tempos. No entanto, o desejo de estar junto com o outro, compartilhando a brincadeira, ainda permanece inalterado. O estudante 12 também afirmou ter gostado, mas destaca que o motivo foi o fato de ter “[...] brinquedos que eu não conhecia”.

Os brinquedos “recicláveis” são desconhecidos por muitos estudantes. Além disso, as oficinas-aulas revelaram ao professor-pesquisador a criticidade que alguns estudantes manifestaram pelo “diferente” da situação vivenciada.

Os brinquedos elaborados com materiais recicláveis usados propiciaram a proximidade com uma cultura diferenciada, a qual muitos estudantes nunca tiveram a oportunidade de experienciar, pela falta de conhecimento sobre como construir um brinquedo com esse tipo de objetos. A experiência diferente promove a descoberta do novo por meio do lúdico, desenvolvendo a autonomia no ser humano, já que desperta o interesse e o desafio de querer buscar, explorar esse recurso como alternativa para brincar em qualquer espaço sem custo algum. O ato de brincar desenvolve na criança, a seu modo, formas de expressão, socialização, diversão, projeção, exploração, manipulação, verbalização, locomoção e prazer ( Arte Arteira, 1992).

A criança manifesta suas fantasias, suas experiências, suas ansiedades e seus sentimentos por meio do brincar, em um momento espontâneo na sua ação voluntária, que ela realiza na vivência da brincadeira, tornando um ambiente de aprendizagem em prazeroso e agradável. O brincar exige entrega, leveza, espontaneidade e ação. Assim, o brincar propicia a criatividade e a interação entre as crianças, possibilitando o desenvolvimento da capacidade de inventar, reconhecer e improvisar o valor de cada espaço para a brincadeira, potencializando o lúdico e preservando a atividade, tornando-se fundamental para nutrir a infância ( Meirelles, 2007). Ao desfrutarem da sua criatividade, por meio do “conhecer os vários espaços”, as crianças criam uma diversidade de jogos, brinquedos e brincadeiras; dão vida à imaginação e à fantasia através da utilização de diversos recursos ou objetos, como: papel, pedra, gravetos, entre outros. Alguns estudantes relataram que gostaram “[...] porque foi legal e a gente não precisa gastar dinheiro” (Estudante 15) e “[...] porque tem brinquedos que a gente não precisa comprar, só usa coisa reciclável” (Estudante 28).

Essas falas revelam criticidade acerca de alternativas culturais diversificadas sem custo algum. De acordo com Benjamin ( 2002), os brinquedos manufaturados devem fazer parte do período da infância, pois as crianças procuram os que são mais simples para estimular a fantasia e a imaginação no universo infantil. Na oficina-aula, foram observados o empenho e o envolvimento dos estudantes nas suas ações de ampliar e criar a pluralidade cultural das brincadeiras por meio da construção de brinquedos recicláveis.

Por fim, foi possível compreender também que a Educação Física no ambiente escolar pode mobilizar os estudantes a confeccionarem seus brinquedos ou jogos com material reciclável e a brincarem com eles. Além disso, o professor-pesquisador faz a mediação e pode contribuir para que os sujeitos entendam que não existem apenas brinquedos e jogos industrializados para brincar e que é possível que eles, através da autonomia e criatividade, modifiquem o material reciclável para transformá-lo em diferentes jogos e brincadeiras. Para Daolio ( 1994), uma Educação Física plural reconhece e valoriza a cultura de movimento do cidadão. A Educação Física escolar deve não só dar conta da diversidade da cultura corporal humana (brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, lutas e esportes), mas também das diversas culturas durante as aulas; isto é, uma prática escolar sem discriminação ou preconceito contra a cultura corporal dos estudantes, promovendo aos sujeitos o acesso a uma Educação Física escolar inclusiva em todas as facetas do ser humano ( Daolio, 1994).

Oficina-aula (participação de estudantes e pais): exposição/mostra cultural, na escola, dos brinquedos vivenciados nas oficinas

Nessa oficina, além dos 28 estudantes, o professor-pesquisador contou com a presença de 10 responsáveis. A oficina teve como objetivo disseminar a cultura da construção de brinquedos para os pais e estudantes, incentivar novas construções e resgatar alguns jogos ou brincadeiras da antiguidade. Para tanto, durante os 50 minutos da aula, foram utilizados a quadra e brinquedos recicláveis. O professor reuniu os pais ou responsáveis e os estudantes na oficina-aula, acolheu a todos, explanou o propósito da oficina e apresentou, por meio de uma exposição/mostra cultural, o brinquedo construído pelas crianças na oficina/aula anterior (peteca), além de alguns brinquedos que também foram elaborados com material reciclável e com outros recursos e que favorecem a vivência de brincadeiras ou jogos.

Após terem tomado ciência dos objetos manufaturados, os pais ou responsáveis, juntamente com seus filhos, foram orientados no espaço para participarem de uma dinâmica por meio dos brinquedos e jogos feitos com material reciclável e da vivência de alguns brincadeiras e jogos da antiguidade. O professor propôs a todos uma atividade lúdica na qual os jogos, brinquedos ou brincadeiras (peteca 4 , raquete com meia 5 , plastibol 6 e palitão 7 , foram organizados na quadra (Figuras 1, 2, 3 e 4). Em um segundo momento, o professor sinalizou que os responsáveis e os estudantes poderiam brincar juntos e que podiam escolher qualquer jogo, brinquedo ou brincadeira, de acordo com sua preferência. O professor-pesquisador observou que, na dinâmica da atividade, as crianças brincavam com seus pais de uma forma alegre, espontânea, falando o tempo todo, ajudando e dando dicas a eles e aos demais colegas.

Fonte: Galindo ( 2016).

Figura 1- Peteca. 

Fonte: Galindo ( 2016).

Figura 2- Plastibol. 

Fonte: Galindo ( 2016).

Figura 3- Raquete com meia. 

Fonte: Galindo ( 2016).

Figura 4- Palitão. 

Os brinquedos foram distribuídos nos espaços da quadra e os participantes podiam escolher com qual queriam brincar. A raquete com meia foi uma das atividades mais procuradas por ser um brinquedo diferente da realidade de todos, e a brincadeira ocorreu com muito envolvimento e diversão. No palitão, os estudantes e seus pais analisavam o jogo, observando, fazendo apontamentos sobre a melhor estratégia a cada rodada. A peteca foi a atividade que os pais e seus filhos realizaram com mais facilidade, inclusive arriscando alguns movimentos desafiadores, quando buscavam rebater com a mão embaixo da peteca para que ela fosse mais alto ou longe, pulando alto e batendo ou estapeando o brinquedo. No plastibol, percebeu-se que as crianças ensinavam a seus pais alguns movimentos diferentes, aproximando os laços afetivos e fortalecendo os vínculos familiares. Antes de finalizar essa oficina-aula, o professor reuniu os estudantes e seus pais e perguntou aos responsáveis: vocês conhecem ou já tinham visto algum dos jogos e brinquedos recicláveis? Vocês gostaram de jogar com as crianças? Se sim, por que vocês gostaram? Se não, por que vocês não gostaram? Algumas das respostas dadas pelos responsáveis foram “ Gostei bastante, porque para resgatar os brinquedos da minha época que eles não brincam hoje” (Responsável I) e “ Com este material já tive contato uma vez. Com certeza, porque eu acho que estes brinquedos devem ser resgatados, eu acho que é válido, eles não têm conhecimento de nada disso, o negócio deles é celular, internet e os brinquedos teriam que ser resgatados mesmo” (Responsável W).

Analisando os comentários dos responsáveis I e W, identificou-se a relevância de resgatar os brinquedos e jogos da antiguidade, já que muitos estudantes não tinham tido acesso a esses brinquedos antes da oficina-aula. Além disso, os familiares expressaram admiração pelo fato de a atividade apresentar um brinquedo ou jogo diferente para o filho, inclusive possibilitando que os estudantes participassem efetivamente da sua construção. Segundo Kishimoto ( 2010), ao favorecer as condições para a expressão da brincadeira ou do jogo; isto é, uma ação com intencionalidade do adulto ou da criança para brincar, o professor está possibilitando uma troca de experiências entre todas as pessoas nas situações de aprendizagem. “ Sim, já. Sim, gostei, é bom, porque a gente na correria do dia a dia não tem este tempo com eles para brincar e hoje foi uma ótima oportunidade de a gente curtir um pouquinho com os filhos aqui a recreação da escola” (Responsável D). O Responsável S afirmou que gostou de participar da oficina-aula “[...] porque é um tempo legal, né, um tempo de aproveitamento, né, um tempo que a gente, não é gasto a gente ganha”, enquanto o Responsável JP afirmou que gostou “[...] porque é uma maneira de interagir com a criança, brincar e se divertir”.

A partir das respostas dos responsáveis D, S e JP foi possível perceber que as brincadeiras e os jogos proporcionaram momentos de interação e de diversão durante as atividades realizadas na oficina-aula. Foi destacado pelos responsáveis que, no dia a dia, muitos não têm tempo para brincar com seus filhos, e que o ambiente escolar oportunizou essa participação. De acordo com Kishimoto ( 1993), os jogos e as brincadeiras são manifestações espontâneas, tendo o propósito de disseminar a cultura popular infantil e propiciar formas de convivência social entre as pessoas.

O comentário do responsável W, que foi apresentado pela primeira vez aos brinquedos confeccionados com material reciclável durante a oficina-aula, demonstrou consciência do valor lúdico dos brinquedos para a formação da criança, acrescentando o seu espírito crítico sobre o foco das crianças, ser monopolizado pelos recursos tecnológicos e reforçando, ainda, o benefício que outras alternativas – como os brinquedos recicláveis – trazem para os estudantes”.

Schwartz ( 1992) destaca que, por meio das oportunidades de expressão da imaginação criadora no jogo e no brinquedo, a criança pode começar a explorar o seu potencial de descoberta. Assim, coloca-se a toda prova, em busca das possibilidades de aventura e de confrontação consigo própria, sendo, ela mesma, ora parceira, ora adversária, desenvolvendo o aprendizado pela exploração e pelo prazer de autossuperação. Na instituição escolar, fomentar a liberdade de criação ao confeccionar brinquedos recicláveis e incentivar o estudante a interagir com seus pais por meio da expressão lúdica possibilitam a busca de novos desafios para uma aprendizagem efetiva, e seus benefícios são ilimitados. Machado ( 2003) relata que, por ser um objeto que possui diversos significados que não são evidentes nem nítidos, o brinquedo confeccionado com material reciclável pode ser ressignificado e desvendado pela criança.

No ato de brincar, as crianças, com sua capacidade de invenção, imaginação, fantasia e criatividade, que afloram a cada instante, constroem uma ligação entre seu interior e a realidade do contexto, provocada por situações novas e inusitadas. De acordo com Marcellino ( 2002, p. 36), seria essencial que o período da infância “[...] continuasse a ser o domínio do lúdico, do brinquedo, da brincadeira, enfim de criação de uma cultura da criança. Mas o que ocorre é que, até mesmo para criança, as atividades lúdicas vêm sendo, cada vez mais precocemente, subtraídas do cotidiano”

A partir dos comentários dos pais sobre as oficinas-aulas, foi possível compreender que os jogos e as brincadeiras propostos possibilitaram momentos de socialização e diversão. Os responsáveis mencionaram que não tinham muito tempo para brincar com seus filhos no cotidiano e que a escola proporcionou essa participação. Os pais demonstraram consciência da importância do elemento lúdico na formação do estudante e acrescentaram sua criticidade sobre o fato de o foco das crianças ser monopolizado pelos recursos eletrônicos. Reforçaram, ainda, o benefício que outras possibilidades – como os brinquedos construídos com material reciclável ­– podem trazer às crianças.

A oficina-aula “exposição/mostra cultural, na escola, dos brinquedos confeccionados nas oficinas” propiciou a socialização dos pais com seus filhos com a intenção de resgatar os brinquedos e jogos construídos com material reciclável e as brincadeiras da antiguidade (tradicionais), que muitos não conheciam ou aos quais nunca tinham tido acesso. Além disso, essa experiência resultou em um ambiente enriquecedor, capaz de incentivar e sensibilizar a adesão ao hábito da cultura de confeccionar brinquedos e brincar de forma espontânea, a partir da exploração de múltiplas possibilidades de diversão. Portanto, é importante que os estudantes, no ambiente escolar, sejam incentivados às vivências de construir brinquedos, jogos ou brincadeiras, tendo a possibilidade de criarem e de se divertirem; ou seja, enriquecerem-se culturalmente. Embora alguns estudantes ou pais conhecessem parte dos brinquedos construídos ou brincadeiras apresentadas, o professor ouviu deles que há muito tempo não brincavam com essa diversidade de jogos.

A partir dos comentários dos estudantes foi possível observar nas aulas que os brinquedos e jogos elaborados com material reciclável provocaram emoção quando eles se reconheceram aprendizes no brincar. Muitos não conheciam alguns jogos e brinquedos recicláveis, nunca tinham construído um brinquedo ou tinham tido a oportunidade de brincar com essa variedade de brinquedos, e estavam empenhados e encantados com a diversidade de brincadeiras com as quais estavam envolvidos, e motivados pelas suas imaginações. Foi possível identificar na fala dos estudantes que a construção de brinquedos e jogos com material reciclável foi interessante pela novidade que lhes foi apresentada e despertou a curiosidade deles, possibilitando que eles interagissem com a possibilidade de buscar outros tipos de jogos e brincadeiras, e, quando o estudante construiu seu próprio brinquedo com material reciclável, observou-se que ele foi protagonista da sua ação.

A didática utilizada pelo professor-pesquisador foi a da promoção de atividades diversificadas por meio de novos arranjos pedagógicos; ou seja, novas estratégias com sentido e significado que promoveram o interesse e a curiosidade de quem estava vivenciando-as. Em uma das oficina-aulas, a vivência oferecida pelo professor aos estudantes tinha o propósito de confeccionar o brinquedo e brincar com ele; em outra, privilegiou-se a exposição/mostra cultural, aos pais, do brinquedo reciclável que os estudantes construíram, sendo que, na ocasião, o professor-pesquisador sugeriu a todos que partilhassem experiências com os brinquedos. Verificou-se que, quando o professor busca estratégias diversificadas ou outros arranjos pedagógicos, ocorre uma modificação das ações das crianças; ou seja, a atividade desperta a curiosidade e aguça o interesse dos estudantes, tornando a aprendizagem significativa.

Na oficina-aula “A elaboração de brinquedos recicláveis nas aulas de Educação Física”, a construção de brinquedos com material reciclável, que tinha como objetivo ampliar a diversidade de opções de jogos ou brincadeiras dos sujeitos, apresentou-se como uma atividade interessante e prazerosa. Já na oficina-aula “exposição/mostra cultural, na escola, dos brinquedos construídos nas oficinas”, observou-se que muitos brinquedos e brincadeiras levavam os responsáveis a recordar os seus tempos da infância, proporcionando-lhes experiências significativas, sendo que atualmente, com a demanda de trabalho e de obrigações, não há muito tempo disponível para que os pais partilhem essas vivências com seus filhos, além do fato de que, hoje, as crianças não têm esse tipo de experiência. O brincar dos estudantes nas oficinas-aulas foi uma ação lúdica, traduzida pela brincadeira, que tornou o ambiente fecundo para aguçar o imaginário infantil. Os estudantes, ao construírem seus brinquedos, vivenciaram momentos de satisfação pelo através do ato de criar e de ter certo grau de autonomia e de criticidade.

Foram identificados pontos relevantes, que os estudantes manifestaram e que foram elaborados junto com o professor, no decorrer das oficinas-aulas, iniciando pela vivência de brincar com brinquedos construídos com material reciclável, o reconhecimento da cultura do próximo, a oportunidade de valorizar as diferenças culturais e o conhecimento do lazer em sentido amplo no tempo disponível. Também são considerados como principais resultados deste estudo que os estudantes gostaram de brincar pelo fato de os brinquedos terem sido confeccionados com materiais recicláveis, pela construção ter sido feita por eles e pela possibilidade de diversas brincadeiras serem realizadas com os objetos construídos.

Os estudantes, que afirmaram terem se divertido, foram protagonistas das suas ações na construção do brinquedo com material reciclável; ou seja, tiveram acesso a um conhecimento novo, manifestando compreensão do recurso diferente da situação. A construção de um brinquedo com material reciclável fundamentada na Educação Física plural e na Educação para o lazer viabilizou aos sujeitos o acesso a uma variedade de brincadeiras, incentivando a fantasia e a imaginação nas vivências do brincar.

É possível destacar que o uso de estratégias pedagógicas adotadas pelo professor-pesquisador na dinâmica das atividades favoreceu o processo de ensino-aprendizagem. Os processos educativos devem ser desafiadores e dinâmicos para que incentivem a criatividade dos estudantes. As oficinas pedagógicas realizadas na escola em aulas de Educação Física, em que a transformação e o diálogo estão presentes, foram estratégias para confeccionar brinquedos e produzir cultura, visando a humanização do processo pedagógico.

Pode-se dizer que nas oficinas-aulas ministradas pelo professor-pesquisador a interação do estudante com o objeto foi significativa, por exemplo, a criança identificou as características dos artefatos, percebeu as possibilidades de transformá-lo exercendo múltiplas ações com ou sobre ele, além de ter o crédito da valorização do seu próprio trabalho.

Além da construção dos objetos, evidencia-se que as oficinas-aulas, na dinâmica das atividades, valorizaram o conhecimento prévio dos estudantes acerca da cultura corporal de movimento, respeitando as diferentes manifestações corporais e os diversos tipos de culturas. O propósito foi ampliar, aprofundar e qualificar criticamente os diversos tipos de movimentos, tendo como base a perspectiva da Educação Física plural.

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi analisar uma experiência pedagógica realizada junto a estudantes do Ensino Fundamental (séries iniciais) por meio de oficinas-aulas que tinham como finalidade a educação para o lazer em uma perspectiva cultural.

Os principais resultados obtidos foram que os estudantes gostaram de brincar com brinquedos feitos com materiais recicláveis nas oficinas-aulas pelo fato de eles próprios terem construído os brinquedos e pela possibilidade de várias brincadeiras serem realizadas com os objetos construídos.

Espera-se com esta pesquisa que os professores considerem uma Educação Física plural, que possa ser inclusiva a todos e que busca a emancipação e a construção da autonomia dos sujeitos ao atuarem numa perspectiva interdisciplinar no ambiente escolar. a emancipação e a construção da autonomia dos sujeitos. Além disso, que possam promover uma educação para o lazer, desenvolvida através da confecção de brinquedos recicláveis, de modo a propor a revisão de sentidos e de valores em todas as esferas do ser humano. Observou-se que, pelas limitações desta investigação, é essencial que outros estudos possam se aprofundar na construção de brinquedos e no brincar nas aulas de Educação Física escolar. Contudo, acredita-se que os argumentos apresentados a partir desta experiência possibilitem a compreensão das aulas de Educação Física na abordagem sobre a confecção de brinquedos e o brincar e também que auxiliem na elaboração de outras pesquisas, possibilitando reflexões e discussões sobre as práticas pedagógicas nas instituições escolares.

Referências

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Agradecimentos

Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Inciso II do artigo 2º Decreto nº 53.277/2008).

Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Inciso II do artigo 2º Decreto nº 53.277/2008).

4O propósito do jogo (peteca) era bater com a palma da mão na parte inferior do brinquedo, jogando-o para cima na direção de outro estudante ou do responsável, que o devolvia para o colega com quem estava partilhando o jogo, sem deixar que a peteca caísse no chão.

5O brinquedo raquete com meia foi elaborado com meia calça, arame e fita adesiva. A brincadeira consistia em bater a raquete em uma bolinha de meia, jogando-a para cima e na direção do colega que, em seguida, rebatia a bolinha para devolvê-la a quem tinha iniciado o jogo.

6O plastibol foi construído com garrafas pet e uma bolinha de meia cujo interior era repleto de retalhos de tecido. A brincadeira tinha como objetivo a captura, com a extremidade de uma garrafa pet, da bolinha de meia arremessada pelo colega.

Como citar este artigo/How to cite this article

Galindo, V. A.; Martins, I. C.; Silva, C. L. Experiência pedagógica em aulas de Educação Física escolar por meio da construção de brinquedos. Revista de Educação PUC-Campinas, v. 28, e237204, 2023. https://doi.org/10.24220/2318-0870v28e2023a7204

7O brinquedo foi confeccionado com diversos cabos de vassouras pintados com cores diferentes. O jogo consistia em pegar uma vareta sem mexer com as demais, somando pontos pelas cores identificadas nos palitos (preto: 50 pontos; azul: 40 pontos; verde: 30 pontos; vermelho: 20 pontos e amarelo: 10 pontos).

Recebido: 22 de Dezembro de 2022; Revisado: 28 de Fevereiro de 2023; Aceito: 14 de Abril de 2023

E-mail:< vinicius.galindo@unorte.edu.br>.

Correspondência para/ Correspondence to:

V. A. GALINDO

Editores responsável:

Mônica Piccione Gomes Rios

Conflito de interesse:

não há.

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